Plugando consciências no amplificador! Presente na web desde 2010, A Casa de Vidro é também um ponto-de-cultura focado em artes integradas, sempre catalisando as confluências.
“If there is any hope for the world at all, it does not live in climate-change conference rooms or in cities with tall buildings. It lives low down on the ground, with its arms around the people who go to battle every day to protect their forests, their mountains and their rivers because they know that the forests, the mountains and the rivers protect them. The first step towards reimagining a world gone terribly wrong would be to stop the annihilation of those who have a different imagination—an imagination that is outside of capitalism as well as communism. An imagination which has an altogether different understanding of what constitutes happiness and fulfillment. To gain this philosophical space, it is necessary to concede some physical space for the survival of those who may look like the keepers of our past, but who may really be the guides to our future.”
—Arundhati Roy
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Findou-se o Fórum Social Mundial 2015 na Tunísia. No ano que vem ele migra para Montreal, Québec (imaginem o quanto isso vai ser foda!). Minha vontade de participar desses “laboratórios de outros mundos possíveis” é imensa. Mas nunca tive a chance de comparecer a nenhum – fora o Forum social des peuples, que foi uma vivência intensa e inesquecível, em especial pela possibilidade de conhecer, trocar ideia e marchar lado a lado por Ottawa com os ativistas do Idle No More, um dos movimentos sociais mais impressionantes da América do Norte hoje em dia.
Só imagino os calafrios na espinha e os afetos intensos que eu teria sentido se estivesse lá em Porto Alegre, no Fórum Social Mundial de 2003, quando a Arundhati Roy fez um discurso de arrepiar, brilhante em sua crítica dos males do mundo contemporâneo, e repleto de certas frases que já se tornaram verdadeiros emblemas do ativismo altermundialista mundo afora (“Another world is not only possible, she is on her way. On a quiet day, I can hear her breathing.”).
Desde que descobri a obra de Arundhati Roy em 2014, devorei todos os livros dela que encontrei pela frente. São todos profundamente excitantes e inteligentes, lindamente escritos e espetacularmente bem informados. Considero-a uma gênia. Alguém com um dom extraordinário, e que não se limita ao seu talento descomunal com a palavra, mas tem a ver com uma espécie de união harmônica entre o pensamento crítico mais lúcido, a sensibilidade empática mais intensa e a chama da indignação rebelde mais inflamada.
São poucos os livros nesta vida que a gente ama, mas nesta categoria eu coloco sem dúvida este que é com certeza um dos melhores romances das últimas décadas: “The God Of Small Things”.
Sentada à mesma mesa que Noam Chomsky, e diante do público brasileiro que se emocionava ruidosamente nas arquibancas, eis o que Arundhati Roy disse:
“Eu acredito na indignação. É dela e do espanto que vêm a vontade de construir um mundo que faça mais sentido, um em que se possa viver sem matar ou morrer. Por isso, diante de um assassinato consumado em São Paulo por um adolescente a três dias de completar 18 anos, minha proposta é de nos indignarmos bastante. Não para aumentar o rigor da lei para adolescentes, mas para aumentar nosso rigor ao exigir que a lei seja cumprida pelos governantes que querem aumentar o rigor da lei. Se eu acreditasse por um segundo que aumentar os anos de internação ou reduzir a maioridade penal diminuiria a violência, estaria fazendo campanha neste momento. Mas a realidade mostra que a violência alcança essa proporção porque o Estado falha – e a sociedade se indigna pouco. Ou só se indigna aos espasmos, quando um crime acontece. Se vivemos com essa violência é porque convivemos com pouco espanto e ainda menos indignação com a violência sistemática e cotidiana cometida contra crianças e adolescentes, no descumprimento da Constituição em seus princípios mais básicos. Se tivessem voz, os adolescentes que queremos encarcerar com ainda mais rigor e por mais tempo exigiriam – de nós, como sociedade, e daqueles que nos governam pelo voto – maioridade moral.
Se é de crime que se trata, vamos falar de crime. E para isso vale a pena citar um documento da Fundação Abrinq bastante completo, que reúne os estudos mais recentes sobre o tema. Mais de 8.600 crianças e adolescentes foram assassinados no Brasil em 2010, segundo o Mapa da Violência. Vou repetir: mais de 8.600. Esse número coloca o Brasil na quarta posição entre os 99 países com as maiores taxas de homicídio de crianças e adolescentes de 0 a 19 anos. Em 2012, mais de 120 mil crianças e adolescentes foram vítimas de maus tratos e agressões segundo o relatório dos atendimentos no Disque 100. Deste total de casos, 68% sofreram negligência, 49,20% violência psicológica, 46,70% violência física, 29,20% violência sexual e 8,60% exploração do trabalho infantil. Menos de 3% dos suspeitos de terem cometido violência contra crianças e adolescentes tinham entre 12 e 18 anos incompletos, conforme levantamento feito entre janeiro e agosto de 2011. Quem comete violência contra crianças e adolescentes são os adultos.
Será que o assassinato de mais de 8.600 crianças e adolescentes e os maus tratos de mais de 120 mil não valem a nossa indignação?
Diante desse massacre persistente e cotidiano, talvez se pudesse esperar um alto índice de violência por parte de crianças e adolescentes. E a sensação da maioria da população, talvez os mesmos que clamam por redução da maioridade penal, é que há muitos adolescentes assassinos entre nós. É como se aquele que matou Victor Hugo Deppman na noite de 9 de abril fosse legião. Não é. Do total de adolescentes em conflito com a lei em 2011 no Brasil, 8,4% cometeram homicídios. A maioria dos delitos é roubo, seguido por tráfico. Quase metade do total de adolescentes infratores realizaram o primeiro ato infracional entre os 15 e os 17 anos, conforme uma pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). E, adivinhe: a maioria abandonou a escola (ou foi abandonado por ela) aos 14 anos, entre a quinta e a sexta séries. E quase 90% não completou o ensino fundamental.
Será que não há algo para pensar aí, uma relação explícita? Não são a escola – como lugar concreto e simbólico – e a educação – como garantia de acesso ao conhecimento, a um desejo que vá além do consumo e também a formas não violentas de se relacionar com o outro – os principais espaços de dignidade, desenvolvimento e inclusão na infância e na adolescência?
É demagogia fazer relação entre educação e violência, como querem alguns? Mas será que é aí que está a demagogia? É sério mesmo que a maioria da população de São Paulo acredita que tenha mais efeito reduzir a maioridade penal em vez de pressionar o Estado – em todos os níveis – a cumprir com sua obrigação constitucional de garantir educação de qualidade?
Não encontro argumentos que me convençam de que a redução da maioridade penal vá reduzir a violência. E encontro muitos argumentos que me convencem de que a violência está relacionada ao que acontece com a escola no Brasil. A começar pelo recado que se dá a crianças e adolescentes quando os professores são pagos com um salário indigno. Aqueles que escolhem (e eles são cada vez menos) uma das profissões mais importantes e estratégicas para o país se tornam, de imediato, desvalorizados ensinando (ou não ensinando) outros desvalorizados. Será que essa violência – brutal de várias maneiras – não tem nenhuma relação com a outra que tanto nos indigna?
Teríamos mais esperança de mudança real se, diante de um crime bárbaro, praticado por um adolescente a três dias de completar 18 anos, o povo fosse às ruas exigir que crianças e jovens sejam educados – em vez de bradar que sejam enjaulados mais cedo ou com mais rigor nas prisões que tão bem conhecemos…”
Violência e fragmentação social
Conferência de Luiz Eduardo Soares
Gravada no dia 15/6/2004
“Luiz Eduardo Soares parte de dados estatísticos para mostrar que antes da violência que acomete a sociedade, existe a injustiça social. Jovens pobres de 15 a 24 anos são as principais vítimas. Sem perspectivas, educação e convivência familiar eles são arregimentados pelo tráfico, onde encontram valores. Por outro lado, a sociedade pede às autoridades medidas de segurança pública que os afastem; gerando assim mais injustiça. Para Soares essa fragmentação não pode ser explicada somente por fatores econômicos e sociais, ela está numa cultura que segrega. Segundo ele “não se dá mecanicamente o salto da indigência, da desigualdade, do sofrimento econômico para a posse da arma, o assalto e o tráfico. (…) Há mediações culturais”.
Luiz Eduardo Soares é mestre em antropologia social, doutor em filosofia e em ciência política, especialista em segurança pública. Ex-secretário de segurança do Rio de Janeiro e Ex-secretário nacional de segurança pública. É autor de Elite da Tropa, Tudo Ou Nada, Legalidade Libertária, dentre outros livros.
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JUÍZO
Documentário de Maria Augusta Ramos
(Jovens infratores no Brasil)
1h 30min
Juízo acompanha a trajetória de jovens com menos de 18 anos de idade diante da lei. Meninas e meninos pobres entre o instante da prisão e o do julgamento por roubo, tráfico, homicídio. Como a identificação dos jovens infratores é vedada por lei, no filme eles são representados por jovens não-infratores que vivem em condições sociais similares. Todos os demais personagens de Juízo – juízes, promotores, defensores, agentes do DEGASE, familiares – são pessoas reais filmadas durante as audiências na II Vara da Justiça do Rio de Janeiro e durante visitas ao Instituto Padre Severino, local de reclusão dos jovens infratores. Juízo atravessa os mesmos corredores sem saída e as mesmas pilhas de processos vistas no filme anterior de Maria Augusta Ramos, o premiado Justiça. Conduz o espectador ao instante do julgamento para desmontar os juízos fáceis sobre a questão dos menores infratores. Quem sabe o que fazer? As cenas finais de Juízo revelam as consequências de uma sociedade que recomenda “juízo” a seus filhos, mas não o pratica.
