Plugando consciências no amplificador! Presente na web desde 2010, A Casa de Vidro é também um ponto-de-cultura focado em artes integradas, sempre catalisando as confluências.
“A liberdade se dá como conquista porque só existe como empenho de libertação”, escreve Luiz Carlos Maciel (1938 – 2017) em seu texto Ontologia da Liberdade (RJ: 2014, p. 268). Nenhuma liberdade cairá do céu, chovendo de graça no colo de quem nada fez por ela. Pois toda liberdade é conquistada por aqueles que estão empenhados no trampo infindável de libert-ação.
Eis uma das lições de Maciel, cognominado “Guru da Contracultura” no Brasil. Um cara que foi figura-chave na determinação dos destinos da cultura brasileira na segunda metade do séc. XX, em especial por seu envolvimento intenso com a Tropicália. Descrita como fruto da “necessidade de uma arte popular de ponta, de caráter internacionalista”, a “rebelião tropicalista” é compreendida por ele não apenas como “uma estética de vanguarda”, mas como um movimento que “ofereceu uma nova visão da chamada ‘realidade brasileira’, sem as limitações ideológicas tradicionais” (MACIEL, 2014, p. 165).
Para resistir aos encantos nefastos e paralisadores das ideologias reinantes, que nos querem adestrar para conformismos indignos e vidas fúteis-inúteis, é preciso aprender nas escolas de transgressão e subversão. Com hippiese punks, com beatniks e griots, com MCs e rastafaris, temos muito a aprender. Desde que queiramos cumprir a imanente missão que anima tantas vidas cujas criações culturais vão contra a corrente.
“Minha geração”, escreve Maciel, “foi marcada pela política. Achávamos que tínhamos a missão sagrada de libertar nosso país da dominação, nosso povo da exploração, nossas vidas da neurose e nosso planeta da catástrofe. E o meio adequado para atingir tais objetivos era a política. Pelo menos, foi isso o que Sartre nos ensinou.” (Geração em transe, memórias do tempo do tropicalismo,pg. 25 e 26)
Na aprendizagem com as vidas que saíram dos eixos, que deixaram-nos como legado o exemplo de suas singularidades inimitáveis, podemos nos libertar. Como só o fazem aqueles que, ao se moverem, sentem-se as correntes que os prendem – para lembrar um pensamento emblemático da Rosa Luxemburgo.
As contraculturas nos ensinam a sermos nós mesmos, para não decairmos ao status triste de indivíduos que se tornam ovelhas brancas nos alvos rebanhos das conformidades estúpidas. Nenhum mérito ou valor no ethos de quem somente faz mímese do que a sociedade impõe como modelo dominante. As contraculturas, como na música celebrizada por Doralyce e Bia Ferreira, nos ensinam a levantar a voz dizendo “foda-se o padrão!”
Maciel produziu uma obra magistral em que é capaz de interlocução intensa com tudo o que já existiu de mais libertário naquilo que o ser humano já produziu sob O Sol da Liberdade, título de seu belo livro publicado em 2014. Em intenso diálogo com o Existencialismo (Sartre, Camus, Kierkegaard, filtrados por seu mestre Gerd Borheim), Maciel foi também um discutidor e disseminador da Psicologia subversiva de W. Reich, H. Marcuse e Norman O. Brown. Além de ter mergulhado nas obras de visionários psicodélicos como Timothy Leary, Alan Watts e Carlos Castañeda. Tudo isso em íntima conexão com aquilo que o Brasil produziu de melhor no campo das culturas que vão contra a corrente.
Da Antropofagia oswaldiana à Tropicália, as Contraculturas brasileiras difundiram o convite para que fôssemos, todos e cada um, singulares e conectíveis,mas jamais uniformizados e em uníssono. Se quisermos ser avessos e contrários aos que nos querem rezando de joelhos, resignados às injustiças e apáticos suportadores de tiranias, devemos beber em largos goles as fortes e salutares poções contraculturais.
As diferentes contraculturas – que merecem ser pensadas sempre no plural, nunca no singular – são laboratórios de outras formas-de-existir, outros modos-de-ser. Se, nos EUA, costumamos conectar contracultura com “gurus” como Allen Ginsberg e Ken Kesey, no Brasil poucas figuras são mais emblemáticas desse modo-de-existir da contraculturalidade do que Luiz Carlos Maciel – um cara que pôde transformar um livro de memórias, como é Geração em Transe, em uma espécie de tratado estético-político para a cultura contrahegemônica em terra brasilis.
