“E DAÍ?” – A Necropolítica do Neofascismo Bolsonarista escancara seu desprezo pelas vidas humanas

“Infeliz a época em que os cegos se deixam guiar pelos idiotas”.
William Shakespeare, “Rei Lear”

“E daí?”, disse Seu Jair no dia em que o Brasil ultrapassou a China em número de óbitos por Covid19 – ao fim de Abril de 2020, já eram mais de 5.000 brasileiros mortos de acordo com os dados oficiais (altamente suspeitos de subnotificação). Disse também que “é Messias mas não pode fazer milagre”. O que isso nos diz sobre a estatura moral e a estrutura psíquica do sujeito que profere tais frases em tal contexto?

Primeiro, choca a indiferença pelas milhares de pessoas que estão de luto, chorando pelos familiares e amigos perdidos, e que o presifake não sabe nem mesmo consolar com um gesto de gentileza e de compaixão protocolares: não tem “meus pêsames, lamento muito por sua perda”, não tem “que o tempo possa ajudar a curar a terrível ferida de perder um ente amado”, não! Seu Jair cospe na cara dos enlutados e das lágrimas convulsivas que agora derrubam com este “e daí?”, expressão que usamos para o que é ínfimo e insignificante.

Ademais, o que poderia ser uma admissão de impotência e vulnerabilidade, “não posso fazer milagre”, contrasta com a extrema arrogância de quem tem agido como se pudesse tudo e como se nada pudesse para-lo: os gregos chamavam isso de hybris, a desmedida, e sabiam que os exageros e overdoses comportamentais sempre recebiam da Nêmesis cósmica sua trágica vingança. O Coiso não pode fazer milagre, é fato, mas arriga-se o direito de sabotar todas as medidas de isolamento social, desrespeitar diretrizes da OMS e ir apertar as mãos de seus apoiadores que urram por um novo AI-5.

Já sabemos que não é milagreiro, mas arroga-se o direito de voltar dos EUA numa comitiva com mais de 20 pessoas infectadas pelo coronavírus e decreta sigilo e esconder o resultado de seu próprio exame, enquanto continua tossindo como um condenado nas aglomerações que causa.

Nenhum milagre ele já realizou em toda sua medíocre vidinha, mas arrogou-se o direito de demitir o Ministro da Saúde em meio à pandemia pois preferia alguém que fosse mais seu capacho, manifestando seu ímpeto de estar rodeado por pessoas que sejam mais subservientes a seus ímpetos de ditador e autocrata.

Jairzinho que não é milagreiro arroga-se o direito de promover deliberadamente uma política de subnotificações de casos e óbitos da doença, ocultando a verdade sobre o número de cadáveres que a pandemia está causando no país. E também acha que pode enfiar a fórceps na PF um amiguinho da família que vá garantir impunidade aos Bolsonaros pelos crimes cometidos, seja as fake news, as fraudes eleitorais, a participação na execução de Marielle Franco, o racismo, a destruição ambiental, o destroçamento dos direitos trabalhistas etc.

Ninguém legitimamente tem o direito, já que o Estado é laico e Deus nem existe, de exigir que um governante faça milhages, mas ninguém entre os cidadãos deve suportar calado quando este governante manifesta uma abominável indiferença pelo sofrimento humano e se mostra como um psicopata empedernido que, diante de vidas perdidas e valas abertas, diz “e daí?”

Não conte com nossa amnésia, Seu Jair. Não conte com nossa covardia ou nossa cegueira voluntária. Aqui não! Todos os horrores e atrocidades que você produz, todas as frases cruéis que profere, estão sendo registradas e irão contigo para os únicos lugares onde mereces estar: na lata de lixo da História, afastado de todo e qualquer cargo público, no banco dos réus em Tribunal Penal Internacional por crimes contra a humanidade.

Porque, seu Jair, ninguém te pede milagres, só que sejas humano, e nisso você tem fracassado miseravelmente, sendo um jato contínuo de desumanidades atrozes.e arrogâncias prepotentes. A gente olha para a vida de Jair e sente vergonha de um ser humano ser capaz de descer tão baixo a ponto de queimar as pontes de empatia que o poderiam conectar aos outros humanos, tornando-se esta caricatura de Calígula, este “projetinho de Hitler tropical” (Mário Magalhães), este frio e desumano sociopata. Ele pode ser rico e poderoso, mas eu nunca gostaria de estar na pele de Jair: como deve ser horrível viver dentro de um sujeito tão cruel, tão arroz, tão sectário e tão ignorante!

Ele vê a cataclismica tragédia que sua inépcia e irresponsabilidade ajudaram a causar e só sabe dar de ombros, incapaz de assumir responsabilidade, inepto para refletir mais a fundo sobre a condição humana, gélido como um monstro, observando corpos sem vida e vidas afogadas em lágrimas, e com sua boca-de-esgoto proferindo: “e daí? E daí? E daí?”

E daí que jamais aceitaremos que você nos representa e sempre nos recusaremos a esquecer os horrores que você perpetra. Não conte com nosso silêncio nem com nossa subserviência. Aqui não! Aqui não somos da turma dos que enxergam o sofrimento coletivo pelo prisma elitista e mesquinho dos “e daí?” palacianos.

Você pergunta “e daí?” com sua costumeira idiotia. E daí que você não presta nem dura. E haverá festa popular imensa quando você (e isso não tarda) não estiver mais aqui, tiranizando e desgraçando um povo sempre sedento de uma liberdade e de uma justiça e de uma verdade que você e os seus teimam em negar-nos.

Carli, A Casa de Vidro.
Goiânia, 29/04/2020


LANTERNINHA DA TESTAGEM: OUTRA VERGONHA NACIONAL

A inépcia e a irresponsabilidade do desgoverno fascista de Bolsonaro não se mostram apenas na minimização da gravidade da pandemia (segundo o führer dos imbecis, só um “resfriadinho” que não deve preocupar ninguém que tenha “histórico de atleta”), na subnotificação de casos e óbitos (semelhante à tática do avestruz que esconde a cabeça debaixo da terra, aderindo à crença de que o que não se vê e não se reconhece não existe), mas também no fracasso deliberado em testar a população: dos 15 países mais afetados pela covid-19, estamos disparados na vergonhosa posição de lanterninha da testagem.

E assim avançamos na semi-cegueira, sem termos a real dimensão do contágio, indo no rumo da catástrofe e da barbárie. No comando do “leme” desta nau dos insensatos está um facínora mortífero que está mais preocupado em garantir a impunidade para os crimes de corrupção e violência de sua familícia do que em cuidar da saúde coletiva. Tragédia anunciada – e esta porra de nossa indignação moral internética está se mostrando ineficaz para extrair do poder o cancro Bolsonarista.

Eis um dos maiores dilemas da nossa geração e da atual encruzilhada histórica: como se derruba um governo de extrema-direita, de práticas genocidas, que atenta contra as vidas de seu povo, quando não há condições sanitárias para manifestações de massa, ocupações de praças e prédios públicos, assembléias de rua? Vocês realmente acham que algum tirano, feito nosso “projetinho de Hitler tropical”, já caiu por força de cidadãos que estavam confinados dentro de suas casas? Vamos derrubar Bolsonaro pelo Twitter? Ou a maré insurrecional – aquilo a que estamos impedidos pela pandemia e seus perigos – ainda é a única força concreta capaz de derrubar um governo por ação do povo ao qual ele deveria servir?


ESCONDENDO OS CORPOS

O facínora fascista que ascendeu ao poder presidencial através da fraude eleitoral de 2018 “se acha capaz de esconder os corpos”, como disse Safatle em entrevista à Pública. Como esperar algo diferente deste Coiso, de caráter profundamente perverso e sádico, que é fã de carteirinha de Ustras e Médicis? Este sujeito não tem estatura ética nem para ser síndico de condomínio (aliás, no Vivendas da Barra tinham guarida junto à familícia os executores do homicídio contra Marielle Franco). Alçado à posição suprema do Executivo Federal no Brasil pós-democrático que emergiu do Golpe de 2016, o Capetão não é explicitamente um adorador da ditadura militar, aquela que ocultou tantos cadáveres de opositores políticos massacrados pela repressão? Não trata como seus “ídolos” ditadores latino-americanos, alguns já condenados por crimes contra a humanidade em tribunais penais internacionais, como Pinochet e Stroessner?

Vocês se lembram do que o deputado de extrema-direita, na época apenas uma aberração extremista no Congresso, membro do “baixo clero” de parlamentares aderidos os velhos tempos dos “anos-de-chumbo”, falou sobre os familiares que buscavam os restos mortais de seus parentes assassinados pela Ditadura quando esta massacrou a Guerrilha do Araguaia? “Quem procura osso é cachorro”.

Isto é Bolsonaro – e quem quer que tenha feito parte das hordas odientas, irracionalizadas por um antipetismo feroz, que apertou 17 nas urnas, tinham plenas condições de saber o que estavam fazendo. A irresponsabilidade de milhões nas urnas, somada à covardia das instituições, a exemplo do TSE que passou pano pra chapa fascista-militarista ao invés de punir por cassação seus inúmeros crimes eleitorais, trouxeram-nos a esta crise humanitária gravíssima.

Estou convicto de que a tragédia coletiva em que estamos imersos expressa, em um concentrado macabro, todo o horror em que o Brasil se atirou de cabeça quando permitiu o triunfo da Aliança Golpista que depôs Dilma Rousseff em 2016 – instalando, na sequência, a hecatombe nos investimentos públicos em Saúde e Educação representada por aquela “PEC do Fim do Mundo” ou “PEC da Morte” que aprovou-se no fim daquele ano. Muito “cidadão-de-bem” aplaudiu quando a Tropa de Choque da PM nos massacrou debaixo da repressão, em Novembro e Dezembro de 2016, em Brasília, quando protestávamos contra os descalabros impostos pelo desgoverno Temer e o Congresso golpista. Estávamos lá defendendo o SUS, a Educação Pública, os serviços públicos essenciais ao bem comum, e não éramos poucos – como testemunham os documentários “A Babilônia Vai Cair” e “Ponte Para o Abismo”, que realizei na época. Mas o cidadão-de-bem ficou com a bunda no sofá, diante da Globo, feliz pela polícia estar descendo o cacete em “vândalos” e vagabundos. Agora aguenta a pandemia de Covid-19 depois de mais de R$20 bilhões terem sido excluídos do SUS e o Mais Médicos ter sido desmontado!

Precisamos urgentemente de cidadãos com senso histórico e capacidade crítica que não sigam cegamente pseudo-mitos do necro-capitalismo. Caso contrário, esta tragédia se repetirá com as pandemias e catástrofes climáticas de que nosso futuro está repleto.


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PROIBIDO ESQUECER – Os deveres da memória em tempos de genocídio: O caso “Black Earth Rising” (BBC/Netflix)

“A million candles burning
For the help that never came
You want it darker
We kill the flame…”
LEONARD COHEN

Ruanda, 1994: cerca de 800.000 pessoas são assassinadas em 100 dias de carnificina. Recontada no cinema em Hotel Ruanda (de Terry George, 2004), em livro-reportagem no Gostaríamos de Informá-lo De Que Amanhã Seremos Mortos Com Nossas Famílias de Philip Gourevitch (Cia das Letras) e nos romances de Scholastique Mukasonga (três deles publicados no Brasil pela Editora Nós), a história do genocídio ruandês agora volta à tona: Black Earth Risingsérie de 8 episódios produzida pela BBC e que está no acervo da Netflix, retrata os traumas e cicatrizes que marcam os sobreviventes, as testemunhas e os perpetradores deste monumental e trágico evento histórico. Ao fim do século 20, a violência ainda inundava a História Humana, este pesadelo do qual tentamos acordar (para lembrar do personagem de James Joyce, S. Bloom, que afirma no Ulisses: “History is a nightmare from which I am trying to awake”). [1]

Escrita, produzida e dirigida por Hugo Blick (também responsável pela minisérie The Honourable Woman (A Mulher Honrada), Black Earth Rising foca no trabalho de uma equipe de juristas que dedicam suas vidas ao esforço de penalização de genocidas e criminosos-de-guerra, processados em tribunais penais internacionais como o de Haia (Holanda). A personagem principal, Kate Ashby (interpretada por Michaela Coel), atravessa radicais transformações de identidade em uma trajetória para desocultar os segredos de seu passado: ela era uma criança em meio à matança generalizada deflagrada em 1994 lá em sua terra natal Ruanda, e que se estendeu pelos anos seguintes no país vizinho (Zaire / Congo).

Sem memórias claras de sua primeira infância, Kate – que foi adotada pela advogada inglesa Eve Ashby – só poderá compreender muito mais tarde os maiores mistérios de seu destino prévio. Transformada numa mulher em ação, na luta pela memória e pela justiça, ainda que tardias, Kate Ashby vai numa jornada em busca do tempo perdido bastante peculiar, desvelando os nós que entrelaçam seu destino pessoal com os destinos coletivos dos povos do Continente Matriz da humanidade, a África.

Em entrevista à BBC, Blick revelou um pouco do que o inspirou a realizar a série:

“Onde eu cheguei não é o destino que eu esperava. Alguns anos atrás, olhei para os julgamentos de Nuremberg como parte de uma pesquisa de fundo para a série “A mulher honrada “. Consequentemente, fiquei interessado em explorar como perseguimos hoje os criminosos de guerra internacionais. Comecei com o Tribunal Penal Internacional (TPI) e fiquei surpreso ao descobrir, no momento da minha pesquisa, que a maioria, senão todas as acusações formais, eram contra africanos – negros africanos. Isso então me atraiu para o Congo. O TPI não estava apenas perseguindo os perpetradores do genocídio de Ruanda, fiquei ainda mais intrigado ao descobrir que ele também estava perseguindo indivíduos que ajudaram a pôr fim ao genocídio. Ambos os lados eram procurados pelo TPI por supostas atrocidades cometidas na República Democrática do Congo após o genocídio em meados da década de 2000. Eu queria entender por que aparentes vilões e heróis estavam sendo perseguidos. E quanto mais eu olhava, mais fundo eu tinha que ir. ” (BLICK, Hugo. BBC.) [2]

A compreensão do que ocorreu em Ruanda, em 1994, é um desafio cognitivo tremendo. As dificuldades começam pelo fato de que poucos tem estômago para mergulhar no estudo de fenômenos que são tão chocantes e angustiantes, devido à escala monumental do horror e da violência que envolvem. Philip Gourevitch escreve, sobre aquela época, de maneira bem punk, que “o governo ruandês adotara uma nova política, segundo a qual todo mundo do grupo majoritário hutu era convocado a matar todo mundo da minoria tutsi. O governo e um impressionante número de seus súditos imaginavam que exterminando os tutsis poderiam fazer do mundo um lugar melhor – e o assassinato em massa começou.” (GOUREVITCH, P. Cia das Letras, leia um trecho) [2]

O trecho de Gourevitch estabelece uma distinção entre a minoria Tutsi e maioria Hutu, afirmando que a maioria, através do assassinato em massa da minoria, “imaginavam que poderiam fazer do mundo um lugar melhor”, o que é o supra-sumo do contra-senso: utilizar um meio como o assassinato em massa para atingir a finalidade de um mundo melhor é algo estapafúrdio. Só temos a lamentar a crença de muitos na tese de que “o fim justifica os meios”, quando na verdade meios atrozes e cruéis sempre hão de conspurcar os fins, mesmo os supostamente mais elevados. Creio, porém, que o buraco é mais embaixo, que o ímpeto idealista de fabricar uma realidade social melhorada através da purificação, da limpeza étnica, está calcada num dos mais sérios problemas a desgraçar a caminhada humana sobre o planeta – o racismo. Tema que Black Earth Rising evita encarar de frente.

Outra dificuldade que se interpõe como obstáculo na nossa tentativa de compreensão das ocorrências em Ruanda, em 1994, parece-me ser a seguinte: por comodismo e facilidade, ou seja, pela lei-do-mínimo-esforço que preside o trabalho de muitas mentes que se abandonam ao Império da Preguiça, temos uma certa tendência a simplificar as coisas através da perigosa prática do binarismo – e também do maniqueísmo que muitas vezes o acompanha. Usualmente, desejamos enquadrar o mundo e a história em um esquema em que separamos o joio do trigo de modo bastante tosco: há vilões e heróis, bandidos e mocinhos, a luta entre o Bem e o Mal, “ou você está conosco ou está contra nós” (recentemente, um presidente genocida como George W. Bush reciclou esta desgraça de maniqueísmo binário ao lançar sua Guerra Contra o Terror).

A realidade, porém, é muito mais complexa e destroça nossos binarismos maniqueístas. Jamais faríamos o mínimo de Justiça, nem honraríamos os deveres da Memória, tentando enquadrar, em massa, Tutsis e Hutus em uma dessas categorias: Vítimas e Carrascos. Precisamos ir além do simplismo de opor uma “coitada minoria massacrada” e uma “desumana maioria assassina”. Temos que complexificar o quadro e olhar de frente no rosto da Besta Humana. Pois a Humanidade sabe muito bem ser desumana. Nossa união ainda está por ser inventada.


PARA ALÉM DO BINARISMO E DO MANIQUEÍSMO

Um dos ensinamentos de Black Earth Rising é que não podemos cair no binarismo fácil de classificar estas etnias como vítimas (Tutsis) carrascos (Hutus) – as posições de vítimas e carrascos são muito mais intercambiáveis. Ser um Tutsi não é um atestado de vítima, nem imuniza a pessoa contra o cometimento de atrocidades, nem tampouco ser um Hutu é um atestado de genocida, nem impede a pessoa de militar em prol da convivência pacífica.

É isto que Kate Ashby não consegue compreender a princípio: ela está aferrada à noção de que os Tutsis são as vítimas, os Hutus os genocidas. Aferrada, além disso, à crença sobre si mesma: está certa de que é uma Tutsi sobrevivente do genocídio, e tudo fará para que os responsáveis pelo morticínio escapem da impunidade de que ainda gozam. Por isso Kate suporta tão mal que sua mãe tente incriminar em Haia o General Simon Nyamoya, um chefe Tutsi que ajudou a pôr fim ao massacre, em 1994, mas depois se envolveu em crimes de guerra e tráfico de minérios no Congo, além de ter participado de uma carnificina contra um campo de refugiados Hutu em território congolês.

Baseado em fatos reais que o Mirror reconta, assim como a reportagem da BBC, Black Earth Rising merece ser vista na íntegra para que se possa ter uma experiência plena das metamorfoses de Kate Ashby no decorrer da série. Ema espécie de 1º ato, Kate Ashby reluta em ver seu herói Nyamoya sendo destronado, caindo do pedestal em que ela, e tantos outros, mantinham-no. É uma primeira amarga lição, que a impede de idealizar cegamente os chefes Tutsis que lutaram para pôr fim ao genocídio em 1994: apesar de “libertador” dos Tutsis que estavam sendo massacrados, revela-se que Nyamoya também é culpado por crimes contra a humanidade e limpeza étnica – sobretudo no episódio do “desmantelamento” (eufemismo para extermínio!) do campo de refugiados Hutus no Congo.

Mais para o fim da série, será revelado que a própria Kate esteve neste campo, sendo dele resgatada por um ativista de ONG. Quase no desfecho da série, Kate está dentro de uma cova coletiva, temendo por sua vida, como se tivesse ganho algumas décadas de sobrevivência para finalmente perecer no buraco onde deveria ter ficado enterrado seu cadáver infantil, mas percebe que um mutirão de pessoas decidiu, como ela, trabalhar para trazer à tona no presente os ossos enterrados de uma História mal contada e ocultada.

Não é possível compreender as ocorrências de que fala a série com o nosso foco exclusivamente em Ruanda em 1994: os precedentes do genocídio incluem necessariamente as ações das grandes nações imperialistas do Ocidente. Não é fora de propósito averiguar quanto do sangue derramado em Ruanda tem origens numa insanidade racista que foi inicialmente propagada pelo colonizador europeu e pelas ideologias supremacistas que marcaram não apenas o nazifascismo, mas também o escravismo nos EUA calcado na white supremacy. Sim, precisamos falar sobre ideologias racistas típicas do imperialismo “ocidental” – aquele que praticou por séculos a escravidão contra milhões de africanos – para chegar perto de entender melhor o destravamento das carnificinas ruandesas de 1994.

No fim do século XX d.C., a Humanidade descobria, atônita, nossa resiliente capacidade para o pior, somada à nossa incapacidade de autenticamente aprender com erros passados e suas funestas consequências. Parecíamos condenados a repetir, com Maslow: “O Horror! O Horror!”, frase com que se encerra O Coração das Trevas, de Joseph Conrad, retrato do Congo belga no livro que depois se transformou em Apocalypse Now (filme de F. F. Coppola). O pesadelo do fratricídio entre Tutsis e Hutus segue desafiando nossa Razão a decifrar seus porquês – e diante de vidas humanas reduzidas em massa à morte, é preciso cuidado redobrado naquilo que dizemos e escrevemos. Aqui estou na postura de quem se estarrece que acontecimentos assim estejam entre nossos possíveis, mas não na postura de quem traz todas as respostas em uma bandeja.

Pelo contrário, trago uma bandeja cheia de questões: nós, que nos acostumamos a pensar sobre o racismo como um fenômeno vinculado ao “preconceito de cor”, para lembrar um samba de Bezerra da Silva, como podemos reconfigurar nossa compreensão do racismo diante daquilo que parece ocorrer entre grupos humanos que não estão separados pela barreira epidérmica das dosagens de melanina? O III Reich hitlerista assassinou em massa judeus e bolcheviques, homossexuais e ciganos, mas não consta que tenha visado, como alvos, as populações de descendência africana que estavam naquela Europa que o nazismo pretendeu subjugar a seu sinistro império. Porém, o Holocausto – o genocídio imposto pelo governo nazifascista alemão a mais de 6 milhões de judeus europeus – não é menos racista pelo fato de que, olhado através de um viés bem superficial, trata-se de brancos matando brancos, europeus chacinando europeus.

Algo semelhante me angustia diante do contexto em Ruanda nos anos 1990: Tutsis e Hutus não são distinguíveis por sinais visíveis – similarmente, olhando através de um viés epidérmico, de uma perspectiva que pára na pele, trata-se de negros matando negros, africanos chacinando africanos. O racismo estaria, portanto, riscado da lista de motivações possíveis para estes genocídios? Não creio. O que exige repensar o racismo de modo mais aprofundado, como uma espécie de crença coletiva que um grupo social compartilha e que inclui a desumanização de um outro grupo social. Um dos elementos mais interessantes de Black Earth Rising está na flutuação identitária que o seriado retrata ao descrever as descobertas bombásticas que realiza, em sua vida, a personagem Kate Ashby.

Para todos os efeitos, Kate Ashby aparece-nos, no começo da série, como uma cidadã britânica, uma falante da língua inglesa, uma londrina que cresceu sob os cuidados de sua mãe adotiva, a célebre jurista Eve Ashby. Porém, Kate Ashby é um nome postiço e tardio que vem para encobrir o anonimato de uma criança que sobreviveu sozinha ao genocídio: sem familiares nem amigos que pudessem dizer seu autêntico nome, privada das informações sobre seu batismo africano originário, ela se torna uma sobrevivente do genocídio ruandês a quem se oferece um novo começo no United Kingdom: cresce acreditando, a partir das narrativas que lhe contaram, que é uma Tutsi, sobrevivente de um massacre cometido pelos Hutus.

Qual não será a sua surpresa quando descobrir, conforme avançam suas investigações relacionadas com a tentativa de condenação em Tribunal Penal Internacional do general Hutu Patrice Ganimana, que na verdade Kate Ashby foi em sua primeira infância algo bem diferente de uma criança Tutsi sobrevivente de um genocídio: era uma criança Hutu que deixou o país após o fim da carnificina, tornando-se uma emigrante e depois uma refugiada no país vizinho, então o Zaire, hoje a República Democrática do Congo. A mulher que se conhece por Kate Ashby, cujo nome africano nunca se soube, descobre que lhe mentiram sobre as circunstâncias em que foi resgatada em meio à insana matança dos adultos que a rodeavam: ela acreditava ser um Tutsi que perdeu tudo devido a sanguinários Hutus, e descobre que era uma Hutu que sobreviveu a um massacre perpetrado contra um campo de refugiados no Congo onde estavam 50.000 pessoas, cerca de 9.000 delas crianças.