Café Filosófico – Invenção do Contemporâneo: Muito além da economia verde | Ricardo Abramovay
“A ideia de uma possível escassez de recursos naturais, além do persistente problema das desigualdades sociais e econômicas entre os povos, colocaram em questão o modelo de desenvolvimento das sociedades contemporâneas. A dificuldade natural de impor limites ao crescimento nos coloca diante de uma reflexão: qual o sentido que queremos imprimir naquilo que fazemos? Produzimos para que e para quem? Neste programa, o sociólogo e economista Ricardo Abramovay aponta para Muito Além da Economia Verde: pensar em novas formas de consumo e em uma ética produtiva que realmente gere benefícios para as sociedades contemporâneas. Fala ainda sobre novas formas de desenvolvimento e a necessidade de se reinventar a economia.”
Conferência gravada no dia 28 de junho de 2012.
Veja também: PROVOCAÇÕES (TV CULTURA)
O Ricardo Abramovay, sociólogo e economista, professor da USP, concedeu uma entrevista muito interessante ao Abujamra no Provocações, onde ele diz muitas coisas extremamente relevantes. Ele deixa muito claro, pra começo de conversa, que é inadmissível – por ser uma rota suicida – que a Humanidade continue a queimar combustíveis fósseis como tem feito e continua a fazer hoje em dia. A Era do Petróleo acaba, ou quem acabará somos nós. A produção de automóveis que rodam à base de combustíveis fósseis é algo a ser urgentemente repensada.
A queima das reservas de “ouro negro” que hoje são patrimônio das empresas petrolíferas, com as emissões de gigatoneladas de gases de efeito estufa na atmosfera (já saturada deles), iria acarretar o caos climático mais exacerbado, com um aumento da temperatura da Terra que alguns avaliam em 6º C ao fim do século 21 de nossa era. Tal aumento de temperatura geraria a possibilidade concreta de aniquilação da civilização humana como a conhecemos, além da queda radical da biodiversidade terrestre, em uma nova era de extinção em massa. O atual modelo econômico, já dizia Terence McKenna, é uma arma carregada apontada contra a cabeça deste planeta. E estamos deixando a hegemonia e o poder nas mãos daqueles que não tem pudores em apertar o gatilho.
Quem tem olhos pra ver o tempo
Soprando sulcos na pele
Soprando sulcos na pele
Soprando sulcos?
O tempo andou riscando meu rosto
Com uma navalha fina
Sem raiva nem rancor.
O tempo riscou meu rosto com calma
Eu parei de lutar contra o tempo
ando exercendo instantes
acho que ganhei presença.
Acho que a vida anda passando a mão em mim.
A vida anda passando a mão em mim.
Acho que a vida anda passando.
A vida anda passando.
Acho que a vida anda.
A vida anda em mim.
Acho que há vida em mim.
A vida em mim anda passando.
Acho que a vida anda passando a mão em mim.
E por falar em sexo
Quem anda me comendo é o tempo
Na verdade faz tempo
Mas eu escondia
Porque ele me pegava à força
E por trás.
Um dia resolvi encará-lo de frente
E disse: Tempo,
Se você tem que me comer
Que seja com o meu consentimento
E me olhando nos olhos
Acho que ganhei o tempo
De lá pra cá
Ele tem sido bom comigo
Dizem que ando até remoçando.
A maioria das doenças que as pessoas têm são poemas presos
Abscessos, tumores, nódulos, pedras…
São palavras calcificadas, poemas sem vazão.
Mesmo cravos pretos, espinhas, cabelo encravado, prisão de ventre…
Poderiam um dia ter sido poema, mas não…
Pessoas adoecem da razão, de gostar de palavra presa.
Palavra boa é palavra líquida, escorrendo em estado de lágrima.
Lágrima é dor derretida, dor endurecida é tumor.
Lágrima é raiva derretida, raiva endurecida é tumor.
Lágrima é alegria derretida, alegria endurecida é tumor.
Lágrima é pessoa derretida, pessoa endurecida é tumor.
Tempo endurecido é tumor, tempo derretido é poema.
E você pode arrancar os poemas endurecidos do seu corpo
Com buchas vegetais, óleos medicinais, com a ponta dos dedos, com as unhas.
Você pode arrancar poema com alicate de cutícula, com pente, com uma agulha.
Você pode arrancar poema com pomada de basilicão, com massagem, hidratação.
Mas não use bisturi quase nunca,
Em caso de poemas difíceis use a dança.
A dança é uma forma de amolecer os poemas endurecidos do corpo.
Uma forma de soltá-los das dobras, dos dedos dos pés, das unhas.
São os poemas-corte, os poemas-peito, os poemas-olhos,
Os poemas-sexo, os poemas-cílio…
Atualmente, ando gostando dos pensamentos-chão.
Pensamento-chão é grama e nasce do pé,
É poema de pé no chão,
É poema de gente normal, de gente simples,
Gente de Espírito Santo.
Eu venho de Espírito Santo.
Eu sou do Espírito Santo, eu trago a Vitória do Espírito Santo.
Santo é um espírito capaz de operar o milagre sobre si mesmo.
Millôr Fernandes, no Livro Vermelho, comenta sobre o “direito inalienável de contestação”, este pilar imprescindível para qualquer democracia, e pondera que “isso não exclui, é claro, antes inclui, como coisa definitiva, o direito de contestar a contestação dos outros.” [1]
Exercendo meu direito cívico legítimo de contestar a contestação alheia, compartilho aqui algumas impressões e reflexões sobre a “micareta macabra” (para citar palavras de Maria Frô) que tomou as ruas do país no Domingo, dia 15 de Março de 2015 (doravante referido como “15-M”). Escancarou-se naquele dia um tal “assanhamento da direita”, como escreveu Guilherme Boulos, que “o que se viu foram níveis recordes da Escala F, criada por Theodor Adorno para medir as tendências fascistas que emergem nas democracias liberais.” [2]
Há também muitos relatos de pessoas que foram hostilizadas, insultadas ou quase-linchadas simplesmente por estarem vestindo roupas vermelhas (e que por isso foram de imediato estigmatizadas como comunistas ou bolivaristas, e por isso dignas de esculacho e espancamento). Houve até mesmo um atentado à bomba contra a sede do PT em Jundiaí/SP.
Uma fração da mídia corporativa até tentou celebrar o 15-M como uma “festa da democracia”, mas esta representação rósea foi contestada com contundência no artigo de Vladimir Safatle na Folha:
“E eu que achava que festas da democracia normalmente não tinham cartazes pedindo golpe de estado, ou seja, regimes que torturam, assassinam oponentes, censuram e praticam terrorismo de Estado. Houve um tempo em que as pessoas acreditavam que lugar de gente que sai pedindo golpe militar não é na rua recebendo confete da imprensa, mas na cadeia por incitação ao crime.” [3]
O filósofo Renato Janine Ribeiro também manifestou-se em tom semelhante ao de Safatle, defendendo que “pregar a volta dos militares deveria ser crime e levar a pessoa para a cadeia. Vários países da Europa criminalizaram a pregação nazista. Nós – que tivemos uma ditadura militar – deveríamos criminalizar a pregação da ditadura.” [4] O que acho interessante debater, neste caso, são os limites legítimos do incontestável direito de contestação. Em outras palavras: a democracia autêntica é aquela em que impera o vale tudo e todas opiniões e atitudes podem manifestar-se sem freios, ou então ela pode e deve impor limites, por exemplo, à expressão/manifestação de ímpetos anti-democráticos?
Com certeza há quem defenda que o princípio da liberdade de expressão deve ser respeitado de modo absoluto, devendo valer até mesmo para discursos e atitudes que manifestem xenofobia, racismo, homofobia, misoginia, fascismo etc. Há mesmo quem invoque a autoridade de Voltaire (1694-1778), a quem é atribuída a famosa frase (apócrifa): “Posso até não concordar com o que dizes, mas defenderei até a morte o teu direito de dizê-lo.” Citada assim, avulsa e fora de contexto, a frase (jamais escrita ou proferida por Voltaire) contribui para a fabricação de uma imagem deste filósofo como defensor da tolerância total e absoluta, o que está longe de ser o caso.
Uma análise cuidadosa dos escritos de Voltaire, em especial do Tratado Sobre a Tolerância (já esmiuçado em artigo publicado aqui na Casa de Vidro),demonstra todo o horror que este pensador nutria pela intolerância religiosa e pelos regimes políticos teocráticos, duramente criticados como culpados pela ocorrência de guerras sectárias, de pogroms e massacres (como a Noite de São Bartolomeu), de cruzadas e inquisições. [5]
Devemos de fato ser tolerantes com a intolerância? A democracia deve permitir impunemente a ação daquilo que procura destrui-la e corroê-la? Ou a liberdade de expressão e manifestação, longe de absolutas, devem ter certos limites respeitados? Eis o que vamos explorar nas próximas linhas. Como construir uma ordem social justa, que evite os extremos da censura autoritária, de um lado, e do “vale tudo” demasiado permissivo, de outro? Este último tornaria impunes todos aqueles que, através de seus discursos e manifestações, ofendem os direitos humanos, pisam sobre grupos minoritários e marginalizados, insultam membros de outras etnias ou classes sociais, desrespeitando a liberdade de cada um de nós à sua identidade e ao respeito-pela-alteridade.