Neste livro magistral, focando sua atenção sobre 3 gênios, Maciel sobrevoa nossa contracultura nas asas de Glauber Rocha, Zé Celso Martinez Correa e Caetano Veloso. E acaba pintando um excitante retrato das transas e transes de toda uma geração que acreditava de maneira entusiástica nas potências libertárias, emancipatórias e revolucionárias da arte:
Luiz Carlos Maciel (1938 – 2017)
“Uma das descobertas fundamentais de minha geração foi a de que a experiência pessoal, de cada um de nós, tem uma relação íntima, essencial, com a experiência coletiva, social. Trata-se, no mínimo, de uma relação de sincronicidade, como diria C. G. Jung, que fez com que a minha vida e a vida de todos, a vida comum, tivessem sido interdependentes. Numa visão mais radical, pode-se dizer que se trata, no fundo, de uma relação de pura identidade: a vida de todos e a de cada um são, na verdade, uma e a mesma coisa.
Se alguém pedisse para dizer a principal crença da juventude da minha geração, eu diria sem titubear: a atribuição à arte de uma função transformadora da sociedade. Acreditava-se realmente que a arte poderia modificar a maneira das pessoas viverem. Essa crença impulsionou a minha geração e levou-a para caminhos inusitados, surpreendentes, criadores.
Os jovens daquela época pensavam que o sentido da vida humana era transformar. O quê? De preferência, tudo, mas principalmente o que estava estabelecido pela nossa cultura ocidental e burguesa. O não ao establishment se refletia em posturas iconoclastas, em negativas irreverentes, em atitudes inovadoras – às quais atribuíamos um grande valor. A arte colocava a mudança na ordem do dia.” (MACIEL, Geração em Transe – memórias do tempo do tropicalismo, Ed. Nova Fronteira. pg. 15 e 73.)
Glauber Rocha, como fica evidente desde o título do livro, é um dos protagonistas de Geração em Transe, encarnação do gênio contracultural que seguia a risca a práxis sintetizada no lema: “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça.” Para Glauber, fazer filmes importa bem mais que somente assisti-los. Ainda que tenha sido também um crítico de cinema, Glauber era essencialmente um criador cinematográfico, um dos maiores inovadores na história da 7ª arte, um espírito indomável, jamais adestrável, declarado como inimigo público pela Ditadura Militar – tal como revelado pela reportagem da Socialista Morena Cynara Menezes:
Glauber – cuja juventude foi exposta com maestria por Nelson Motta em A Primavera do Dragão – propunha de modo explícito um cinema de guerrilha que tivesse como alvo supremo “combater a ditadura estética e econômica do cinema imperialista ocidental ou do cinema demagógico socialista.” (citado por Maciel, p. 49)
A recusa desses dois modelos – nem os filmes Yankees, nem os filmes Stalinistas – fez de Glauber o aventureiro que cria caminhos próprios e marca a história de nossa arte com 20 e poucos anos de idade ao lançar a tríade magnífica de filmes com que lançou seu metereórica carreira: Barravento, Deus e o Diabo na Terra do Sol e Terra em Transe.
Maciel relembra seu amigo e colaborador como um cara de personalidade forte e irreverente, que sabia dar ordens com determinação aos outros atores e agentes culturais com quem interagiu. O livro é repleto de crônicas saborosas que envolvem figuras como Helena Ignez, musa glauberiana e Glamour Girl da Bahia, que enquanto noiva do cineasta contrabandeava material escrito por Glauber para a imprensa, já que ela era colunista social do Diário de Notícias de Salvador.
O florescimento cultural conexo às figuras de Glauber, Helena, Maciel, Abujamra etc. envolve um entusiasmo infatigável pela produção ou criação do novo – o que demanda não só talento mas coragem. Sabendo da imensa força cultural da Bahia de seu tempo, o jovem Glauber foi uma espécie de visionário da Tropicália antes desta nascer: segundo Maciel, “Glauber anteviu tudo com suas privilegiadas antenas de artista.” (p. 55)
Segundo Maciel, Glauber “botava todo mundo pra trabalhar” e “não podia suportar a complacência, a indulgência, a inação” (p. 91). Acreditava no cinema como forma de ação – e foi assim que ajudou a pôr em transe criativo toda uma geração. Uma das mais corajosas, ousadas e inventivas que já botou em efervescência a cultura brasileira.