O que pensar sobre o tema da identidade diante deste caso? Apesar de fictício, o enredo de Black Earth Rising pode nos instigar a seguinte reflexão: nossa identidade não é independente das narrativas que interiorizamos sobre quem somos e sobre a qual grupo social pertencemos. Kate Ashby, em Black Earth Rising, é sempre descrita como uma pessoa sob o risco de colapso psíquico: no primeiro episódio, ela consegue pílulas para tentar controlar seus ímpetos suicidas e faz uma piada com a obra de Primo Levi, judeu sobrevivente do Holocausto. O fato de ser uma sobrevivente de genocídio é essencial à sua identidade, mas os fragmentos de seu passado que ela usou para compor sua auto-imagem revelam-se falsos.

Ela se vê então envolvida numa teia de acontecimentos em que seu destino individual se mescla com o destino de sua pátria e de todo o continente africano: Kate Ashby não está apenas numa viagem de “auto-descoberta”, mas também presa numa teia coletiva e histórica em que terá que reconsiderar radicalmente tudo o que acreditou sobre si, sobretudo a crença de sua pertença à raça/etnia Tutsi.

Um dos grandes temas de Black Earth Rising é o direito à memória e à verdade. A essência dos discursos da personagem Alice Munezero vão neste sentido, o de conclamar-nos para que acessemos o passado em sua verdade, pois em nada contribui para a reconciliação você recalcar o passado coletivo, não permitindo que venham à tona certos episódios que certos grupos não julgam convenientes tornar conhecidos e públicos. A lição que tiro disto é que não devemos “essencializar” a diferença entre Tutsis e Hutus, nem entre nazistas e judeus, como se houvesse de fato uma diferença de essência entre eles que justificasse a noção de que cada grupo pertence à uma diferente raça. Se a diferença não é de essência, é preciso que ela esteja em outra parte, que a diferença seja de pertença, de cultura, de aprendizado, de interiorização narrativa, em suma: de educação. Nurture, not nature.

O racismo, pois, é um construto: não existem raças humanas, mas sim grupos humanos capazes de acreditar na supremacia étnica ou racial. Não parecem existir justificativas para cindir a humanidade em raças superiores e inferiores por razões genéticas, como quiseram fazer os eugenistas de todos os tempos, o que nos conduz à tese de que o problema está de fato na presunção de superioridade que certos grupos acabam interiorizando como uma espécie de item narcísico identitário. Esta crença supremacista – que leva o sujeito à fé de que pertence a um grupo social, ou casta, ou raça, que é melhor, mais superior, mais civilizado, mais humana que o grupo, casta ou raça inferiorizado e desumanizado – está na raiz do problema.

Por isto a educação também está: se não “genes-Tutsi” nem “genes-Hutus”, ou seja, se ninguém nasce com um DNA Tutsi ou Hutu, estas diferenças são construídas, ou seja, as pessoas são ensinadas a aderir a uma certa pertença comunitária que define sua identidade. Se foram ensinadas, ou seja, culturalmente determinadas, isto significa, como é evidente, que a educação e a cultura, transformadas e revolucionadas, são as forças principais para que o racismo construído cesse de sê-lo. Raças humanas nunca existiram, agora é nossa tarefa desconstruir, criticar e aniquilar os racismos para que também eles cessem de ser.

O racismo a que me refiro, ou seja, esta presunção de superioridade e este supremacismo étnico-racial motivado por uma pertença identitária, pode se amparar em características corporais ou epidérmicas – como foi no racismo instituído no Sul dos EUA durante o domínio da white supremacy ou na África do Sul na vigência do apartheid. Mas a crença supremacista pode se amparar em outros elementos, menos epidérmicos, aparentemente desvinculados de questões cromáticas e das aparências do corpo humano.

Hoje, não resta muita dúvida de que Adolf Hitler e o regime que chefiou era alicerçado no racismo instituído, na fantasia de domínio dos “arianos”. E tampouco me parece contestável a tese, defendida por Domenico Losurdo (entre outros), de que há muita similaridade entre os nazis arianistas e os supremacistas brancos dos EUA; há mais em comum entre a Ku Klux Klan e o nazismo do que sonha a liberal filosofia… A insana “originalidade” do hitlerismo foi tratar judeus e bolcheviques como se fossem negros no Sul dos EUA na era escravagista. Se as raças humanas não existem de fato, como podem garantir muitos cientistas, o racismo de fato existe como fenômeno ideológico e como práticas instituídas, de modo que o combate ao racismo permanece necessário e urgente, sendo um dos grandes desafios educacionais que deve mobilizar os esforços de todos nós que trabalhamos com educação, comunicação social e mobilização de massas. Como disse Nelson Mandela:

“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar.” –
Nelson Mandela, “Long Walk to Freedom”, 1995. [3]

Genocídio é uma palavra nova, um fruto macabro da época que o historiador Hobsbawm chamou de “A Era dos Extremos”. Através de livros como A Problem From Hell, de Samantha Power, e de filmes como Watchers of the Sky, de Edet Belzberg (2010), podemos aprender que o termo genocídio foi cunhado por Raphael Lemkin (1900-1959) e une o cide (assassinato em latim) e o genos (família, tribo ou raça em grego) para forjar um conceito que se refere ao assassinato em massa cometido por ódio étnico-racial. O antropólogo anarquista Pierre Clastres posteriormente irá distinguir o conceito de genocídio do conceito de etnocídio, em Arqueologia da Diferença. Aqueles que acompanham o cenário musical também sabem dos esforços de artistas atuais como M.I.A. (rapper inglesa, de origens no Sri Lanka), na denúncia de processos genocidários que ocorrem hoje contra os Tamil do Sri Lanka ou os Rohingya de Mianmar, ou do System of Down, banda de heavy metal que sempre quis relembrar episódios de m passado esquecido por muitos, como o Holocausto armênio de 1915 – 1923, tema também do filme The Cut de Fatih Akin.

Diante do genocídio ruandês, a pior das explicações é aquela que culpabiliza os próprios ruandeses por terem descido à barbárie de “uma insanidade tribal”, como diz um burocrata governamental inglês em Black Earth Rising. Esta explicação, de um racismo velado, parece atribuir toda a culpa às insanidades do tribalismo africano, conduzindo à noção eurocêntrica e supremacista de que as afiliações e pertenças étnicas dos ruandeses “atrasados” e “primitivos” são as culpadas pelo horror. Na verdade deveríamos estar nos perguntando qual é o grau de responsabilidade do Imperialismo Ocidental – que sobreviveu à Segunda Guerra Mundial, sendo que foram necessários muitos movimentos anticolonialistas na África e na Ásia após 1945, em luta por libertação!

As ideologias de supremacismo étnico-racial são bastante típicas de países que foram impérios escravocratas sediados na Europa, e não é fora de propósito supor que estas ideologias racistas possam ter sido exportadas pelos imperialistas colonizados, acabando por contaminar os povos colonizados: a Bélgica, a França, a Alemanha, a Grã-Bretanha, não podem se eximir de toda a responsabilidade pelo que se passou em Ruanda em 1994. Além disso, diante de 800.000 mortos em 100 dias, precisamos nos perguntar também: Estados Unidos da América, que pretendia ser após o colapso da URSS e da queda do Muro de Berlim, uma espécie de Xerife Global e o Super-poder de um mundo Unipolar, em um contexto em que Fukuyama previa o “fim da História” com o triunfo final do capitalismo liberal globalizado, por que diabos o Tio Sam, ou melhor, suas maiores autoridades, fizeram tão pouco e foram tão ineficazes para conter a carnificina, para amainar sua fúria, para salvar dezenas de milhares de vidas? A resposta de Samantha Power, vencedora do Prêmio Pulitzer, é chocante mas me parece verdadeira:

Romeo Dallaire, a Canadian major general who commanded UN peacekeeping forces in Rwanda in 1994, appealed for permission to disarm militias and to prevent the extermination of Rwanda’s Tutsi three months before the genocide began. Denied this by his political masters at the United Nations, he watched corpses pile up around him as Washington led a successful effort to remove most of the peacekeepers under his command and then aggressively worked to block authorization of UN reinforcements.The United States refused to use its technology to jam radio broadcasts that were a crucial instrument in the coordination and perpetuation of the genocide. And even as, on average, 8,000 Rwandans were being butchered each day, the issue never became a priority for senior U.S. officials. Some 800,000 Rwandans were killed in 100 days. No U.S. president has ever made genocide prevention a priority, and no U.S. president has ever suffered politically for his indifference to its occurrence. It is thus no coincidence that genocide rages on…” SAMANTHA POWER [4]

É bem-vinda a chega entre nós de Black Earth Rising, que demonstra que BBC e Netflix eventualmente se interessam por temas tão importantes quanto o direito à memória, a difícil concretização de uma justiça penal internacional e os mecanismos de prevenção ao genocídio. A série é ótima, no geral, apesar de algumas falhas – dentre estas, eu mencionaria que a série jamais revela porquê Kate Ashby teria sido iludida com mentiras explícitas por todos ao seu redor, sendo convencida de que era uma Tutsi e não uma Hutu. Qual o sentido desta teia de mentiras que depois será duramente desfeita? Apesar destes pontos obscuros, Black Earth Rising é uma obra potente, repleta de protagonismo feminino, que retrata também o empoderamento da mulher negra em espaços de poder, inclusive através da personagem da presidenta de Ruanda e seus dilemas no sentido de avançar no sentido da justiça social, tendo como uma das dificuldades maiores o neo-imperialismo que se manifesta pela fome ocidental por minérios. Sabemos que as minas de cobalto e outros minérios, em Ruanda e no Congo, estão na mira de várias corporações internacionais que fabricam celulares e computadores (vejam o documentário Blood in The Mobile).

Em uma das cenas mais inesquecíveis, Kate Ashby revisita em Ruanda uma igreja onde centenas de Tutsis foram massacrados. Transformada em Museu, a igreja agora acolhe apenas as roupas ensanguentadas dos que pereceram no massacre, assim como o Museu do Holocausto em Berlim visa dar uma noção do tamanho do extermínio perpetrado pelos nazis ao empilhar sapatos, aos milhares, dos que pereceram nos campos da morte erguidos pelo III Reich.

Diante de uma estátua de Cristo sem cabeça, Kate Ashby parece ter sua vida invadida pelos fantasmas de todos os massacrados, num transbordamento psíquico tão insuportável que ela precisa, na saída da igreja, chorar convulsivamente e buscar amparo no peito daquele que ela foi ensinada a odiar, um Hutu – que também foi ensinado a odiá-la. Instantes depois, conduzida ao local onde os refugiados Hutus no Congo foram massacrados pelos Tutsis, ela se surpreende com a aparição de centenas de pessoas da comunidade que decidem cavar para revelar, através da cruel pedagogia dos ossos, uma verdade que estava enterrada.

“She risked her future to uncover her past“, diz a frase no cartaz de Black Earth Rising: de fato, Kate Ashby tornou-se um emblema, concedido à Humanidade por uma competente teledramaturgia, de alguém que tem a ousadia de ir atrás do desocultamento de verdades, por mais amargas e cruéis que sejam, arriscando seu futuro para desocultar seu passado. Ensina, assim, sobre a importância suprema de cumprirmos com nossos deveres de memória e com nossos trabalhos de justiça, pois a possibilidade dos genocídios do futuro dependem de nossa negligência presente em aprender com o passado. Se nos recusarmos à lembrança e não buscarmos trazer à justiça carrascos e genocidas, só estaremos contribuindo para que nosso futuro esteja tão repleto de atrocidades quanto nosso passado.

Na canção tema da série, o bardo canadense Leonard Cohen canta um sombrio folk que fala sobre “um milhão de velas queimando por uma ajuda que não veio”. Sinistro, Cohen evoca o serviço atroz daqueles que se engajam nas tarefas do obscurantismo e querem tornar tudo, para todos, mais escuro (“you want it darker? we kill the flame…”). Diante disso, precisamos ser os que re-acendem a Iluminação plena para que esta se espraie pela História, aumentando nossa compreensão corajosa dos horrores que se passaram, de modo a evitar os genocídios do porvir – infelizmente prováveis, possíveis e plausíveis em uma época em que estão empoderados genocidas-em-potencial como Jair Bolsonaro, racista, misógino, homofóbico, notório defensor de Ditaduras Militares, fã de criminosos-contra-a-humanidade como Ustra, Pinochet e Stroessner, que prega o extermínio de opositores políticos e jamais escondeu suas posturas de supremacista branco que mede “afrodescendentes” em “arrobas”.

Em meio à pandemia de covid-19 em 2020, vimos Bolsonaro ser denunciado no mesmo Tribunal Penal Internacional de Haia que é cenário para Black Earth Rising. O presifake brasileiro, denunciado por incitação ao genocídio, demonstrou através de sua criminosa irresponsabilidade perante à crise da saúde coletiva, e também por sua participação em atos públicos que demandavam o colapso das instituições democráticas, que é um atroz agente de uma necropolítica do assassínio-em-massa e do ocultamento da História.

O Bolsonarismo deseja desmantelar o direito do povo brasileiro à memória e à justiça, cuspindo naqueles que trazem à luz os ossos de nosso passado real como se não passassem de cães, quando na verdade são figuras como o “Seu Jair” que, através da História, propiciaram as condições para os “massacres administrativos” e para a “banalidade do Mal” de que nos fala Hannah Arendt. Black Earth Rising nos ajuda a aprender que a atrocidade terá longo futuro enquanto formos incapazes de iluminar, com nossa compreensão e lucidez, com a coragem de nosso conhecimento, as atrocidades passadas e hoje ainda infelizmente tão possíveis. Só o passado iluminado pela lucidez atual é capaz de dar força e energia para que a geração atual possa ir mudando os rumos que já se mostraram que conduzem ao abismo e à carnificina.

Eduardo Carli de Moraes
Goiânia, Abril de 2020

Link para este artigo:
https://wp.me/pNVMz-6p1.

REFERÊNCIAS

[1] JOYCE, JamesUlisses.

[2] BLICK, Hugo. Entrevista à BBC.

[3] GOUREVITCH, Philip. Gostaríamos de Informá-lo De Que Amanhã Seremos Mortos Com Nossas FamíliaCia das Letras.

[4] MANDELA, Nelson. Long Walk to Freedom, 1995.

[5] POWER, Samantha. A Problem from Hell: America and the Age of Genocide. 

VÍDEOS RECOMENDADOS:

SAMANTHA POWER:

LINKS DE INTERESSE: The GuardianCineset

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A ARTE DE CONVIVER: Uma Ética do Mundo Comum e do Bem Público Para Resistir à Pervasiva Privatização da Vida – Por Eduardo Carli de Moraes [Vídeo Completo – 2019, 52 min]

PRÓLOGO – Organizado pela Comissão de Ética do IFG, o IV Workshop “Moralidade e Conduta Ética nas Relações Sociais”, realizado em 10 de Outubro de 2019 em Goiânia, contou com esta fala pública do professor de filosofia Eduardo Carli de Moraes (produtor cultural e livreiro @ A Casa de Vidro), docente que atua no câmpus Anápolis do IFG (saiba mais sobre o evento nesta reportagem publicada pela Diretoria de Comunicação Social da Reitoria).

A palestra explora o tema A Arte de Conviver: Uma Ética do Mundo Comum e do Bem Público Para Resistir à Pervasiva Privatização da Vida. O vídeo na íntegra, com cerca de 52 minutos, está disponível no Youtube ou Vimeo; acessem também a apresentação completa (24 slides) contendo todas as imagens e citações mencionadas na ocasião: http://bit.ly/2omVoKK.

A ARTE DE CONVIVER: Uma Ética do Mundo Comum e do Bem Público Para Resistir à Pervasiva Privatização da Vida

Por Eduardo Carli de Moraes

 

“Gosto de ser gente porque mudar o mundo é tão difícil quanto possível.“ – Paulo Freire

A ética faz parte das práticas humanas que visam tanto à reflexão quanto à ação de seres humanos interdependentes. Sem ela, não há possibilidade de bem viver: toda vida bem vivida, que expressa uma sabedoria encarnada, envolve necessariamente um horizonte ético. Se alguém dissesse que não se interessa pela ética, estaria dizendo que não se interessa pela felicidade e que não se importa de desperdiçar sua vida. O desprezo pela ética é o caminho mais simples e comum para uma vida mal-vivida.

A ética também é um campo onde reinam os “juízos de apreciação referentes à conduta humana, qualificada do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto.“ (In: Dicionário Aurélio Buarque de Holanda) A finalidade última da ética (seu télos) pode ser descrito como a felicidade individual (eudaimonia), como o sumo bem (summum bonum), como o bem público ou a felicidade geral etc. Sem dúvida, o despertar da consciência ética ocorre ainda na infância, como sugere a tirinha de Quino que descreve Mafalda descobrindo um “inquilino interior“ (a consciência moral do agente humano), espécie de marco zero do despertar da consciência ética da intersubjetividade e da interdependência que marcam a existência humana:

O campo de atividade da ética é de uma amplitude estonteante: os agentes éticos estão em interação no mundo comum, conceito essencial na filosofia de Hannah Arendt. Esta filósofa, em uma dos mais belos trechos de A Condição Humana, assim o define:

“O mundo comum é aquilo que adentramos ao nascer e que deixamos para trás quando morremos. Transcende a duração de nossa vida tanto no passado quanto no futuro: preexistia à nossa chegada e sobreviverá à nossa breve permanência. É isto o que temos em comum não só com aqueles que vivem conosco, mas também com aqueles que aqui estiveram antes e aqueles que virão depois de nós.

Mas esse mundo comum só pode sobreviver ao advento e à partida das gerações na medida em que tem uma presença pública. É o caráter público da esfera pública que é capaz de absorver e dar brilho através dos séculos a tudo o que os homens venham a preservar da ruína natural do tempo. (…) Fluindo na direção da morte, a vida do homem arrastaria consigo, inevitavelmente, todas as coisas humanas para a ruína e a destruição, se não fosse a faculdade humana de interrompê-las e iniciar algo novo, faculdade inerente à ação como perene advertência de que os homens, embora devam morrer, não nascem para morrer, mas para começar.” HANNAH ARENDT em “A Condição Humana”

Por isso é impossível separar ética de política: o campo de atividade do agente ético é necessariamente o espaço entre nós, o território que inclui o outro, o mundo que nos é comum, integrando não apenas nós que somos contemporâneos, mas conectando também a geração presente com as passadas e as vindouras. Já Aristóteles afirmava que o ser humano é um zoon politikon, algo reafirmado a seu modo por um dos maiores mestres da ética no Brasil contemporâneo, Fábio Konder Comparato, que afirma: “a política é a suprema dimensão da vida ética”:

“A célebre afirmação de Aristóteles de que o homem é, pela sua própria natureza, um ser político significa que o indivíduo somente encontra condições apropriadas para atingir um nível elevado de aretê, isto é, de desenvolvimento integral de sua personalidade, quando convive com outros seres humanos numa comunidade organizada, regida por normais gerais de comportamento, (…) em função de um objetvo comum a todos os seus membros, que se vêem, assim, ligados entre si por vínculos jurídicos e relações de solidariedade.“ (COMPARATO, Ética, Cia das Letras, p. 584)

Por isso, uma reflexão ética também não é dissociável de uma atuação atenta às diferenças entre o público e o privado. Para os gregos, o conceito de idiotia era utilizado para se referir àquela pessoa que só se interessava pelos seus assuntos privados, obcecada pelo próprio umbigo, omissa e isenta dos assuntos públicos e políticos por decisão própria. Esta obliteração proposital do público pelo sujeito era caracterizado com o qualificativo de idiotes. Para os gregos, inventores da democracia, o status de cidadão comportava sérios deveres, como explica Comparato:

“De modo geral, sempre foram vistos com maus olhos os que se abstinham sistematicamente de comparecer e votar nas reuniões da Ekklesia, sendo por isso qualificados de idiotai, ou seja, indivíduos unicamente preocupados com os assuntos do seu interesse particular. A neutralidade política era considerar em Atenas atitude contrária ao bem comum. Segundo reporta a tradição, Sólon teria editado uma lei, chocante para a mentalidade moderna, pela qual deveriam ser punidos com a atimia (perda da cidadania) todos aqueles que se recusassem a tomar partido numa situação de guerra civil.“ (COMPARATO, p. 644)

Mário Sérgio Cortella, co-autor da obra Política Para Não Ser Idiota, também o destaca: “Para os gregos da Antiguidade Clássica era “idiota” o sujeito que preenchendo as prerrogativas para participar da vida pública na polis, abdicava de fazê-lo. Hoje, muitas vezes, são rotulados de idiotas aqueles que, nas rodas de conversa, não se empolgam com assuntos sobre a vida privada das celebridades e insistem em colocar em pauta temas públicos, ou seja, assuntos políticos. Interessar-se por política, para muitos, não é normal.” (CORTELLA)

Se há idiotia em toda atitude que pretenda focar apenas no privado e não ligar para o público, isto se dá pois não há isentismo que não seja cumplicidade com os opressores: “Se você é neutro em situações de injustiça, é que você escolheu o lado do opressor”, afirma em célebre frase o Vencedor do Prêmio Nobel da Paz Desmond Tutu. Ficar em cima do muro não é nunca “inocente” pois de cima do muro você assiste, tomando chá, à brutalidade dos opressores e os processos que ele impõe de espoliação, humilhação, repressão dos oprimidos.

Por isso, em um mundo como o nosso, onde avança em passo acelerado, de modo perigoso e destrutivo, a oni-privatização do que antes foram espaços públicos, terras comunais e natureza inapropriável, é necessário insistir numa ética atenta ao bem público – e não apenas interessada nos motivos próprios ao indivíduo isolado (no fundo, uma abstração que serve à tirania burguesa sobre sistemas econômicos e sobre a nossa “economia psíquica”). A produção de subjetividades ególatras, idiotas pois despolitizadas, incapazes de devoção ao que transcende o “caro eu”, cegas ao público e o comum, é uma marca dos frutos da “revolução burguesa” quando se instituiu. Segundo Comparato:

“A oposição público – privado corresponde ao contraste entre o que é comum e o que é próprio. Próprio diz-se do que pertence, com exclusividade, a alguém, indivíduo ou grupo social determinado. A essência da propriedade
privada, como vem expresso na legislação dos mais diversos países, é o direito do proprietário de excluir todos os outros sujeitos do uso, fruição ou disposição de uma coisa determinada.

Em contraste, dizem-se comuns os bens compartilhados por mais de um sujeito, em igualdade de condições. A comunidade supõe, com efeito, que os seus integrantes sejam essencialmente iguais, ou seja, que não haja
indivíduos privilegiados, superiores aos outros.

Da igualdade cidadã decorre o princípio republicano da supremacia do interesse comum de todos os membros da coletividade – o povo ou a nação em cada país, o conjunto dos povos que formam uma federação de países, ou a própria humanidade no plano mundial, sobre os interesses particulares.“ (COMPARATO, p. 621)

Se deveras formos republicanos, seremos eticamente norteados pela supremacia do interesse comum e não pelo predomínio dos interesses individuais. O que ocorre é vivemos por tempo demais sob o efeito da lavagem cerebral imposta pela hegemonia ideológica liberal-burguesa. Esta pode ser resumida pela fórmula, bastante emblemática: vícios privados, benefícios públicos. Presente na famosa fábula das abelhas de Mandeville, também é uma conclusão tirável da “lógica” em que operam os pensamentos de figuras como Bentham e Adam Smith. Mas será mesmo que o egoísmo dos indivíduos realmente conduz à prosperidade geral? (E será que Eduardo Giannetti soube, no seu livro, aprofundar de fato a crítica que tem que ser feita a esta ideologia?)

“Durante o século XVIII, a Ideologia do Egoísmo encontrou um defensor no pensador Adam Smith: ele sustentou que se compradores e vendedores numa economia se dedicassem a maximizar seu ganho, os bens e serviços seriam distribuídos por uma ‘mão invisível‘ atendendo ao interesse da comunidade como um todo da melhor forma.

