SENTIMENTOS GRUNGY NA ERA TRUMP – O suicídio de Chris Cornell, a Renascença do Stone Temple Pilots, e a redescoberta do Hole

Como a mítica Fênix, que não cessa de renascer das cinzas, o GRUNGE renasce de suas tragédias. Sua maré no mainstream já passou, mas os sentimentos grungy sejam vivos na Era Trump. Fazendo frente ao baque tremendo que foi para este cenário pós-grunge o suicídio de Chris Cornell (Soundgarden / Audioslave), o cenário tenta se reinventar.
Stone Temple Pilots renasce agora após duas outras mortes: a de Scott Weiland (vocalista dos 6 primeiros álbuns) e a de Chester Charles Bennington (do Linkin Park, que gravou apenas 1 EP como cantor do STP, em 2013, tendo se suicidado em 2017). São os corações ensombrecidos pelas tragédias reais, que recolocam tudo em clima de “Hunger Strike”:

“I don’t mind stealing bread
From the mouths of decadence
But I can’t feed on the powerless
When my cup’s already overfilled…”

Temple Of The Dog (1991) – Com Eddie VedderChris Cornell, Jeff Ament, Mike McCready, Jeff Ament, Matt Cameron.

Somando-se neste caldo as mortes trágicas de Kurt Cobain e Layne Stanley, pra não falar na overdose fatal de Andrew Wood (do Mother Love Bone) nos primórdios da saga Pearl Jam), temos um microcosmo cultural assombrado pela recorrência de fins-da-vida violentos, de pungente tragicidade, o que também se expressa nas sombrias e intensas paisagens sônicas que marcaram para sempre a estética contemporânea com as obras de Screaming Trees, Mudhoney, Nirvana, The Gits, dentre tantas outras bandaças.

“Roll Me Under” traz todo o peso e intensidade dos grandes dias do grungy noventista de novo ao primeiro plano, ilustrando sua mensagem sônica impactante com um clipe meio Into the Wild, evocando a vertente Steppenwolfiana que sempre nutriu o estilo grunge, este ethos do rock’n’roll que tão bem entremesclou o punk, o heavy metal e o indie-garage, reinventando para sempre a estética musical dos anos 1990.

Quem assume os vocais neste retorno do STP em 2018 é Jeff Gutt, que vem sendo chamado por alguns críticos de “um Scott Weiland bem-comportado”: “He nails how the late singer could slide from a snarl to a sigh, conjuring a bit of a snaky sexuality while still seeming a bit safe”, escreveu Stephen Thomas Erlewine em sua crítica para a AllMusic.

As 12 músicas novas demonstram uma banda ainda vigorosa e re-colocam o Stone Temple Pilots no epicentro do rock mainstream global para disputar as atenções com as mega-bandas Foo Fighters, em que Dave Grohl decolou após o naufrágio do Nirvana, e o Pearl Jam, já uma instituição consagrada da música global, que em breve completa 30 verões, merecendo um lugar de honra na História do Rock na companhia de um Neil Young & Crazy Horse ou de um Grateful Dead.

Já o STP, que sempre soou mais despretensioso e menos grandiloquente que o Pearl Jam, retorna para mostrar que um dos caminhos mais interessantes para a evolução do estilo grunge estava na tentativa de mesclá-lo com a new wave, o punk rock 77, o glam à la T.Rex. O poderio guitarrístico da banda sempre foi impressionante, desde os estupendos álbuns iniciais “Core” e “Purple”, e em 2018 eles não demonstram nenhum desejo de se aquietar. Os amps continuam no talo, o batera continua batendo forte, os riffs continuam te enganchando pelo queixo e batendo contigo nas paredes até tirar sangue.

O STP é uma daquelas raras bandas que pode soar alegremente subversiva como atos punk seminais como Johnny Thunders and the heartbreakers ou Richard Hell & The Voidoids, e na próxima faixa já se transmutar num denso e desesperador propagador de um estilo de rock grave e angustiante, à maneira das bandas históricas do movimento como Screaming TreesSoundgarden e Alice in Chains.
É um álbum que agrada e empolga por mostrar artistas grunge em plena forma, e prometendo ainda muito futuro. O grunge resiste! Ainda que o melhor álbum lançado ultimamente na estética grunge não tenha sido feito por uma banda que assim se rotule, ou que a este cenário cultural se vincule: me refiro ao “Wilderness Heart”, do Black Mountain, que fez neste álbum uma obra-prima do gênero, com canções magníficas como “Rollercoaster” e “The Hair Song”.

Com muito gosto ouvi este comeback do STP, um disco tão agradável de ouvir, tão lindamente executado, tão “radiofônico” (até mesmo no sentido Bon Joviano do termo), que quase nos convida a abandonar qualquer pose de crítico musical e simplesmente recomendar aos amigos: “ouve lá, é um discaço da porra!” A música fala bem em sua própria defesa e até nos desarma da iniciativa inglória de perguntar pelos interesses econômicos que possam estar envolvidos nesta empreitada, certamente acusável pelos críticos mais “cricos” de ser um “caça-níqueis”.

A indústria da música é de fato uma mina de ouro e não está fora de cogitação que o STP se enxergue como uma empresa, e das mais lucrativas. Mas isto não significa que estes caras não tenham algo a dizer artisticamente. Seria bem injusto, aliás, taxar de “comercial” uma banda que nunca abriu as pernas para o Sistemão do Rock Mainstream como fizeram os Creeds e Nickelbacks. O Stone Temple Pilots seguiu com seus fios elétricos plugados nas tomadas do Grunge noventista, soando como banda independente que teve acesso aos estúdios de gravação do Big Business – e soube se aproveitar disso.

Se o cérebro coloca estas questões, questionando se há vontade de grana alta por trás da nova encarnação do STP, os tímpanos e o coração simplesmente embarcam no rollercoaster deste álbum pulsante e cheios de belos thrills. Fazia tempo que um álbum de estilo grungy chegava com tamanho estrondo – que o Queens of the Stone Age  se cuide, pois tem rival forte de volta na cena!

Saudamos a chegada deste álbum como uma bela anfetamina musical para nossos tempos em que o Grunge segue tendo muitas razões para existir. Pois temos direito à divergência e a dissonância. E queremos nossa fúria tomando de assalto as ondas do rádio!