Hoje já é bem conhecida a responsabilidade de Glauber na eclosão da revolução estética tropicalista, cujos cabeças beberam muito na experiência de Terra em Transe (1967). Segundo Maciel, 1967 foi de fato um “ano excepcional na história da cultura brasileira, só comparável a 1922, com a eclosão do Modernismo” (2014. p. 143).
Naquela translação do planeta ao redor do Sol de 1967, em plena Ditadura Militar, também eclodiram O Rei da Vela, peça do Teatro Oficina atualizando Oswald de Andrade, PanAmérica, romance experimental de José Agrippino de Paulo, e a canção “Tropicália” de Caetano Veloso, batizada em homenagem à exposição de Hélio Oiticica e que batizaria o movimento nascente.
Comentando um livro crucial, Maciel aponta: “Para os norte-americanos Ken Goffman e Dan Joy, em A Contracultura Através Dos Tempos (2007), a nossa Tropicália é uma contracultura. Como a contracultura norte-americana, o Tropicalismo enfrentou a censura política, tanto da direita quanto da esquerda, os preconceitos morais gerados pela repressão sexual, os cânones rígidos da estética tradicional, entre outros – em suma, o establishment, em seus traços essenciais -, a alienação, a reificação e a serialização.” (2014: p. 274)
Para que pudesse produzir inovação e criatividade em intensos jorros durante seu curto período de vida, antes de ser “abatida em pleno vôo pelo A.I. 5” (como diz Tárik de Souza), a Revolução Tropicalista apostou tudo na criação baseada na mestiçagem, no hibridismo, no sincretismo, no amálgama, processos distanciados de todos os purismos e puritanismos que sempre prejudicam o nosso empenho libertário e criativo.
“Jorge Mautner (baixe a discografia dele) enfatiza o caráter de amálgama para definir a própria natureza da cultura brasileira e de sua criação incessante. A relação entre o modernismo de 1922 e o tropicalismo de 1967, por exemplo, é reveladora. A Tropicália, nítido exemplo de amálgama superior expressa o próprio espírito dessa cultura, sua liberdade real. Caetano Veloso diz que os Manifestos Pau-Brasil e Antropófago, de Oswald de Andrade, foram ‘uma redescoberta e uma fundação do Brasil’. E destaca, nos textos de Oswald, a antropofagia como uma metáfora da devoração de toda informação vinda de fora, a exemplo da deglutição do bispo Sardinha por nossos índios, e, portanto, do próprio fundamento da nossa nacionalidade.
Os manifestos de Oswald teorizam, pela primeira vez, o sincretismo brasileiro como a expressão mais plena da índole da cultura que estamos construindo. Ainda segundo Caetano, ‘a palavra-chave para entender o tropicalismo é o sincretismo’, ou seja, o amálgama de Mautner. Emancipado de coações naturais e históricas, independente em face de censuras, preconceitos e cânones, o sincretismo, não só o tropicalista, mas do brasileiro em geral, é liberdade real.
Mesmo o primeiro que se apresenta, o sincretismo religioso brasileiro só foi possível graças à nossa vocação originária para a liberdade real. A umbanda é uma invenção brasileira que funde orixás africanos e santos católicos; as seitas criadas para a ingestão da ayahuasca são outra invenção brasileira que tem raízes ideológicas no catecismo católico, mas transformadas por uma mitologia indígena. A união entre as duas correntes, no que alguns chamam de Umbandaime, em que giras de umbanda são realizadas tendo o daime como curiador, parece culminar o sincretismo religioso brasileiro.
O avanço do processo cultural brasileiro depende, direta e essencialmente, do sincretismo e, portanto, da liberdade real.” (MACIEL: 2014, p. 275 – 276)
Turista Espacial é um sci-fi fascinante e inovador. É capaz de unir os temas já bem batidos, como a viagem intergaláctica e o contato entre inteligências de diferentes planetas, com uma crítica social arguta de nossa civilização atual, ecocida e catastrófica. É uma obra em que a ficção científica abraça a ecologia, comentando de modo sagaz os dilemas e incógnitas do Antropoceno, ainda que o tom seja mais leve do que aquele dark mood que marca obras cruciais que depois explorariam sendas semelhantes: Filhos da Esperança (Children of Men), de Alfonso Cuarón, e Expresso do Amanhã (Snowpiercer), de Bong Joon-ho.