– Buscando o próprio interesse – escreveu Smith – um indivíduo muitas vezes promove o da sociedade mais efetivamente do que quando realmente pretende promovê-lo.

O poder dessa ideia estava em oferecer uma justificativa econômica e política enfática para que se agisse em conformidade com os próprios interesses pessoais, o que explica a popularidade de Smith em meio às elites empresariais e políticas durante a Revolução Industrial. Depois, nas ideologias de livre-comércio do thatcherismo e do reaganismo.“ (KRZNARIC, 2015, p. 35)

Esta apologia da pretensa prosperidade que o egoísmo acarretaria em prol da prosperidade geral é cada vez mais insustentável diante das evidências de que o capitalismo, calcado nas ideologias do liberalismo e suas “neo” versões, produz injustiça social, exclusão, precariedade e violência de modo avassalador, o que só se agrava com as catástrofes ambientais que um modelo extrativista e queimador de combustíveis fósseis gera. O cartunista André Dahmer é um dos mais ácidos comentaristas sociais deste contexto:

Mas também a atual cruzada contra Paulo Freire, movida pelos extremistas de direita no Brasil, tem a ver com as posturas anti-capitalistas críticas do neoliberalismo que o autor de Pedagogia do Oprimido abraçava. Em “Pedagogia da Autonomia“, Paulo Freire explicita sua “crítica permanentemente presente” à “malvadez neoliberal, ao cinismo de sua ideologia fatalista e a sua recusa inflexível ao sonho e à utopia”:

“Estamos de tal maneira submetidos ao comando da malvadez da ética do mercado que me parece pouco tudo o que façamos na defesa e na prática da ética universal do ser humano. (…) Não é possível ao sujeito ético viver sem estar permanentemente exposto à transgressão da ética. Uma de nossas brigas na história, por isso mesmo, é exatamente esta: fazer tudo o que possamos em favor da eticidade, sem cair no moralismo hipócrita, ao gosto reconhecidamente farisaico. (…) Quando falo da ética universal do ser humano estou falando da ética enquanto marca da natureza humana, enquanto algo absolutamente indispensável à convivência humana.” (PAULO FREIRE, Primeiras Palavras, p. 16-19)

O Paulo Freire virou uma bruxa a ser caçada pela direita Bolsonarista e Olavete pois ele é um crítico bem-informado do catastrófico aparato educativo gerado pelo capitalismo liberal em conluio com as classes dominantes interessadas na produção massiva da idiotia e do conformismo. Paulo Freire escreve, em 1959, em “Educação e Atualidade Brasileira” (tese de concurso para a cadeira de História e Filosofia da Educação, na Escola de Belas Artes de Pernambuco), em prol de uma educação que formasse eticamente no sentido da expansão da consciência comunitária e não do individualismo ególatra liberal-burguês:

“Encaminharemos o nosso agir educativo no sentido da consciência do grupo e não no da ênfase exclusiva no indivíduo. Sentimento grupal que nos é lamentavelmente ausente. As condições histórico-culturais em que nos formamos nos levaram a esta posição individualista. Impossibilitaram a criação do homem solidarista, só recentemente emergindo das novas condições culturais em que vivemos, mas indeciso nessa solidariedade e necessitando por isso mesmo de educação fortemente endereçada neste sentido. De educação que deve desvestir-se de todo ranço, de todo estímulo a esta culturológica marca individualista. Que dinamize, ao contrário, o espírito comunitário.” (FREIRE, apud Souza, p. 64)

A educação não é desvinculável da ética. Edgar Morin sempre repete – e é o título de um de seus livros – que educar tem a ver com ensinar a viver. E ética é o aprendizado prático de um viver que não é desvinculável do ser-com-os-outros, em uma teia de interdependência. Os gregos já sabiam que o processo formativo, a paidéia, não era dissociável de uma educação do ethos, e que este tinha tudo a ver com a transmissão e a prática das virtudes (aretê). A filosofia, como amor à sabedoria, sempre foi, por esta razão, conectada à educação ética, à formação para o aprender a viver bem, o que é sempre também um aprendizado do convívio. E no convívio se aprende que nada pior do que tratorar interesses alheios secundarizar o bem comum sempre em prol dos limitados e cegos motivos egóicos do indivíduo que se delira (enquanto preso no Samsara) isolado.

Dois dos principais pensadores da ética no pensamento contemporâneo, André Comte-Sponville e Vladimir Jankélévitch (1903-1985), têm obras devotadas à estas confluências entre filosofia, ética e educação. Eles sem dúvida concordariam com a magistral obra recente do australiano Roman Kznaric, O Poder da Empatia, que destaca o quanto poderíamos revolucionar para melhor o mundo comum caso tivéssemos um “caldo cultural” que favorecesse o florescer da empatia. Esta, que Jankélévitch descreve belamente nos seguintes termos e em fecundo diálogo com a tradição filosófica pregressa:

“A simpatia ou empatia é o ato pelo qual meus irmãos me ajudam a carregar minha cruz, isto é, compartilham ativamente meu destino, participam do nosso destino comum, atestam por sua solidariedade essa comunidade de essência de todas as criaturas que era, segundo Schopenhauer, o fundamento da piedade e, segundo Proudhon, o princípio da justiça.” (Jankélévitch, que foi professor da Sorbonne de Paris entre 1951 e 1979. Em: Cursos de Filosofa Moral. Editora Martins Fontes, 2008, Pg. 211.)

Empatia com a alteridade multidiversa, somada à solidarização radical com os oprimidos e excluídos, constituí um bom norte ético nesta época de pervasiva privatização da vida. Neste contexto, importante destacar a figura juvenil de impacto global, Greta Thunberg, detonadora do movimento Fridays for Future, inspirando milhões de jovens ativistas que ocuparam – e seguirão ocupando – as ruas do planeta, também no Brasil, na primeira grande sublevação de jovens diante da emergência climática.

“Nossa casa está em chamas. Eu quero que vocês entrem em pânico.” Quando Greta Thunberg diz frases como essas aos adultos, ela está anunciando a maior inflexão histórica já produzida por uma geração. Pela primeira vez na trajetória humana os filhotes estão cuidando do mundo que os espécimes adultos destruíram – e seguem destruindo. Esta é uma inversão no funcionamento não só da nossa, mas de qualquer espécie. A mudança responde a uma enormidade. A emergência climática é a maior ameaça já vivida pela humanidade em toda a sua história. Quando ouvimos o grito de Greta e dos milhões de jovens inspirados por ela, um grito que ressoa em diferentes línguas e geografias, é esta a ordem de grandeza do que testemunhamos. Escutar é imperativo.“ Eliane Brum em EL PAÍS Brasil

“Imperativo”, eis uma palavra que os pensadores da ética adoram. Imperativo é um jeito complicado de falar sobre o nosso dever, sobre a esfera que nos compete enquanto tarefeiros-de-um-dever-ser. A escutadeira Eliane Brum, que é também uma das forças mais significativas da educação ética no Brasil, diz que é imperativo escutarmos a Gretas, Sonias Guajajaras e Marielles.

O capitalismo neoliberal, calcado na ideologia individualista e burguesa da “Mão Invisível” – seja egoísta à vontade, a mão invisível do Mercado tratará de providenciar a prosperidade geral!, mostrou-se como construtor de ruínas. O capitalismo é a catástrofe globalizada, o advento do Antropoceno apocalíptico. Diante disso, não há isenção possível que não caia na idiotia ou, pior, na cumplicidade com os assassinos.

É o que Jean-Paul Sartre já ensinava ao dizer que “O homem é um ser condenado à liberdade.“ Não é possível uma vida humana sem escolhas nem consequências, o que torna a responsabilidade ética uma necessidade ontológica para qualquer bem-viver, ou seja, uma condição inextricável da filosofia como práxis da vida bem vivida pois bem refletida, sábia e amorável.  “O que não é possível é não escolher”, dizia Sartre. “Eu posso sempre escolher, mas devo estar ciente de que, se não escolher, assim mesmo estarei escolhendo. Viver é isso: ficar se equilibrando o tempo todo, entre escolhas e consequências.“

O que Greta ensina – “escutar é imperativo!” – é o que Hans Jonas já dizia: o princípio responsabilidade da nova ética que precisamos pôr em prática engloba não só nossos contemporâneos (a geração dos atualmente vivos), mas engloba também as gerações por vir. As pessoas que ainda vão nascer, e que serão impactadas por nossas escolhas hoje, precisam ser levadas em conta em todas as nossas “equações éticas”. O futuro, fruto de escolhas coletivas, só será mais sábio caso pudermos ser a sabedoria ativa no presente, tarefa interminável e que, a julgar pelas catástrofes Fukushímicas que nos assolam, corre o risco da derrota. Não haveria, porém, qualquer justificativa ética plausível para a cumplicidade com os exterminadores dos equilíbrios ecosistêmicas e os perpretadores das injustiças tremendas, hoje globalizadas.

SAIBA MAIS – Vídeo da palestra completa:

O OCULTAMENTO DOS MASSACRES NEOLIBERAIS: A Necropolítica do burgofascismo não só mata, ela oculta de nossa consciência suas atrocidades

NA ERA DOS MASSACRES NEOLIBERAIS

“Nem mesmo os mortos estarão a salvo do inimigo caso ele ganhe, e esse inimigo não cessou de ser vitorioso.”
WALTER BENJAMIN, Teses Sobre o Conceito de História

Ilusões ingênuas sobre o “capitalismo com rosto humano” vão colapsando no continente: o capitalismo desumano se desnuda. O Chile insurgente obriga o que resta do sistema Pinochetista a conceder a Constituinte, e o país passará em breve pelo duro processo de parto da Constituição nova em 2020; a Colômbia realiza as maiores greves gerais das últimas décadas, na esteira da vitória do movimento cívico do Equador, que obrigou Lênin Moreno a recuar de seu pacto com o FMI; na Bolívia, após a derrubada do governo do MAS, proliferam as atrocidades cometidas pela “Direita Gospel” que “pôs a Bíblia de novo no Palácio Quemado”.

A derrota eleitoral de Macri na Argentina é outro sinal de que as políticas neoliberais não encontram mais tanto respaldo nas urnas. No Brasil, assim como se deu no Chile a partir do golpe de 1973, após o Golpe de 2016 vimos o exacerbamento das núpcias sinistras entre neoliberalismo e fascismo (tema explorado no novo livro de Wendy Brown). E assim o neoliberalismo vai se mostrando pelo que é: as convulsões de agonia de um sistema moribundo e massacrante.

Os massacres na Bolívia, que a mídia burguesa tenta encobrir, afundam ainda mais na impossibilidade a manutenção da ilusão de que estaríamos lidando com “capitalistas humanitários” – nós estamos é lidando com a barbárie mesmo. Com a selvageria fascista abraçada ao fundamentalismo dos mercados de capitais. Como diria Rosa Luxemburgo, a alternativa básica, nossa encruzilhada elementar, é mesmo a escolha entre Socialismo e Barbárie. Mas como disse depois Daniel Bensaïd, “na luta secular entre o socialismo e a barbárie, a barbárie ganha de longe.” [1]

A palavra Resistência, hoje, só faz sentido se for aquele “freio de emergência” que Walter Benjamin usava como metáfora da revolução. Resistência à barbárie que começa por não permitirmos, por nada, que os tiranos possam nos massacrar impunemente e abafando a própria notícia de seus crimes. Os mortos nos massacres na Bolívia, tanto quanto os mortos nos massacres de Paraisópolis ou dos morros do Rio de Janeiro, precisam ser salvos do esquecimento, do eclipse, do ocultamento debaixo dos tapetes da tirania. Sobre o Massacre em El Alto, no bairro Senkata, em 19 de Novembro de 2019, relata uma reportagem:

Naquele dia, “em que havia muita fumaça e helicópteros” em El Alto, a autoproclamada presidenta Jeanine Áñez determinou uma megaoperação policial-militar para retomar a unidade da Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB), ocupada por manifestantes contrários ao golpe. Nacionalizada pelo governo de Evo Morales, a estatal é um dos símbolos maiores do orgulho e da autoestima bolivianas, e tem sido central no aporte ao desenvolvimento soberano e à redistribuição de renda. (Fonte: Carta Maior / Outras Palavras).

(…) [Durante o massacre] havia um ódio dirigido especialmente contra as senhoras de pollera (as saias indígenas), que os soldados faziam com que se ajoelhassem. Um senhor mais velho se ajoelhou e abriu os braços suplicando para que o matassem, mas poupassem os seus filhos, os jovens, que tinham muito ainda para viver. Mas os militares os mataram a sangue frio. E foram muitos”. Pergunto sobre os números de vítimas, completamente destoantes das cifras oficiais. Ao que ela responde: “são tantos os desaparecidos, corpos jogados no monte Ilimany, no vale Achocalla e no monte de Villa Ingenio”. “O fato é que todos têm medo de falar, por nada no mundo querem se arriscar, mas o fato é que há muito mais mortos…” [2]

SAIBA MAIS:

Poucos dias antes, o Massacre de Cochabamba, em 15 de novembro, já havia deixado explícito o caráter dos que se apossaram do poder após o golpe de Estado que “pôs a Bíblia de volta no Palácio Quemado” com a posse de uma presidenta auto-proclamada diante de um congresso sem quórum, ungida pelas forças armadas e pelos latifundiários de Santa Cruz de La Sierra. Foram 9 manifestantes assassinados pela repressão brutal de um estado terrorista já apelidado por alguns de Ditadura Gospel, um “recado” escrito em sangue para os que resistem ao golpe.

O massacre, ainda que moralmente repugnante, é utilizado como meio aceitável por uma elite apegada a seus privilégios e temerosa dos movimentos igualitários; o massacre então funciona como estratégia para apavorar a população resistente e submetê-la assim ao pseudo-consentimento dos apavorados. No Democracy Now, encabeçado pela jornalista Amy Goodman, temos uma janela de acesso às notícias sobre a conjuntura na Bolívia após a deposição do governo de Evo Morales e Garcia Linera. Pachamama sangra enquanto aumenta a criminalização das populações indígenas e dos ativistas do MAS. Signos de que estão de novo sangrando aos borbotões as veias abertas da América Latina.

“In Bolivia, at least 23 people have died amid escalating violence since President Evo Morales, the country’s first indigenous president, resigned at the demand of the military last week. Growing unrest quickly turned to violent chaos on Friday outside Cochabamba when military forces opened fire on indigenous pro-Morales demonstrators, killing at least nine people and injuring more than 100. The violence began soon after thousands of protesters — many indigenous coca leaf growers — gathered for a peaceful march in the town of Sacaba and then attempted to cross a military checkpoint into Cochabamba. Amid this escalating violence and reports of widespread anti-indigenous racism, protesters are demanding self-declared interim President Jeanine Áñez step down. Áñez is a right-wing Bolivian legislator who named herself president at a legislative session without quorum last week. She said that exiled socialist President Morales, who fled to Mexico after he was deposed by the military on November 10, would not be allowed to compete in a new round of elections and would face prosecution if he returned to Bolivia, which has a majority indigenous population.” [3]

No Chile, apesar das diferenças em relação à Bolívia no que tange à conjuntura política, as mega-manifestações contra o governo Piñera também sofreram com uma brutal repressão análoga àquela que se derrubou sobre os defensores do governo deposto de Evo Morales e Garcia Linera. Os mortos, feridos e cegados se multiplicam sem que esta estratégia estatal terrorista logre de fato calar os protestos. Em 16 de Novembro de 2019, dados oficiais divulgados pelo governo estimavam 23 mortos nos protestos, um número de feridos acima de 2000 e de presos acima de 6000. São números que indicam bem o tamanho do amor do neoliberalismo pela democracia: zero.

No caso das mobilizações feministas, houve um efeito de viralização internacional do “hit das ruas” que acusa: “O Estado opressor é um macho violador”. Para além das fronteiras chilenas, mulheres de todo o planeta estão replicando a performance-protesto e dizendo aos violadores: “E a culpa não era minha, nem onde estava, nem como me vestia”.

Um detalhe cruel do processo repressivo perpetrado pelos carabineros chilenos são as balas de borracha disparadas contra os olhos dos manifestantes: calcula-se em mais de 200 pessoas que perderam a visão nos protestos de 2019. Qualquer justificativa de autoridades deste governo que visasse apontar os olhos explodidos como episódios isolados colapsa diante de um número que prova que tais atrocidades são propositais e recorrentes. Segundo o Correio Brasiliense, pelo menos 285 pessoas “sofreram traumas oculares graves, inclusive com a perda de visão, atingidos pelo disparo de balas de borracha e granadas de gás lacrimogêneo.”

Uma das histórias ocultadas e recalcadas pelos neoliberais hoje empoderados diz respeito ao verdadeiro “laboratório” da economia política neoliberal: o Chile de Pinochet. Em seu artigo mais recente em El País, o filósofo Vladimir Safatle rompe com este ocultamento e diz claramente que o neoliberalismo não começa com Reagan e Tatcher, mas sim sob os escombros ensanguentados do governo Allende, deposto num violento golpe militar que trouxe ao poder os milicos amigados com os Chicago Boys. Naomi Klein já contou esta história em minúcias no indispensável A Doutrina do Choque. Safatle, diante da figura pavorosa de Paulo Guedes, ministro da Economia que é fã do Pinochetismo Neoliberal, recupera o vínculo umbilical entre ditadura militar e instalação do neoliberalismo na América Latina:

“A liberdade do mercado só pode ser implementada calando todos os que não acreditam nela, todos os que contestam seus resultados e sua lógica. Para isto, é necessário um estado forte e sem limites em sua sanha para silenciar a sociedade da forma mais violenta. O que nos explica porque o neoliberalismo é, na verdade, o triunfo do estado, e não sua redução ao mínimo.

Que lembrem disso aqueles que ouviram o sr. Paulo Guedes falar em AI-5 nos últimos dias. Isso não foi uma bravata, mas a consequência inelutável e necessária de sua política econômica. Como se costuma dizer, quem quer as causas, quer as consequências. Quem apoia tal política, apoia também as condições ditatoriais para sua implementação. O neoliberalismo não é uma forma de liberdade, mas a expressão de um regime autoritário disposto a utilizar todos os métodos para não ser contestado. Ele não é o coroamento da liberdade, só uma forma mais cínica de tirania.” SAFATLE (El País, 2019) [4]

A cínica tirania Bolsonarista tem em Moro e Guedes duas de suas lideranças mais brutais, que querem o silenciamento pleno do dissenso e da discórdia: que ninguém ouse protestar se não quiser que se instaure um AI-5 versão 2019, e que ninguém ouse lembrar que o Sr. Ministro da Justiça, que influiu criminosamente no processo eleitoral de 2018 ao prender injustamente aquele que seria eleito presidente, está querendo aprovar os “excludentes de ilicitude” que são carta branca para a PM matar geral nas favelas e nos protestos. O ideal desta gente nefasta é mesmo o Chile de Pinochet.

Na ocasião em que o governo da União Popular, eleito em 1970, foi brutalmente golpeado pelas atrocidades militares que marcaram o 11 de Setembro de 1973, para a instalação da ditadura capitalista encabeçada por Pinochet, com seus últimos alentos o presidente socialista Salvador Allende, ciente de estar entrando no panteão dos mártires, pronunciou frases que os chilenos jamais esqueceriam: “Antes do que se pensa, de novo se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre para construir uma sociedade melhor.”

Afundando na morte mas não no esquecimento, Allende tentava incentivar, em seu último ato, os que ficavam entre os vivos a permanecerem na luta por tempos menos sórdidos, encarando todos os horrores de uma Santiago ensanguentada. Um ano depois, as últimas palavras de Allende inspirariam uma das mais belas canções do cantor e compositor cubano Pablo Milanés, “Yo pisaré las calles nuevamente” (letra abaixo). Neste videoclipe, as insurreições populares no Chile, em 2019, contra o governo neoliberal e direitista de Piñera, as imagens de Santiago fervilhante de inquietação cívica são acompanhadas pela música de Milanés, evocatórias de Allende, numa bela obra que mescla as conturbações do presente com a lembrança fecunda do passado:

“Yo pisaré las calles nuevamente
de lo que fue Santiago ensangrentada,
y en una hermosa plaza liberada
me detendré a llorar por los ausentes.

Yo vendré del desierto calcinante
y saldré de los bosques y los lagos,
y evocaré en un cerro de Santiago
a mis hermanos que murieron antes.

Yo unido al que hizo mucho y poco
al que quiere la patria liberada
dispararé las primeras balas
más temprano que tarde, sin reposo.

Retornarán los libros, las canciones
que quemaron las manos asesinas.
Renacerá mi pueblo de su ruina
y pagarán su culpa los traidores.

Un niño jugará en una alameda
y cantará con sus amigos nuevos,
y ese canto será el canto del suelo
a una vida segada en La Moneda.

Yo pisaré las calles nuevamente
de lo que fue Santiago ensangrentada,
y en una hermosa plaza liberada
me detendré a llorar por los ausentes.”
Pablo Milanés

A sangrenta repressão que o autoritarismo estatal vem impondo na Bolívia e no Chile evocam episódios históricos semelhantes e que demonstram a constância da brutalidade reacionária. O exemplo mais emblemático disso segue sendo, talvez, a Comuna de Paris, que em 1871 foi brutalmente massacrada pelas forças reacionárias que tinham se exilado em Versalhes, preparando a carnificina contra os communards parisienses. As elites, destronadas, não costumam ter escrúpulos morais em relação ao emprego da violência assassina para que recuperem um poder de que estão sendo alijadas:

“A Comuna de Paris terminou em massacre. Durante a chamada Semana Sangrenta, 35 mil pessoas foram executadas nas ruas da capital francesa, numa repressão sistemática que se configurou em extermínio de massa. Além disso, 10 mil comunardos foram deportados para a Nova Caledônia…” (TRAVERSO, Enzo, 2019, p. 93) [5]

O sangue das 35.000 vítimas da Comuna de Paris não pode ser esquecido por ninguém que queira manter a lucidez em suas decisões de natureza política: logo após a massacrante repressão de maio de 1871, que encerrou o experimento revolucionário comunista em Paris, Marx escreveria, em A Guerra Civil na França, palavras que não permitiam, diante da derrota, o desânimo:

“A sociedade moderna é o solo onde cresce o socialismo, que não pode ser estancado por nenhum massacre, não importa de que dimensão. […] A Paris operária, com sua Comuna, será eternamente lembrada e celebrada como o arauto de uma nova sociedade. Seus mártires estarão consagrados no coração das classes trabalhadoras. A história de seus exterminadores já foi cravada no pelourinho eterno de onde todas as rezas de seus padres não conseguirão jamais redimi-los.” – KARL MARX [6]

Nas ruas de La Paz, em Novembro de 2019, a barbárie ganhou um novo emblema: os caixões dos manifestantes mortos em El Alto foram envolvidos pelas nuvens de gás lacrimogêneo e pelo corre-corre da multidão em dispersão. Não, o capitalismo neoliberal massacrante não quer nem mesmo permitir que choremos nossos mortos. Se deixarmos, enfiarão de novo um monte de esqueletos nos armários. E nos mandarão, aos chutes, para os shopping centers e hipermercados para que continuemos comprando, bestificados e catatônicos.

Sinal da banalidade do mal que ainda é nossa contemporânea, o ocultamento e a normalização dos massacres neoliberais indica que a desumanidade humana ainda tem muito futuro – e que à Resistência antifascista não faltará trabalho nem mártires a chorar. A mídia burguesa irá seguir ocultando, o quanto puder, os massacres de El Alto e de Cochabamba, ou os crimes contra a humanidade cometidos pelos carabineiros chilenos, ou a grave situação humanitária em Altamira, na Amazônia brasileira, onde em 2019 ocorreu o pior massacre carcerário desde o Carandiru.