A alucinógena borboleta que estampa a capa do disco, e que parece a obra de algum artista das HQs que tomou um peiote, indica de modo simbólico o poder desta banda: dentro da borboleta, há uma teia de aranha.

A aparência mais englobante, da bela butterfly, é atraente e sedutora, mas na essência mais interna esconde-se o perigo, o aracnídeo.

Entre as asas desta borboleta, parece caber todo o caos e maravilha do mundo – e o som que fazem estas asas ao voar indica que, por mais agradável que seja esta rock-sinfonia, propulsionada pelos músicos como um foguete, pulsa aqui também algo de perigoso.

Algo que morde, que devora, como um aranha faz com o inseto que cai em sua teia.

As reações iniciais da imprensa musical parecem ser muito positivas, com reviews que destacam o quanto o álbum traz “a banda lidando emocionalmente com suas tragédias”:

The album comes after STP’s tragic last few years which saw the deaths of Scott Weiland and Chester Bennington. Losing two singers in such a short period is really one of the biggest tragedies in rock history, to see STP come back with a new album with some really triumphant sounding songs is powerful especially on the first few listens. Scott and Chester’s spirits are definitely felt throughout the album.” – Alternative Nation

Chester e Scott, dois mortos precoces do rock contemporâneo, somados à ausência monumental de Chris Cornell, também recentemente suicidado, mostram que a Era Trump, nos EUA, está sendo também a de uma maré cultural de redescoberta do grunge, em tudo aquilo que ele tem de problemático e obscuro. A Geração X ainda está entre nós, assim como o Fantasma de Kurt Cobain, assombrando com sua poesia atormentada a propaganda do cartão postal chamado American Dream, aquele em que só acreditam os que estão dormindo.

O grunge parece passar pela história da cultura humana como uma espécie de híbrido entre tragédia e resiliência. Um movimento cultural que sobrevive a todas as suas tragédias, que se reinventa na mudança: Mark Lanegan cantando com o QOTSA, Josh Homme e Dave Grohl (dos Foo Fighters) flertando com o que restou do Led Zeppelin (Them Crooked Vultures), Alice In Chains seguindo em frente com novo vocal após a morte de Layne Stanley… Para não falar da farta colheita que foram as passagens de Cornell e Weiland pelo mundo, já que eles também povoaram nosso horizonte artístico com as criações de Audioslave e Velvet Revolver, além dos respectivos álbuns-solo…

Enquanto seus heróis vão caindo mortos, o grunge segue em frente como pode, aos trancos e barrancos. E no epicentro deste drama, segue queimando supremo o inesgotável Nirvana: Cobain não precisou de mais que 27 anos de idade para causar um terremoto cultural que não dá sinais de que irá simplesmente desaparecer, e em pleno 2018 aquele som que smells like teen spirit está por aí, pulsando no coração do Império decadente!
O retorno, em tão boa forma, do Stone Temple Pilots nos mostra isso: o ímpeto nirvânico está sendo re-acendido. A Fênix grunge alça vôo outra vez. E ela vem enraizada no passado, atenta ao novo e disposta a ser ouvida em toda sua dissonância e dissidência.

Eduardo Carli de Moraes || A Casa de Vidro

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OUÇA O ÁLBUM COMPLETO:


LEIA TAMBÉM:

CONFLUÊNCIAS – Festival de Artes Integradas, 4ª Edição: Trip, 23/6, com Chá de Gim, Distoppia, Tião Locomotiva e Veneno, Exposição fotográfica “Caminho do Cerrado”, Discotecagem cannábica

Vem aí a 4ª edição do Confluências: Festival de Artes Integradas, propiciando altas viagens sensoriais e estéticas através de shows, exposição fotográfica, discotecagem cannábica, poesias de autores goianos, livros e HQs à venda, dentre outras atrações.

O evento vai acontecer na Trip (Rua 115e, Setor Sul, Goiânia), no dia 23/06 (Sexta-feira), a partir das 20h, no mesmo dia da Marcha da Maconha – Goiânia 2017. Confira nosso cardápio cultural para a ocasião:

* Shows: Chá de Gim; Distoppia, Tião Locomotiva & Veneno, Laptop Ensemble (Eduardo Kolody & Eufrasio Prates) da BSBLOrk – Orquestra de Laptops de Brasília.

* Exposição fotográfica: O Caminho do Cerrado, de Mel Melissa Maurer, trabalho de cunho artístico e denunciativo sobre a devastação crescente do Cerrado na região da Chapada dos Veadeiros. Conheça: https://ocaminhodocerrado.blogspot.com.br/.

* Feirão de livros e HQs com preços imbatíveis da Livraria A Casa de Vidro.

* Discotecagem: Canções cannábicas, nacionais e internacionais, dos mais variados gêneros musicais, que tematizam e/ou simulam a expansão de percepção e as situações sociais propiciadas pelo consumo da cannabis sativa. Amostras / aperitivos: #1: Quique Neira & Alborosie#2: Bezerra da Silva; #3: Steppenwolf; #4: Amy Winehouse; continua em breve.

Uma produção A Casa de Vidro – Livraria e Produtora Cultural. Siga Confluências no FacebookPágina do evento.

E MAIS:
►Cervejas e drinks com diversidade e preços acessíveis
►Massas e outros rangos deliciosos com Lobato Massas Artesanais
►Jardim good vibes
►Pet Friendly
►Bazar com livros, CDs e discos de vinis selecionados
►Ambiente seguro
►Chegou de bike ganha 10% de desconto!

Local:
Trip Música e Artes – Rua 115-E (entrada) com a 115, Setor Sul.
#entranatrip #trip #tripmusicaeartes
Entrada: R$10

Arte do flyer: Annie Marques

P.S. Em 23 de Junho, há a culminação dos trabalhos do Coletivo Antiproibicionista MenteSativa, organizador da Marcha da Maconha, que promove também a Semana pela legalização – Mente Sativa – eventos de crucial relevância para o debate público e a conscientização cívica, plenamente apoiados pelo Conflu. Conflua também!