Assim que o filme se inicia, somos lançados a uma imersão em uma sociedade estranha, onde ocorre um ritual raro, difícil de decifrar: em meio aos verdes prados acariciados pela brisa, um matriarcado hippie realiza assembléias bucólicas onde debate-se, entre outros temas, a iniciativa de mandar representantes ao planeta Terra.
Logo o espectador percebe estar no seio de um filme de ficção científica dos mais espantosos, com aliens dos mais benignos e sábios, nada nojentos e fatais como aqueles construídos pelo clássico de Ridley Scott (Alien – O Oitavo Passageiro) e depois levado adiante nas obras de James Cameron e David Fincher.
Em La Belle Verte, de Coline Serreau, esses ETs humanóides têm anciãos que chegam a viver quase 300 anos. Esta longevidade toda foi alcançada bem longe do escarcéu terrestre de carros, bombas nucleares, guerras colossais, devastação ecosistêmica e extinção em massa da diversidade biológica e cultural. Longevos são os seres sábios que souberam acordar para a importância quintessencial do Verde, símbolo de uma união holística do organismo com o meio natural.
Na assembléia, um senhor pede a palavra e relembra os tempos em que esteve em Paris, na época turbulenta das Revoluções: lembra dos burgueses querendo guilhotinar a cabeça do rei, dos proletários querendo as cabeças de burgueses na bandeja, dos imperadores genocidas que se apropriam da república como se esta fosse sua propriedade e o instrumento dócil de seu imperialismo agressivo… O caos dos assuntos humanos é pintado em meio ao idílio extraterreno, onde Napoleão Bonaparte e Robespierre despontam com a aura tenebrosa de vilões, desprovido de halos heróicos. La Belle Verte tem a comunicar um outro ideal, anti-napoleônico, contrário às dominações imperiais mas também ao domínio humano excessivo sobre a Natureza, que nos leva a despencar na húbris e no ecocídio.
O filme, que além de dirigido, foi escrito e estrelado por Coline Serreau, abre com chave cômica: o retrato dos terrestes que nos é ofertado, se não chega a ser misantrópico, é pelo menos uma bem-dada caçoada risonha pra cima dos humanos da Terra. Somos risíveis criaturas estúpidas, ainda atreladas a carros que queimam energias fósseis e vomitam poluição; ainda cindidos em assassinas rivalidades patrióticas, étnicas ou tribais; tão pouco sábios que criaram uma situação planetária tão desgraçada e instável que nenhum dos ETs de inteligência média deseja entrar em contato conosco.
Na assembléia, não há quem se manifeste como voluntário para visitar a Terra; ninguém acredita na eficácia de uma intervenção humanitária alienígena; em suma, aos olhos da imensa maioria da assembléia de extraterráqueos, os earthlings são um caso sem esperança… O que lembra uma tirinha de Calvin e Haroldo que cai como uma luva neste contexto:
A protagonista do filme é única alien corajosa o bastante para vir nos visitar. Pousa na Terra e é subitamente fica maravilhada pelas grandes árvores de um parque de Paris, porém sente-se agredida e insultada em suas narinas pela atmosfera tóxica, mega-poluída, da megalópole francesa. O filme vai delineando suas barricadas no conflito ideológico, fincando sua fidelidade a figuras como Rachel Carson, autora de Silent Spring, que vociferou contra o DDT e os descalabros da indústria petroquímica em uma das obras fundamentais da ecologia no século XX.
A visitante do Além-do-Humano, desacostumada com aquilo que o hábito ensinou-nos que é natural, sai andando pelas calçadas de Paris, onde ela é intensamente consciente de que pisa sobre cimento que foi esparramado sobre a terra nua, o que impede o solo de ser espaço de uma florescência vegetal luxuriante. Nas calçadas, lotadas de bostas de animais que o poder público ainda não havia podido limpar através de seus lixeiros assalariados, ela não descobre muito espaço onde flores pudessem desabrochar do chão uniformizado pelo concreto. Cof, cof! – ela tosse enquanto desvia dos cagalhões dos totós de madame e viralatas de punks.