Recentemente, por exemplo, Levy Fidelix foi condenado pela justiça a pagar multa de R$1 milhão por suas declarações homofóbicas, proferidas em um debate entre os candidatos à presidência da República, decisão que foi celebrada por Luciana Genro, a candidata do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), nos seguintes termos:
A mesma Luciana Genro, em sua avaliação das manifestações do 15M, destaca também a responsabilidade da mídia corporativa brasileira na convocação e cobertura tendenciosa do que acontecia nas ruas: “Ao não ter uma ideologia crítica, anticapitalista, o que predominou foi a ideologia da classe dominante, e no guarda chuva desta ideologia as posições de direita e extrema direita também se expressam. (…) É neste caldo que a grande mídia atua, instrumentalizando e direcionando. Em junho de 2013 a Rede Globo foi questionada nas ruas por ser claramente identificada com a manipulação ideológica. E é, de fato, o grande partido da classe dominante brasileira.” [6]
O caso contra a Globo já seria bastante grave se ela limitasse sua pilantragem a práticas de Pinóquio. Mas o buraco é mais embaixo. O 15-M foi um dos maiores exemplos, nos últimos anos, da espantosa capacidade de manipulação que os mass media podem exercer, muitas vezes utilizando-se de seu público espectador como massas de manobra, a fim de servir aos interesses dos barões da mídia tradicional, como as famílias Marinho (das Organizações Globo) e Civita (da Editora Abril), que estão entre as 15 pessoas mais ricas do Brasil (só os 3 herdeiros do R. Marinho concentram hoje uma fortuna de R$ 51 BILHÕES e 640 MILHÕES de reais, segundo dados da revista Forbes).
Desde as Jornadas de Junho de 2013, porém, o poderio dos oligopólios midiáticos está sendo duramente questionado, nas ruas e nas redes, com a emergência poderosa de uma legítima contracultura, intensamente alimentada pelo cyberespaço e suas redes sociais, com a circulação de informação, de modo descentralizado, sobre muitos temas que a grande mídia prefere esconder (por exemplo, o fato de que “abrir empresa em paraíso fiscal faz parte de um velho modus operandi da Globo”.)
Recentemente, a tag #GloboGolpista tornou-se viral no cyber-espaço, chegando ao topo dos trending topics do Twitter, o que acabou chamando a atenção até mesmo da mídia internacional (ex: teleSur). Vários memescircularam, satirizando e criticando o que muitos avaliaram como uma intentona golpista perpetrada de modo descarado pela Globo. Um belo vídeo produzido pelo recém-nascido coletivo Jornalistas Livres fornece-nos um exemplo muito bem-vindo de jornalismo competente, bem-informado, audaz, capaz de conectar o presente à história.
A reportagem expõem alguns dados históricos interessantes sobre o dia 15 de Março: esta era a data de empossamento dos presidentes durante a Ditadura Militar (1964-1985). Costa e Silva, em 1967, assumiu o posto em um 15 de Março; nas próximas sucessões, em 1974 e 1979, a história se repetiu, e o último presidente da Era da Truculência, o Figueiredo, também tornou-se presidente em um 15 de Março.
Seria mera coincidência que, em 2015, esta data fatídica e macabra de nossa história tenha sido escolhida para manifestações públicas que, como apontado por muitos intérpretes (como Vladimir Safatle), tem muitas semelhanças com as “Marchas da Família com Deus pela Liberdade”, iniciadas em março de 1964 e que, após o golpe militar que derrubou o regime de Jango (acusado de estar em vias de aplicar ao Brasil medidas socialistas) passaram a se chamar “Marchas Da Vitória”?
No intento de avançar em uma reflexão mais aprofundada sobre a corrupção, a filosofia me parece imprescindível, já que estamos lidando com uma questão visceralmente ética. Acusamos os políticos de corruptos por sua falta de ética, por seus vícios morais, em especial a má gestão do bem público. Em um artigo instigante chamado A Corrupção Ronda A Liberdade, Abrahão Costa Andrade oferece uma reflexão bem oportuna:
“Vamos entender por corrupção o ato de um indivíduo ou de um grupo particular no sentido de tirar proveito ilícito de algum bem público. Muito cedo, o povo percebeu que a região da política era um pasto farto para cometimentos de corrupção. Contudo, os políticos corruptíveis são mais ágeis do que o povo, e para lá seguem e se fartam o quanto podem, antes de qualquer denúncia formalizada. Mas essa diferença entre o povo, de um lado, e os políticos, de outro, passa por uma concepção de política que favorece a prática da corrupção: a idéia de que a política e seus negócios são ‘coisas só se político’. Porém, se o bem é público, é tanto dele quanto meu, é nosso. Sendo nosso, devo ficar atento, tanto quanto tu e ele, para cuidar e preservar. Essa mentalidade, segundo a qual a coisa pública (a res publica) é de interesse comum, é o que faz de alguém um republicano, uma pessoa interessada em primeiro lugar pelo bem da coletividade. A boa idéia seria que cada cidadão pensasse no bem comum. Mas na prática é bem diferente. Primeiro deturpam o conceito de cidadão (os direito do ‘cidadão’ são os direitos do consumidor), depois trabalham para que cada ser humano permaneça preocupado mais em ganhar seu próprio pão (ou seu próprio sonho de consumo) do que em pensar no bem comum.” [7]
II. O CIDADÃO-DE-BEM PROTESTA NA PAULICÉIA DESVAIRADA
Na Avenida Paulista, havia muita gente que considera-se “cidadão-de-bem”, do mais fino pedigree, além de patriota impecável. No entanto, é preciso questionar esta auto-representação lisonjeira e narcísica de muitos destes que bradavam contra a corrupção alheia, sem parar um minuto para analisar a corrupção própria. Será que muitas destas pessoas não passam de contradições ambulantes? Muitos pensam na corrupção como algo restrito ao âmbito da política, como se somente pudessem ser corruptos os gestores da coisa pública, quando na verdade o setor privado (o mundo empresarial-corporativo, por exemplo) também está repleto de corruptores, corruptíveis e corrupções. Na tentativa de esclarecer isto, vou evocar aqui um personagem, que inicialmente pensei em batizar de Sr. Coxinha, mas que preferi enfim cognominar “Sr. Cidadão-de-Bem”.
O Cidadão-de-Bem, enfurecido, deseja secretamente que a Tropa de Choque mande bomba não somente sobre ativistas do Passe Livre, mas também sobre ciclistas, mas acha ótimo que os mega-criminosos que desviam grana para suas contas em paraísos fiscais na Suíça não somente estejam todos soltos, como tenham cargos como o de… governador do Estado de São Paulo.
Na sequência, após comprar combustíveis fósseis de uma corporação criminosa, o Cidadão-de-Bem sai peidando CO2 pelo planeta, rumo ao próximo pit stop de pessoa que encarna a bondade: ele vai e saca uma grana em sua conta no HSBC (que ele considera um banco santo!), e isso para que possa, durante o protesto, alimentar toda a sua família com lanches do McDonald’s e abundantes garrafas de Coca-Cola. O Cidadão-de-Bem é grande fã de junk food e celebra a genialidade dos yankees por esta enorme contribuição à Humanidade.
Dirigindo-se à manifestação vestindo a camiseta canarinho da CBF (ele jamais aprovou os vândalos que gritaram nas ruas “Não Vai Ter Copa” pois é grande amante da “magia do esporte”, ainda que este às vezes exponha os torcedores às humilhações das goleadas ao estilo 7 a 1). O Cidadão-de-Bem confessa para os seus: está inebriado com a perspectiva de que eles talvez tenham sua imagem difundida na Programação da Rede Globo.
O Cidadão-de-Bem não foi informado sobre a corrupção praticada pela empresa dos Marinho nos últimos 50 e poucos anos; ele tem memória curta e não se lembra que a Globo deu seu apoio ao coup d’état contra Jango, e que sacramentou seu poderio após 1968 através da cumplicidade com o regime que naquele ano instaurava o AI-5. Tampouco tem reproches a fazer contra os 600 milhões que a Globo sonegou da Receita Federal ou à propina que a Globo realizou a uma “criminosa contumaz”, funcionária corruptível da Receita Federal, para que sumisse com o processo. Ela foi condenada a 4 anos e 11 meses de prisão, como relata a reportagem de Luiz Carlos Azenha para o Jornal da Record:
O Jornal Nacional nunca contou ao Cidadão-de-Bem que os 50 bilhões de reais que os Marinho hoje acumulam foi resultado das tenebrosas transações com assassinos, torturadores e golpistas (com a única justificativa de que era bom para os negócios!). O Cidadão-de-Bem brada contra a corrupção daqueles que chama de “petralhas”, que ele demoniza como se fossem um bando de endemoniados; mas ele é incapaz de perceber ou de se importar com a corrupção dos executivos e CEOS das empresas (seja o posto de gasolina, a rede de televisão ou o banco), que o Cidadão-de-Bem adora financiar com seu consumismo tantas vezes acrítico.
O Cidadão-de-Bem pensa que é um leão rugindo contra a maldade, um gigante que acordou, quando não passa de um papagaio que repete a cartilha ditada pelas autoridades mais reacionárias da República, estas que atravessaram a Ditadura gozando de privilégios e regalias, e que, nesta fase de re-democratização em que ainda estamos, frequentemente sabotam a possibilidade de instalação de uma autêntica democracia popular. Por exemplo realizando manipulações descaradas de debates presidenciais, como fizeram em 1989 para destruir a reputação de Lula e eleger à fórceps o sacrossanto “caçador de marajás”, Fernando Collor de Mello.