SAIBA MAIS / RELEASES


Despontando no cenário rocker de Goiânia, Tião Locomotiva & Veneno, uma dupla de blues-rock turbinado e intenso, tocará nesta Sexta (23/06) na Trip no Confluências #4 – Festival de Artes Integradas. É pra chaqualhar o esqueleto com o groove intenso dos caras! Confira o mais recente videoclipe ao vivo como aperitivo:


A Chá de Gim lançou recentemente a bela “Canção do Futuro”, novidade no repertório da banda e que integrará o segundo álbum de estúdio, o sucessor de “Comunhão” (Ouça: http://bit.ly/2rdpvQU). No Confluências #4 – Festival de Artes Integradas, vocês poderão curtir esta pérola ao vivo e a cores, além de outras maravilhas do cancioneiro da Chá como “Zé”, “Samba Verde” e “Cordeiro do Mundo”. Borá pra Trip na Sexta 23/06 pra apreciar este showzaço?

O quarteto  surgiu no cenário artístico goiano dos últimos anos como uma das mais saborosas novidades ao sintonizar MPB, samba-rock e muita lisergia com letras cheias de lirismo e contestação. A Chá despontou no radar daqueles que estão antenados ao cenário musical de Goiânia com a canção “Zé”, consagrada com o prêmio do júri e do público no Festival Juriti de Música e Poesia Encenada em 2014 [assista à performance: http://bit.ly/2gQJZMl].

Na ocasião, o júri contou com a presença de Jorge Mautner e sob o impulso da premiação a banda pôde gravar este seu vigoroso debut. Uma digna reportagem no Monkeybuzz esclarece um pouco da inserção da Chá de Gim – que sempre marca presença em festivais como Festival Vaca Amarela e Grito Rock – no cenário alternativo de “Goiânia Rock City”:

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Festival Juriti de Música e Poesia Encenada 2014, uma produção da Matuto, durante a premiação do Chá de Gim por melhor música, segundo júri e público, com “Zé” – Fotografia: Layza Vasconcelos

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MONKEYBUZZ: “A rápida ascensão do grupo Chá de Gim deve-se puramente à cena efervescente de Goiânia. Já não é novidade para ninguém que a capital é um dos maiores expoentes brasileiros de revelações nos últimos anos. A sua cena musical é autosustentável e festivais como Bananada e Vaca Amarela são a porta de entrada para que artistas de outros estados possam entender o que parece ser mágico na cidade: o Rock’n’Roll. Nos últimos anos, inúmeros atos romperam o casulo e alcançaram projeção nacional, como Boogarins, Hellbenders, Black Drawing Chalks e Carne Doce, entre outros. No entanto, se cada um cria o Rock à sua maneira, o que parecia estar em evidência na região é a tal da Psicodelia – e é nesse quesito que esta nova banda Goiânia se encaixa perfeitamente.

Formada em 2014 por Diego Wander (vocal e percussão), Alexandre Ferreira (bateria), Bruno Brogio (baixo) e Caramuru Brandão (guitarra), o grupo surpreende pela rápida ascensão(…). Os singles e Samba Verde, no entanto, mostram que existe muita unidade por trás dos sons da banda e um futuro muito interessante pela frente. A mistura traz muito da música brasileira tradicional, como o Samba e o Forró, ao lado de Rock e Psicodelia – adereços que criam maior profundidade e impacto no som criado. (…) Auxiliada por acordes aéreos processados no atraso do delay e combinados a uma percussão marcante, a música torna-se um hit certeiro.” (Txt: Gabriel Rolim)

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Recentemente, a Chá também participou do IV Muvuca Festival, na Praça das Artes, e estivemos lá registrando a vibe no começo do show – sente a brisa do “Samba Verde”:

Relembre também a participação da Chá de Gim na primeira edição do Confluências.


O Distoppia, novidade no cenário do rock alternativo autoral com letras em português, é outra das atrações do Confluências #4. A banda já se apresentou em festivais como o Grito Rock (produção Fósforo Cultural) e já realizou show no Teatro do IFG – câmpus Goiânia. Confiram abaixo duas das canções da banda goianiense, “Morador” e “Alter Ego”:

Com o objetivo em dar vida às composições do vocalista Matheus Damasceno, a banda teve seu início com o intuito de participar de um Festival local (Bouga Fest) no ano de 2013, onde a mesma foi finalista.

Após essa experiência, a banda passou a permear a cena local da cidade e no ano de 2015 lançou duas singles de estréia. Através de amigos de faculdade e da cena musical, a banda passou a contar com uma formação fixa com Matheus Damasceno (vocais e violão), Pedro Guilherme(guitarra), Muryllo Pacheco (bateria), Emerson Fagundes (contrabaixo) e Matheus Guerra – Guitarrista (guitarra).

Desde então, com uma relação de amizade entre os músicos, a sonoridade passou a ser mais solta e a banda passou a se apresentar com mais frequência na cena local, com apresentações significativas no Grito Rock Goiânia (uma produçãoFósforo Cultural) e no Teatro do Instituto Federal de Goiás (IFG) – oficial – câmpus Goiânia.

Distoppia é distinguida pelas influências individuais de seus integrantes que ao se juntarem acabaram criando um belo mosaico sonoro. A intenção da banda é criar uma paisagem auditiva de modo a promover certa transcendência com o ouvinte à medida que ela é somada a poesia de suas canções.

O ano de 2017, marca a estreia do primeiro álbum em estúdio da banda, que além de contar com faixas inéditas, também terá uma regravação da Single ‘Morador”. O álbum esse que será divulgado junto a uma turnê por terras Portuguesas com o selo da Music For All.


O Caminho do Cerrado, impressionante projeto fotográfico de Mel Melissa Maurer, estará em exposição durante o Confluências #4 – Festival de Artes Integradas. Em parceria com a artista, selecionamos 15 das fotografias mais significativas deste projeto e elas irão decorar o ambiente e instigar a reflexão no evento. No vídeo abaixo, confira o making off da primeira etapa desta empreitada artística que tematiza e denuncia a devastação crescente do Cerrado, gerada principalmente pelo agronegócio.

As fotos, protagonizadas por uma modelo que vesta apenas botas e máscara anti-gás, propiciam alertas sobre a aproximação e extensão dessas atividades do agronegócio devastatório por todo o percurso entre Brasília e a Chapada dos Veadeiros. As imagens fazem com que um novo olhar se abra sobre o caminho que o Cerrado, considerado a savana com maior biodiversidade do planeta, e a região da Chapada dos Veadeiros (Patrimônio Natural da Humanidade – UNESCO), vem enfrentando.