A ideia principal que impulsiona o enredo de La Belle Verte é a do planeta e seus habitantes humanos vistos a partir da perspectiva de alguém que chega provindo de uma civilização mais sábia. Mas aqui não se trata de viagem no tempo, rumo ao passado: nesta sci-fi, não há gente do futuro entrando em máquinas-do-tempo como as célebres parafernálias de Back Into The Future, a trilogia de Robert Zemeckis. Trata-se de viagem pelo espaço que conecta entes de diferentes graus de evolução da inteligência – sendo que os humanos perdem de lavada neste quesito. Somos os estúpidos do cosmos, ainda que, neste planetinha, alguns se gabem de serem os sabichões da Terra.
Enredos semelhantes impulsionam obras sci-fi como K-Pax (de Iain Softley) e Hombre Mirando A Sudoeste (de Eliseo Subiela), pois em ambos os filmes os visitantes do espaço sideral são tratados como loucos, internados em hospícios, alvos de hipnoses ou lobotomias. Em ambos se estabelece um contraste entre a sabedoria do forasteiro e a estupidez dos terráqueos, estratégia narrativa que frisa a possibilidade de criaturas mais inteligentes que nós existirem na pluralidade de mundos que constitui o Universo – para relembrar o título do livro clássico de Fontenelle.
A Bela Verde, neste caso, está experimentando pela primeira vez a poluição atmosférica, a barulheira estridentíssima e dissonante, de uma metrópolis humana no mundo dito Ocidental, civilizado, capitalista, consumista, auto-proclamado modelo supremo de como devem viver os povos. A Bela Verde é mais intensamente sensível a tudo o que os humanos tem de bizarro: com seu olhar limpo de interesses humanos, ela observa as mulheres fúteis que desfilam embonecadas pelos bairros comerciais e shopping centers, e pergunta-se, fitando os brincos espalhafatosos grudados às suas orelhas, se não seriam aqueles alguns símbolos religiosos de um culto bastante primitivo…
Uma das cenas mais significativas se dá quando ela pára diante de uma açougue e pela primeira vez depara com o espantoso espetáculo daquela “a exibição de cadáveres”. A Bela Verde, em sua ingenuidade, fica chocada por encontrar uma vitrine por detrás da qual estavam expostos partes dos corpos-sem-vida de animais recentemente sacrificados; as autoridades responsáveis pela construção e sustentação de tal sistema talvez explicariam à forasteira, do alto de suas presunções olímpicas, que aquilo que ela via no açougue era nada mais, nada menos, do que… mercadoria. “Deixemos de sentimentalismos quando se trata de incrementar nossos benefício$$$!”, poderiam dizer-lhe, ofertando-lhe um espetinho de vaca engordada à força, empanturra de antibióticos, criada em cativeiro absoluto, em meio à lotação desagradante de abatedouros que, se tivessem paredes de vidro, fariam vomitar a quase todos aqueles que hoje deleitam-se com salsichas e filés de frango…
Além da mercantilização em massa da carne animal, a Bela Verde também fica estarrecida com os carros, intermináveis, invasivos, que dominam a cidade como se fossem de fato seus imperadores, como se merecessem todos os privilégios. Onde outrora havia um pomar transbordante de frutas, ou um parque repleto de coqueiros, ou uma floresta abrigadora de miríades de diversas espécies de seres vivos, agora o que há… é um estacionamento! E este cobra preços abusivos. Em cada esquina, um posto de gasolina que vende petróleo roubado do Oriente Médio, provavelmenmte após invasão imperialista genocida justificada como “Cruzada Anti-Terrorista”.
O cogumelo atômico é a coroa na cabeça desta Sociedade Burguesa Globalizada, provando que sua estupidez, longe de ser negligenciável, é pra lá de perigosa. A extinção de espécies que o diga.
Quando nos auto-proclamamos os fodões da Criação, os filhos prediletos de Deus-Pai Todo-Poderoso, e partimos para a dominação e exploração generalizada da Natureza, produzindo escarros colossais de substâncias tóxicas e gases de efeito estufa no ambiente que sustêm a Vida em suas múltiplas formas, tornamo-nos os inimigos de nós mesmos, carrascos da mãe nutriz, aqueles que põe fogo em seu próprio lar (como sugere o mother! de Darren Aronofsky).