Se permitirmos, nem mesmo os que morreram ou perderam os olhos na luta contra o Mammon neoliberal estarão a salvo da boçalidade do mal que se manifesta em Bolsonaros, Trumps e Piñeras. A Necropolítica do burgofascismo não só mata, ela oculta de nossa consciência suas atrocidades. É também nossa tarefa, enquanto cidadãos que podem hoje também agir como mídia independente, sacar seus celulares e blogs, mobilizar seus feeds e redes, para impedir que as carnificinas perpetradas pelas classes dominantes – que hoje mesclam neofascismo e neoliberalismo – possa cair na indiferença e no esquecimento.

Carli, Dez. 2019

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] BENSAÏD, D. apud TRAVERSO, Melancolia de Esquerda: Marxismo, História e Memória, 2019, pg. 27.

[2] SEVERO, Leonardo Wexell. Bolívia: o massacre que os neoliberais tentam encobrir. 2019.

[3] DEMOCRACY NOW! Massacre in Cochabamba: Anti-Indigenous Violence Escalates as Mass Protests Denounce Coup in Bolivia. 15/11/2019.

[4] SAFATLE, VladimirA Ditadura do Sr. Guedes. El País, Dez. 2019.

[5] TRAVERSO, Enzo, Melancolia de Esquerda: Marxismo, História e Memória, 2019, p. 93.

[6] MARX, Karl. A Guerra Civil na França, trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2011. Apud #1, p. 93.

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SAIBA MAIS:

A CORAGEM DA VERDADE EM NOVA TEMPORADA: Sobre Greenwald & David Miranda, #VazaJato & #LulaLivreUrgente

Orwell ensina que “quanto mais uma sociedade se afasta da verdade, mais ela vai odiar aqueles que a falam”. Ensina também que “em tempos de enganação universal, falar a verdade torna-se um ato revolucionário.” A distopia de 1984 envolve explicitamente um Partido (encabeçado pelo Grande Irmão) que deseja ser a única entidade a possuir controle total sobre toda a sociedade, e sua inspiração histórica são os partidos Nazista e a perversão do bolchevismo na URSS sob Stálin. Crítica do totalitarismo em forma de romance sci-fi, o livro mostrava a constante falsificação da História de acordo com os interesses da tirania reinante – e, é sempre bom que se lembre, 1984 não era um manual de instruções! Era um manifesto de denúncia.

Aquele contexto orwelliano tem ressonâncias em obras-de-arte posteriores que marcaram época, a exemplo da graphic novel de Alan Moore V For Vendetta, onde as viralização das vertentes anarquistas, através dos sujeitos escondidos por detrás das máscaras de Guy Fawkes, traz à baila um tema crucial: até que ponto é legítimo e direito a insurreição violenta dos oprimidos quando esta se levanta contra a violência estrutural-sistêmica dos opressores? Na HQ de Moore, depois transformada em filme com direção de James McTeigue, um dos ensinamentos principais é este: o governo é que tem que ter medo do povo, e não o povo quem deve temer seu governo.

Ousar sair do rebanho dos conformados e dos obedientes, levantar a voz para dizer uma verdade intragável aos ouvidos dos poderosos, é sempre arriscado. É práxis que tem um preço, é uma ação que suscita reações às vezes intensas, até mesmo psicopáticas e homicidas. É por isso, como Foucault ensina através do exemplo histórico de Diógenes de Sínope, que a coragem da verdade (que os gregos chamavam de parresía) sempre comporta um certo risco.

O que é bastante óbvio: a virtude da coragem exige que o sujeito encare o obstáculo do risco, que vença a ressonância interna deste risco que se manifesta nos afetos do medo. Só é corajoso quem ousa ser verídico pois ele, ao manifestar-se, corre o risco de ter sua língua, ou mesmo seu pescoço, ou até mesmo sua cabeça, cortados. Olympe de Gouges foi guilhotinada por falar contra os jacobinos revolucionários, ousando defender direitos iguais para as mulheres e para as populações dos colonizados africanos sob a opressão do Império Francês…

Hoje, é de praxe que o discurso liberal politicamente correto, conexo à defesa da “democracia capitalista” modelo-ocidental, reclame pela liberdade de expressão como direito inalienável. Desde que fique dentro de certos limites, que não viole os direitos alheios – como, por exemplo, o direito do outro de não ser humilhado em sua dignidade por discursos ofensivos por seu teor racista, misógino ou elitista. De acordo, mas esta mesma atitude liberal “moderada” enche-se de melindres quando uma insurreição popular deixa vidraças de empresas estilhaçadas e caixas eletrônicos em chamas. Aí, aqueles que outrora falavam na sacralidade da liberdade de expressão, pedem pela criminalização e aprisionamento dos “vândalos” – que em seu protesto contra um sistema estruturalmente injusto teriam atentado contra os direitos sagrados das vidraças e dos prédios de bancos.

Em 2018, “o ano em que o Brasil flertou com o Apocalipse”, para emprestar a expressão de Mário Magalhães, tivemos duas tragédias conexas ao tema que estamos discutindo: o assassinato de Marielle Franco e o encarceramento de Luiz Inácio Lula da Silva. Até mesmo os adversários de Marielle e Lula, os que se situam à direita do espectro político, hão de convir que ambos marcam época por sua lábia ousada, ou seja, pelo que ousaram expressar. 

Marielle, criada na favela da Maré, mulher negra e lésbica, teria tudo, caso tivesse respeitado o estereótipo, para não ter “lugar de fala” em nenhum espaço de poder. Ascendeu como um meteoro como agente política, elegeu-se vereadora, envolveu-se por anos nas causas do PSOL, colaborou com Marcelo Freixo, escreveu uma tese de mestrado sobre as UPPs, deliciou-se com a literatura de Chimamanda, fez planos de casar-se com Mônica, e tudo isso fez com voz altissonante, cabeça altiva, postura rebelde, ethos de quem sabe a razão que tem e a relevância do que diz. E ousa dizer, doa a quem doer.

Luiz Inácio também representa o raro caso de uma vida ascensional, que estabelece no universo uma espécie de arco de empoderamento: ele poderia ter sido só mais um zé-ninguém, um anônimo retirante nordestino que, escapando das dificuldades conexas à seca e à miséria em Pernambuco, muda-se para o centrão industrial paulista para se tornar proletário, uma das carnes mais baratas do mercado. Lula poderia ter sido um dentre muitos operários que já perderam dedos, mãos, pés e outros membros por amputação nas linhas-de-montagem.

Lula poderia ter permanecido nas sombras e longe dos holofotes, mas ousou ir além, fez-se líder sindical e estrategista da greve que confrontou a Ditadura Militar no fim dos anos 1970. Ao invés de apegar-se aos comezinhos interesses pessoais, a um restrito projeto-de-vida conservador que tivesse a família e a religião como centros absolutos (atitude sempre potencialmente idiotizante), lançou-se na aventura da transformação social coletiva. Ajudou a fundar um partido político, candidatou-se a cargos públicos, consagrou-se presidente da república eleito e re-eleito, e fica difícil negar que tudo isso tem a ver com a parresía lulista. 

Não há coragem da verdade senão no exercício de tornar público aquilo que é fato, mas muitos recusam a tomar consciência: por exemplo, a farsa da “democracia racial” brasileira, que Marielle soube tão bem denunciar, de modo recorrente, frisando que há uma cor predominante para a pessoa que é violentada, que morre prematuramente nas mãos do aparato repressor do estado, que está preso em nosso superlotado sistema carcerário. O quanto há de racismo em nossa violência sistêmica que banaliza o genocídio da juventude periférica negra fica velado, semi-mascarado, por reações excessivamente sensacionalistas diante de violências específicas perpetradas por indivíduos.

Por isso é tão importante a distinção operada por Žižek entre a violência sistêmica e a violência individual. Quem oprime mais, o capitalismo neoliberal que abandona a população de Nova Orleans após o rompimento dos diques no pós-Furacão Katrina, ou as famílias que desesperadas e famintas cometeram naquela ocasião saques contra mercados e farmácias? Quem oprime mais, o sistema policial-carcerário que fez do Brasil um dos 3 líderes globais do encarceramento em massa, e com explícitas colorações racistas, ou o revoltado mascarado que vai às ruas com vontade de incendiar carros e quebrar vitrines de bancos?

“As pessoas dormem tranquilamente à noite porque existem homens brutos dispostos a praticar violência em seu nome”, dizia Orwell. E outro grande escritor, Mark Twain, segundo Slavoj Žižek em sua obra Violência, “contesta a afirmação de que a resposta violenta das multidões é pior do que a opressão que a instiga”:

“Havia dois Reinos de Terror, se quisermos lembrar e levar em conta: um forjado na paixão quente; o outro, no insensível sangue frio… Nossos arrepios são todos em função dos horrores do Terror menor, o Terror momentâneo, por assim dizer, ao passo que podemos nos perguntar o que é o horror da morte rápida por um machado em comparação à morte contínua, que nos acompanha durante toda a vida de fome, frio, ofensas, crueldades e corações partidos?

Um cemitério poderia conter os caixões preenchidos pelo breve Terror diante do qual todos fomos tão diligentemente ensinados a tremer e lamentar, mas a França inteira dificilmente poderia conter os caixões preenchidos pelo Terror real e mais antigo, aquele indizivelmente terrível e amargo, que nenhum de nós foi ensinado a reconhecer em sua vastidão e lamentar da forma que merece.” (TWAIN, M. “Um ianque na corte do rei Artur”, São Paulo: Rideel, 2011.)

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PARTE 2 – VAZA JATO E LULA LIVRE

Nos últimos anos, esta saga épica da Coragem da Verdade ganhou novos capítulos e celebridades – como é o caso de Edward Snowden e Julian Assante. Agora, tudo indica que a Operação #VazaJato está destinada a entrar para a História da comunicação social contemporânea, a ser estudada pelos midiólogos em conjunto com os fenômenos Wikileaks e Snowden. Através de sua bem-sucedida operação de vazamento das conversas secretas entre Sergio Moro e os procuradores do Ministério Público Federal, o The Intercept Brasil fez aquilo que espera-se do bom jornalismo: que ilumine a opinião pública com informação bem contextualizada e de interesse de todos, ousando dizer o que Bolsonaro e seus cupinchas não desejam que seja revelado.

Glenn Greenwald, jornalista estadunidense do The Intercept, casado com David Miranda (deputado federal pelo PSOL, que assumiu após o exílio de Jean Wyllys), tornou-se uma espécie de símbolo da Resistência ao ilegítimo e violento desgoverno Bolsonarista. Rapidamente, Glenn e David viraram alvos das milícias digitais e dos assassinos-de-reputação on line, com direito a ofensas homofóbicas e ameaças de morte.

Assim emergiu no “xadrez do Golpe”, para emprestar a metáfora do tabuleiro tão utilizada por Luis Nassif em suas análises, um elemento novo: Glenn Greenwald e sua equipe, como intermediários midiáticos entre a sociedade civil e as antes secretas “tenebrosas transações” que conduziram à condenação e à prisão, em ano eleitoral, de Lula. Não é pouco significativo, neste contexto, que Glenn tenha sido um dos primeiros jornalistas a entrevistar Lula na prisão, em um vídeo com mais de 900.000 acessos:

Sinais de que a cultura popular já acordou para a importância histórica das revelações estão surgindo. Hackeando o samba de Chico Buarque “Quem Te Viu, Quem Te Vê”, o Roni Valk mandou uma pedrada poético-satírica bem na cara do Moro: “Glenn Te Viu, Glenn Te Vê”. Ao parir a paródia, no processo acabou por explicitar uma fenômeno que despontou neste Junho de 2019, a farsa jurídica que costuma ser descrita como um caso típico de lawfare. Confiram a música na interpretação de Leo Almeida Filho:

“Você era a mais bonita das galhofas dessa farsa
Você era o queridinho e ele era seu comparsa
Hoje a gente toda fala da verdade que está nua
Suas noites são em claro porque tem mais falcatrua
Hoje a casa caiu – laiá laiá – já vazaram você
Glenn te viu, Glenn te vê
Quem te enaltece só pode crer na TV
Glenn é do Intercept e a culpa é do PT
Quando o Telegram rolava, você era o mais brilhante
O showzinho da defesa e que in Fux we trust
Pra Deltan deu tanta dica. Juiz Investigador
Pelo que vi tudo indica que mentira é o senhor
Hoje a casa caiu – pra Dallagnol – já vazaram você
Glenn te viu, Glenn te vê
Quem te enaltece só pode crer na TV
Glenn é do Intercept e a culpa é do PT
Hoje é só esperar mais lista com sua demagogia
Quero mais que você vaze com sua conje e companhia
E pra quem tá arrependido, por favor não dê na vista
Bate palmas com vontade, faz de conta que é esquerdista
Hoje a casa caiu – desmoronou – já vazaram você
Glenn te viu, Glenn te vê
Quem te enaltece só pode crer na TV
Glenn é do Intercept e a culpa é do PT…”
(Roni Valk)

Não estava nos planos dos golpistas que fosse nascer, logo no primeiro semestre do “novo” governo, vazamentos de tal monta que explicitam as vergonhas das entranhas da Lava Jato, transformada em instrumento de luta política, pontiaguda lança de lawfare que apunhalou a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva e, por tabela, feriu de morte a legitimidade das eleições presidenciais de 2018.

Vencedor do prêmio Pulitzer de jornalismo, Glenn Greenwald participou ativamente do “Caso Snowden” – o gigantesco leak de documentos secretos da NSA (National Security Agency) que explicitou o grau e a magnitude da espionagem global dos cidadãos comuns praticada à margem da lei pela “inteligência” de Tio Sam. E por aquela mesma CIA e aquele mesmo Pentágono tão especialistas em golpes de Estado e guerras imperiais de agressão fora das suas fronteiras.

Torna-se um pouco ridículo, e extremamente desleal, o ataque bolsonarista contra Glenn, que não é apenas um jornalista de comprovada competência, um premiado agente das mídias digitais, como também já marcou até mesmo o cinema contemporâneo. No filme de Oliver Stone, baseado em fatos reais, sobre Snowden, Glenn é um dos personagens principais, auxiliando o dissidente Eddie Snowden a publicar o material que tinha em mãos em órgãos como o The Guardian, de modo a fazer com que o apito deste whistleblower não pudesse ficar ignorado. Glenn também já esteve com um Oscar nas mãos, de Melhor documentário, por sua parceria na realização de Citizenfour (2014), de Laura Poitras.


Greenwald torna-se agora uma das vozes globais com maior responsabilidade de iluminar as consciências, lá fora, sobre o que se passa aqui dentro – o que pode inclusive ser determinante para a plausível premiação de Lula com o Nobel da Paz. A cada dia que passa, Lula aparece a uma quantidade maior de consciências bem-informadas em nossa Aldeia Global como a vítima de um mecanismo de lawfare que equivale a um crime político infligido contra sua cidadania.

Nos últimos dois meses, tivemos um significativo e massivo #TsunamiDaEducação, uma greve geral em 14 de Junho e agora o maremoto da Lava Jato: sinal de que a “Bolsonada” suscita ampla resistência e rebeldia. Com a #VazaJato bombando em Junho de 2019, o xadrez ganha novos elementos e a saga épica de nossa infindável luta de classes, em acelerado processo de uma polarização que se encaminha para a tragédia (afinal, a tragédia provem do entrechoque de forças irreconciliáveis, que possuem entre elas uma contradição ou conflito que não há remédio que sane).

Aqui n’A Casa de Vidro, onde não acreditemos no mito do jornalismo imparcial, não acreditamos tampouco num jornalismo que minta por interesse. Na medida do nosso possível, estamos na blogosfera e nas mídias sociais para tomar posição na trincheira ao lado daqueles que julgamos como os mais justos e os verídicos. E isto significa, hoje, imbuídos do ethos do “ninguém segura a mão de ninguém”, estar de mãos dadas com Marielle Franco, Jean Wyllys, Débora Diniz, Glenn Greenwald, David Miranda, Luiz Inácio Lula da Silva. Os que têm a ousadia da verdade e assim não permitem que o fluxo da História fique esclerosada na estagnação em que os conservadores desejam imobilizá-la.

TRANSMISSÃO – THE INTERCEPT INTERNACIONAL

RAFINHA BASTOS ENTREVISTA GLENN GREENWALD

DEMOCRACY NOW ENTREVISTA GREENWALD

CONHEÇA ALGUNS ESCRITOS DE GLENN GREENWALD:

GLENN: POR QUE MINHA AMIGA ERA UM POÇO DE ESPERANÇA E A VOZ DOS BRASILEIROS QUE NÃO TINHAM VOZ17 DE MARÇO DE 2018 

Enquanto milhares tomam as ruas do Brasil para protestar contra esse brutal assassinato, Glenn Greenwald lembra a vida e a amizade desta formidável e destemida defensora dos mais pobres.

Original, em inglês, em Independent.

Uma das mais promissoras, carismáticas e amadas figuras políticas brasileiras foi brutalmente assassinada na noite de quarta-feira no centro do Rio de Janeiro, em um crime que as autoridades concluem que foi uma execução política. A vereadora Marielle Franco, de 38 anos, foi assassinada quando seu carro foi atingido por atiradores com nove balas, quatro nas quais em seu crânio. Seu motorista, Anderson Pedro Gomes, de 39 anos, também foi morto.

Franco foi assassinada por volta das 9h30, depois de deixar um evento intitulado “Jovens Negras movendo estruturas”. A polícia acredita que ela foi monitorada por seus assassinos desde que ela deixou o prédio, afinal, apenas assim eles saberiam onde, exatamente, ela estaria sentada no carro, que possuía vidros escuros.

O assassinato de Marielle sacode o Brasil no momento em que o país atravessa um massivo escândalo político, um crise política sem fim visível, anos de recessão econômica e ainda uma espiral de violência epidêmica.

O ousado assassinado ocorreu nas ruas do Rio de Janeiro justamente um mês depois que o presidente brasileiro, Michel Temer, ordenou uma intervenção militar na cidade com o objetivo de estabilizar a segurança. Foi a primeira ação como essa depois dos 21 anos de ditadura, que se encerraram em 1985.

Marielle denunciava veementemente a intervenção militar e recentemente foi nomeada relatora de uma comissão que iria fiscalizar possíveis abusos desta medida.

No entanto, o que é mais notável – e mais devastador – sobre o assassinato de Marielle é como sua trajetória pública é única e improvável: uma mulher negra LGBT, em um país notoriamente dominado por racismo, machismo e conservadorismo religioso, que cresceu em uma das maiores, mais pobres e mais violentas favelas do Rio, o Complexo da Maré.

Ela se tornou uma mãe solteira aos 19 anos, mas, ainda assim, cursou a faculdade de sociologia e se tornou uma das mais efetivas ativistas pelos direitos humanos do Rio de Janeiro, liderando frequentemente perigosas campanhas contra a violência policial, corrupção e execuções extra-judiciais, que atingem os cariocas pobres, negros, moradores de lugares como aquele que ela cresceu.

Assim que ela aumentou sua incidência política, Marielle aderiu ao novo partido da esquerda brasileira, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), e, rapidamente, tornou-se uma de suas estrelas.

Em 2016, ela concorreu para um cargo público pela primeira vez como candidata a vereadora e foi eleita como uma votação expressiva. O resultado atordoou a classe política da cidade: pela primeira vez, uma mulher negra da Maré tornou-se a quinta candidata mais votada (eram mais de 1.500 candidatos, dos quais 51 foram eleitos).

O sucesso solidificou o status de Marielle não apenas como uma nova força política a ser reconhecida, mas também com um sopro de esperança para os brasileiros de grupos excluídos que, historicamente, não tiveram voz: os moradores de favelas, os pobres e as mulheres.

Assim que assumiu o cargo, Marielle, imediatamente, usou a sua estrutura para focar naquilo em que sempre foi seu trabalho: investigar, denunciar e organizar campanhas contra a violência policial que incide sobre os moradores negros e pobres.

Dias antes do seu assassinato, ela esteve em Acari, uma favela plana do Rio, para protestar contra os recentes assassinatos de um dos mais conhecidos, violentos e sem-lei batalhões de polícia. O que torna difícil determinar exatamente quem matou Marielle é, precisamente, sua bravura. Ela era uma ameaça para muitas facções violentas, corruptas e poderosas. Assim, a lista de suspeitos e de motivos da morte é longa.

O assassinato de Marielle é uma terrível perda para o Brasil e para o Rio, mas também devastou a minha família. Meu marido, David Miranda (conhecido por ter sido detido, abusivamente, pelas autoridades britânicas no Aeroporto de Heathrow em 2013) foi eleito como vereador do Rio no mesmo momento que Marielle foi, como parte do mesmo partido. As histórias dos dois eram extremamente similares: como Marielle, David cresceu em uma das mais violentas favelas da cidade e, apesar de se tornar órfão, foi o primeiro homem, assumidamente gay, a ser eleito como vereador.

Eles falavam frequentemente em agregar mais candidatos como eles para o PSOL, que, assim como muitos partidos no Ocidente, tem tido dificuldades de atravessar ricos e intelectuais enclaves da esquerda e chegar até às pessoas pobres, aos trabalhadores, às minorias que reclamam para falarem e serem ouvidas. Isso se deve, em parte, porque muito poucos representantes vêm destes lugares pobres.

Os assentos de Marielle e David no plenário da Câmara eram um do lado do outro, e eles se tornaram não apenas camaradas, trabalhando nos mesmo projetos, mas melhores amigos. Assim como ela fez por muitas pessoas de todo o Rio, Marielle tornou-se uma inspiração essencial para nossos filhos, recém adotados. Ela foi uma poderosa professora para mostrar que, mesmo em um país com racismo, desigualdade econômica, preconceitos de todo o tipo que persistem como uma força tóxica, todos os muros injustos podem ser quebrados.

Qualquer um que conhecia Marielle sabia, logo na primeira vez, que falava com alguém realmente especial, uma certeza que se reforçava a cada vez que você passasse algum tempo ao seu lado.

Nesta semana, não apenas o Rio de Janeiro, mas, praticamente, cada cidade do Brasil, centenas de milhares de pessoas se reuniram no luto da perda de um símbolo de esperança tão virtuoso. Mas essas pessoas ainda registraram seu desgosto e raiva pelos reais culpados de sua morte: a elite, política e econômica, do Brasil que engoliu a si mesmo em corrupção, frutos apodrecidos da desigualdade maciça. Enquanto isso, o resto da população é obrigada a se defender em um clima de violência, ilegalidade desenfreada, abuso policial e pobreza destruidora da alma.

Mais trágico do que tudo é que Marielle era exatamente o que o Brasil, repleto de carências, mais precisa: pessoas que entendam a tragédia da maioria dos brasileiros e que estejam empenhados em melhorá-la, não explorá-la. Marielle vive em sua parceira Mônica; em sua filha Luyara Santos, de 19 anos, que escreveu ontem: “Eles mataram não apenas minha mãe, mas também seus 46 mil votos; Marielle vive em sua mãe e também em seus familiares.

Marielle vive em um país e em uma cidade que a amavam, que agora lutam para entender como isso pôde acontecer. Além do mais, o país é desafiado a encontrar uma maneira de garantir que essa morte não se torne outro episódio que reforça uma antiga realidade onde facções violentas matam qualquer um em impunidade. O desafio é para garantir, finalmente, que a morte de Marielle não foi em vão e que ela servirá para forçar milhares e dezenas de milhares de novas Marielles, inspiradas em seu potente exemplo pessoal.

Glenn Greenwald

SAIBA MAIS:

A Ofensiva do MinoTaurus: Austeridade, Armamentismo e Plutocracia || A Casa de Vidro

A OFENSIVA DO MINOTAURUS
Por Renato Costa & Eduardo Carli

O filme de terror que não sai de cartaz no Brasil de 2019 evoca a lembrança do mito grego do Minotauro. Este ser de natureza híbrida entre o humano e o bestial, encerrado dentro do labirinto do rei Minos de Creta, devorava ano a ano jovens atenienses entregues, como tributo em carne viva, ao feroz paladar da besta – até ser chacinado pela expedição de Teseu e Ariadne (saiba mais sobre este mito).