A trilha sonora do vídeo é a canção “Não Dá Mais”, de MC Vacy, MC Pato Roco, com participação de Rafael Nunes.

Observe – Reflita – Curta – Compartilhe!
www.facebook.com/ocaminhodocerrado

Assista:



No Confluências #4 – Festival de Artes Integradas, teremos também Eufrasio Prates e Eduardo Kolody mostrando um pouco do trabalho da BSBLOrk – Orquestra de Laptops de BrasíliaLeia a matéria:

“Tecnologia alinhada à natureza, o Coletivo BSBLOrk utiliza inovação para criar música eletrônica experimental. Criado em 2012, na Universidade de Brasília, o grupo é formado por nove integrantes, entre ex-alunos e professores da UnB. Misto de arte, física e filosofia, a Orquestra de Laptops funciona com um software que transforma os movimentos em frente à webcam em som.

A inovação é resultado de muito estudo. Fruto do doutorado do maestro Eufrasio Prates, o software Holofractal Music é capaz de traduzir as distancias e velocidades dos movimento em frequências sonoras. Cada computador é ligado em uma hemisfera, caixa com vários alto-falantes em 360°. “A pessoa deve ouvir o seu próprio som e estar em harmonia com o do outro”, explica o estudioso. A ideia surgiu a partir de um simpósio de laptops em Louisiana (EUA), em 2012. A Orquestra foi lançada no evento Tubo de Ensaios, da Universidade de Brasília.

São sons da natureza, da vida cotidiana e de outros instrumentos que juntos entram em harmonia para criar algo totalmente novo. O suporte tecnológico utiliza os princípios da física, matemática e da música. “Para tocar um instrumento comum a pessoa precisa estudar, mas tirar som deste exige muito mais conhecimento”, comenta Eufrasio. – LEIA NA ÍNTEGRA



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CONFLUÊNCIAS: Festival de Artes Integradas, 1ª Edição: “Arte ReXistente” – Evoé Café Com Livros, Domingo (18/12)

APRESENTAÇÃO

O “Confluências: Festival de Artes Integradas” nasce com a proposta de contribuir para o intercâmbio intercultural, buscando reunir as tribos e propiciar encontros entre criadores e apreciadores das múltiplas vertentes artísticas. Os eventos visam congregar música, performances, poesia, artes visuais, dança, teatro, cinema, dentre outras expressões artísticas, convivendo e se interfecundando no mesmo espaço. Artistas e público, em posições cambiáveis, podem assim conviver num território fluido de criação e experimentação.

A nossa primeira edição, “Arte ReXistente”, ocorrerá na Evoé Café com Livros, no próximo Domingo, dia 18 de Dezembro de 2016, a partir das 16h. Ingressos no dia: R$10 até as 19h, R$15 após as 19h. Teremos shows com Diego Mascate, Chá de Gim e Manoel Siqueira. Performances e Poesia Encenada com Morgana Poiesis, Kesley Rocha Dias, dentre outros.

Ocorre ainda uma exposição e uma oficina sobre processo criativo com a dupla responsável pelo projeto “Valderundestein”: o poeta Vitor Hugo Lemes e o ilustrador Bergkamp Magalhães. Além disso, a discotecagem busca abrir as portas da percepção para um “Lindo Sonho Delirante” ofertando aos ouvidos somente Música Psicodélica Brasileira dos anos 1960 e 1970. Para completar, ocorre um Feirão de livros, novos e usados, da Livraria A Casa de Vidro.

Contatos com a produção @ A Casa de Vidro [www.acasadevidro.com] >>> Eduardo Carli de Moraes: educarlidemoraes@gmail.com; Juliana Marra: julianamarr@gmail.com.

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CONHEÇA MAIS SOBRE OS ARTISTAS:

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Diego Mascate é o pseudônimo do multiartista Diego De Moraes (que tem entre seus projetos atuais a Pó De Ser Banda e a dupla Waldi & Redson). Compositor, cantor, músico, poeta, professor, historiador e ator (com trabalho junto ao grupo Bastet), Diego começou a marcar presença no cenário com o álbum Parte de Nós, do grupo Diego e o Sindicato. Hoje é reconhecido como um dos “cantautores” mais talentosos e consolidados da nova música brasileira, desbravando territórios contraculturais e vanguardistas, sem nunca deixar de soar palatável. Diego atualmente desenvolve trabalho de doutorado com pesquisa sobre a obra de Tom Zé e Jards Macalé. Entre os ícones que inspiram sua travessia, cita também Sergio Sampaio, Odair José, Arnaldo Baptista, Júpiter Maçã, Juraildes da Cruz, Luiz Tatit, Itamar Assumpção, dentre outros.

Aproveite para ouvir na íntegra o álbum do Mascate lançado em 2014 e também conhecido como “A.C.” (Antes do Coágulo):

MÚSICAS: 01) Dia Bonito (3:31) 02) Não vou ser seu plano B (3:48) 03) Ornitorrinco (2:45) 04) 2070 (3:24) 05) No bastidor (3:48) 06) O show vai continuar (3:06) 07) E pra piorar a situação (5:32) 08) Curioso isso (3:24) 09) O light-show de uma civilização (4:39) 10) Esteticamente estranho (2:50) 11) Antes que eu enlouqueça (4:15) 12) Nem tudo passa (8:29).

Videoclipes:

DIEGO MASCATE, “Dia Bonito”:

DIEGO E O SINDICATO, “Todo Dia”:


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O quarteto Chá de Gim surgiu no cenário artístico goiano dos últimos anos como uma das mais saborosas novidades ao sintonizar MPB, samba-rock e muita lisergia com letras cheias de lirismo e contestação. Ouça o álbum de estréia do quarteto, “Comunhão” (2016): http://bit.ly/2hzOWKK. A Chá despontou no radar daqueles que estão antenados ao cenário musical de Goiânia com a canção “Zé”, consagrada com o prêmio do júri e do público no Festival Juriti de Música e Poesia Encenada em 2014 [assista à performance: http://bit.ly/2gQJZMl]. Na ocasião, o júri contou com a presença de Jorge Mautner e sob o impulso da premiação a banda pôde gravar este seu vigoroso debut. Uma digna reportagem no Monkeybuzz esclarece um pouco da inserção da Chá de Gim – que sempre marca presença em festivais como Festival Vaca Amarela e Grito Rock – no cenário de “Goiânia Rock City”:

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Festival Juriti de Música e Poesia Encenada 2014, uma produção da Matuto, durante a premiação do Chá de Gim por melhor música, segundo júri e público, com “Zé” – Fotografia: Layza Vasconcelos

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MONKEYBUZZ: “A rápida ascensão do grupo Chá de Gim deve-se puramente à cena efervescente de Goiânia. Já não é novidade para ninguém que a capital é um dos maiores expoentes brasileiros de revelações nos últimos anos. A sua cena musical é autosustentável e festivais como Bananada e Vaca Amarela são a porta de entrada para que artistas de outros estados possam entender o que parece ser mágico na cidade: o Rock’n’Roll. Nos últimos anos, inúmeros atos romperam o casulo e alcançaram projeção nacional, como Boogarins, Hellbenders, Black Drawing Chalks e Carne Doce, entre outros. No entanto, se cada um cria o Rock à sua maneira, o que parecia estar em evidência na região é a tal da Psicodelia – e é nesse quesito que esta nova banda Goiânia se encaixa perfeitamente.

Formada em 2014 por Diego Wander (vocal e percussão), Alexandre Ferreira (bateria), Bruno Brogio (baixo) e Caramuru Brandão (guitarra), o grupo surpreende pela rápida ascensão(…). Os singles e Samba Verde, no entanto, mostram que existe muita unidade por trás dos sons da banda e um futuro muito interessante pela frente. A mistura traz muito da música brasileira tradicional, como o Samba e o Forró, ao lado de Rock e Psicodelia – adereços que criam maior profundidade e impacto no som criado. (…) Auxiliada por acordes aéreos processados no atraso do delay e combinados a uma percussão marcante, a música torna-se um hit certeiro.” (Txt: Gabriel Rolim)

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Ouça abaixo o álbum de estréia da Chá de Gim, “Comunhão” (2016), na íntegra. Eis um bom aperitivo para o que poderá ser conferido ao vivo e a cores no Confluências: Festival de Artes Integradas, neste próximo Domingo (18/12), na Evoé Café com Livros:

OUVIR:

Tracklist:
01. Maracujá
02. Samba Verde
03. Dropei
04. Baião
05. Cordeiro do Mundo
06. Benzim
07. A Benção
08. Zé


evoeCONHEÇA: EVOÉ CAFÉ COM LIVROS

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performance-4“Epístolas Profanas”, de Morgana Poiesis, é uma performance artística que articula elementos corporais, visuais, sonoros e literários, a partir de um estado de escuta, presença e encontro. Vestida com máscaras de boca, a artista convida o público a testemunhar o silêncio. Sentados frente a frente, dois a dois, estabelecem um contato mediado pelo olhar e pelos sussurros da “Carta Para Uma Outra Mulher”, produzindo um duplo eco da nossa voz interior.

“Epístolas Profanas” reúne elementos do livro-objeto artesanal de mesmo nome, em que a artista experimenta uma escrita performativa, através de cartas com temas, conceitos, personagens, autores, artistas, dentre outras espécies de correspondentes reais, fictícios, imaginários ou personificados, bem como da performance artística “Poemas & Sussurros” em que sussurra suas poesias aos ouvidos dos passantes, nas ruas das cidades.

“Epístolas Profanas” já foi executada na exposição “Paulo Tiago: a verdade na alma”, na 11ª edição da Mostra Cinema Conquista e no Conquista Ruas: festival de artes performativas, em Vitória da Conquista-BA, em 2015 e 2016, com a “Carta a um artista que conheci” e “Carta para Vitória”, respectivamente.


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O Manoel Siqueira acaba de lançar seu primeiro EP, “Sãnguêba” (sangue brasileiro). Ele é uma das atrações musicais da 1ª edição do Confluências: Festival de Artes Integradas, que rola neste Domingão (18/12) na Evoé Café com Livros. Ouça abaixo o som do Siqueira neste EP de estréia, com participação de Adriel Vinícius, e leia a seguir o testemunho do próprio sobre o contexto que envolve este seu trabalho:

“É a expressão artística de um brasileiro que viveu como todos neste país. País este que passa por um ano caótico, confuso e conflituoso, tudo dentro de um enorme cenário político. A violência policial se espalha, a desigualdade social cresce, o Brasil volta a viver tempos e mentalidade de ditadura, como se o mundo tivesse sido atingido por uma onda conservadora em tempos modernos, com direito à golpes. Toda a expressão artística se torna uma forma de tentativa de sobrevivência perante o meio tão depressivo e sem aparentes perspectivas pois a ideologia adotada se mostra retrógrada, como se o passado estivesse tão presente em nossos dias. A maior parte da arte vendida em esquinas é fútil e desigual. O trabalho então, não almeja solucionar os problemas, mas sim trazer a expressão de quem os vivencia.”

VÍDEO TEASER: MANOEL SIQUEIRA


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“Valderundestein” é o um projeto que busca unir a criatividade do poeta Vitor Hugo Lemes e do ilustrador Bergkamp Magalhães. Os trabalhos exploram vanguardas artísticas, com o surrealismo, o dadaísmo e a Geração Beat. São dotados de lirismos incatalogáveis, com versos e desenhos inspirados também na filosofia, na literatura e no cinema, de Jean Paul Sartre a David Cronenberg. Estes trabalhos estarão em exposição na Evoé durante o Confluências, primeira edição, e os artistas também realizarão com os interessados uma oficina sobre o processo criativo, em que os participantes poderão conversar e debater sobre as obras e também improvisar, na hora, versos e desenhos nascidos deste contexto.

Conheça mais: 12 POEMAS ILUSTRADOS – Por Vitor Hugo Lemes & Bergkamp Magalhães


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PÁGINA DO EVENTO DO DIA 18/12/16

ASSISTA AOS VÍDEOS DO CONFLU #1

QUERIDA JANIS – Uma carta para um sol que brilha do além-túmulo, sob a influência do doc “Little Girl Blue”, de Amy Berg

Querida Janis,

Não tenho em mim as crenças místicas necessárias para te crer viva, ainda, em alguma transcendental dimensão da imensidão cósmica. Não te atribuo ouvidos capazes de decifrar as palavras que te falarei, nem olhos que decriptem estes garranchos que te escrevo. Suponho que te tenhas acabado, em carne-e-osso, por inteiro, sem deixar subsistir o fantasma de um espírito imorredouro. No entanto, o teu esplendor enche meu coração ateu de convicções sobre a perspectiva concreta de sobrevida após a morte. Pois tua música é nada menos que isso: um vivificador tônico, um Biotônico Fontoura artístico, um fortalecedor do ânimo. O que faz do teu legado algo que está para além da possibilidade de servir de repasto aos abutres ou aos vermes.