O Cidadão-de-Bem nem sequer pensa, enquanto ele berra a palavra “impeachment!” na Av. Paulista – muito orgulhoso da pronúncia que adquiriu após 2 anos de curso no Cel Lep – que o único presidente que já foi fulminado por um impeachment era o candidato global, para quem a Veja batia suas palminhas. Collor nunca teria chegado ao Palácio do Planalto sem “aquela forcinha” do Mister Marinho e da Editora Abril:
No 15 de Março, o Cidadão-de-Bem ficou emocionado ao ponto das lágrimas quando ficou sabendo pela Globo que ele era parte de uma massa de “mais de um milhão”, nem suspeitando que a TV mentiu descaradamente sobre o número de pessoas presentes na Avenida Paulista: a Datafolha, mais realista, avaliou o evento paulistano em 210 mil presentes, número aliás que inúmeras edições da Parada Gay já superaram de longe (saiba mais sobre a “guerra dos números” nesta matéria da Carta Capital).
O Cidadão-de-Bem, que considera Dilma um capeta-de-saias, uma perigosa bolivarista que tem linha direta com Fidel, uma “vermelha” odiável que quer impor a transformação do Brasil em uma Venezuela chavista, não percebe quão lunático é seu anti-comunismo diante do PT governista atual (que seria dificílimo considerar sensatamente como um governo de esquerda). De todo modo, o Cidadão-de-Bem acha-se inteligentíssimo em suas posições pró-intervenção militar contra o caos socialista-bolivarista que tenta instaurar ferozmente a nossa presidenta-guerrilheira. E justifica seu apelo ao golpe violento contra Dilma citando de memória trechos de seu livro predileto, O Mínimo Que Você Precisa Saber Para Não Ser Um Idiota, de Olavo de Carvalho.
O Cidadão-de-Bem, acabado o protesto em ele esteve lá com sua Família, com Deus e pela Liberdade, apesar de seus atos e palavras terem revelado ódio, rancor e defesas do militarismo (ou seja, da violência institucionalizada), ele tem ainda tempo para realizar algo mais em seu Domingão tão eventuoso. Vai ao culto da Igreja Universal do Reino de Deus, excitado com uma novidade que promete deixar-lhe tão animado quanto as boas lutas da UFC que ele adora assistir na TV: o Cidadão-de-Bem está louco para aplaudir os Gladiadores do Altar. Pois Dila Rousseff é uma comunista bolivarista possuída pelo demônio, já Edir Macedo, Silas Malafaia e outros serafins e querubins análogos são dignos de canonização…
O sociólogo e poeta Mauro Iasi, que foi candidato à presidência da república em 2014 pelo PCB, comenta este quadro um tanto grotesco em que os auto-proclamados Cidadãos-de-Bem, em larga medida vítimas da manipulação midiática e da desinformação crônica, mostram seus dentes e soltam os cachorros, atingindo temperaturas de febre na Escala F, e sempre a mando de seus chefes, os Big Brothers versão Brazileira:
“A rede Globo, em mais uma demonstração de miséria jornalística, tenta enquadrar a realidade no molde de seu jornalismo de desinformação, transformando o circo de horrores da direita na rua no dia 15 em uma “festa da democracia”. (…) Apesar de a emissora (que recebeu auxílio governo petista para não quebrar) tentar reapresentar o samba de uma nota só da corrupção, as “ruas” gritavam coisas como: “pela intervenção militar”, “morte aos comunistas”, “em defesa do feminicídio”, “pela maioridade penal”, “contra as doutrinações marxistas nas escolas”. Algumas demandas, para facilitar o entendimento, escritas em inglês e francês.
Vejam, com todos os problemas das Jornadas de 2013, podíamos ver ali como central um conjunto de demandas como a defesa do transporte público, contra os gastos com os eventos esportivos, contra a violência da política militar, a denúncia dos limites desta pobre democracia representativa. Ainda que houvesse por um tempo a tentativa de contrabando das bandeiras direitistas, elas foram sendo isoladas das manifestações. Agora elas dão o tom e organizam grandes manifestações em defesa da barbárie.
Interessante notar que as Jornadas de 2013 foram violentamente reprimidas e o senhor Cardozo, ministro da (in)Justiça, se apressou a cercar de garantias legais a ilegalidade da repressão e criminalização dos movimentos. Já no festival da extrema-direita anticomunista, a polícia militar tirava fotos e selfies com os animados participantes vestidos com a camisa da CBF…” [8]
Um dos grandes entraves para o pleno florescimento da democracia brasileira é justamente este câncer que é a mídia burguesa e os milhões de mentes que ela mantêm cativa em sua Matrix. A grande mídia no Brasil, também conhecida pela sigla P.I.G. = Partido da Imprensa Golpista (tema de vários cartoons de Carlos Latuff), infelizmente ainda recorre à atitude suína que teve durante a Ditadura Militar (1964-1985); o golpismo, este desrespeito crasso pela democracia, é algo que os barões da mídia infelizmente ainda não puseram em desuso.
É só refletir no quanto certos colunistas da revista Veja, (de)formadores de opinião como Diogo Mainardi, Reinaldo Azevedo ou Rodrigo Constantino, contribuíram para gerar o clima de ódio exacerbado pelo PT que manifestou-se com tanta força no 15-M. Vale lembrar também que, na véspera do 2º turno das eleições presidenciais de 2014, o posicionamento ideológico pró-PSDB da Veja tornou-se explícito no “maior e mais escancarado golpe midiático das últimas décadas, repercutido na noite deste sábado no Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão, aliada política da Editora Abril”: a revista publicou uma matéria de capa repleta de acusações sem provas contra Lula e Dilma, sendo rapidamente “condenada pela Justiça Eleitoral por golpe contra a democracia” (como relata o Correio do Brasil, 25/10/2014) [9].
Cuspindo sobre o serviço ao bem público que deveriam exercer, as empresas da mídia burguesa parecem viver em um eterno 1º de Abril. O jornalismo de desinformação praticado no dia-a-dia por estas corporações esconde deliberadamente do público uma série de crimes praticados por seus aliados políticos (Privataria Tucana? Trensalão do Metrô em SP? Roubalheiras aecistas? Desastre de Alckmin na gestão da Sabesp? Isso você nunca vê no PlimPlim nem lê na Veja!).
Recentemente, o estouro de outro mega-escândalo de corrupção envolvendo o banco HSBC na Suíça revelou presença muito suspeita de contas pertencentes aos Marinho em paraísos fiscais. Os obscenos graus de enriquecimento privado que o Brasil permite aos operadores de Televisão, teoricamente uma concessão pública que deveria estar devotada ao bem público, indica o elefantíase dos oligopólios de mass media no país: “entre as 15 pessoas mais ricas do Brasil estão quatro barões da mídia“, escreve Igor Carvalho na Revista Forum, “os três herdeiros de Roberto Marinho, das Organizações Globo (R$ 51,64 bilhões), e Giancarlo Civita, herdeiro da editora Abril (R$ 7,68 bilhões).” [10] O Cidadão-de-Bem, xingando Dilma Rousseff na Paulista com os piores palavrões que encontra, pratica a cegueira voluntária em relação à corrupção no setor privado, em especial nas empresas que fabricam o conteúdo midiático que ele consome com credulidade, a-criticamente.
Diante destas graves violações, o 1º de Abril de 2015 foi eleito como um dia de grandes manifestações, programadas Brasil afora, para exigir a democratização imediata da mídia, a imposição de limites ao poderio obsceno e às práticas criminosas de empresas como a Globo e a Abril. Não é nada absurda também a demanda de revogação da concessão pública à emissora dos Marinho, após um histórico tão grotesco de violações à lei.
Os ato de terrorismo eleitoral e jornalismo panfletário, praticados em conluio pelos mais ilustres representantes do P.I.G., acabaram não dando o resultado pretendido no fim de 2014: Aécio Neves, o “predileto” do P.I.G. (talvez por ser um corrupto tão recorrente que jamais, como presidente, iria deixar que se investigassem as corrupções múltiplas praticadas pelo P.I.G.), saiu derrotado das urnas. Em Março de 2015, a polarização intensa que “dividiu o Brasil” nas campanhas para as eleições voltou a manifestar-se nas ruas: no 13 de Março, o eleitorado de Dilma, a base sindical ainda fiel ao PT, a militância petista que não tem medo deixar a Av. Paulista lotada de flâmulas vermelhas, mostrou seu apoio à presidenta, e dois dias depois foi o eleitorado de Aécio, derrotados na eleição, quem esteve ali, como a Datafolha apontou claramente (82% dos presentes ao 15-M votaram em Aécio…).