Aquilo que poderíamos chamar de massacre dos inocentes, para lembrar o título de uma obra do sociólogo José de Souza Martins, está funcionando a pleno vapor nesta época de predomínio da extrema-direita. Um símbolo deste predomínio é o monstro papavidas, a besta necrofílica, que aqui cognominamos MinoTaurus.

No Brasil, um dos piores exemplos da Ofensiva do MinoTaurus é a empresa brasileira de armas e munições que, sob a batuta Bolsonarista, está contente de obter lucros estratosféricos com a venda dos instrumentos da morte violenta: a Taurus já é a 4ª empresa no mercado armamentista dos EUA, onde está sendo denunciada e processada por vender armas com defeito (que no Brasil já ocasionaram 50 mortes). Em sua campanha eleitoral, Bolsonaro foi garoto propaganda da Taurus, apesar da fraude internacional de 600 milhões de reais envolvendo os seus controladores.

Uma reportagem do The Intercept Brasil, Um Monopólio Que Mata, destrinchou que “armas defeituosas da Taurus matam impunemente, blindadas pelo lobby e pelo Exército”. Chegando ao poder, Jair Bolsonaro publicou o Decreto Nº 9.785, de 7 de maio de 2019,  que a princípio muito bem recebido pela empresa.Sinal de que o MinoTaurus se assanhou com gozo foi a reação do presidente da empresa armamentista,  Salesio Nuhs, em entrevista ao Correio Brasiliense:

“A Taurus entende que o decreto assinado pelo presidente da República Jair Bolsonaro poderá aumentar de forma relevante a procura por armas de fogo pelos caçadores, atiradores e colecionadores (CACs) e cidadãos de bem para sua legítima defesa e da propriedade. O Decreto é um marco neste seguimento e a Taurus está pronta para atender todo o aumento de demanda.” Porém, recente reportagem de Brasil de Fato, publicada em 22 de Maio de 2019, traça um quadro das tensões do Bolsonarismo com o monopólio armamentista da Taurus. Seja como for, com a extrema-direita Bolsonarista no poder, estamos claramente diante do triunfo de Tânatos sobre Eros  e da ascensão de uma perversa e nefasta Necropolítica.

O catastrófico crash do capitalismo globalizado em 2008 inaugurou uma era de hegemonia de uma “ideia perigosa”: a austeridade. Segundo o cientista político escocês Mark Blyth, da Brown University, “a austeridade é a penitência – a dor virtuosa após a festa imoral -, mas não vai ser uma dieta que todos partilharemos. Poucos de nós são convidados para a festa, mas pedem-nos a todos que paguemos a conta.” [1] Ao estudar a evolução da perigosa noção de austeridade, desde a época de Locke, David Hume e Adam Smith até chegar nos neoliberais como Hayek e Milton Friedman, o autor tenta provar que a austeridade simplesmente não funciona.

Neste artigo, propomos uma análise da ofensiva desta Besta a partir de três de suas cabeças: a austeridade, o armamentismo e a plutocracia. Três elementos que se explicitam quando atentamos para o noticiário, repleto de notícias sobre cortes no financiamento público de políticas sociais (a exemplo do atual corte de recursos para a rede federal de educação, imposto pelo MEC, e que sofreu a histórica resistência tsunâmica do Maio de 2019); sobre o libera-geral das armas de fogo e da violência policial genocida (sendo que Bolsonaro, Moro e Witzel agem como necro-políticos que fazem a festa dos lucros de empresas como a Taurus); sobre um projeto de reforma da previdência que impõe a vontade da plutocracia e faz com que o Estado brasileiro fortaleça sua insana tendência a ser um Robin Hood às avessas.

VÍDEO RECOMENDADO: Mark Blyth on Austerity

Grande conhecedora da obra de Blyth, e autora do prefácio de seu livro, a economista Laura Carvalho é uma das vozes mais fortes a esclarecer a opinião pública no Brasil sobre um monstro que vem sendo chamado de “Robin Hood às avessas”, outro dos cognomes do nosso “MinoTaurus”.

Em seu livro Valsa Brasileira, Laura Carvalho escreveu:

Em uma sociedade como a nossa, que nunca deixou de estar entre as mais desiguais do mundo, a opção por medidas de redução estrutural da rede de proteção social, em vez da via da tributação mais justa e do fortalecimento do Estado de bem-estar social, reforça uma abordagem exclusivista e punitivista da marginalidade social.

A proteção aos mais vulneráveis sempre pode caber no Orçamento, mas o genocídio jamais caberá na civilização. Enquanto a insustentabilidade do sistema previdenciário em meio à elevação da expectativa de vida for vista pela maioria como mais dramática do que a insustentabilidade de um sistema penitenciário em meio à produção de um número cada vez maior de excluídos, estaremos condenados à barbárie. – CARVALHO, Laura. “Valsa Brasileira – Do Boom Ao Caos Econômico”. Editora todavia, 2018. Pg. 157 a 159. [2]

Na esteira de Blyth, Carvalho dá um excelente exemplo de austeridade à brasileira ao lembrar de uma fala de Michel Temer, uma das piores expressões do capitalismo austero, que em abril de 2017, em defesa da PEC do teto de gastos públicos, disse que  “governos precisam passar a ter maridos” [2].

Ou seja, o governo é aí enxergado pelo viés masculinista: o Estado deve ser controlador como um “patriarca”, um maridão que fala grosso e controla com mão de ferro a economia doméstica fazendo uso de um instrumento supremo: a tesoura. Cortes e cortes e mais cortes nos serviços públicos é o que prega esta governamentalidade neoliberal colonizada pela noção de Estado mínimo. 

Austeridade, conceito de teor moral (e moralista) aplicado ao âmbito da economia capitalista globalizada pós-crise (o crash de 2008 é considerado o pior desde a Grande Depressão iniciada em 1929), é um elogio hipócrita do recato feito por homens que já se esbaldaram até o excesso na ganância e no financeirismo plutocrático.

Austeridade é a máscara de moralidade que visa vestir o capitalismo financeiro: “Em última análise”,  escreveu John Cassidy em The New Yorker, “a economia não pode ser divorciada da moral e da ética. A falha da austeridade não é apenas uma questão de decepção com PIB e déficits. É uma calamidade humana, e uma que poderia ter sido evitada.” [3]

No Brasil, uma das mais importantes iniciativas em prol do debate sobre austeridade são os livros publicados pela Editora Autonomia Literária, em parceria com a Fundação Perseu Abramo e Partido dos Trabalhadores, que integram o selo “ECONOMIA DO COMUM: ANTIAUSTERIDADE”. Após a crise de 2008, uma das piores de toda a história do capitalismo, muitas corporações capitalistas, em especial as financeiras, que colapsaram e quase foram à falência, foram resgatas da bancarrota com dinheiro público…

“A ‘reestatização’ dos bancos aplicou um socialismo ao avesso, onde socializavam os prejuízos nas costas dos 99% enquanto capitalizavam os lucros no bolso do 1%. O aumento da desigualdade, do caos e as desastrosas consequências após o colapso deu fôlego a um novo ciclo de lutas e de ativismo a partir de 2011. (…) Confrontar o amargo remédio da austeridade no labirinto do caos deflagrado pela crise é pensar nas chaves para a construção de uma nova economia, desta vez a serviço dos 99%, do meio-ambiente e do bem-estar – em um momento de franco ataques aos direitos fundamentais aqui e mundo afora.” [4]

O “labirinto do caos” tem em seu centro um devorador MinoTaurus, servidor do 1%. Meio homem, meio touro, este híbrido de humano e bestial é um papa-gente insaciável. Que forças sociais seriam a reencarnação de Teseu e Ariadne? Que novelo de lã poderia nos ajudar a confrontar este monstro, cortar a cabeça medusante das austeridades neoliberais, e depois sairmos vivos do labirinto para seguir o trabalho de reconstrução do mundo?


Em seu livro “O Minotauro Global”, devotado à tarefa de analisar “A Verdadeira Origem Da Crise Financeira E O Futuro Da Economia Global”, o ex-ministro grego das Finanças no governo do Syriza, Yanis Varoufakis, um dos maiores expoentes antiausteridade na Europa, “destrói o mito de que a regulamentação dos bancos é ruim para a saúde econômica.” (Outras Palavras)

O aprofundamento da financeirização da economia global pós-2008 foi matéria de análise de Varoufakis neste seu paradigmático livro. “O Minotauro Global” reporta os efeitos da crise financeira de longo prazo e da consequente estagnação na economia de modo geral. O livro de 2011 já nos preparava para o ciclo de Crise (com c maiúscula, segundo o autor) que se estenderia ao longo desta década que se termina, e adiante, no alvorecer da década de 20, do século XXI.

George F. Watts (1877-86)

Segundo a metáfora proposta por Varoufakis, o mito do ser metade humano, metade touro, fruto híbrido de um adultério adultério mediado por Poseidon, o deus dos terremotos, o Minotauro seria uma forma acabada de se contrapor democracia e austeridade. O personagem labiríntico revelaria a incongruência entre o arrocho fiscal  – ou“teto de gastos” para o contingenciamento de 1 trilhão de reais, em prol do “equilíbrio das contas públicas”, leia-se pagamento da dívida pública, segundo proposta do Ministro das Finança brasileiro, Paulo Guedes – e um sistema político baseado nos direitos humanos.

A tese econômica que guia a metáfora da tributação de guerra exercido “sobre os vencidos” é a inferência de causalidade entre ajuste fiscal e guerra comercial, decorrendo em corrida militar supremacista, todas formas de promover e impor o arrocho das contas públicas em diferentes estados nacionais, invariavelmente plutocráticos, governados pela “elite do dinheiro”, a mando do capital financeiro especulativo.

O sistema de crédito corporativo internacional – representado por Wall Street e a sugestiva estátua do “touro em investida” – teria se transformado, em tempos de Crise, no grande ‘aspirador de pó’ dos excedentes produtivos internacionais que passaram a ser capitalizados através da compra de títulos da dívida pública estadunidense pelos países do mundo que precisam manter suas reservas em moeda forte, principalmente a China.

Entretanto, as mesmas operações que garantem o investimento de ativos à nível global; a supremacia cambial do dólar e o financiamento da dívida pública estadunidense, apesar da estabilidade precária de seus déficits gêmeos, comercial e orçamentário, garantem também que a crescente fome deste Minotauro por excedentes financeiros, promovendo o genocídio de jovens e emergentes empresas e economias nacionais, alimente a maior concentração de poder bélico e informacional jamais visto em uma estratégia totalitária de hegemonia geopolítica.

Essa estratégia teria criado este Minotauro financeiro, artífice de um Poder Global – empoderado pelo arbítrio da Reserva Federal estadunidense, que repassa às mega-corporações os ativos gerados através de créditos hipotecários de alto risco e altíssimo rendimento, as chamadas subprimes.  Altos riscos apenas até que estoure a bolha da inadimplência, o “risco” que é salvaguardado pelo contribuintes estadunidenses legitima a formação de imensas fortunas privadas, em último caso securitizadas pelo déficit fiscal que, por sua vez, é mantido pela dominação militar-financeira internacional. Os déficits gêmeos se retroalimentam: o desenvolvimento inter regional estadunidense se vale do déficit fiscal para promover instalações militares mundo afora, com produção fortemente protecionistas no registro de patentes de alto valor tecnológico vendidas na corrida internacional por armas e reservas em dólar americano.

Notadamente, os próprios títulos da dívida americana servem à equilibrar o déficit comercial crescente, mantido e legitimado pelo poder de arbitragem imperial, criando, assim, um ciclo potencialmente interminável, uma insaciável fome imperial pelos excedentes globais, que irão alimentar a própria dívida interna, a voracidade do Minotauro.

Através das projeções encasteladas de analistas ostentosamente céticos quanto a possibilidade mesma de segurança e arbitragem democrática dos investimentos públicos e da regulação da ganância privada, a fraude está completa e a guerra perpétua legitimada economicamente. Essa verdadeira ‘fraude dos doutos’, promovida  por economistas ‘ortodoxos’ a serviço de uma verdadeira joint-venture imperial, é artífice mitológica de um estado estendido, que entrega a soberania democrática dos povos a interesses econômicos particulares.

No Brasil e em toda parte em que se instala o arbítrio neoliberal das elites nacionais capturadas por sua renitente servidão voluntária, cria-se um simulacro de tragédia com roteiro fornecido não pelos gregos, mas sim pelo do Departamento de Estado dos Estados Unidos, versão armada de democracia-empresarial, anti-nacional, austericida, totalitária e surpreendentemente planetária. Democracias estão sendo abertamente saqueadas por uma política econômica a priori entreguista há muito arbitrada pelas atribuições públicas de Bancos Centrais privatizados que servem a repassar os custos da especulação financeira desenfreada às populações e ao setor produtivo.

   Constituída sua musculatura pela tendência concentradora do ‘imperialismo financeiro’ do dólar e pelo poder de ‘persuasão’ militar dos EUA, a fome da metade superior do Minotauro foi,  finalmente, responsável por suplantar consensos econômicos e políticos a nível planetário e agora metaboliza a excludente ‘democracia de cidadãos proprietários’ [6] que lhe deu suporte em ‘democracia militar’ com vistas ao espectro da total dominação (full-spectrum dominance/superiority); do poder solitário (lonely power) – segundo análise do cientista político brasileiro Moniz Bandeira em seu contundente livro A Desordem Mundial [7] – e prenunciado pelo pretendido excepcionalismo racista do ‘destino manifesto’ e reiterado pelo ‘patrioct act’.  

A versão dessa concentração financeira absolutista no século XX é atualizada pela ‘war on terrorism’, do presidente George W. Bush e de seu vice, o demente-mor, Dick Cheney.

A metade  mítica do touro em investida tem sua cabeça chafurdando na lama de fraudes financeiras de toda sorte. A Crise de 2008 pode ter sido, aponta Varoufakis, o tropeço que precede a grande queda do mundo unipolar há tanto anunciada. Portanto, um mundo multipolar se afirmar a cada investida em falso da ‘besta’ indomada: na tentativa de golpe na Venezuela; na ‘derrota por procuração’ na Síria; na anexação da Crimeia pela Rússia; além da crise diplomática generalizada e da mobilização popular anti-austeridade, crescentes em todas as partes do mundo.

Segundo M. Bandeira, através da Doutrina Monroe, professada pelo presidente Theodore Roosevelt em 1901, a a ‘corolária política’ do Big Stick ( traduzida singelamente como Grande Porrete sobre a mesa) promoveu os interesses estadunidenses na América Latina durante o seu american century (século americano), se valendo do provérbio africano que sugere diálogo com  suavidade, desde que garantida a posse de um grande porrete à mão. No início deste novo século, no país mais poderoso do planeta, reitera-se doutrinas diplomáticas abertamente colonialistas professadas há séculos, mas bizarramente encampadas ainda hoje.

Logo de ditaduras militares tuteladas terem aprofundado a dependência da região, hoje a violência e os traumas da ingerência reverberam no continente americano. A novidade agora é a extensão quase global e a projeção totalitária dessa política, contando agora com mais de 800 bases militares em todo o mundo, a maioria com ogivas nucleares; ciberataques a democracias não-alinhadas; espionagem internacional a líderes soberanos; extermínio de jihadistas e civis através drones, aeronaves não-tripuladas, tudo disposto à guerras comerciais e psicológicas à revelia do Direito Internacional, dos Direitos Humanos e dos escrúpulos éticos.

Uma military democracy orquestrada pela dominação da elite econômica transnacional emerge em solo estadunidense e nas diferentes zonas de influência dessa espécie mitológica de capitalismo financeiro autocrático e absolutista. Esse modelo de sociedade tem ainda, apesar da desterritorialização dos investimentos econômicos, seu centro de controle no complexo industrial-militar e financeiro estadunidense. A financeirização articulada com a indústria cultural-especular hegemônica promove os assédios do poder imperial americano com a ilusão da estabilidade do dólar e o sonho americano de um mundo colonial de consumidores ordeiros e conservadores, ávidos pelas patentes, pela cultura e pela moeda metropolitana.

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VÍDEOS RECOMENDADOS


BIBLIOGRAFIA

[1] BLYTH, Mark. Austeridade: A História de Uma Idéia Perigosa. São Paulo: Autonomia Literária, 2017.

[2] CARVALHO, Laura. Valsa Brasileira – Do Boom Ao Caos Econômico. Editora Todavia, 2018. Pg. 157 a 159. [2]

[3] CASSIDY, John. In: The New Yorker. apud BLYTH, 2017.

[4] AUTONOMIA LITERÁRIA. Apresentação do selo “Economia do Comum.” In: BLYTH, 2017, p. 8.

[5] VAROUFAKIS, Yanis. O minotauro global: a verdadeira origem da crise financeira e o futuro da economia global. Autonomia Literária, São Paulo, 2016.

[6] RAWLS, J. A theory of justice. 2 ed. Cambridge: Belknap Press, 1999.

[7] MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. A desordem mundial: o espectro da total dominação: guerras por procuração, terror, caos e catástrofes humanitárias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.

TSUNAMI DA BALBÚRDIA: Documentário sobre a mobilização em defesa da Educação pública em 15 de Maio de 2019 (Goiânia, 23 min)

“Se ele nos chama de idiotas úteis, eu digo que na presidência tem um idiota inútil.” – Guilherme Boulos (MTST/Povo Sem Medo/PSOL)https://bit.ly/2WKoe3j

Éramos mais de um milhão de pessoas, em mais de 200 cidades, participando do Tsunami da Educação e “protestando contra o avanço da barbárie”, como bem definiu Bob Fernandes. Éramos aqueles que não serão feitos de otários pela enganosa retórica do “são só 3 chocolatinhos que vocês vão deixar pra comer depois” (discurseira devidamente detonada pelo sarcasmo salutar de Gregório Duvivier no episódio B de Balbúrdia do Greg News).

Éramos, no #15M, um rio de gente, de uma diversidade pulsante, numa explosão de colorido indomável. Um pouco deste caleidoscópio humano está encapsulado no filme que agora lançamos, no calor da hora. Tsunami Da Balbúrdia, documentário curta-metragem produzido por A Casa de Vidro (veja no Youtube, no Vimeo ou no Facebook),  é o primeiro passo em um processo criativo mais amplo, que une os aspectos cinematográfico, jornalístico e político, visando à produção de um longa-metragem sobre o Tsunami da Educação em 2019 (auxilie no financiamento colaborativo e deixe um troco na nossa Vakinha!).


Filmado durante as manifestações goianienses do 15 de Maio, Tsunami da Balbúrdia está em sintonia com os ideais e as práticas do jornalismo Ninja. Nesta obra – com montagem, som direto e direção de Eduardo Carli de Moraes (professor de filosofia do IFG)buscamos amplificar a voz e disseminar as mensagens dos manifestantes através do audiovisual.

Contribuindo tanto para o registro histórico deste evento político quanto para o incentivo ao prosseguimento das mobilizações no futuro próximo (o 30 de Maio e o 14 de Junho sendo as datas de iminente grandiosidade e relevo histórico). A obra contêm, além dos agitos de rua e de um registro da assembléia geral unificada dos DCEs do IFG e da UFG, entrevistas e depoimentos de:

* Frank Tavares (prof. de Sociologia da UFG)
* Angela Cristina Ferreira (da Comissão de Direitos Humanos Dom Tomás Balduíno)
* Dalmir Rogério Pereira (Prof. de artes na EMAC/UFG)
* Mateus Ferreira (Estudante de Ciências Sociais / UFG)
* Renato Costa (Ativista e Estudante de Jornalismo / UFG), dentre outros.

Agrademos o apoio, na produção, de Lays Vieira e Frederico Monteiro. Na trilha sonora, canções de Dani Black e convidados (“O Trono do Estudar”), The Interrupters (“Babylon”), Moska e Rennó (“Nenhum Direito a Menos”), Chico Buarque (“Apesar de Você”).

Éramos aqueles que sabem muito mais do que “qual o resultado de 7 vezes 8” e “qual a fórmula química da água”. Aqueles que sabem da nossa responsa diante do desmonte e do sucateamento que o governo Bolsonaro planeja impor. Aqueles que estão conscientes dos impactos catastróficos acarretados pelos cortes de cerca de 30% nos investimentos discricionários do Ministério da Educação (MEC), ainda mais quando sabemos que as 10 melhores universidades do Brasil são públicas e gratuitas. Aqueles que sabem que balbúrdia mesmo é o que faz no país este péssimo governo.

Somos aqueles que, ao contrário do Bozo e seus lacaios, não somos nem idiotas nem analfabetos políticos: sabemos que os cortes incidem sobre hospitais e centros de excelência em atendimento psicológico à população; sabemos também que, ao contrário da asneira presidencial de louvor às faculdades privadas, 95% da pesquisa científica brasileira ocorre em universidades públicas (é só jogar no Google, seu ministro!):

Antes de dizer que universidades são “balbúrdias” e não geram pesquisas, titular do MEC deveria se informar: Brasil é o 13º na produção de artigos científicos – e participação das públicas representa 95% – LEIA O ARTIGO EM OUTRAS PALAVRAS

Excelentes vídeos já foram publicados para esclarecer a opinião pública sobre os acontecimentos recentes no que tange às políticas públicas educacionais no Brasil e a resistência cívica que elas vem encontrando: acesse o material recomendado em BBC News, Brasil de Fato e Levante Popular da Juventude.

 

O histórico 15 de Maio de 2019 marca um ponto alto na curva das mobilizações populares no Brasil nestes tempos sombrios de predomínio da “necropolítica”, esta fusão entre neoliberalismo e neofascismo que hoje nos desgoverna com a perversa tesoura da Austeridade em mãos (aquela que corta da população para manter a mamata das elites).

Éramos, nas ruas, e seremos nas ruas do futuro, aqueles que não foram estupidificados por fake news no Whatsapp e estamos cientes de nossa responsabilidade histórica na defesa dos bens comuns. O “contingenciamento” que o (des)governo busca impor não é uma medida isolada, mas soma-se às tendências do ultradireitismo bozorista que consegue a educação como espaço a ser militarizado, “expurgado” de esquerdistas, “higienizado” contra o “marxismo cultural” e a “ideologia de gênero”, contra o pensamento crítico propulsionado por filósofos e sociólogos, por historiadores e pedagogos Paulo Freireanos…

Enfim, a extrema-direita hoje empoderada sonha com a Escola reduzida a apêndice servil do Mercado, onde reinariam supremos os valores evangélicos, as fardas dos milicos e os testas-de-ferro “apartidários” do Escola Sem Partido.

Foi o mais amplo e significativo movimento de massas desde o ELE NÃO de 2018 – o levante mais importante a marcar o processo eleitoral do ano passado, repleto de fraudes, de “laranjal do PSL”, de #Caixa2DoBolsonaro pra disseminação de fake news calúnias. Primeiro processo eleitoral pós-Golpe, corroído em sua legitimidade pela desleal e ilegal lawfare que aprisionou o candidato Lula, criminosamente privado de sua liberdade num contexto em que todas as pesquisas indicavam que venceria o pleito.

Reativando afetos e práticas que deram o tom do #EleNão, a galera na rua esbanjou irreverência. “Ô Bolsonaro, seu fascistinha! A estudantada vai botar você na linha!” Com essas e muitas outras rimas, os estudantes bradaram pelas ruas – e Maio de 2019 já possui o mérito maravilhoso de ter oferecido a muitos de nós um gostinho de Maio de 1968, um sabor da Paris em insurreição.

A golpes de rimas, os criativos protestadores diziam: “ô Bolsonaro, seu fanfarrão! Balbúrdia é cortar da educação!” Fanfarrão, pois Bozo insiste na discurseira contra a balbúrdia. Tanto o Chefe quanto seu serviçal Weintraub – o cara dos “três chocolatinhos e meio” – insistem na ideologia “balburdiana”, que supostamente dominaria nas universidades públicas. Estas são pintadas pelos bullys do Bozonistão como antros de comunistas, marxistas culturais, feminazis abortistas, queers Marielleanos, todos alimentados com mortadela, pelo PT e pelo PSOL, para disseminar o evangelho satânico do comunismo gayzista que virá colonizar a pátria com seus kits gays e suas mamadeiras de piroca.