És uma voz que transcende a morte, uma voz que condensa um destino que em 27 anos brilhou mais do que a maioria dos terráqueos consegue no triplo ou no quádruplo deste tempo. Inspira-nos, até mesmo a nós que nascemos quando você já estava morta, a sensação intensa de que é possível “viver sem tempos mortos”, para emprestar a expressão de Simone de Beauvoir. Querida Janis, você mostra que é possível existir no compromisso com a autenticidade extrema. Você não escondia tua verdade detrás das máscaras da conveniência, nem se calava diante da massa caótica e confusa de afetos que em ti conviviam criando nós que era preciso desatar. Teus nós eram cantáveis em libertárias catarses. Assim libertavas-nos a todos, teus contemporâneos e teus pósteros, ao dar às mancheias e sem avareza tantas lindas lições de tua liberdade.

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Por muito tempo este leitor de Nietzsche tentou encontrar exemplos concretos, históricos, de quem seriam os tais dos “espíritos livres”, dionisíacos e em êxtase diante da existência, e encontro poucas encarnações melhores desta liberdade-de-espírito do que você. Você e Jimi. Vocês, cometas que atravessaram com pressa o céu da existência, faiscando pelo cosmo com vidas incendiadas e que a gente não esquece mais, tão necessitados somos destas tempestades de beleza com que vocês nos agraciaram. A guitarra de Jimi em chamas evoca-me a imagem símile da tua voz rasgada, que não temia desafinar pois ascendia para uma região para além de todos os medos, um âmbito onde reina a expressão intensa de afetos verdadeiros, com o ímpeto e a verve, com a vibe e o groove, de uma divina bacante, maravilhosamente indomável.

Ainda assim, mesmo que fizesses “amor com milhares de pessoas” durante os shows, voltavas sempre sozinha pra casa. Janis, entendo teu blues tão bem pois não pusestes máscara em teu sofrer. Soubestes cantar o abandono e a carência como ninguém, na singularíssima irradiação do teu ser incatalogável, e vejo nesta tua frase – “On stage, I make love to 25,000 different people, then I go home alone” – uma espécie de emblema do teu ânimo e cerne do teu blues.

3007-janis-joplin-620x372“BALL AND CHAIN” (AO VIVO NO MONTEREY POP):

Querida Janis, tu gritavas a tua solidão de um modo que nos faz sentir que uma solidão só é horrenda se mantida secreta e presa, nas catacumbas mau-iluminadas de nosso tórax. Tu gritavas a tua solidão dando a entender que uma solidão gritada poderia virar alguma porra semelhante a um orgasmo estético vivenciável em comum por um bando de hippies loucos em Nirvana conjunto… O Big Brother & The Holding Company que me perdoe – eram uma bandaça, afinal, tão timbrada quanto um Steppenwolf ou um Grateful Dead! – mas eras de fato o astro mais brilhante daquela constelação humana. E não tenho a pretensão de saber explicar as razões do teu esplendor, só sei que a aura de liberdade é essencial a isto que irradiava de ti e que te fez, de fato, um astro. Não uma pop star, mas um astro iluminante de fato, daqueles que se consome no próprio incêndio, um pouco como aquele monge budista que está em pleno processo de virar cinzas na capa do álbum de estréia do Rage Against the Machie.

A tua “astridade” era legítima – pois esplendias como um sol – mas cedo também fizestes a descoberta do quão tão trágico é ser astro. Como Kurt Cobain um dia também compreenderia, outro que entrou para o mítico time dos 27. Há quem vá dizer que vocês foram estúpidos, imprudentes, que vocês desperdiçaram a vida jogando-a fora por causa do vício às drogas, e inclusive não faltaram jornais e revistas para grudarem em vocês os rótulos depreciativos de junkies. Vocês não foram só junkies, Janis, não do modo como esta palavra é mobilizada pelos detratores, pois vocês foram o inefável, o indefinível, o irrotulável esplendor da Arte, aquilo que está para além das capacidades dos críticos de verbalizar.

Ocorre-me à mente uma belíssima cena de A Liberdade é Azul, de Kieslowski, em que a personagem de Juliette Binoche está de olhos fechados sentindo os raios de sol em sua face: tua música é assim, pra ser ouvida de olhos fechados, como quem se banha no esplendor irradiante de um sol que aquece, derretendo a frieza que é em nós prenúncio e parente do rigor mortis. Querida Janis, mesmo que nunca venhas a saber disso, digo na gratidão intensa de quem não cessa de te ouvir e ser beneficiado ao teu contato: amo a tua irradiância. Tua ética, tua estética, era a mesma do sol.


Vejo-te em Monterey, pela primeira vez diante de um público de tal gigantismo que é de atemorizar qualquer reles mortal com o mais paralisante stage fright. Você, não: como um heroína que retira suas forças de mananciais secretos que nem Carl Jung saberia decifrar onde se encontram, você sabia se desnudar diante de uma platéia imensa, abrir a sua caixa toráxica e exibir um coração sangrento e pulsante, daqueles que não via nada melhor a se fazer na vida do que cantar e cantar. Cantar de verdade, a tua verdade, de modo a derreter até o mais empedernido dos sujeitos apáticos e convencionais. Diante de ti, ficamos boquiabertos com uma capacidade rara, que poucos de nós de fato chegamos a desenvolver, esta generosa entrega de si ao mundo, através de uma expressão, arrojada e ousada, do teu oceano de afetos.

Te vejo no Rio de Janeiro e tua liberdade ali esplende nos bicos dos teus seios, na displicência anti-chic com que bebes um goró e curtes a maravilha transitória de um pouco de anonimato. Mas a câmera fotográfica te flagra, e talvez você sentisse que viver momentos tão mágicos sem ter deles registro talvez fosse sentido como perda, desperdício; você queria, do seu percurso, carregar vestígios. Você tinha a ambição de ser amada, não a medíocre ambição do lucro que é epidemia. Ambicionava derreter corações ao sol da tua expressão hipérbole das verdades sentidas e vividas.