A profusão de altas temperaturas na Escala F que manifestou-se nas ruas no 15-M talvez tenha relação direta com o golpismo que a Rede Globo praticou em 1964 e que volta-e-meia parece a fim de repetir. Mais uma razão pela qual o 1º de Abril é a data ideal para um protesto anti-PIG: eis a data em que inicia-se o regime militar, instalado após o golpe de 1964, que derrubou o governo Jango e instaurou 21 anos de tanques, trevas, torturas e trabucos. A Rede Goebbels de Telemanipulação, além de outros jornalões e revistonas, não somente celebrou aquele crime contra a democracia brasileira, como também lucrou horrores nos 21 anos seguintes, através de sua cumplicidade e conivência com o regime ilegal instaurado à força de tanques e trabucos no país. Por isso a tag, já epidêmica, #GloboGolpista, parece-me certeira e oportuna: podemos até entrar em controvérsias se, no 15M, a “micareta macabra” orquestrada pela Globo tinha de fato intenções golpistas; o que é bem menos controverso é que a Globo foi de fato, no passado, abertamente golpista, tendo sido diretamente responsável pela manutenção dos 21 anos de trevas que vivenciamos entre 1964 e 1985.
O mais curioso é o quanto os incorrigíveis barões da mídia veiculam altas doses de denuncismo contra a corrupção dos políticos, mas mantêm um silêncio sepulcral sobre a corrupção, também imensa, que existe no setor privado, incluindo nas empresas de mídia. O 15M foi uma demonstração de quão disseminada já está a ideologia, propagada por anos a fio pela mídia burguesa, de que a corrupção no país é, em última análise, culpa do PT, somente do PT e de ninguém mais. Não se trata de pintar auréolas de santidade sobre o PT, nem de fingir que episódios como o Mensalão (ou o escândalo atual: as propinas de Belo Monte) não ocorreram. Mas o fato é que o currículo de corrupção de partidos como PSDB e PMDB é comprovadamente bem pior, sendo que até mesmo a revista Exame, que é do grupo Abril, publicou que “o PSDB tem o maior número de barrados pelo Ficha Limpa“: “Até agora, 317 candidatos a prefeito no Brasil tiveram suas candidaturas barradas pelos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). Destes, 56 são vinculados ao PSDB. O PMDB está na segunda posição, com 49 candidatos barrados. O PT aparece em oitavo, com 18 barrados.” [11]
O “coxinismo”, incluindo suas alas fascistas e golpistas, desfilou seu analfabetismo político pelas ruas do Brasil no 15-M, sob a batuta da Rede Goebbels de telemanipulação, soltando seus impropérios contra os “petralhas” e bradando pelo “impítima” como se ele fosse ser a salvação nacional (ter Michel Temer ou Eduardo Cunha na presidência seria, segundo estes mentecaptos, a maior das maravilhas?). Derrotado nas urnas, o eleitorado tucano parece urrar seu ódio à democracia, seu desrespeito à decisão da maioria do povo brasileiro, e sentem-se autorizados a dar seus xiliques de gente chique em “panelaços” que fazem de suas varandas gourmet, confundindo como fazem de praxe uma barulheira com um argumento, um insulto com uma proposição política válida. A criatividade no exercício cívico realmente não é o forte desta turma da histeria anti-petista.
Enquanto isso, temas bem mais urgentes e relevantes são deixados de lado: a falta d’água no Sudeste (e as responsabilidades políticas vinculadas à esta crise ecológica sem precedentes), o aquecimento global (e as medidas necessárias para minorar as catástrofes que estão a caminho), a reforma política (a necessidade de acabar com a orgia de dinheirama que faz com empreiteiras, lords do agronegócio e megaindústrias multinacionais “comprem” as eleições), o encarceramento em massa (o Brasil está entre os 3 maiores aprisionadores do planeta!), a guerra às Drogas (que é uma guerra aos pobres e está diretamente relacionada com nossos Carandirus e Bangus…), a medida (ainda travada) de taxação de grandes fortunas (prevista na Constituição de 1988 e até hoje sabotada pelas elites), a democratização da mídia de massa (que, vide o caso Veja e Globo, ainda age como um entulho autoritário herdado de 1964…).
Não se trata de aplaudir de modo acrítico o governo Dilma, que merece sim ser criticado por aquilo que tem feito de indefensável, desde certas nomeações ministeriais grotescas (Madame Motosserra no Meio Ambiente?) e certas tendências neo-desenvolvimentistas que levam o etnocídio e o ecocídio à Amazônia (como ilustrado pelo “caso Belo Monte” e pelas dúzias de hidrelétricas destinadas a construir o novo “Brasil Grande”). Eliane Brum sintetiza de modo brilhante as críticas legítimas que devem ser direcionadas em alto e bom som ao PT governista (e que também são vociferadas por grandes figuras da intelectualidade brasileira, como Eduardo Viveiros de Castro ou André Vallias) :
“O PT no Governo priorizou um projeto de desenvolvimento predatório, baseado em grandes obras, que deixou toda a complexidade socioambiental de fora. Escolha inadmissível num momento em que a ação do homem como causa do aquecimento global só é descartada por uma minoria de céticos do clima, na qual se inclui o atual ministro de Ciência e Tecnologia, Aldo Rebelo, mais uma das inacreditáveis escolhas de Dilma Rousseff. A síntese das contradições – e também das traições – do PT no poder não é a Petrobras, mas Belo Monte. Sobre a usina hidrelétrica já pesa a denúncia de que só a construtora Camargo Corrêa teria pagado mais de R$ 100 milhões em propinas para o PT e para o PMDB. É para Belo Monte que o país precisaria olhar com muito mais atenção. É na Amazônia, onde o PT reproduziu a visão da ditadura ao olhar para a floresta como um corpo para a exploração, que as fraturas do partido ao chegar ao poder se mostram em toda a sua inteireza. E é também lá que a falácia de que quem critica o PT é porque não gosta de pobre vira uma piada perversa.
A sorte do PT é que a Amazônia é longe para a maioria da população e menos contada pela imprensa do que deveria, ou contada a partir de uma visão de mundo urbana que não reconhece no outro nem a diferença nem o direito de ser diferente. Do contrário, as barbaridades cometidas pelo PT contra os trabalhadores pobres, os povos indígenas e as populações tradicionais, e contra uma floresta estratégica para o clima, para o presente e para o futuro, seriam reconhecidas como o escândalo que de fato são. É também disso que se lembram aqueles que não gritaram contra Dilma Rousseff, mas também não a defenderiam.” [12]
De todo modo, creio que a jovem democracia brasileira não pode permitir o avanço do golpismo, do fascismo, do ideário “intervenção militar já”. Isso deve ser combatido com força por todos nós que desejamos que nunca mais se repitam as décadas de tenebrosas violações aos direitos humanos, de cotidiano autoritarismo mandonista e terrorismo de Estado, de neoliberalismo imposto com a violência tão brilhantemente exposta por Naomi Klein em uma das obras mais importantes de nosso século, A Doutrina do Choque. Que o resultado das urnas sejam respeitados e que o governo Dilma, re-eleito no último pleito, seja sim contestado, criticado e transformado, mas por meio da ação construtiva e do discurso crítico, pela influência e participação de uma ampla gama de movimentos sociais – MTST, Passe Livre, MST, Ninja, sem falar nas causas feministas, anti-racistas e LGBT – autenticamente engajados na construção de um país mais igualitário e fraterno.
Nós somos os 99% e ainda resta uma tarefa hercúlea por fazer: enfrentar de fato o 1% no topo da pirâmide, esta plutocracia que é defendida por uma mídia conivente e corrupta, além de sustentada pelo poderio bruto dos PMs (Paus Mandados, braço armado da burguesia), que prosseguem militarizados e agindo nas periferias como se a Ditadura nunca tivesse terminado (além de brindarem com suas bombas de gás lacrimogêneo todas as manifestações cidadãs realmente incômodas ao status quo).
Desmilitarização já! Afinal, como escreve Florestan Fernandes, “a menos que se queira manipular mistificações, uma República democrática exige uma carta constitucional que coloque no povo e no poder popular o alfa e o ômega da eficácia das normas constitucionais. O que pressupõe que se repila decididamente a existência de um quarto poder, de um “Estado militar” instalado dentro do Estado legal, como seu núcleo dinâmico e centro de comando.” [13] O atual modelo, que prega o Estado Mínimo em prol do Lucro Máximo (e o Estado policial-militar-carcerário Máximo em prol do encarceramento e repressão de todos os marginalizados por este sistema altamente excludente), só nos carrega para a barbárie de um mundo cada vez mais Shock-Doctrinesco.
Para finalizar, digo só o seguinte: apesar de não ser filiado, o PSOL parece-me um partido digno de que nele depositemos nossa confiança e que a ele somemos nossas forças. Se o Brasil passa por uma grave crise de representação, em que os políticos eleitos parecem-nos como uma corja de canalhas, encastelados em seus privilégios, quase sempre adquiridos através de enriquecimentos ilícitos, resta destacar que o quadro só não é absolutamente desesperador pois podemos nos sentir felizes com figuras renovadoras e audazes, como Jean Wyllys, Marcelo Freixo, Luciana Genro, Vladimir Safatle, Ivan Valente, Carlos Giannazi, dentre outros, que talvez sejam responsáveis por uma ampliação inaudita do número daqueles, em especial entre a juventude, que acham que o Sol da Liberdade só raiará com a superação do capitalismo e a aurora do socialismo.
Não digo que devamos seguir a cartilha ortodoxa dos socialismos do passado – que deu em pavorosas experiências históricas como o stalinismo soviéticoou o Khmer Rouge cambojano – mas o socialismo do futuro, este que cabe a nós construir, aprendendo com as lições do passado, mas adaptando-o ao novo contexto, que é o do Antropoceno em crise ecológica global e das mudanças climáticas cada vez mais extremas. Nesse contexto, acho que já passou da hora da palavra ECO-SOCIALISMO passar a ser termo mais corrente no horizonte das utopias dos brasileiros, caso queiramos enfrentar com dignidade a barbárie global que vai se instalando conforme o caos climático se exacerba e vai abrindo para a Humanidade uma nova Caixa de Pandora.