Contra tal delírio do poder no Bozonistão, os estudantes e professores, os servidores técnico-administrativos e os cientistas, os artistas independentes e os empresários-de-si-mesmos que estão insatisfeitos contra o precariado do Uberismo, as mães que querem creches para os seus filhos e os pais que querem bolsas para seus filhos, crianças e idosos (e todas as faixas etárias entre eles) juntaram-se para bradar legítimas insatisfações contra os desrumos das coisas.

ÁLBUM FOTOGRÁFICO DO ATO EM GOIÂNIA

Empunhavam escudos-livros e lanças-lápis, como fez a “Tropa” da EMAC/UFG em sua performance em pleno protesto aqui em Goiânia. Uma potência expressiva que certamente agradaria a Judith Butler, uma das mais brilhantes pensadoras do mundo e que acaba de publicar um belíssimo livro de resistência e solidariedade chamado Corpos em Aliança.

Nossos mortos querem que lutemos, nossos mortos pedem que cantemos. E nós mandamos nosso recado: Paulo Freire, presente! Marielle, semente! E cá estamos, corpos aliançados, na luta unida contra a tirania dos idiotas inúteis.

Se o presidente da república não estivesse ocupado em tacar as pedras de seu desdém elitista contra os jovens que estavam bradando nas ruas, talvez pudesse, ao invés de xingar-nos de “idiotas”, ficar calado e ter a humildade para aprender. Mas seria pedir demais desta arrogância brucutu, de quem acha que tudo se resolve no tiro, que pudesse haurir um pouco disto que temos de sobra no âmbito social da Educação: a humildade para aprender e a disposição para reconhecer que somos todos incompletos, inconclusos, aprimoráveis.

Nesta inconclusão aberta ao aprimoramento, nesta humildade aberta ao convívio e ao aprendizado, aí está a raiz que alicerça toda a prática educativa, mas nosso presidente não consegue aprender e talvez morrerá um completo analfabeto em relação às práticas de um autêntico Estadista atento ao bem comum e ao coletivo bem viver. A isto, o apologista da tortura, dos grupos de extermínio e do “fuzilar a petralhada” é completamente cego.

Infelizmente, Bolsonaro é um “analfabeto educacional”, nunca aprendeu nada que prestasse sobre a importância da educação no mundo, e é o perfeito exemplar do idiotes dos grego – aquele que só enxerga, em sua semi-cegueira, os interesses privados e nunca o bem comum. Ao xingar os manifestantes de “idiotas”, desconhecendo completamente a etimologia da palavra original grega, Bolsonaro demonstra que em sua boca é a linguagem que está indo pro pau-de-arara.

Quem esteve no #TsunamiDaEducação é justamente o oposto do significado de “idiota”, e o próprio Bolsonaro ao dizer que “queremos uma garotada que comece a não se interessar por política” é que demonstra seu plano de construir uma educação idiotizante – à sua imagem e semelhança. Vejam a esclarecedora palestra de Mário Sérgio Cortella:

Se Bozo tivesse a modéstia de pôr-se na posição do aprendizado, descobriria quanta esperteza e inteligência, quanta solidariedade e esforço por justiça, pulsa nas ruas e nas redes, expressando-se atualmente nestes que constituem as vastas teias da Resistência a seu desgovernado projeto de tirania.

Acima: manifestações de massa levam mais de 1 milhão de pessoas às ruas. Fotos acima tiradas nas cidades de Goiânia, Rio de Janeiro, Curitiba e São Paulo.

Em EL PAÍS Brasil, Juan Arias escreve:

“Ao menos desta vez, o poder de turno no Brasil entendeu a mensagem oculta levada pelos quase um milhão de jovens estudantes que no último dia 15 saíram às ruas em 26 Estados e em centenas de cidades para defender o ensino contra quem deseja barbarizá-lo. Cansados de serem vistos como o futuro do país, que nunca chega, os jovens decidiram ser o presente e participar de sua construção.

O novo Governo pretende transformar o ensino, da escola primária à Universidade, para livrá-lo da ideologia esquerdista que, segundo ele, o havia desviado de seus valores tradicionais. O ensino que o novo poder pretende impor deve estar isento de debate político, de diversidade de ideias, dominada por um pensamento único, que, como nos melhores fascismos do passado, é imposto pelo Estado.

Uma escola em que não se perca tempo estudando o que depreciativamente chamam de “ciências humanas”. Nada de filosofia, que obriga a pensar e a questionar o poder, ou de sociologia, que abre os olhos para o abismo das desigualdades. Uma escola em que os alunos se transformem em guardas que vigiem e denunciem os professores se tentarem falar de política ou de sexo, ou das dores do mundo. A escola é moldada pelo poder. Os alunos escutam e se calam.

Contra o perigo desta nova era de obscurantismo educacional que o Governo deseja impor, com uma nova cruzada contra os livros e as ideias enquanto exalta as armas que pretende distribuir como doces, os jovens ocuparam pacificamente as ruas e praças do país, para desafiar quem tenta castrar seu direito à liberdade de expressão e impor suas ideias.”

Já o professor de Ciência Política da UnB Luis Felipe Miguel aponta: “Bolsonaro, em Dallas, desfia os impropérios de sempre contra estudantes e professores. Mas eu sei que ele está com medo. Que ele olhou na internet as manifestações enormes de Norte a Sul no Brasil e sentiu medo da nossa força. Que ouviu o pessoal gritando Bolsonaro, seu fascistinha, a juventude vai botar você na linha, engoliu em seco e pensou que não era uma bravata vazia.

Movido por sua própria arrogância e delírio, o governo errou: agrediu, insultou, provocou até que sacudiu a anestesia em que estávamos imersos. Para quem esteve na rua ou mesmo acompanhou de fora, os atos de hoje fizeram redobrar o ânimo de luta. Se esse ânimo se estender pela classe trabalhadora – e há indícios de que esta é uma possibilidade palpável – teremos uma greve memorável no dia 14 de junho e poderemos empunhar com esperança a bandeira da resistência: “Nenhum direito a menos”. >>> https://bit.ly/2w4yxn6

Por sua vez, o jornalista Leonardo Sakamoto escreve em seu blog no UOL duras e justas críticas ao governo Bolsonaro: “Ao atacar quem está indo às ruas pedir educação de qualidade, interdita o debate sobre a construção do futuro e põe a democracia no pau de arara. Estudantes que resolvem refletir e se organizar pela melhoria da educação não são ‘idiotas’, nem ‘imbecis’. Pelo contrário, reside neles a esperança da criação de uma nova forma de fazer política – ao contrário dos simulacros toscos que se chamam de “novo” mas cheiram a anacronismo. Burrice é atacar esses estudantes por medo da realidade mudar…”.

“A vida deu os muitos anos da estrutura
Do humano à procura do que Deus não respondeu.
Deu a história, a ciência, a arquitetura,
Deu a arte, deu a cura, e a Cultura pra quem leu.
Depois de tudo até chegar neste momento 
Me negar Conhecimento é me negar o que é meu.

Não venha agora fazer furo em meu futuro
Me trancar num quarto escuro
E fingir que me esqueceu!
Vocês vão ter que acostumar:

Ninguém tira o trono do estudar,
Ninguém é o dono do que a vida dá!
E nem me colocando numa jaula
Porque sala de aula essa jaula vai virar!

E tem que honrar e se orgulhar do trono mesmo!
E perder o sono mesmo pra lutar pelo o que é seu!
Que neste trono todo ser humano é rei,
Seja preto, branco, gay, rico, pobre, santo, ateu!
Pra ter escolha, tem que ter escola!
Ninguém quer esmola, e isso ninguém pode negar!
Nem a lei, nem estado, nem turista, nem palácio,
Nem artista, nem polícia militar!
Vocês vão ter que engolir e se entregar:
Ninguém tira o trono do estudar!”

Como professor do IFG, nos últimos anos pude vivenciar de dentro o que significam para o país os Institutos Federais, que atualmente constituem um patrimônio do povo brasileiro que merece ser defendido por todos os seus cidadãos conscientes de seu papel da salvaguarda dos bens comuns.

Para ilustrar o mérito dos IFs, vale lembrar que em 2016, ano em que findou prematuramente via golpeachment o governo de Dilma Rousseff, um fenômeno fascinante se explicitou através dos resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE): caso os alunos dos IFs fossem considerados como porta-vozes da educação no Brasil, o país seria o 4º melhor do mundo na área (Saiba mais em The InterceptEl País).

“Na contramão do resultado geral obtido pelo País, que aponta pouca evolução nas áreas avaliadas ao longo dos anos, a pontuação das instituições federais de ensino no exame supera a média nacional e aproxima-se daquelas alcançadas por países desenvolvidos.

Cerca de 23 mil estudantes brasileiros, com idade entre 15 e 16 anos, das redes de ensino municipal, estadual, federal e privada participaram da avaliação, que contempla as áreas de matemática, ciências e leitura. As notas gerais alcançadas pelo Brasil, considerando-se a pontuação média das quatro redes de ensino, foram de 401 pontos em ciências; 407 pontos em leitura; e 377 pontos em matemática. Em todas elas, o país ficou abaixo da média geral Pisa, que foi de 493 em ciências, 493 em leitura e 490 em matemática. A análise dos resultados específicos da rede federal, no entanto, aponta um cenário diferenciado, que aproximaria o Brasil do topo do ranking: 517 pontos em ciências, 528 em leitura e 488 em matemática.

O desempenho positivo dos alunos da Rede Federal destaca-se, sobretudo desde 2009, na esteira da revitalização e expansão da Rede. Nesse ano, a média da nota dos alunos da Rede Federal atingiu 535 em leitura, principal área de concentração daquela edição. Com essa média, os alunos da Rede Federal teriam ocupado a 4ª posição no ranking, atrás apenas de Xangai (China), Coréia do Sul e Finlândia.

Para o coordenador de Formulação e Supervisão de Políticas para o Ensino Técnico do IFMG, Lucas Marinho, se, como se propõe, o Pisa fornece um importante parâmetro para avaliação e monitoramento da qualidade das políticas públicas em educação, esses resultados evidenciam que as escolas da Rede Federal, apesar da sua tão recente reestruturação e expansão, já despontam como o mais acertado esforço do Estado brasileiro para a promoção de uma educação de qualidade.

“E isso não por qualquer reforma especialmente complexa ou arrojada, mas por que veio constituindo-se até aqui, de acordo com algumas diretrizes óbvias que, infelizmente, têm sido sistematicamente ignoradas nas redes municipal e estadual de educação: investimento público suficiente para assegurar instalações adequadas; gestão autônoma e democrática; professores trabalhando, em sua maioria, em regime de dedicação exclusiva à mesma escola, bem remunerados e bem formados, numa carreira atrativa e bastante concorrida”, avalia Lucas.

Instituto Federal de Minas Gerais

É com arte e criatividade, corpos em aliança, solidariedade de existências, que caminhando e cantando entoaremos, como outrora, “afasta de mim esse cale-se!” e “quem sabe faz a hora não espera acontecer”, como agora, “tira a mão do meu IF!”, “ninguém solta a mão de ninguém”, “nenhum direito a menos”!

Bem-vindos ao Tsunami da Educação. Em breve ele vai atravessar com suas ondas indomáveis muito mais do que timelines e grupos de Whatsapp. Pois as margens que comprimem este rio são muito violentas, e assim nossas águas conjuntas ao invés de lago se estão fazendo tsunami. Em sintonia com a crise climática do global heating e em compasso com Greta Thunberg e com os “Pinguins” Chilenos, na sabedoria que Bertolt Brecht já ensinava:

Eduardo Carli de Moraes, Goiânia, 17/5/19

SAIBA MAIS:

O RUGIDO DAS RUAS – Por Bob Fernandes

METEORO: A BALBÚRDIA COMEÇOU

ENTRE O FASCISMO E NÓS, SÓ HÁ NÓS – Como sobreviver à distopia real que encarnou-se no Brasil em 2018?

PARTE 1 – APOLOGIA DO VERMELHO

Todos os demônios estão soltos nesta terra que tem por nome Brasil.

A tragédia já estava prefigurada em nosso batismo: nos puseram um nome em homenagem a uma planta que havia nas terras de nosso litoral atlântico, o pau-brasil, com sua rubra madeira cor de brasa. O Brasil é um dos países do mundo com nome mais vermelho – e estou falando de linguística, não de política.

Os portugueses que nos invadiram com suas caravelas e bíblias, suas escopetas e doenças, logo viram no pau-brasil uma mercadoria rentável, pois podia ser usado no ramo da tinturaria de tecidos (fonte: etimologia de “Brasil” em Wikipedia). Rainhas da Inglaterra pisavam sobre tapetes vermelhos, signos de sua alta posição hierárquica e acesso a caríssimos luxos e privilégios, que haviam sido tingidos com pau-brasil.

Desde nosso batismo, partindo da palavra que nos nomeia, somos vermelhos na essência e constantemente espoliados por imperialismos. Por isso é tão estranho a meus ouvidos o grito-de-guerra de certos brasileiros, dizendo: “nossa bandeira nunca será vermelha!”

Compreendo que com isso manifestam sua fobia não de uma cor, ou seja, de uma configuração cromática específica, mas sim uma fobia daquilo que compreendem por “comunismo”. Às vezes, essa “rubrofobia” atinge as raias da loucura, como ocorreu com a senhora que revoltou-se diante da bandeira do Japão, que é branca com uma bola vermelha no centro, acusando os nipônicos de comunistas, o que não é puro nonsense (quem estudou História sabe, aliás, que os japoneses que estiveram aliados ao nazi-fascismo na 2ª Guerra Mundial).

Somos todos nós vermelhos no cerne: em nossas veias corre o mesmo rubro sangue. O que se classifica, com base em fenótipos aparentes, como “branco”, “negro”, “indígena”, segundo a tosca classificação vigente, colapsa diante de uma solidariedade ontológica mais funda, que nos une ao invés de nos segregar: todos nós sangramos sangue vermelho, todos nós temos a vida, em nós sustentada, pelos rubros fluxos deste líquido que nos comuna. Globalmente comunados estamos na condição humana, simbolizada pelo vermelho de todos os nossos sangues.

No Brasil de 2018, sinto medo de andar nas ruas de meu país vestido com uma camiseta vermelha onde se lê duas palavras: LULA LIVRE. Posso ser espancado, esfaqueado ou mesmo assassinado pelo delito gigantesco de vestir uma camiseta assim. Que país nos tornamos, quando não se pode manifestar discórdia diante de um processo que se julga injusto, um cárcere político? “Que país é este?” – como cantou, questionador, Renato Russo, em outra época mas ainda similar à atualidade.

Acreditamos realmente que um Brasil de tamanha intolerância alteritária  é um projeto sócio-político a se apoiar? Ou então devemos rechaçar e repudiar qualquer sistema político que queira reduzir a policromia do mundo à sua pobre paleta de cores? Nossa diversidade não é a mais preciosa de nossas riquezas? E você tem certeza que sabe de fato o que significa propor a “extinção dos comunistas” e a “extirpação dos vermelhos”? Sabe mesmo o que é uma pessoa comunista, para além da caricatura imaginária do Outro demonizado?

Eduardo Galeano ensina que o Arco-Íris Terrestre tem bem mais que 7 cores. Excluir o vermelho é um projeto que enfeia o mundo. O vermelho é maravilhoso. O vermelho é mágico como os raios de Sol quando se põe, despedindo-se deste setor do planeta girante. Pelo menos até amanhã de manhã. O vermelho sanguíneo é a continuação da vida, a transfusão dos ânimos. Aquilo que flui por dentro de todos nós, como um tônico revitalizante, distribuindo o alimento. Sangue vermelho bombeado por nossos corações, que ficam sempre do lado esquerdo do peito, independente de gênero e de sexo, independente de raça e de etnia, independente de classe e de pertença a castas.

Digo a todos os humanos terráqueos: “Do You Realize?”, como pergunta a música do Flaming Lips, que todos nós sangramos vermelho e temos um coração à esquerda no peito?

PARTE 2 – BEM-VINDOS À DISTOPIA DO REAL

  

Vivemos em dias nos quais a distopia não está restrita às obras de sci-fi pessimista ou aos filmes futuristas pós-apocalípticos. Somos contemporâneos de uma distopia que encarnou-se no real. Hoje convivemos com a instauração da barbárie brutal do Bolsonarismo.

A utopia, como Eduardo Galeano ensina, segue fugindo no horizonte, inalcançável por mais que caminhemos na sua direção, em nosso anseio insaciável de abraçar uma realidade menos opressiva e sórdida. A utopia segue inacessível, ainda que prossiga servindo à nossa incansável caminhada.

Já a distopia de nós se aproxima cada vez mais de nós com tanques, tropas e truculências que vão triturando nossas tristes vidas.

A nossa distopia tropical em processo de encarnar-se é, cada vez mais, a nossa realidade histórica contemporânea: a fase catastrófica em que embarcou a sociedade brasileira assusta pela escala colossal da tragédia autoritária e militarista que vem se empoderando.

O retrocesso brutal agora está encarnado no que venho chamando de “Bozonazismo” – a nova extrema-direita, seguidora de Jair Messias Bolsonaro, que se manifesta no país com brutalidade e descontrole.

O plano deste grupo político elitista, supremacista, interessado sobretudo em lucrar com o entreguismo de riquezas nacionais ao imperialismo Yankee, inclui a instauração de uma espécie de teocracia militarizada à la Gilead.

Refiro-me à distópica sociedade em que se transformou os E.U.A. após um Golpe de Estado fascista-teocrático na série The Handmaid’s Tale, inspirada no livro da autora canadense Margaret Atwood.

“Extirpar os ativismos”, “fuzilar a petralhada” e “dar carta branca pra polícia matar”: eis algumas das promessas de campanha proferidas pelo presidenciável do PSL (partido que terá a 2º maior bancada da Câmara dos Deputados, só menor que aquela eleita pelo PT). Apesar de fazer pose de “exterminador de corruptos”, Jair Bolsonaro passou a maior parte de sua trajetória política sendo liderado por Paulo Maluf no PP.

Nos palanques pelo Brasil, um dos gestos mais recorrentes do candidato de extrema-direita consiste em pegar crianças no colo e ensiná-las a fazer com as mãos o gesto de atirar uma arma-de-fogo. Comportamento que é um ícone de sua brutalidade. Um indício de que, em matéria de ética, ele age como um neandertal.


É com esse tipo de homem que estamos lidando: alguém que diz que o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) “deve ser rasgado e jogado na latrina” (leia em O Globo: https://glo.bo/2BJ7cwr). É só um exemplos dentre dezenas que servem como sintoma claro de que Bolsonaro pretende lançar no lixo ou na privada a Constituição Federal de 1988.

Não há de respeitar a Constituição Cidadã alguém que se diz “favorável à tortura” e que promete transformar em “herói nacional” àquele que foi o comandante supremo, durante a Ditadura civil-militar (1964-1985), do aparato repressivo, torturador e exterminador, o facínora Brilhante Ustra.

PARTE 3 – POLÍTICA DA MORTE: TÂNATOS OPRESSOR DE EROS

O candidato a ditador, escudado por seu vice (o General Mourão), promete derramar muito sangue no Brasil: sua insana proposta para o complexo problema da segurança pública é permitir a aquisição de armas à torto e a direito, para felicidade das megacorporações armamentistas dos EUA, que lucram com a morte e a destruição, em um processo que é pura Necropolítica, conceito de Achille Mbembe:

“Neste ensaio, propus que as formas contemporâneas que subjugam a vida ao poder da morte (necropolítica) reconfiguram profundamente as relações entre resistência, sacrifício e terror. Tentei demonstrar que a noção de biopoder é insuficiente para dar conta das formas contemporâneas de submissão da vida ao poder da morte. Além disso, propus a noção de necropolítica e de necropoder para dar conta das várias maneiras pelas quais, em nosso mundo contemporâneo, as armas de fogo são dispostas com o objetivo de provocar a destruição máxima de pessoas e criar “mundos de morte”, formas únicas e novas de existência social, nas quais vastas populações são submetidas a condições de vida que lhes conferem o estatuto de “mortos-vivos”. Sublinhei igualmente algumas das topografias recalcadas de crueldade (plantation e colônia, em particular) e sugeri que o necropoder embaralha as fronteiras entre resistência e suicídio, sacrifício e redenção, mártir e liberdade.” [Achille Mbembe]

 SOBRE O AUTOR: Mbembe é considerado um dos mais agudos pensadores da atualidade. Leitor de Fanon e Foucault, com notável erudição histórica, filosófica e literária, vira do avesso os consensos sobre a escravidão, a descolonização e a negritude. Nascido nos Camarões, é professor de História e Ciências Políticas em Joanesburgo, bem como na Duke University, nos Estados Unidos. É autor, entre outros, de “Crítica da razão negra”, “De la postcolonie”, “Sortir de la grande nuit” e “Politiques de l´inimitié”.

Bolsonaro parece querer retroceder àquilo que o filósofo Thomas Hobbes chamou, no “Leviatã”, de “Guerra de Todos Contra Todos”. Em uma famosa entrevista ao programa Câmara Aberta, em 23 de maio de 1999, Bolsonaro disse: “Só vai mudar, infelizmente, quando, um dia, nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro, e fazendo o trabalho que o regime militar não fez. Matando uns 30 mil, começando com o FHC, não deixar pra fora não, matando! Se vai morrer alguns inocentes, tudo bem, tudo quanto é guerra morre inocente.”

Atentem bem: vocês que digitam o número 17 nas urnas, votando em Bolsonaro, estão dando aval e sendo cúmplices de um sujeito que já disse repetidas vezes que, se depender dele, vão morrer milhares de inocentes durante seu governo – que mais parece, na verdade, um empreendimento bélico.

Os seguidores de Bolsonaro já estão pondo prática essa carnificina no período eleitoral, dando ao povo brasileiro um antegosto do inferno que os Bolsonaristas pretendem instaurar caso sejam eleitos. No período entre o 1º e o 2º turno das Eleições, já são pelo menos 3 vítimas fatais da escalada de ódio, violência e intolerância perpetrados por apoiadores do sr. Jair Bolsonaro:


Vítima: Moa do Katendê.
Local: Salvador – BA.
Data: 15/10/2018.
Arma do crime: faca.
https://goo.gl/DS71oQ

Vítima: Priscila.
Local: São Paulo – SP.
Data: 16/10/2018.
Arma do crime: faca.
https://goo.gl/BsW1yy

Vítima: Laysa Furtano.
Local: Aracaju – SE.
Data: 20/20/2018.
Arma do crime: faca.
https://goo.gl/RCUJDe


Caso esta tragédia se consume e a campanha eleitoral fraudulenta e propulsionada por fake vença nas urnas, o Brasil se tornará, no planeta Terra, uma espécie de paradigma da barbárie, vanguarda do atraso, palco de atrocidades que nos envergonharão diante das outras nações. 

Nenhum governo legítimo nascerá de um processo eleitoral tão marcado por ilegalidades e fraudes. O que permitiu a ascensão de Bolsonaro foi o golpe parlamentar que destituiu Dilma Rousseff em 2016, ao que somou-se a guerra jurídica ou lawfare que culminou com a prisão de Lula, um “impeachment preventivo” que transformou o Brasil no único país do mundo em que um ex-presidente da república foi encarcerado em ano de Eleições num contexto em que estava disparado em 1º lugar nas intenções de voto. É algo sem precedente global histórico que eu conheça.

PARTE 4 – ELITISMO E HIGIENISMO: UM PROJETO DE CARNIFICINA E GENOCÍDIO


Pregando a violência e o ódio ao seu rebanho de seguidores fanatizados, Bolsonaro cada vez se revela mais como um caso psiquiátrico grave: é um sujeito gravemente adoentado com sintomas de psicose e megalomania. 

A fusão que o Bolsonarismo opera entre o discurso higienista da “faxina” – muito próximo à ideologia nazi-fascista e também às práticas dos supremacistas brancos da KKK nos EUA – e o antipetismo fanático, típico daqueles que são incapazes de fazer qualquer tipo de avaliação sensata sobre os méritos e deméritos das políticas públicas petistas (como a expansão da rede pública de ensino, o combate às desigualdades sociais, os programas sociais de auxílio aos mais vulneráveis e desvalidos etc.) vai produzindo uma monstruosidade coletiva muito perigosa.