Teu foto-diário, que no documentário de Amy Berg ganha vida na voz de Cat Power, serve como janelas abertas para uma pessoa que tinha lá seus segredos, apesar do escancarado dos teus cantos. Segredos de sofrimentos antigos, de ter sido molestada por canalhas da Klu Klax Klan em Port Artur ou por ter sido maltratada por algum cowboy escroto de Austin. Segredos de uma adolescência repleta da sensação de ser um freak e estar apart em relação à ordem careta.

Te imagino livre demais para enquadrar-se nos quadrados pré-preparados pelo poder. Ao invés de murchar na depressão ao sentir-se pertencente à estirpe da freakidade, você soube se conectar a algo de coletivo, à corrente da contracultura e sua ética do desapego ao lucro monetário, tivestes  apegos à utopia de uma sociedade alternativa que Raul Seixas cantaria por aqui, no Brasil, mas que vocês também encarnavam naquele trem de doidos sublimes e músicos geniais que espraiou magia pelos trilhos da América na trip do Festival Express.

Que seria daquela cena sem a tua inestimável contribuição, que seria de San Francisco nos anos 1960 se você não estivesse impactado todo o cenário com a tua irrupção esplendorosa? E no entanto tua vida dá a impressão clara de que você disse a verdade quando te perguntaram se você foi ao Rio como turista, e você respondeu: “i’m a beatnik on the road.” 

Cara Janis, não sou mongolóide de achar que minha carta achará teu endereço, tu que não és mais deste mundo, mas eu não saberia me expressar sobre ti senão me endereçando ao teu fantasma tão presente, à tua presença em mim através destas canções que tu cantavas como se fossem cartas. Cartas daquelas tão sinceras que são de rasgar o coração, como em “Cry Baby”, quando você a cantou em Toronto, em 1970, mandando notícias para seu “lost love” na África. Uma carta endereçada àquele que, após as maravilhas do convívio e da intimidade te abandonou para ir em busca de algo, em busca de si, em busca de sei lá o quê, em Casablanca ou sabe-se-lá-onde.

Você diz a ele, no teu blues, algumas lições que são ao mesmo tempo seduções: “You’re lookin’ for your life over there, honey! Do you wanna know where your life is? You’re life’s waiting like a god-damned fool, right here, for you man!” Você, que não era fácil, faz recurso até a ameaças: “um dia, meu caro, você vai acordar em Casablanca e vai estar congelando-até-a-morte [freezing to death], cara! E você vai se perguntar, que diabo estou fazendo em Casablanca?”

Você canta no ímpeto da esperança de um reencontro, você imagina o retorno do amor perdido, no teu abandono você o chama com come on, come on, come on, e não conhece sedução alguma melhor do que dar-lhe permissão para chorar. Teu romantismo não era a idealização de um convívio perfeito, mas a mútua entrega à expressão de sentimentos, mesmo os mais negativos e pesarosos: amar é ter um ombro onde chorar tanto quanto é ter alguém com quem rir; amar é dividir com alguém os malefícios e crueldades da existência tanto quanto é uma festa do êxtase em conjunto; amar era, pra ti, Janis, mais que mero sonho ou fantasia, era aquilo que tu fazias com a naturalidade do vulcão que entra em erupção.

Teus afetos falavam a língua do fogo. Teu calor humano é aquilo em ti que é imorredouro. Tua voz é deste calor o veículo, teu coração fez-se indestrutível pela decomposição já que aqueces os vivos mesmo não estando mais entre eles. És uma força vivificante que emana do túmulo, ou melhor, os vestígios da tua vida são vivificantes a ponto de serem pouco distinguíveis do incêndio solar que apresenta-se para seu concerto diuturno a cada aurora e se põe a cada crepúsculo.

“CRY BABY” (AO VIVO EM TORONTO, 1970):

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Talvez, querida Janis, tenhas inventado um novo namastê, um culto solar, algo como “o sol que há em mim saúda o sol que há em ti”. És um emblema do que se chamou, por comodidade de classificação, a “Geração Hippie”. Vocês eram a mais esplendorosa das belezas nascidas de um país e de uma época chafurdados nos horrores da guerra e do genocídio imperialista. Você, Janis, nasceu em meio às carnificinas da 2a Guerra Mundial, em 1943, e as tuas faces de criança talvez tenham sido iluminadas, através da TV, pelas hecatombes nucleares de Hiroshima e Nagasaki. Você deve ter visto aqueles cogumelos hediondos: teu blues não era somente cósmico, era também histórico. Você nasceu – alguém não nasce? – em tempos sombrios. E em Woodstock você deves ter sentido que algo se galvanizava e imantava num imenso evento que, para além do hedonismo, da libertação sexual, da experimentação com novas vivências intersubjetivas e estéticas, era também congregação daqueles que queriam encontrar as vias de co-construção de um mundo menos sangrento e cruel do que aquele do napalm despejado sobre as pessoas do Vietnã e do Camboja, do que aquele dos warmongers que teu ídolo Bob Dylan denunciara em “Masters of War” e outros folk-hinos.

Woodstock Music Festival (1969)

Woodstock Music Festival (1969)

 Tua beleza ensinava algo de precioso aos poderes ensandecidos pelas feiúras bélicas e pelos feitos de macheza destruidora e imperialismo agressivo. Tu eras desejo intenso de felicidade – “Jesus fucking Christ, I want to be happy so fucking bad!”, ainda te ouço dizer. Os caretas jamais vão compreender que tua relação com as drogas nada tinha de auto-destruição niilista ou fuga dos desafios da existência, era sim um desejo de intensidade e de viver sem tempos mortos, de sondar aquela sabedoria que só se encontra no excesso (segundo William Blake e seus Provérbios do Inferno). Você era um pouco como Jim Morrison, queria break on through to the other side. Depois, Patti Smith seria animada pelo que tu fizeras e diria: there’s a million membranes to break through.