Eduardo Carli de Moraes
Goiânia, 15 a 25 de Março de 2015
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1] FERNANDES, Millôr. O Livro Vermelho. L&PM, 2005, pg. 48.
O regime brutal dos fardados já havia se instalado em 1964, mas no ano seguinte a censura feroz ainda não chegara às redações dos jornais. Em 1965, Nara Leão (1942-1989) concede uma entrevista em que, sem papas na língua, diz aos militares que entreguem de volta o poder aos civis. As manchetes de jornais alardearam os rugidos da senhorita Leão: “Nara é de opinião: esse Exército não vale nada”; “Nara pode ser presa mas não muda de opinião”; “Nara: sou contra militar no poder”; “Entrevista abalou os alicerces do Exército Nacional”; “Considero os exércitos, no plural, desnecessários e prepotentes”; “Meu violão é a única arma que tenho; meu campo de guerra é o palco.” (confira: Dossiê Drummond, de Geneton Moraes Neto, Ed. Globo). Sob ameaça de ir em cana, Nara Leão foi defendida pelo poeta Carlos Drummond de Andrade, através de um poema saboroso, publicado na imprensa e endereçado ao Marechal Castelo Branco, que A Casa De Vidro aqui reproduz:
APELO
(excerto)
“Meu honrado marechal
dirigente da nação,
venho fazer-lhe um apelo:
não prenda Nara Leão (…)
A menina disse coisas
de causar estremeção?
Pois a voz de uma garota
abala a Revolução?
Narinha quis separar
o civil do capitão?
Em nossa ordem social
lançar desagregação?
Será que ela tem na fala,
mais do que charme, canhão?
Ou pensam que, pelo nome,
em vez de Nara, é leão? (…)
Que disse a mocinha, enfim,
De inspirado pelo Cão?
Que é pela paz e amor
e contra a destruição?
Deu seu palpite em política,
favorável à eleição
de um bom paisano – isso é crime,
acaso, de alta traição?
E depois, se não há preso
político, na ocasião,
por que fazer da menina
uma única exceção? (…)
Nara é pássaro, sabia?
E nem adianta prisão
para a voz que, pelos ares,
espalha sua canção.
Meu ilustre marechal
dirigente da nação,
não deixe, nem de brinquedo,
que prendam Nara Leão.”
Carlos Drummond de Andrade
* * * * *
Siga viagem:
“Acabou nosso carnaval Ninguém ouve cantar canções Ninguém passa mais brincando feliz E nos corações Saudades e cinzas foi o que restou (…) E, no entanto, é preciso cantar Mais que nunca é preciso cantar É preciso cantar e alegrar a cidade…”
“Marcha da Quarta Feira de Cinzas”
Compositor: Vinicius De Moraes & Carlos Lyra
“Não desperdicem um só pensamento
Com o que não pode mudar!
Não levantem um dedo
Para o que não pode ser melhorado!
Com o que não pode ser salvo
Não vertam uma lágrima! Mas
O que existe distribuam aos famintos
Façam realizar-se o possível e esmaguem
Esmaguem o patife egoísta que lhes atrapalha os movimentos
Quando retiram do poço seu irmão,
com as cordas que existem em abundância.
Não desperdicem um só pensamento com o que não muda!
Mas retirem toda a humanidade sofredora do poço
Com as cordas que existem em abundância!”
* * * * * *
PERGUNTAS DE UM TRABALHADOR QUE LÊ
“Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão nomes de reis.
Arrastaram eles os blocos de pedra?
E a Babilônia várias vezes destruída –
Quem a reconstruiu tantas vezes? Em que casas
da Lima dourada moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros,
na noite em que a Muralha da China ficou pronta?
A grande Roma está cheia de arcos do triunfo.
Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A decantada Bizâncio
Tinha somente palácios para seus habitantes?
Mesmo na lendária Atlântida
Os que se afogavam gritaram por seus escravos
Na noite em que o mar os tragou.O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Sozinho?
César bateu os gauleses.
Não levava sequer um cozinheiro?
Filipe da Espanha chorou, quando sua Armada
Naufragou. Ninguém mais chorou?
Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.
Quem venceu além dele?Cada página uma vitória.
Quem cozinhava o banquete?
A cada dez anos um grande homem.
Quem pagava a conta? Tantas histórias.
Tantas questões.”
* * * * * *
O PÃO DO POVO
“A justiça é o pão do povo.
Às vezes bastante, às vezes pouca.
Às vezes de gosto bom, às vezes de gosto ruim.
Quando o pão é pouco, há fome.
Quando o pão é ruim, há descontentamento.
Fora com a justiça ruim!
Cozida sem amor, amassada sem saber!
A justiça sem sabor, cuja casca é cinzenta!
A justiça de ontem, que chega tarde demais!
Quando o pão é bom e bastante
O resto da refeição pode ser perdoado.
Não pode haver logo tudo em abundância.
Alimentado do pão da justiça
Pode ser feito o trabalho
De que resulta a abundância.
Como é necessário o pão diário
É necessária a justiça diária.
Sim, mesmo várias vezes ao dia.
De manhã, à noite, no trabalho, no prazer.
No trabalho que é prazer.
Nos tempos duros e nos felizes.
O povo necessita do pão diário
Da justiça, bastante e saudável.
Sendo o pão da justiça tão importante
Quem, amigos, deve prepará-lo?
Quem prepara o outro pão?
Assim como o outro pão
Deve o pão da justiça
Ser preparado pelo povo.
Bastante, saudável, diário.”
* * * * *
A ESPERANÇA DO MUNDO
1
Seria a opressão tão antiga quanto o musgo dos lagos? Não se pode evitar o musgo dos lagos. Seria tudo o que vejo natural, e estaria eu doente, ao desejar remover o irremovível? Li canções dos egípcios, dos homens que construíram as pirâmides. Queixavam-se do seu fardo e perguntavam quando terminaria a opressão. Isto há quatro mil anos. A opressão é talvez como o musgo, inevitável.
2
Se uma criança surge diante de um carro, puxam-na para uma calçada. Não o homem bom, a quem erguem monumentos, faz isso. Qualquer um retira a criança da frente do carro. Mas aqui muitos estão sob o carro, e muitos passam e nada fazem. Seria porque são tantos os que sofrem? Não se deve mais ajudá-los, por serem tantos? Ajudam-nos menos. Também os bons passam, e continuam sendo tão bons como eram antes de passarem.
3
Quanto mais numerosos os que sofrem, mais naturais parecem seus sofrimentos, portanto. Quem deseja impedir que se molhem os peixes do mar? E os sofredores mesmos partilham dessa dureza contra si e deixam que lhes falte bondade entre si. É terrível que o homem se resigne tão facilmente com o existente, não só com as dores alheias, mas também com as suas próprias. Todos os que meditaram sobre o mau estado das coisas recusam-se a apelar à compaixão de uns por outros. Mas a compaixão dos oprimidos pelos oprimidos é indispensável. Ela é a esperança do mundo.
BERTOLD BRECHT (1898-1956). Paris, 1937 – Photo by Josef Breitenbach
“…a pearl on the pathway of war she was, And a pearl all genuine, too. Though sometimes laughable she might be, More oft was honor her due.”
A song by Runenberg, Lotta Svärd
(From “Songs of Ensign Stal”, New York, G.E. Stechert, 1925)
INTRODUÇÃO
Tenho imensa admiração por Bertolt Brecht (1898 – 1956). Como dramaturgo, poeta e pensador político, Brecht é de um brilhantismo raro. Sua arte é de alto impacto e influenciou profundamente a posteridade, algo que sente-se claramente, por exemplo, no cinema de Lars Von Trier, ou em certas fases da carreira de Chico Buarque de Hollanda, em especial “A Ópera do Malandro”, uma adaptação da “Ópera dos Três Vinténs” de Brecht e Weill.
Compartilho aqui um artigo que escrevi na tentativa de interpretar uma de suas célebres peças, “Mãe Coragem e Seus Filhos”, sob um viés feminista. Tento compreender o militarismo e o belicismo como uma patologia do patriarcado. Estabeleço conexões com filmes – como “Nascido Para Matar” de Stanley Kubrick, e “A Corrida do Ouro” de Chaplin – e canções, como “Only a Pawn In Their Game”, de Bob Dylan.
Também procuro apontar similaridades entre a dramaturgia brechtiana e a tragédia grega, em especial “Ifigênia em Áulis” de Eurípides e “Oréstia” de Ésquilo. É um texto bastante extenso, mas senti que não poderia fazer justiça a uma obra tão complexa sem entrar em explorações minuciosas da trama. “Mãe Coragem” é uma experiência teatral inesquecível – mesmo para aqueles que, como eu, nunca puderam presenciá-la encenada e só tiveram contato com o texto. Confiram!
Ela está decidida a não atirar suas pérolas aos porcos. Ou melhor: esta mãe bate o pé e diz não ao Poder. Não vai permitir, sem resistência e sem luta, que seus filhos lhe sejam sequestrados, tragados para a guerra, roubados do ninho, para virar carne moída!
Infelizmente, as guerras às vezes são mais fortes que as vontades das mães.