É tão perigosa que seria a maior das fake news dizer que o campo Anti-Bolsonarista é apenas um antro dos petistas. O repúdio a Bolsonaro é amplo e irrestrito, atravessa todas as classes sociais, ainda que possua regiões de maior intensidade de resistência (o Nordeste) e que possua nas mulheres a principal força de mobilização contestatária (leia em Vice: As Mulheres Fizeram A Maior Marcha Antifascista do Brasil).

O maior fenômeno de mobilização cívica de 2018 foi sem dúvida o movimento #EleNão, que manifestou a grandeza do repúdio organizado ao projeto de poder, elitista e genocida, da extrema-direita Bolsonarista. A crítica ao Bolsonaro é feita não só pela esquerda (PSOL, PC do B, PT etc.), mas até mesmo por setores mais ao centro e à direita: inclui até mesmo certos tucanos (o FHC já farejou o fascismo das práticas da família Bolsonaro), a maioria dos ciristas (PDTistas) e de marinistas (Marina Silva declara ‘voto crítico’ em Haddad).

 

PARTE 5 – INTOLERÂNCIA SANGUINÁRIA CONTRA A DIVERSIDADE HUMANA


Seguidores de Bolsonaro tem propagado a noção de que “petista bom é petista morto”, mas também a de que “gay bom é gay morto”, “feminista boa é feminista morta”, “sem terra bom é sem terra morto”, e por aí vai.

É uma doutrina que se baseia num tipo de pensamento tosco, maniqueísta, baseado na criminalização do outro e na construção de grandes generalizações imaginárias (“todos os esquerdistas não prestam, todos os petistas são corruptos e ladrões, logo eles precisam ser varridos do Brasil”).

Assim, a extrema-direita apóia milicianos e gangues estão tocando o terror: dando facadas em mestres da cultura popular, desenhando suásticas em mulheres, assassinando brutalmente transexuais, numa atitude de hooliganismo destrutivo que hoje aterroriza o país e que ameaça sair totalmente do controle.

Pois o instigador supremo dessas violências é um completo irresponsável, que diante dos homicídios e agressões perpetrados por seus seguidores diz simplesmente: “O cara lá que tem uma camisa minha comete lá um excesso, o que é que eu tenho a ver com isso?” (Bolsonaro, TV UOL, 10 de outubro de 2018)

Tal grau de irresponsabilidade mostra o total desprepo do candidato para o cargo que ambiciona. O transtornado líder dessa seita, embriagado com a ambição e a sede de poder, como um Macbeth ou um Ricardo III (mas sem a grandeza dos personagens shakespearanos), fala na linguagem dos ditadores brutais. Não se houve de sua boca nada em defesa da democracia. Mas sim elogios e mímesis dos que cometeram as piores atrocidades da História humana.

Bolsonaro promete uma “limpeza como nunca antes houve neste país”, o que soa como uma proposta de higienismo social que assusta pela proximidade com projetos genocidas e totalitários de “limpeza étnica” que constituem, na linguagem penal internacional, “crimes contra a humanidade”.

O pretendente a führer tropical tampouco se importa com esta besteira que são os Direitos Humanos Universais. Já prometeu que vai tirar o Brasil das Nações Unidas (Leia em O Globo: https://glo.bo/2N0tJWO). Para ele, esta babaquice esquerdista que é o Estado Democrático de Direito pode e deve ser sacrificado no altar do seu Estado Teocrático Militarista onde “as minorias tem que se curvar à maioria”.

Na verdade, por trás desta retórica que vem encantando tantos cidadãos brasileiros, frustrados com a política tradicional, está uma velharia mofada que ressurge em nossa história: Bolsonaro é a cara da nossa antiquíssima Elite do Atraso, um macho, branco, milionário, hetero, cis, que encarna tudo aquilo que o velho elitismo defende desde a época da escravatura. É um cara-pálida machista, supremacista racial, favorável aos ricos, apoiador do extermínio da diversidade humana, intolerante com modos de viver e de crer que se desviem de sua norma caduca e esclerosada.

Concedo que nesta tragédia há elementos cômicos – um eleitorado que elege, como fez em São Paulo, um ator pornô, um palhaço (sem muita graça), um herdeiro de um luso monarca, e ainda tem coragem de vomitar xenofobia contra os nordestinos que seriam cabras que “não sabem votar”.

Sabemos muito bem, pelo resultado do primeiro turno das eleições presidenciais, que o Nordeste foi a única das 5 regiões brasileiras em que Bolsonaro perdeu, seja para Fernando Haddad, seja para Ciro Gomes. Sinal de que o Nordeste tornou-se a vanguarda ética da nação, o Nordeste é nossa estrela-guia para tentar “re-iluminar” o resto do Brasil, que tem estado refém das trevas de um obscurantismo fundamentalista que pôs a democracia na guilhotina.

PARTE 6 – UMA CATÁSTROFE PARA A EDUCAÇÃO E A CULTURA

Após o Golpe de Estado de 2016, vimos o governo Temer nascer instaurando o que foi chamado de Machistério: só havia homens, brancos e ricos comandando 100% dos Ministérios. Como nada é tão ruim que não possa piorar, a promessa de Bolsonaro é encher os Ministérios com militares, inclusive o Ministério da Educação – MEC: Bolsonaro já se manifestou no sentido de sua predisposição ao extermínio da obra e da influência pedagógico-política de Paulo Freire, considerado mundo afora como um dos pensadores brasileiros mais brilhantes que já nasceu. O “Andarilho da Utopia”, como Paulo Freire gostava de se referir a si mesmo, também está sob ameaça.

Como informa a reportagem de Época, segundo Bolsonaro, defensor do Escola Sem Partido (que é também o Escola Sem Darwin, o Escola sem Marx, o Escola Sem Nietzsche…), lá no MEC o plano é esta beleza: tem que pôr lá um milico, de pulso firme, que extirpe o “esquerdismo”: “Tem de ser alguém que chegue com um lança-chama e toque fogo no Paulo Freire.” 

E vocês pensando que Farenheit 451 era só uma obra de ficção científica sci-fi!  Bolsonaro disse que seu programa vai ser usar o “lança-chamas” contra o Paulo Freire, igual aos bombeiros que, ao invés de apagarem incêndios, botam fogo em bibliotecas no romance de Ray Bradbury, filmado por François Truffaut, e que voltou aos cinemas na era Trump-Bolsonaro em produção da HBO.

Nenhum compromisso com a verdade, com a cultura, com o conhecimento, com a ciência. Bolsonaro só pensa em dinheiro e poder para pôr em prática seus ensandecidos planos de “purificação” da nação. Seu slogan é “Brasil acima de tudo” (similar ao Deuteschland Ubber Allez dos nazis alemães) e “Deus acima de todos” (o Deus como o concebem os evangélicos neopentecostais estupidificados pelas organizações teocráticas de Edir Macedo, Malafaia, Feliciano etc.).

É a distopia total da união de um nacionalismo fake, conversa pra boi dormir diante da explícita submissão vira-latística do Bolsonarismo aos EUA de Trump, com a teocracia do setor mais fundamentalista e obscurantista do mercado-da-fé no capitalismo brasileiro contemporâneo. Tudo o que Bolsonaro mais quer é poder ir lamber as botas de Trump na Casa Branca, faturando bilhões para si mesmo ao liberar o nosso petróleo e nossa Amazônia, além de nossa água doce e nosso espaço aéreo, para a exploração “livre” por parte do Império hoje gerido por um fascista, xenófobo, supremacista branco, cúmplice do genocídio do povo palestino.

PARTE 7 – QUANDO O NARIZ DE PINÓQUIO BATEU NOS ANÉIS DE SATURNO

O candidato Bolsonaro, além de basear sua campanha em mentiras difundidas em larga escala através de impulsionamentos patrocinados via caixa 2 (dinheiro investido por empresas que, aliás, estão diretamente interessadas na devastação de nossos direitos trabalhistas), também tem uma espécie de “plano piromaníaco” para a educação e a cultura. Um plano parecido com o de Nero, o incendiário de Roma.

Um programa que obviamente não tem compromisso algum com o processo coletivo de busca da verdade que engaja profissionais de tantas áreas, do jornalismo, da filosofia, das ciências sociais, da literatura, das artes, da tecnologia etc. Toda barbárie está liberada quando o líder supremo, como Goebbels no III Reich, como o Grande Irmão no 1984 de Orwell, julga-se no direito de mentir em massa. Aniquilando reputações a base de calúnias, difamações e memes ridicularizadores e mentirosos. Tudo com dinheiro ilegal vindo de empresas simpáticas ao projeto de aniquilação (lucrativa pro patronato) dos direitos trabalhistas.

É de se imaginar, num virtual regime Bolsonarista, o seguinte quadro aterrador para a educação e a cultura. Os militares estarão no domínio no MEC e no MinC. Estarão mobilizando o polvo repressor da Escola Sem Partido, mandando artistas e intelectuais pros novos porões do DOI-CODI. Os educadores considerados subversivos, pois aplicam a Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire, vão berrar no pau-de-arara… De agora em diante, só Educação Moral e Cívica, só Doutrinação Criacionista! E que se calem aqueles que não querem ser as bruxas e os hereges queimados na Nova Inquisição!

Os piromaníacos, os “profissionais da violência”, as milícias Bolsonaristas, neste futuro possível (ainda que intragável) podem aproveitar que o fogo das intolerâncias está acesso e ir no embalo da queima não só dos livros de Paulo Freire. O lança-chamas será também usado contra Charles Darwin, de Karl Marx, de Friedrich Nietzsche, de Judith Butler, de Jessé Souza… Arderá todo o “lixo esquerdista”: será a Segunda Morte de Rosa Luxemburgo, de Gramsci, de Mandela, de Malcolm X….

Os BolsoNeros também podem empolgar-se na piromania e tacar nas fogueiras também os professores de biologia que queiram ensinar o evolucionismo. Ou os professores de sociologia vão gemer torturas nos porões das delegacias militares para abjurar do pecado de ensinar Marx, Engels e Max Weber. Os professores de filosofia que julgam digna de ser ensinada na escola a vida e obra de figuras como Walter Benjamin ou George Lúkacs, serão truculentamente levados aos centros de detenção e “interrogatório” onde sangram aqueles que ensinam “lixo esquerdista”.

Pode até parecer que estou paranóico, que estou dando asas demais à minha imaginação distópica, mas lembro-me agora da frase de William Burroughs de que Kurt Cobain tanto gostava e que contrabandeou para dentro de uma música do Nirvana: “just because you’re paranoid, don’t mean they’re not after you”.

Na Alemanha do III Reich, os nazistas fizeram muitas fogueiras de livros. Fizeram também campos de extermínio e câmaras de gás em que tentaram reduzir a cinzas todo o povo judeu no processo que ficou conhecido como Solução Final. Puderam convencer boa parte do povo alemão a ser cúmplice do Holocausto – em um processo social desastroso, onde passa a ser dominante a obediência cega e servil aos ditames da tirania nazi e que a filósofa política Hannah Arendt conceituou como  “A Banalidade do Mal”, um dos mais importantes conceitos na história do pensamento do século XX.

PARTE 8 – A ESPERANÇA EQUILIBRISTA ESTÁ COM HADDAD E MANU

O Brasil, em Outubro de 2018, está diante de uma encruzilhada histórica colossal, em que nosso futuro coletivo está na balança. A maioria do eleitorado pode eleger um psicopata que promete a carnificina, a guerra, a violência, a intolerância, o destravamento de todos os ódios, o colapso de toda solidariedade e toda justiça. Pode acontecer, mas seria catastrófico, segundo todas as mais lúcidas previsões e prognósticos de gabaritados historiadores, sociólogos e filósofos.

Nós, que amamos a democracia e a liberdade, que somos educadores e intelectuais comprometidos com a defesa dos direitos humanos, que não aceitamos o argumento de que “ativismos” devem ser extirpados, prosseguimos incansavelmente na ação de conscientização para alertar o cidadão brasileiro do tiro-na-cabeça que é digitar 17 nas urnas.

Ao invés deste sádico opressor que é Bolsonaro, temos a oportunidade de eleger um sábio professor que é Fernando Haddad. É evidente para qualquer cidadão que não esteja cego pelo fanatismo que Haddad é um gestor público de comprovada competência, que realizou um primoroso trabalho como Ministro da Educação do governo Lula. Foi um prefeito de São Paulo premiado internacionalmente pelo seu trabalho inovador e humanista no processo desafiador de governar a maior cidade da América Latina. Sua mentora, a filósofa Marilena Chauí, garante-nos sobre as muitas excelências éticas e intelectuais de Haddad.

Haddad é um líder de centro-esquerda inteligente, dinâmico, capaz de diálogo amplo com todos os setores da sociedade brasileira. Sempre portou-se de maneira honesta, íntegro e digna, sempre na defesa dos valores civilizacionais elementares de uma república democrática como o Iluminismo a idealizou na “Era das Luzes”. É um intelectual crítico, iluminista, humanista, com incríveis capacidades no âmbito da práxis e da gestão pública.

Ao invés da carnificina que a extrema-direita fascista deseja instaurar, derramando o sangue dos inocentes, podemos eleger o projeto de valorização da educação e do trabalho, dos serviços públicos e da qualidade de vida, que hoje Haddad defende e representa.

 

O antipetismo de alguns atingiu tal grau de insanidade que, motivados pelo ódio irracional, alguns aplaudem quando seu líder Bolsonaro diz que “marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria” e que “bandidos do MST e MTST” terão suas “ações tipificadas como terrorismo” (leia em UOL Notícias – https://bit.ly/2AlK4S0).

O discurso de Bolsonaro exibido num telão na Avenida Paulista em 21 de Outubro, faltando uma semana das eleições, nos dá o alerta: estamos diante de um tirano intolerante que pretende perseguir, silenciar ou mesmo assassinar impiedosamente, usando a máquina de repressão do Estado, os cidadãos que participam de movimentos sociais e partidos políticos estigmatizados como “esquerdistas e marginais”. Bolsonaro é a barbárie, e quem o apóia é cúmplice do projeto político mais exterminador, estúpido e nefasto da história da Nova República.

O que há de mais precioso na vida política popular do Brasil são aqueles que mobilizam-se por justiça no campo e na cidade, que querem a reforma agrária e o direito à moradia, que demandam condições dignas de existência e de florescimento. Temos a oportunidade histórica de empoderar, com a eleição do presidente Fernando Haddad, um projeto de Brasil muito mais justo, generoso, solidário, fraternal, inteligente, amoroso e sábio. Que saiba ouvir a sociedade civil organizada, ajudar a empoderá-la, criando condições para uma ressurreição democrática entre nós.

Votar Haddad é votar num Brasil que possa ter um futuro mais doce: o do diálogo democrático e colaborativo, re-instaurado. Bolsonaro só nos obrigará a beber um amargo cálice de Necropolítica, feito todo de intragáveis doses de silenciamento, brutalidade e carnificina, um projeto que inclui um grotesco massacre dos inocentes e uma tirania militarizada e teocrática que nos leva de volta à Idade das Trevas.

Sempre que deparo com os “Bozominions” (esta versão fascista do Coxinha) falando horrores criminalizadores sobre o PT, penso que o PT – Partido dos Trabalhadores merece mais respeito. É de um desrespeito brutal o que os Bozominions fazem com a biografia e a trajetória de Lula, Dilma, Haddad, Lindbergh etc. Tratá-lo como “organização criminosa” não é só falso, desonesto e obsceno, é um verdadeiro crime contra um partido que faz parte da nossa História há 38 anos e cuja trajetória merece ser estudada, avaliada, criticada, mas jamais descartada nem muito menos exterminada.

Ao final do mandato de 8 anos de Lula, o Brasil era um dos países mais admirados do mundo e vencia com ousadia alguns dos piores males que lhe haviam sido legados pelo passado de colônia e de ditadura. Vomitar o slogan “O PT é ladrão” jamais vai apagar os feitos de quem retirou 40 milhões de pessoas da miséria, fortaleceu o salário mínimo, levou-nos a um estado de pleno emprego, ampliou Universidades Federais e IFs como nunca antes na História, fortaleceu o SUS, criou Minha Casa Minha Vida, Bolsa Família, ProUni, Cultura Viva, dentre tantos outros programas sociais de valor e mérito que merecem nossa estima.

 

PARTE 9 – O FALSO DEUS DOS PSEUDO-MESSIAS

O grau de obscurantismo da extrema-direita brasileira nos ameaça com a instauração de um nova idade trevosa, com milícias à la Ku Klux Klan acendendo as fogueiras das novas intolerâncias. Sabemos que o tropicalführer está apoiando-se no poderio das igrejas neopentecostai$ do Brasil. Malafaia, Feliciano, Edir Macedo, Jair Bolsonaro: são “poderosos” da mesma laia.

São a laia dos mercadores de ilusões, megalomaníacos, doidos de ambição pela conquista do poder político, mercadores da fé que querem violar todos os princípios do Estado Laico, para que se empoderem para disseminar por toda parte o seu fundamentalismo ultracapitalista. Chamemos isso de Teologia da Prosperidade, nas antípodas da Teologia da Libertação defendida por Leonardo Boff, Frei Betto, dentre outros cristão progressistas.

O Bolsonarismo é aliado de empreendimentos como a UIRD e a Record, de Edir Macedo. A Indústria da Mentira une Bolsonaro e Macedo, e é justamente a mentira que lhes serve como lucrativa mercadoria, que tantos milhões de reais injeta nas máquinas de que eles são os patrões: suas “grandes empresas, imensos negócios”.

Para sua diabólica maquinaria de enganação em massa, estão usando o spam das mídias sociais para praticar a desinformação e também altas doses de calúnia e a difamação contra os adversários políticos. Estão produzindo, com isso, violento sectarismo, intensificação dos ódios e das violência, além de propagarem um tipo de subjetividade lamentável: os cabaços de Whatsapp, aqueles analfabetos políticos, que compartilham material falso e degradante.

 

Justificando​ – Bolsonaro, com seu discurso teocrático, agradou uma expressiva parcela de cristãos que – traindo o Evangelho de amor e paz, pregado por Cristo – estão propagando o ódio e o extermínio ao inimigo construído no imaginário (esquerdista, petralha, LGBTQIA+, comunista, minorias etc.), ou seja, tudo aquilo que, supostamente, não siga a cartilha idealizada do fundamentalismo religioso. São reedições sucessivas da “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, embora tenhamos uma forte resistência de muitos cristãos contra esse avanço inquisitório da fé.

Isso revela um cenário preocupante de desejos e afetos que estavam represados. Não é à toa que, quando a comporta da represa foi aberta e Bolsonaro apareceu como mensageiro, o ódio e a vontade de exterminar tiveram tanta força. Portanto, torna-se bastante curioso que o lema da campanha de Bolsonaro seja “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.

Está em curso, no país, uma ressignificação interpretativa do que são valores cristãos por parte de um setor interno barulhento e com capilaridade política. É uma abordagem autoritária, com táticas eficazes de instrumentalização do medo do “inimigo”. A institucionalização da lógica bélica de professar a fé abandonou, de vez, os lindos ensinamentos bíblicos previstos em 1 Samuel (25:31), Mateus (5:38-48; 25:35-46), Romanos (12:20,21; 12-14), João (13:33-35), Efésios (4:31,32), Gálatas (5:14,15) e (Lucas 10:25-37). O Deus da vingança e da “justiça” sem misericórdia encontrou vários porta-vozes.

Mas não nos esqueçamos do que essa distorção gerou ao longo da história. Não nos esqueçamos do genocídio indígena, da escravidão e destruição dos negros, da Inquisição, da morte de mulheres nas fogueiras, do fascismo, da ditadura civil-militar de 1964, entre outras atrocidades. Nesse passado sombrio, a legitimação religiosa foi fundamental. Não esqueçamos que a CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) apoiou o golpe de 64. Não nos esqueçamos da ligação do papa Pio XI com o ditador Benito Mussolini na ascensão do fascismo italiano. E hoje, reproduzindo erros do passado, temos um reencontro de vários setores cristãos com um presidenciável que elogia a ditadura civil-militar de 1964, bem como os torturadores dessa ditadura, além de ter, em seu gabinete parlamentar, 05 quadros com a foto dos 05 ditadores daquele período tenebroso de nossa história.

Jesus não é responsável por esse derramamento de sangue. Esse derramamento de sangue jorra das mãos daqueles que usam a religião para legitimar e promover a destruição do “outro” ou, quando distorcem os ensinamentos de Cristo, para capitalizar o ódio. Jesus é paz, amor, misericórdia e compaixão. Cristo viveu ao lado dos marginalizados. Jesus é celebração da vida, e não da morte. Talvez muitos cristãos não entendam o ritual do papa ao se ajoelhar e lavar os pés dos presos. Nesse ritual, o papa Francisco já disse aos presos: “Sou pecador como vocês”. O problema é que, em muitas igrejas, fazem falta pecadores com esse grau de espiritualidade. Ao resultado, estamos assistindo horrorizados. A teocracia bolsonariana avança. E Deus nos livre.

http://www.justificando.com/2018/10/08/a-teocracia-bolsonariana/

Os algozes – Edir Macedo, Silas Malafaia, Marco Feliciano, mercadores de ilusões que ficaram milionários na indústria da mentira e da exploração das ingenuidades alheias – já preparam as lâminas para o lamentável espetáculo. Jair Bolsonaro foi convidado para essa lúgubre cerimônia para que possa ir lá, ao cadafalso onde a democracia faz acorrentada (como Lula na PF de Curitiba), e acionar a queda da lâmina. Para depois sair de cena, descartado como uma palhaço patético mas bem útil, cedendo espaço a uma Junta Militar. O Vampirão Temer tratará ser o mordomo dessa tenebrosa transação. Um acordo de cúpulas entre golpistas, roubando a mente de massas gigantescas de cidadãos alienados que só vão perceber que foram enganados e estiveram equivocados quando já for tarde demais.

O Brasil vai se tornando um dos epicentros globais do fascismo empoderado. E isso graças às desgraças que acarreta por aqui a nossa Elite do Atraso, como o sociólogo Jessé de Souza a batizou. Nós, que anos atrás oferecíamos ao mundo todo um paradigma de excelência em matéria de gestão do Bem-Estar Social através das políticas públicas criadas e aplicadas pelo governo Lula, hoje estamos decaídos a uma espécie de republiqueta de bananas que ameaça instaurar, com Bolsonaro, uma espécie de sub-führerdom que responde às ordens lá de cima: não de Deus, como reza o slogan (também ele fake), mas sim de Mr. Donald Trump.

O brasil era visto internacionalmente como um farol e uma inspiração para que a Europa, a América do Norte e a Ásia pudessem não se destruir no processo de navegar as turbulentas marés criadas pela crise econômica de 2008. O PT navegou através de uma das piores crises desde o crack de New York em 1929 que dá início à Grande Depressão dos anos 1930.  uma espécie de hospedeiro de um câncer que ameaça se espalhar pelo mundo inteiro.

Leandro Karnal tem um ótimo vídeo em que explica o óbvio: “quem defende torturador é inimigo de Cristo”:

Nele, Karnal explica porque é absurda e sem noção a atitude de qualquer cristão que apoia Bolsonaro, um defensor da tortura, que prometeu transformar o facínora Ustra em herói nacional, o que já é prova de que o candidato do PSL é um sujeito de péssimo caráter e um canalha completo.

Alguém que em sua vida jamais trouxe nenhum benefício ao povo brasileiro, já que sua vida se resume em propagar o ódio, a violência e a discórdia, Bolsonaro é o completo oposto de Jesus de Nazaré, cuja mensagem resume-se em ensinamentos como “amai-vos uns aos outros”, “ofereça a outra face a quem te ofendeu”, propagando virtudes de resistência pacífica, empatia com os fracos e oprimidos, além denúncia dos ricos (a quem estará vedada a entrada no Reino) e da expulsão dos vendilhões do templo.