E assim nos tornamos os devastadores de boa parte daquilo que vive conosco. A miríade de organismos vivos que, só pelo fato de possuir a vida como propriedade comum e destino compartilhado, já mereceria ser tratado por nós como algo de mais digno do que estoque de bacon ou recheio de McNuggets e McChickens. Neste globo infestado por junk food e agrotóxicos, epidemias corporativas disparadoras de imensas crises de saúde pública, é bom lembrar: nos EUA de hoje, por exemplo, explodiram os índices de obesidade e diabetes, o que está intimamente conectado ao sistema de alimentação que eles deixaram tornar-se hegemônico.
Por essas e outras, considero Turista Espacial um filme digno de louvores e atenções, ainda que muitos espectadores possam torcer o nariz para um certo “didatismo” que transforma este filme de ficção científica em algo parecido com uma aula de ecologia. Junto com Ponto de Mutação (Mindwalk), filme baseado na obra homônima de Fritjof Capra, a obra de Coline Serreau tem muito a nos ensinar sobre como viver e conviver melhor neste planeta que a cada dia se parece mais com uma terra devastada.
A ideologia veiculada com o filme conecta-se com aquela dos teóricos do decrescimento, como Serge Latouche; com os ensinamentos de Alan Watts sobre O Que Está Errado Com Nossa Cultura; com os ensinamenos de Small Is Beautiful de Schumacher; com as obras de pensadores contemporâneos cruciais como Vandana Shina, Raj Patel, David Suzuki, Arundhati Roy, Davi Kopenawa. Que o cinema possa ser uma força de transformação social, ou mesmo de inseminação utópica, é algo óbvio para quem conhece iniciativas como a Films For Actione para quem já assistiu Dirt!,Disruption, The Age Of Stupid,The Secret of the Seven Sisters, dentre outros. Turista Espacial está aí para somar forças a esta eco-legião.
A impermanência não é um argumento contra a vida, mas é parte essencial de seu esplendor: um tributo a Alan Watts
por Eduardo Carli para A Casa de Vidro
Mescla de poeta beatnik, dotado de linguagem vívida e irreverente, com sábio zen-budista,propagando sabedorias orientais entre os caras-pálidas do Ocidente, Alan Watts é uma daquelas figuras que salvam a figura do “guru” de ser sinônimo de charlatão e mercador de ilusão. Considero, com convicção, Alan Watts como uma figura que nos ensina um bocado sobre esta encrenca que nos foi dada pelo cosmos como tarefa: a arte de viver.
Ele diz que os mitos são imagens que criamos para tentar dar sentido à vida e ao mundo. Estas imagens – humanas, demasiado humanas – podem e devem ser criticadas através do critério de qualquer pensador lúcido: a adaptação do mito, da imagem-de-mundo, àquilo que podemos saber, conhecer, averiguar e concluir sobre a realidade objetiva. Por exemplo: um cristão de boa educação, aberto à busca pela sabedoria, fará muito bem a si mesmo questionando sua imagem mítica de Deus como um pai cósmico, do sexo masculino, com uma barba branca, sentando em um trono de ouro por cima das estrelas.
A crítica de Watts incide sobre a visão do mundo como artefato em que Deus é descrito como artesão. Nas palavras de Watts, este mito propõe “the world as artifact” (o mundo como artefato) e “God as potter with obedient clay” (Deus como artesão que manipula argila obediente). O mito de Adão e Eva propõe Deus como essa figura que fez os primeiros humanos como se manipulasse massinha. Deus como cosmocrata, como figura sobrenatural e transcendente, que nos faz como se estivesse construindo bonecos para uma animação stop-motion feitas com personagens de massinha. Que esta seja a imagem mítica que melhor descreva a emergência do ser humano em certo momento da existência cósmica é algo bastante discutível e contestável.