Para citar um exemplo da atualidade: aprenderam sua impotência, através de amargas experiências, as mães de 400 mães de Gaza que, durante a ofensiva israelense de 2014, tiveram os frutos de seus ventres trucidados pelas bombas sionistas. Que a Mãe Coragem de Brecht possa ajudar-nos a aquecer a chama da empatia, com tanta frequência adormecida no peito, e nos leve a perceber cada vida ceifada pela guerra como o aniquilamento de uma individualidade única, insubstituível, cuja extinção causa desastres afetivos e existenciais em todos aqueles que constituíam com a pessoa morte uma teia de relações.
Às vezes mães são impotentes para impedir a carniceria que lhes transforma os filhos em cannon fodder (carne de canhão). Mãe Coragem é uma pacifista por uma razão bem simples, bem menos refletida e teoricamente refinada do que as doutrinas de um Mahatma Gandhi ou de um Martin Luther King: seu pacifismo de mãe nasce mais das vísceras do que do intelecto. Ela odeia a guerra pois não quer ver seus filhos sendo assassinados nela. Mas o que ela pode fazer contra a mega-maquinaria bélica?
Os tempos são terríveis: ela olha ao seu redor e quase todo mundo está só “pele e ossos”. A fome é imensa, disseminada e sem misericórdia. Para dar uma noção dessa miséria, digamos que se assemelha àquela de Carlitos quando ele decide assar e comer sua própria bota, em uma das cenas imortais de Charlie Chaplin em A Corrida do Ouro (The Gold Rush). No primeiro ato, cena 2, Mãe Coragem declara sobre as pessoas ao seu redor: “Elas estão tão esfomeados que arrancam raízes da terra para comer. Eu poderia ferver um cinto-de-couro e faria com que suas bocas salivassem.” (pg. 35)
Carlitos janta as próprias botas em “A Corrida do Ouro” (The Gold Rush), clássico do cinema mudo.
Esta feminista espontânea não precisou ler Judith Butler ou Beatriz Preciado, nem ouvir Pussy Riot ou riot girrrls, para perceber os males que faz a elefantíase de testosterona nos neurônios e nas sociedades. Até tenta rebelar-se contra o Patriarcado e sua mania de belicismo. Mas seu poder é pouco, como foi pouco o poder somado de todas as mães de Guernica, de todas as mães de Nagasaki, de todas as mães de Gaza (e assim por diante…).
Mãe Coragem não é uma pacifista de academia, de cátedra, de discursinhos na ONU. Ela é uma pacifista de sangue quente, sem rede de proteção, que atravessa um fio estendido sobre o abismo, um pouco como o tight-rope dancer de Assim Falou Zaratustra, aquele que fez do perigo sua vocação. Mãe Coragem talvez preferisse uma vida tranquila, sem preocupações, mas calhou de nascer em tempos perigosos, sombrios, fratricidas. Não pediu nem escolheu, mas a guerra a rodeia com sua fúria e sua insanidade, obrigando-a a lidar com as potências mortíferas com um rebolado improvisado, na urgência da prática cotidiana. A Guerra, como Cronos na mitologia grega, devora um a um os rebentos de Mãe Coragem.
Albert Camus chamou um de seus melhores livros L’Homme Revolté (O Homem Revoltado),e uma das poucas falhas de livro tão magistral é sugerir em seu título que a revolta é coisa exclusivamente masculina. Mas é claro que há uma revolta feminina – Emma Goldman, Simone Weil ou Arundhati Roy exemplificam-na bem – que é digníssima de nossa atenção e admiração! Mãe Coragem, parece-me, tem também algo do espírito destas rebeldes-de-saia, mas é de uma rebeldia que parece irradiar de seu útero: em intensa angústia materna, ela suspeita que a guerra irá privá-la de seus filhos, provavelmente arrebatá-los pra sempre. Ela se levanta em resistência ao draft militar, logo na primeira cena, interpondo-se entre o Exército e seus filhos como se defendesse a prole, no ninho, contra um abutre predador.
O mais desesperador desta cena é que o leitor ou espectador percebe que Mãe Coragem é apenas uma frágil tocha de feminilidade em um oceano de macheza. É uma voz solitária clamando pela paz em meio ao barulho ensurdecedor dos tambores de guerra, das explosões de bombas e do ribombar das balas cuspidas pelos rifles.
Os próprios filhos acabam “fisgados” pela ideologia do militarismo e começam a convencer-se de que a guerra não irá matá-los. Passam a crer que vão dar um jeito de escapar dos ataques dos adversários e que vão acabar sendo aureolados com renome glorioso. A epidemia da peste bélica se esparrama pois muitos se deixam fisgar pela isca que é a promessa de Glória nos feitos militares. Fazem poses de heróis por antecipação enquanto caminham para as batalhas urrando: “é preciso bem mais do que uma guerra para me assustar!”
Em Nascido Para Matar (Full Metal Jacket), Stanley Kubrick escancarou o quanto o militarismo está conectado com um comportamento machistóide. Os soldados do exército dos EUA, que estão sendo preparados para suas missões no Vietnã, marcham sob o comando feroz da disciplina do comandante, berrando obscenidades com voz grossa. Cotidianamente, são humilhados e judiados, inclusive com socos no saco e outras delicadezas, para que fiquem muito machos. Preparar alguém para a guerra significa aniquilar quaisquer tendências às compaixões feminis, todos ímpetos “maricas” à empatia ou à misericórdia…
O resultado desse processo de condicionamento e lavagem cerebral, que Kubrick narra magistralmente na primeira parte do filme, é simbolizado pelo soldado suicida, que explode seus miolos no banheiro. Este sistema perverso – vale sempre lembrar que o orçamento militar dos EUA é, disparado, o mais alto do mundo – gera genocídios e massacres, seja no Vietnã (outrora) ou no Oriente Médio (hoje), e a morte precoce de muitos jovens cooptados para o belicismo. Mãe Coragem, de Brecht, permanece um estandarte ainda atual que nos lembra que o ímpeto guerreiro, a civilização agonística, não cessa de gerar mães, emocionalmente destroçadas, que chorarão torrentes ao receberem do governo os caixões de seus filhos, envolvidos pela bandeira da pátria, junto com uma carta de condolências assinada pelo Ministro da Guerra.
Em muitos campos de batalha, através da história, já largaram seus defuntos, para serem comidos por aves-de-rapina, inumeráveis desses “heróis” tão “corajosos” que se cadastram e se alistam e marcham obedientes para a guerra. Às vezes quem se acha corajoso está, de olhos vendados, correndo para um túmulo precoce, desperdiçando a vida em uma contenda desnecessária, que não precisaria ser resolvida na violência. É uma das características mais bizarras da criatura humana: muitas vezes, as pessoas escolhem uma morte precoce mas que acreditam ornada de valor e significado, a uma vida prolongada mas sem nenhum heroísmo. É o que daria para chamar de O Complexo de Aquiles (o que explorei em no seguinte artigo: Do Corpo Efêmero à Glória Imorredoura – Reflexões Sobre a Bela Morte na Companhia de Jean-Pierre Vernant).
Em sua leitura sobre o filme de Stanley Kubrick, em The Pervert’s Guide to Ideology (documentário de Sophie Fiennes), Slavoj Zizek destaca bem o quanto de sadismo está presente nestes rituais militares onde se leva até o delírio a idéia de que a masculinidade é um valor inestimável, e que é possível prová-la nos campos de batalha, através de atos de bravura e temeridade, aos quais se prometem a recompensa de troféus, reputações gloriosas, quiçá até gordos cheque-de-pagamento ou permissões para a pilhagem.
Por isso julgo que aquilo que une a Guerra de Tróia e a Guerra do Vietnã, apesar de suas diferenças e do abismo de tempo que as separa, é uma mentalidade que subjaz e justifica a guerra, propagandeada e vendida como caminho para a glória. Idéia de macho – e, se me perguntarem, direi também: idéia de jerico. Idéia retardada e bárbara. Idéia de quem pensa com os testículos. Idéia das mais destrutivas que a humanidade já teve a infelicidade de parir e disseminar.
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Meryl Streep como personagem principal de “Mãe Coragem e Seus Filhos”, em espetáculo de 2006, filmado em documentário por John Walter no filme “THEATER OF WAR”. Photo credit: The Public Theater / Michael Daniel.
A mãe, na peça de Brecht, percebe a insanidade do Patriarcado Briguento, que a rodeia com a força de um monstro, faminto por filhos. Infelizmente, ela é só uma mulher, que precisa sobreviver em tempos de crise, vender suas mercadorias para que não passe fome. Ela não tem os meios para revolucionar uma instituição social, muito menos uma civilização.
O filho mais velho de Mãe Coragem, Eilif, é-lhe roubado no meio da rua pelos senhores da guerra. Mãe e filho só vão se encontrar novamente dois anos depois. Dois anos em que Eilif não cessa de ouvir o comandante do exército berrar em sua orelha: “ó feliz guerreiro, você está participando de algo heróico, está servindo ao Senhor em uma Guerra Sagrada, e vai ganhar um bracelete de ouro quando nós tomarmos a cidade do inimigo!” (Cena II, p. 35) Promessas vãs, não mais que promessas mentirosas: a realidade é a fome, uma fome tamanha que os bifes que restam para alimentar a população em guerra estão fedendo de putrefação, como se a vaca tivesse morrido há um ano. O cozinheiro do exército mentir: “Que nada! Este bife aqui só tem um dia de idade, ontem mesmo era uma vaca que vi andando por aí.” Ao que Mãe Coragem, que não é desprovida de pontiagudo sarcasmo, responde: “Então essa vaca deve ter começado a feder antes mesmo de morrer.”