Minha querida Janis, adoro-te pois você não se resignava a uma vidinha besta e sem thrills, você queria que viver fosse groovy, algo cheio de ritmo e paixão, cheio de dança extática e eloquência cantada, você queria a música que conduz ao transe, você queria ser para o público aquele médium de transfiguração que conduz um coletivo à congregação. Como faziam Otis Redding ou Aretha Franklin, você era xamã de um cerimonial pagão, bacântico, dionisíaco, onde as fronteiras delimitantes da chatura instituída eram lançadas por terra. Cantar te dava asas a ponto de não existir gaiola nesse mundo em que coubesses. Mas só eras este vulcão pela densidade de sofrimento que carregavas, tu te conectavas com os afetos que foram tão magistralmente expressados por algumas das melhores cantoras de blues da história: Billie Holliday, Bessie Smith, Odetta, Ma Rainey.

Odetta

Odetta

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Billie Holiday

Em 27 anos, você impôs-se neste panteão, você fez algo de tão extraordinário que as pessoas, te ouvindo, mal conseguiam acreditar que você não fosse negra. E dizer que Janis Joplin cantava como uma negona não é mero chiste ou brincadeira, é reconhecer tanto a tua capacidade de aprender com as blueseiras negras todas as técnicas, truques e feelings que você tão bem empregou, quanto a tua capacidade de transfigurar os sofrimentos e dúvidas que sentias em algo de tamanha intensidade e carga emocional que parece apenas ser possível só para quem passou por traumas muito severos e humilhações muito profundas – exatamente o caso do povo afro-americano que vivenciou as sequelas e as sobrevivências da escravatura.

Dirão alguns que tu cantavas dores pessoais, de relações intersubjetivas que tendemos a confinar hoje no âmbito do privado, e que para encontrar os gênios do canto de um sofrimento coletivo, grupal, histórico, a obra de uma Nina Simone ou de um Gil-Scott Heron é mais significativa. Já eu acho que teu canto é profundamente político pois carrega uma ética, um ideal de relacionamento humano, uma espécie de pregação laica, lindamente musicada, em que tu celebravas – tinhas sim algo de Aretha Franklin em seus trance-gospels – algo que talvez seja menos deus que valor: honestidade de expressão. É o ético é indissociável do político.

Aretha Franklin

Aretha Franklin

Tu eras, Janis, maravilhosamente capaz de pôr teus sentimentos numa linguagem que comandava a empatia com a força de imantação que o planeta Saturno acarreta à matéria que forma seus anéis circundantes. Tu talvez sentias o cosmic blues, semelhante ao de Pascal ao olhar para o “silêncio eterno dos espaços infinitos”, tinhas talvez o frisson melancólico daqueles que suspeitam que o céu é surdo a nossos apelos e que não há deus que nos salve de nosso abandono. Tinhas talvez a percepção visceral de que temos só uns aos outros, e aprendestes no amargor que humanos não são assim tão bons de entrega, de generosidade, de conexão. Precisamos de pedagogos do amor, e nisto fostes uma imensa fonte de luz, assim como Rita Lee, segundo Tom Zé, foi a educadora erótica de toda uma geração, você nos ajudou a aprender a arte difícil de amar – e oferecestes tudo o que tinhas àquilo que amavas mais que tudo, tua música e as teias de conexão que, por esta via, você estabelecia.

Você celebrava o potencial de congregação da música – aquilo que a anima há milênios, aquilo que transcende os contextos culturais específicos, aquilo que decerto já faziam os hominídeos e neandertais de gerações e gerações antes da História escrita começar.

Tua música é um sol que resplende e não cessamos de trepidar às bordas da tua fogueira, ao mesmo tempo aquecidos e estarrecidos, incapazes de compreender como é possível alguém compreender que a vida é isso: queimar. It’s better to burn out than to fade away. Como diria aquele outro membro do Clube dos 27 que, citando Neil Young, despediu-se do mundo em sua carta de suicídio, talvez sem suspeitar de que também viveríamos, nós, seus pósteros, à sombra fascinante da catarse de sua angústia. Eventos como você ou o Nirvana, na história da música, são raríssimos: são vocês que estabelecem os auges, são vocês que fazem os termômetros da cultura explodirem por excesso de temperatura, por explosão do vidro que contêm os mercúrios.

Ensinas a viver mesmo no teu fracasso, dás a lição da fragilidade e da beleza da vida enquanto deixas o ânimo vital cair no nada por causa de um estúpido pico de heroína num hotel qualquer de teu percurso que ainda era tão grávido de futuros.

Janis, escrevo para dizer que o futuro ainda se aquece à luz do teu calor e ainda se encanta com o esplendor da tua voz; sei que não me ouves, mas não posso ouvir-te sem querer este absurdo infazível de agradecer-te. Rock on, sis! Shine on your glowing light!

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Escrito em 18/09/16, em Goiânia, logo após a sessão do documentário “Little Girl Blue” em sessão no Cine Cultura

SIGA VIAGEM:

SHOWS:

AO VIVO EM ESTOCOLMO, SUÉCIA (1969)

AO VIVO EM FRANKFURT, ALEMANHA:

AO VIVO EM WINTERLAND (1968) – Só áudio:

AO VIVO EM MONTEREY POP – Só áudio:

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1965 – This Is J.J.
1966 – Big Brother & The Holding Company – Light Is Faster Than Sound
1966 – Big Brother & The Holding Company – Live In San Francisco 1966
1967 – Big Brother & The Holding Company
1968 – Big Brother & The Holding Company – Cheap Thrills
1968 – Live At The Winterland ’68
1969 – At Woodstock
1969 – Filmore East 1969
1969 – Frankfurt 12Th April 1969
1969 – I Got Dem Ol’ Kozmic Blues Again Mama!
1969 – Janis Joplin & The Cosmic Blues Band – Texas International Pop Festival Vol. 3
1970 – Big Brother & The Holding Company – Be A Brother
1970 – Pearl
1970 – The Rarest Pearls
1970 – Wicked Woman
1971 – Big Brother & The Holding Company – How Hard It Is
1972 – Joplin In Concert
1973 – Janis Joplin’s Greatest Hits
1974 – Janis Original Soundtrack
1980 – Anthology
1983 – Farewell Song
1999 – Mercedes Benz (Rare Tracks – 1962-1970)
2000 – Super Hits
2001 – Love Janis
2005 – Pearl (Legacy Edition)

CAFÉ FILOSÓFICO: “O QUE PODE O CORPO?” (VIVI MOSÉ E DANI LIMA)

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