Se vivesse naquela época em que Jesus foi morto, Bolsonaro estaria entre os torturadores e assassinos de Cristo – e os Bolsominions estariam se deleitando com o espetáculo e gritando para o algoz: “mito! mito!”. E Bolsonaro estaria urrando de gozo sádico diante do torturado com a coroa de espinhos. Pois Bolsonaro é isso: um doente mental que goza com a crueldade que ele propaga. Os católicos e evangélicos que estão apoiando esse Coiso não entenderam nada sobre o cristianismo: tem que ser muito cego e alienado pra ficar lambendo a bota deste pseudo-Messias que vomita ódio por todos os poros. Bozo é o Anticristo e um baita dum engana-otário. E clamamos aos iludidos: acordem antes da tragédia! #EleNão

A atual ascensão do “Fascismo Evangélico” já estava prenunciada pelos “Gladiadores do Altar”, projeto que chocou o Brasil alguns anos atrás: nele, a mega-organização chefiada por Edir Macedo, a Igreja Universal do Reino de Deus, começou a recrutar soldados para um “Exército do Senhor” (https://bit.ly/2J1LvrK).

Os mercadores de ilusões agora abraçam de vez o Capeta: a Rede Record, em atitude execrável, não vê problemas em violar a legislação eleitoral para colocar todos os holofotes de seu canal de TV e seu portal R7 como palanque para o fascista-facínora.

Além disso, a 3º esposa do Coiso, Michelle Bolsonaro, provável Primeira Dama do Brasil em um governo Bozonazista, é uma das crias e das prediletas de Silas Malafaia (https://bit.ly/2P286cW) – e seria, ainda mais que Marcela Temer, a imposição de um modelo feminino “bela, recatada e do lar”, somando-se a isso o agravante: “fanática e descerebrada”.

Já sabíamos que havia este perigo rondando o frágil Estado Laico do Brasil quando Marco Feliciano pôde levar todo seu obscurantismo para o Comitê de Ética e Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Esta tendência lamentável se aprofunda.

Também ficamos chocados, durante o impeachment de 2016, com a quantidade de parlamentares ficha-suja, investigados por corrupção, co-partícipes de um golpe de Estado contra a presidenta legítima, que votaram sim ao impeachment “em nome de Deus” e da Família Tradicional Brasileira.

Os gremlins do Bozo vomitam sem parar a frase “o PT vai transformar o Brasil numa Venezuela”, quando o projeto deles é nos transformar num Afeganistão sob o Taleban. Uma teocracia militarizada que lembra a distopia de Gilead em The Handmaid’s Tale.

O plano deles: retroceder o Brasil para 50 anos atrás – época do AI-5 (1968 a 1978). A gente elege Bolsonaro primeiro, depois a gente sai das Nações Unidas, pra não se preocupar com essa besteira que são os Direitos Humanos, uma invenção comunista para defender bandido. E depois a gente começa a Cruzada do Homem de Bem para “extirpar os ativismos”, começando por “fuzilar a petralhada” (cito frases do führer, que parece não ter compreendido nada do que disse Jesus de Nazaré com “amai-vos uns aos outros”).

Eles vão re-acender por aqui as fogueiras da Inquisição e tacar os livros e os professores de esquerda lá dentro – vai ser Farenheit 451 em meio à barbárie do neo-fascismo tropical. E haverá uma horda de imbecis que vão aplaudir a carnificina diabólica, dizendo amém a um deus que nunca existiu: o deus da intolerância e do obscurantismo, o deus homóbico e genocida de Sodoma e Gomorra, o deus que o ser humano inventou como pretexto para cometer as piores atrocidades na crença absurda de que derramando o sangue dos ímpios está comprando com isso um tíquete de entrada no Céu.

Triste pátria fanatizada por pastores corruptos e falsos profetas da Salvação!

PARTE 10 – A TORTURA É CRIME HEDIONDO, MAS OS BOLSOMINIONS PASSAM PANO

Vivemos tempos tão tenebrosos que é preciso explicar o óbvio: tornou-se tarefa dos cidadãos que ainda possuem o mínimo de lucidez, sensatez e senso ético elucidarem, para uma parcela imensa demais de um povo, porque não há nada de bom a esperar do processo de empoderamento de um facínora psicopata, que faz apologia da tortura e deseja transformar Ustra em herói nacional.

Em um país mais civilizado, dizer estas obviedades – que a tortura é um crime hediondo, que fazer o elogio de torturadores é sintoma de sadismo, perversidade e outras patologias psíquicas-afetivas etc. – seria desnecessário, pois já seria consenso social básico. No Brasil, sob o feitiço maléfico do Bozonazismo, tornou-se necessário relembrar as atrocidades cometidas pela Ditadura Militar, quando estamos sob a ameaça de que aqueles horrores recomecem.

Entre nós, falar sobre tortura tornou-se necessário e inadiável, dada a conexão umbilical de Bolsonaro com o elogio destas práticas de brutalidade contra o outro. O duro é que muitas vezes encontramos, no eleitorado que vota 17 com fanatismo e convicção inabaláveis, com ouvidos trancados. São pessoas dogmatizadas e intolerantes, que mobilizam todo um arsenal de racionalizações destinadas a justificar o injustificável. Você tenta criticar a postura aberrante e lamentável de um político que idolatra torturadores e puxa o saco do Ustra – e as pessoas logo dão um jeito de retrucar metendo o Lula ou o Marighella na história, para desviar o papo para os supostos “crimes dos esquerdistas” que supostamente justificariam, em todos os tempos, os tratamentos brutais “corretivos” que lhes foram infligidos.

Desfazer adesões de brasileiros à maré fascista / Bolsonarista tornou-se uma espécie de absurdo trabalho de Sísifo, pois muitos eleitores do Coiso não são capazes de ver sua adesão ao facínora abalada nem mesmo por tantas evidências de que Bolsonaro é um pretendente a tirano, doentio em sua megalomania, com ‘delírios de onipotência’ (como bem disse Ivana Bentes), que vomita um discurso de ódio e de segregação muito similar àquele de líderes que estiveram à frente de regimes totalitários e genocidas.

Empoderá-lo não tem a mínima chance de acabar bem.

O TSE, que censurou a veiculação deste vídeo na TV, tenta amordaçar o PT quando este procura resgatar verdades históricas e informar a opinião pública sobre o tipo de caráter diabólico que encontra seu porta-voz em Bolsonaro. Já em relação ao #caixa2doBolsonaro para disparar milhões de mensagens caluniosas, notícias falsas e memes de assassinato de reputações, o TSE mostra-se conivente, acovardado e até mesmo cúmplice deste processo golpista que envolve dúzias de empresas brasileiras que já aderiram ao Capitalismo Fascista, ao Neoliberalismo Militarizado.

Em outras palavras: o PT é silenciado e censurado por revelar a verdade, em um vídeo alinhado com os ideais e práticas da Comissão Nacional da Verdade, importante iniciativa do primeiro mandato de Dilma Rousseff; já a extrema-direita recebe carta branca para seguir fraudando a lisura do processo eleitoral com uma campanha de sórdida enganação e manipulação da opinião pública (com o beneplácito de Steve Bannon e Trump, da Havan e Edir Macedo, da Record e da Globo, tudo construído sobre a fraude jurídica que excluiu Lula das eleições, botando fogo no Comitê de Direitos Humanos da ONU e picando em pedacinhos a Constituição de 1988.

ASSISTA AO VÍDEO – via Meu Professor de História:

https://www.facebook.com/MPHistoria/videos/980852965581631/

 

PARTE 11 – NÓS SOMOS A ÚLTIMA BARREIRA CONTRA O FASCISMO

O Estado autoritário, ultra-conservador nos costumes, apesar de ultra-liberal na economia, que está sendo proposto pelo Bolsonarismo, tem a cara fétida de um Leviatã Hobbesiano: vende-se a idéia de que esse Monstro de autoritarismo e militarismo virá para o benefício de todos, para “limpar toda a corrupção do Brasil”. Mas este Leviatã ensandecido que é o projeto político Bolsonarista não vem para pactuar uma paz, mas sim para destravar a mais feroz guerra de todos contra todos.

 O cidadão brasileiro ainda não percebeu o tamanho do risco de processos bélicos (guerra civil ou guerra internacional) que se tornam agora muito mais palpáveis e possíveis entre nós. Por falta de formação política, a maioria do povo brasileiro não conheço o ovo da serpente do fascismo, não sabe de seus estragos, não sabe da dificuldade de vencê-lo, uma vez que ele conquista o domínio do Estado (como foi com Mussolini na Itália, Salazar em Portugal, Franco na Espanha, Hitler na Alemanha). Muito sangue é derramado para des-empoderar o fascismo, uma vez este tenha se apoderado do Estado.

O Brasil vai se tornando um dos epicentros globais do fascismo empoderado. E isso graças às desgraças que acarreta por aqui a nossa Elite do Atraso, como o sociólogo Jessé de Souza a batizou. Nós, que anos atrás oferecíamos ao mundo todo um paradigma de excelência em matéria de gestão do Bem-Estar Social através das políticas públicas criadas e aplicadas pelo governo Lula, hoje estamos decaídos a uma espécie de republiqueta de bananas que ameaça instaurar, com Bolsonaro, uma espécie de sub-führerdom que responde às ordens lá de cima: não de Deus, como reza o slogan (também ele fake!), mas sim de Mr. Donald Trump.

O Brasil da Era Lula era visto internacionalmente como um farol e uma inspiração para que a Europa, a América do Norte e a Ásia pudessem não se destruir no processo de navegar as turbulentas marés criadas pela crise econômica de 2008. O PT navegou através de uma das piores crises desde o crack de New York em 1929 que dá início à Grande Depressão dos anos 1930.  uma espécie de hospedeiro de um câncer que ameaça se espalhar pelo mundo inteiro.

Segundo o filósofo e professor da USP, Vladimir Safatle, as 4 características do fascismo são:

1- Culto da violência.
2- Culto do Estado-nação paranóico.
3- Insensibilidade absoluta em relação às classes mais vulneráveis.
4- Entregar todo seu poder para um líder “cômico” que fala o que quiser sem nenhuma responsabilidade.

Nós agora somos a última barreira contra o fascismo. Ele fere nossa existência, então seremos resistência. Seguiremos criando novas maneiras de viver e conviver. Como disse Luis Felipe Miguel em um excelente artigo publicado no Blog da Boitempo: “entre o fascismo e nós, só há nós”: 

Com o golpe de 2016, as condições da disputa política no Brasil entraram em processo de rápida deterioração. A institucionalidade fundada na Constituição dita “cidadã” opera de maneira cada vez mais precária; suas garantias são cada vez mais incertas. A prisão do ex-presidente Lula, após julgamento de exceção, ao arrepio do texto expresso da própria Carta de 1988 e com inequívoca intenção de influenciar no processo eleitoral, simboliza com precisão a situação em que nos encontramos.

Ao mesmo tempo, a violência política aberta se alastra, seja por meio dos agentes do Estado (como mostra a repressão cada vez mais truculenta às manifestações populares e a perseguição aos movimentos sociais), seja contando com sua complacência. Das tentativas de intimidação à expressão de posições à esquerda em espaços públicos ao brutal assassinato da vereadora Marielle Franco (e de seu motorista Anderson Gomes), passando pelos atentados às caravanas de Lula, são muitos os episódios que revelam essa escalada.

Há rincões em que o assassinato político nunca deixou de existir – somos um país em que o latifúndio nunca parou de matar lideranças camponesas, por exemplo. Neles, o golpe agravou o quadro, dada a sensação de “porteiras abertas” que o retrocesso no Brasil gera para os mandantes dos crimes. E, nos lugares em que o conflito político apresentava um verniz mais civilizado, regredimos para patamar inferior.” – BLOG DA EDITORA BOITEMPO

por Eduardo Carli de Moraes, Professor de Filosofia, IFG.
22 de Outubro de 2018

A PRIMAVERA FEMINISTA E ANTIFASCISTA DO #ELENÃO – Assista ao documentário sobre uma das maiores manifestações de massa do século 21

Acima: as ruas brasileiras em 29 de Setembro de 2018 no Rio, em Sampa, em Belo Horizonte e em Curitiba; de acordo com Brasil de Fato, estima-se que 1 milhão de pessoas tenham participado das manifestações em todos os 27 estados do país.

#EleNão.doc – Mulheres Contra o Fascismo (Documentário, Goiânia, 2018, 16 min). Uma produção A Casa de Vidro.

“Companheira, me ajude, que eu não posso andar só! Sozinha ando bem, mas com você ando melhor!” – essa era uma das muitas canções que ressoaram pelas ruas neste dia histórico em que as mulheres do Brasil botaram a boca no trombone e se mobilizaram contra o fascismo, o racismo, a misoginia e o golpismo representados pelo “Coiso” e seus lambe-botas. Célia Regina Jardim Pinto, professora da UFRGS e pesquisadora da história do feminismo, afirmou em entrevista à BBC News Brasil  que o 29 de Setembro de 2018 “foi a maior manifestação de mulheres da história do Brasil.”

“Nem fraquejada e nem do lar, a mulherada tá na rua pra lutar!”: era o que também cantava-se a plenos pulmões em meio às batucadas e aos animados fluxos de gente guerreira pela cidade. Foram atos cívicos de grande beleza e potência, pluripartidários, unindo diversas bandeiras, num levante colorido em que a tônica era a luta intersecional contra a Opressão. Movimentos contra o racismo, a LGBTfobia, o machismo e a Cultura do Estupro estavam unidos e solidários às organizações estudantis, sindicais e anarquistas.

Em repúdio e repulsa às posturas machistas, racistas e armamentistas do candidato-a-ditador Jair Messias Bolsonaro, escudado por Mourão, Guedes e toda uma corja de Bozominions, mais de 3 milhões de mulheres reuniram-se ao redor da hashtag #elenão em um grupo de Facebook que demonstrou ser capaz de realizar com sucesso a jornada das redes para as ruas no 29S. Foi uma maré gigantesca de protesto que ecoou até na imprensa internacional – vejam, por exemplo, esta reportagem inglesa do The Guardian.

O maior fenômeno de mobilização de massas deste ano de 2018 é, sem dúvida, o movimento #EleNão, que transcende o cenário eleitoral e configura-se como “um movimento feminista e político que pode mudar o Brasil”, como defendem Rosana Pinheiro-Machado e Joanna Burigo em The Intercept Brasilhttps://bit.ly/2N99gyr. Estima-se que os atos cívicos levaram cerca de 1 milhão de pessoas às ruas nas mega-manifestações que ocorreram em todos os 27 estados do país em 29 de Setembro. Apenas no Rio de Janeiro, foram 200 mil cidadãos mobilizados, de acordo com Brasil de Fatohttps://bit.ly/2N89u93.

Neste curta-metragem documental, A Casa de Vidro registra os agitos no coração do Cerrado brasileiro neste dia de floração da Primavera Feminista. Em Goiânia, estima-se que cerca de 20.000 pessoas estiveram presentes ao ato, que concentrou-se na Praça Cívica, fluiu pela Avenida Goiás e Av. Anhanguera, para desaguar na Praça Universitária. O resultado é este documentário de 16 minutos, filmado por Eduardo Carli de Moraes e Renato Costa, que dá voz e visibilidade àqueles que tomaram o espaço de público para si neste momento histórico de tantas urgências e riscos.

Além de entrevistas com cidadãos que estão engajados com os movimentos democrático-populares, como Diane Lula Da Silva Valdez e Marnei Fernando, o filme registra também os agitos culturais e artísticos, como os batuques do Coró Mulher e as poesias declamadas por Pilar. O filme busca ser um registro histórico dos acontecimentos que já marcaram época, sendo também um projétil audiovisual de intervenção e de ativismo, animado pela convicção de que não há possibilidade de “ficar em cima do muro” em uma época como a nossa. Isto é cinema engajado e que abre-se às ventanias das polêmicas, sabendo que irá tomar muita pedrada e que terá que recolher muito vidro estilhaçado. Mas é a vida e o destino dos que tomam posição contra o que julgam ser as injustiças inaceitáveis e os intoleráveis discursos e práticas de intolerância que hoje sairam do armário e nos ameaçam com “o Horror, o Horror!” (Joseph Conrad).

Além dos agitos do dia 29 de Setembro, o filme também registra os eventos da véspera, quando ocorreu um grande comício petista com a presença do candidato à Presidência Fernando Haddad. Comentando declarações de Mourão, vice de Bolsonaro, que ameaçou extinguir o 13º salário, Haddad fez um forte discurso em defesa dos direitos trabalhistas constitucionais e elogiou as posturas de sua vice, Manuela D’Ávila, citada por muitas mulheres nas manifestações como uma referência de representatatividade e empoderamento feminino na política institucional da atualidade. Leia o relato completo da visita de Haddad a Goiânia neste post: https://bit.ly/2P35YyC.

Em seu texto “#EleNão: as mulheres e a resistência à desconstrução da democracia”, a cientista política Flávia Biroli destaca: “As novidades mais evidentes nas eleições de 2018 são o fato de um candidato de extrema-direita ter chances reais de ser eleito presidente e o fato de que uma linha divisória de gênero se apresenta como clivagem central nas intenções de voto. (…) Na pesquisa Ibope sobre as eleições presidenciais de 2018 divulgada em 24 de setembro, 54% das mulheres disseram que não votariam em Bolsonaro de jeito nenhum, enquanto entre os homens essa rejeição é de 37%.” (Publicado em Boitempo: https://bit.ly/2IrUbaE)

* São muitos os casos de mulheres brutalmente torturadas durante a ditadura de 1964. Ver o site do Memorial da Ditadura.

Todas as pesquisas indicam que o 2º turno das eleições presidenciais oporá a extrema-direita Bolsonarista ao projeto lulopetista vencedor dos últimos 4 pleitos. Muitos já destacam que este será o duelo entre a Barbárie direitosa e ditatorial da chapa Bozonazi e a Civilização defendida pela chapa encabeçada pelo ex-Ministro da Educação do governo Lula. Tendo isso em mente, este documentário vem para contribuir para a conscientização pública dos labirintos políticos da atualidade brasileira. De fato, não acreditamos em jornalismo ou documentarismo que se pautem pelo mitológico conceito de “neutralidade” ou “imparcialidade”. O que não quer dizer que aceitemos o sectarismo ou o fanatismo. No atual imbróglio, estamos clara e confessamente ao lado de todos que gritam #elenão, o que no atual contexto significa uma adesão ao projeto lulista que pode vencer nas urnas a ameaça fascista.

Como Naomi Klein sugere em seu livro, “Não Basta Dizer Não”, e nós aqui dizemos “Sim!” a  #HaddadPresidente, a #LulaLivre, a #ManuNoJaburu. Sabemos também que a luta contra o fascismo não tem data para acabar, é algo que transcende as urnas. Aqueles que não respeitam a pluralidade da vida serão sempre contestados pela pluralidade oprimida. Se fere minha existência, serei resistência! A fecundidade das lutas populares atuais só se intensificará se soubermos conectar as pautas dispersas num grande caldeirão fervente de mobilização intersecional contra as opressões de gênero, de raça e de classe. “Quem não se movimenta, não sente as correntes que o prendem”, disse Rosa Luxemburgo. Nós, hoje, estamos em pleno movimento não só para sentir as correntes que nos aprisionam, mas para quebrá-las com a força de nossa colaboratividade indomável.

Uma das maiores pensadoras e escritoras do Brasil, Eliane Brum, cujas palavras servem de epígrafe para este curta-metragem, expressou muito bem os desafios e as promessas de nossa tensa e intensa atualidade em sua coluna: “É com corpos que se recusam a ser determinados pelo ato de ser violentada ou pelo ato de violentar que podemos criar um outro jeito de ser e de estar nesse mundo.” Leia na íntegra.

A boa notícia, que dá um pouco de ânimo em meio a este pesadelo de tamanho continental que é a terra brasilis, está naquela comovente e arrebatedora Potência Popular que ficou manifesta nas ruas e nas redes em 29 de Setembro, um dia histórico na luta contra o fascismo na América Latina.
Foi uma demonstração de Poderio da Soberania Popular, um chega-pra-lá nos pretendentes a tiranos, e uma das mais lindas realizações político-culturais já realizadas no país sob protagonismo feminino. Equiparável à grandeza de alguns dos protestos das Jornadas de Junho de 2013, estes protestos coordenados e muito bem organizados, onde não houve repressão policial talvez pela força que demonstramos, são um sintoma salutar de que estamos acordados, unidos, solidários, na luta ampla e intersecional contra o que nos oprime e nos esmaga.
Surgiu no cenário político brasileiro um outro tipo de Gigante que parece ter acordado: a mobilização cívica, supra-partidária, que congrega o feminismo, o movimento LGBT, a luta anti-racismo e anti-apartheid, os movimentos estudantis e juvenis, além de boa parte da militância que está em plena a resistência aos desmontes e retrocessos de nosso estado pós-democrático, fraturado gravemente em 2016 com a deposição fraudulenta da presidenta eleita.
O Golpe não ficou em 2016: ele se “espraiou” até 2018; foi inaugurado pelo golpeachment, prolongou-se no cárcere político de Lula, e agora escancara-se como cadela no cio fascista ao propor a candidatura do Coiso – aquele golpista que não teve vergonha de elogiar o torturador Ustra em sessão da Câmara, de triste memória, onde tripudiou sadicamente sobre a dignidade da Dilma e, por extensão, estuprou com suas palavras todas as mulheres latino-americanas que já estiveram sob tortura ou cárcere devido a um Terrorismo de Estado.
Bolsonaro é a caricatura grotesca daquele famoso “entulho autoritário” que a Ditadura Civil-Militar nos legou como amargo legado. Derrotá-lo é urgente para que aquilo que nos sobrou de Civilização e Civilidade não chafurde totalmente no lodaçal da Barbárie totalitária. Elegendo esse violador contumaz dos direitos humanos, o Brasil inteiro estará perdido, e mesmo os que votam nele sairão perdendo, e perdendo feio. Elegendo isso, damos um tiro no nosso próprio pé coletivo, estragamos nosso futuro, mergulhamos nosso porvir no descalabro da guerra civil e de uma nova ditadura, prenhe de horrores.
A boa notícia, repito, foi que o #elenão experimentou a interseccionalidade na práxis. Colocou em movimento esta salutar confluência dos feminismos, das lutas contra a homofobia, das mobilizações estudantis, dos trabalhadores em busca de dignidades e de reversão das hecatombes de direitos que temos assistido, todos juntos e coligados, respeitando-se nas diferenças, somando forças na luta contra a barbárie opressora que nos rodeia, nos agride, nos promete o fuzilamento e a tortura.
Essa confluência de lutas, esta intersecionalidade na prática, este esforço de solidarização e confraternização, será importantíssima de sustentar e de cultivar em nosso futuro turbulento (aquilo a que já estamos condenados). Como disse Naomi Klein, não basta dizer não. Ao nosso não devemos somar o sim de nossa utopia concreta, em vias de realizar-se: um mundo onde caibam todos os mundos, onde se concretizem os nossos sonhos que não cabem em tuas urnas, onde os inéditos viáveis da justiça social e da confraternização na diferença se façam carne viva e não cadáveres aos pés dos fascistas e seus lambe-botas.
#LulaLivre
#FascistasNãoPassarão
#HaddadPresidente
#ManuNoJaburu

– Por Eduardo Carli de Moraes, 01 de Outubro de 2018.

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(Goiânia, 2018, 16 min)
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🎶 Ele é o olho roxo
De quem não caiu da escada
Ele é a violência
Escondida na piada
Ele é aquele aperto nojento
Na condução
Ele é a Casa Grande
Rindo da escravidão
Ele é o país na contramão
Da caminhada
Ele é o patrão
Violando a empregada
Ele é o nosso salário
Um terço mais baixo
A política do ódio
Covardia, esculacho
A política do ódio
Covardia, esculacho
A barbárie de farda
Berrando no palanque
A hipocrisia mais truculenta
Ele é a mão suja de sangue
Que se diz
Ungida de água benta
Ele é o atraso
Que país nenhum
Merece ter
E nós somos as mulheres
Que não vão deixar ele vencer 🎶
Uma canção de Marina Iris