A guerra faz com que a atmosfera fique saturada com o fedor da putrefação. Eis um “argumento” fortíssimo que Mãe Coragem tem para seu pacifismo: além de irradiar do útero, de nascer de sua angústia materna, de seu amor umbilical aos filhos, seu pacifismo visceral é também uma reação das narinas, uma recusa em permitir que o cheiro da morte seja mais forte que o aroma das flores.
Mãe coragem “rebola”, dribla, insubordina-se, tenta escapar do jogo que lhe é imposto pelo poder, um pouco como uma personagem de Kafka, tentando se debater pra se libertar de uma opressão social sentida como tenebrosa. Em Brecht, porém, há muito mais humor do que em Kafka. Uma profusão de situações cômicas, que explodem com sua graça dionisíaca no ambinte dark desta peça-bélica, iluminam o construto Brechtiano com uma poesia cálida. É como se fosse possível ouvir o canto de um poeta lírico, entoando um hino em louvor ao Feminino, em Mãe Coragem encarnado, ainda que Brecht saiba também pintá-la em sua humanidade cheia de defeitos e em suas motivações bastante “mundanas”. Mãe Coragem não é heróica: faz o que pode para sobreviver, dá um jeito de prosseguir e atravessar os lutos, mas está longe de ser revolucionária; é vítima de poderes maiores, crushing powers. Mãe Coragem e seus filhos acabam parecendo como aqueles peões de que fala Bob Dylan em “Only a Pawn In Their Game”.
Mãe Coragem, a peça de Brecht, é um retrato da guerra como esta é vivenciada por uma mãe que tem seus filhos dela “arrancados” por uma pavorosa maquinaria, de criação e gestão masculina, que aniquila vidas humanas em contendas sangrentas, mortíferas, insanas. Ela, porém, não pode se dar ao luxo de virar uma pacifista com carteirinha de ONG, com direito à guarda-costas e carro-blindado: Mãe Coragem é pobre, desprovida, vulnerável, presa à urgência de sobreviver.
Em meio à guerra, ela tenta ser uma comerciante, com leros mercantis de convencimento: seduz como pode para que os outros comprem seus pães, que se interessem pela carne que carrega em sua carroça. Atravessa os anos em meio à devastação da guerra, sempre carregando tudo o que possuí no mundo: a carroça que serve como loja itinerante e casa ambulante ao mesmo tempo. Como uma tartaruga, que carrega sua casa no próprio lombo, podendo adentrar em seu casco para puxar um ronco em qualquer lugar que aprecie, Mãe Coragem é tão despossuída quanto estes carregadores de papelão tão comuns em nossos centro urbanos. .
Como comerciante, Mãe Coragem é muito desconfiada: ela morde as moedas que recebe, pra checar com os dentes se são legítimas; já lhe passaram a perna algumas vezes no passado, e ela foi ficando esperta. Está bem claro que ela está acostumada a muita pilantragem rolando no comércio, mas o que pode fazer? Seu meio de vida é este e ela prossegue nele, mesmo em meio à guerra, mesmo durante o terrível processo de sentir os filhos escorregando por entre seus dedos, como grãos de areia, sugados pelo monstro feroz da belicosidade máscula.
Sua carroça, é evidente, anda lerda como tartaruga. Estamos ainda no século 17, em 1624, na Suécia. Imagino um mood similar ao das peças nórdicas de Shakespeare – o Hamlet, por exemplo – envolvendo as ocorrências que Brecht nos narra. Ademais, uma personagem como Mãe Coragem parece-me ter uma estatura trágica, assemelhando-se a uma figura como Clitemnestra, a mãe de Ifigênia. Este paralelo me parece possível pois Ifigênia, a filha de Clitemnestra, foi sacrificada pelo próprio pai Agamênon, o chefão do exército dos aqueus, lunático a ponto de crer que o sacrifício da primogênita geraria bons ventos para a campanha militar contra Tróia.
Na peça de Eurípides, Clitemnestra é um pouco como a Mãe Coragem de Brecht: ambas são incapazes de impedir que a Máquina de Guerra – Masculina e Prepotente – arranque de seus braços os filhos, para na sequência devorá-los. No caso da mãe de Ifigênia, o delírio de dor e luto irá transformar-se em intento vingativo: em outra peça, o Agamenon de Ésquilo (publicado no Brasil pela Zahar como parte da trilogia Oréstia), Clitemnestra dá o contra-golpe contra seu tão odiado esposo, assassino da própria filha. Ao retornar cheio de poses de glória, celebrando-se como heróico vencedor após a década de carniceria em Tróia (narrada em minúcias por Homero na Ilíada), Agamênon encontra seu karma: é retalhado como um bode expiatório e morre horrendamente nas mãos de Clitemnestra e Egisto.
A peça de Brecht também lida com crimes graves, mas sem que estes sejam inter-familiares. Mãe Coragem passa por traumas-de-mãe semelhantes aos de Clitemnestra, e ambas tem um inimigo em comum, o militarismo associado ao patriarcado, esta a ideologia que faz propaganda em prol da guerra, este jogo fatal inventado pelos homens em seus ímpetos incontroláveis de agressão e domínio… Mãe Coragem implora aos próprios filhos: não caiam nesta armadilha, não se deixem enganar pelo lero-lero dos Senhores da Guerra, usem a cabeça e recusem-se a ir ao morticínio! No entanto, ela sabe do poder, devastador, invasivo, da “ideologia”: os soldados, os generais, não param de tentar convencer as crianças e os adolescentes que a glória está lá para ser colhida na guerra, e que quem se recusa a ela é um maricas, um efeminado que merece uma sova, alguém que tem o defeito de “não ser macho o suficiente”.
A jornada de Mãe Coragem em tempos de guerra multiplica-lhe as amarguras: ela não tem só seus rebentos roubados pela guerra, ela vê em ação um “mecanismo ideológico” que transforma seus filhos em assassinos. Não sofre só a amargura terrível do temor constante que um filho morra na guerra, mas a amargura suplementar de saber que o filho pode matar outros. As mães não costumam gostar quando seus rebentos tem como profissão matar filhos de outras mães. Algo de crucial se diz na peça de Brecht não somente sobre esta guerra e esta mãe em particular, mas sobre guerras e mães em geral. Aquilo que se elogia como virtude – coragem e virilidade – e aquilo que se promete como recompensa – glória e riqueza – talvez sejam embustes, falsificações grotescas, que os soldados só desvendarão como miragens quando estiverem agonizando nos campos de batalha.
Mãe Coragem adoraria se seus filhos fossem covardes vivos ao invés de corajosos mortos. Ela acha que aquilo que os militares consideram como covardia e coisa de maricas é na verdade bom senso e sabedoria prática. Mãe Coragem parece encarnar a voz da cautela, da defesa da vida, que tenta convencer aqueles a seu redor de que somos preciosos demais para nos tratarmos como açougueiros fazem nos matadouros de porcos. Só os másculos militares e seus cérebro-de-titica, que pensam com os testículos e estão inebriados por excesso de testosterona (em Grego, se não me engano, isso chama-se húbris), acreditam na conjunção entre matanças sádicas e gloriosas recompensas. A Mãe Coragem, não: em sua dor de mãe amputada, ela mantêm-se como ilha luminosa de lucidez em um oceano de cega brutalidade.
No tempo presente da peça, aliás, a Mãe Coragem cria sozinha seus filhos pois o Pai Coragem morreu na guerra há um tempão atrás. Agora os Filhos Coragem também seguem pelo mesmo caminho, sugados pelo mesmo fatal magnetismo, como se fosse um buraco negro. As gerações sucedem-se mas a sabedoria parece que não aumenta; a carnificina prossegue realizando suas ceifas fatais. A mãe tentou educá-los para o pacifismo e para a prudência, é claro, inclusive utilizando a pedagogia das canções, mas infelizmente as canções às vezes não são tão fortes quanto o barulho das bombas (mesmo John Lennon não foi ouvido quando imaginou all the people living life in peace, quando pediu “Give Peace a Chance”, e findou seus dias assassinado por um psicopata…). Eilif, o filho mais velho da Mãe Coragem, sabe de cor a cantiga ensinada pela mãe, mas ainda assim age muito mais como este soldado que, na canção, não presta atenção à sábia voz feminina e prefere caminhar correndo para o próprio túmulo:
THE SONG OF THE WISE WOMAN AND THE SOLDIER
“A shotgun will shoot and a jack-knife will knife,
If you wade in the water, it will drown you,
Keep away from the ice, if you want my advice”,
Said the wise woman to the soldier.
But that young soldier, he loaded his gun,
And he reached for his knife, and he started to run:
For marching never could hurt him!
From the north to the south, he will march through the land
With his knife at his side and his gun in his hand:
That’s what the soldier told the wise woman.
Woe to him who defies the advice of the wise!
If you wade in the water, it will drown you!…
But that young soldier, his knife at his side
And his gun in his hand, he steps into the tide:
For water never could hurt him!
The wise woman spoke: you will vanish like smoke
Leaving nothing but cold air behind you!
And the lad who defied the wise woman’s advice,
When the new moon shone, floated down with the ice:
He waded in the water and it drowned him.
The wise woman spoke, and they vanished like smoke,
And their glorious deeds did not warm us.
Your glorious deeds do not warm us!”
BERTOLT BRECHT. Mother Courage and Her Children. English version by Eric Bentley. New York: Grove Press, 1966.
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