Watts quer ampliar o nosso cardápio de opções. Quer nos ensinar sobre o que pensaram outros povos, com religiões diferentes destas às quais estamos mais acostumados no continente americano. Quer nos levar para além do confinamento no âmbito da tradição judaico-cristã-islâmica, para além do nosso monoteísmo monótono e esclerosado de ortodoxia. A tradição cristã, para Watts, é puro gambling, ou seja, uma espécie de jogo-da-sorte no campo da fé. Pascal havia visto isto muito bem ao argumentar em prol da fé como uma aposta. O crente cristão aposta que Deus existe pois, caso não exista, pelo menos ele viveu a vida consolado por uma reconfortante ilusão; e caso Deus exista de fato, então ele viveu uma vida na fé que agora será recompensada com inúmeros deleites no Paraíso dos prazeres imorredouros… É uma aposta auto-interesseira, é como um jogo de capitalismo selvagem mas sem moedas, onde o dinheiro que lança-se na mesa do cassino é a própria alma…
Acreditar em Céu e Inferno é visto, desde Epicuro, como uma das piores infelicidades que pode acometer uma mente humana. Uma espécie de vírus mental que só sabe fazer propagar a ilusão perniciosa, o tormento interior, a incapacidade para a ataraxia, a serenidade. Acreditar no Céu também pode ser uma crença atroz: São Tomás de Aquino dizia que os santos no Céu iriam se deleitar ao assistir os malfeitores sendo punidos no Inferno. O cristianismo é uma aposta num Deus vingativo, com requintes de crueldade, que tem no Inferno um campo de concentração cheio de danados que ficam sendo torturados. Ter a presunção de ser o eleito por um Deus assim é um perigoso sintoma de psicopatia!
Watts considera que a filosofia atual perdeu seu sendo de maravilhamento, de espanto. Os ingredientes que falta reinjetar no pensamento, na nossa compreensão de mundo, são o que ele chama de wonder, awe, astonishment. Neste sentido, técnicas como o ioga e a meditação aparecem-lhe não como dogmas ou mandamentos de um cosmocrata mandão, a bossy cosmocrat, mas sim como “técnicas experimentais para a mudança de consciência” cujo alvo é “ajudar seres humanos a se libertarem da alucinação de que cada um de nós é um ego contido dentro de nossa própria pele” (minha tradução apenas razoável para o trecho: “helping human beings to get rid of the hallucination that each one of us is a skin-encapsulated ego.” (p. 75)
A superação da alucinação egocêntrica talvez seja o grande intento da pedagogia de Watts. Lembro das semanas em que eu passava ouvindo, horas e horas por dia, às preleções de Alan Watts, realizadas em seu barco, para alguns seletos ouvintes, reunidas no audiobook Out of Your Mind. Foram palavras que ajudavam aatravessar o outono e o inverno de Toronto com o calor daquelas palavras de sabedoria que me garantiam: meu organismo não está separado do ambiente – pergunte ao frio nos teus ossos em meio a estas snowstorms canadenses! – mas sim é uma parte integrante do mesmo. Organismos e ambientes integram o mesmo processo, e neste há a unidade dos opostos: nunca um vendedor sem um comprador, nunca luz sem sombra, nunca vida sem morte, nem morte sem vida. Nunca yin sem yang. Nunca nirvana sem samsara.
Para Watts, num jardim zen você torna-se novamente ciente de ser parte da natureza; e o mestre zen quer te ensinar o respeito à senciência, que se manifesta às vezes nas formas exteriores mais humildes, na aparição de uma espécie de mendigo esfarrapado que pode ter, por dentro, queimando a chama de uma sophia que olhos preconceituosos não enxergam. What seems a tramp or a wandering idiot can be in fact a sage, an awakened one…
Do Taoísmo Watts acolhe a noção da vida como processo fluido, como fluxo em processo de escoamento eterno. “Man, and the mind of man, is not a separate entity observing the process from outside, but it is involved with all of it.” É o Oriente unindo mãos, para uma ciranda, com o Ocidente em uma de suas manifestações culturais mais impressionantes: a Grécia dos pré-socráticos, em especial em Heráclito, inventor da dialética, propositor do panta rei, do tudo flui, do nunca se entra duas vezes no mesmo rio.
Estamos envolvidos em um processo de mutação cósmica para o qual não conhecemos nenhuma possibilidade de apertar, no controle remoto do Universo, a tecla pause. O cosmos não é algo que a gente possa estudar de longe, feito um quadro na parede que olhamos à distância, pois no rio cósmico estamos embarcados. Estamos por ele sendo arrastados e a um só tempo integramos este fluxo, como gotículas fazem, gerando com seus corpúsculos miúdos os maiores rios, mares e oceanos.
Lendo sobre essas coisas todas, eu buscava os meios para trazer um pouco de harmonia ao caos interior, pacificando aquilo que aprendi a chamar de mente-macaco, amonkey-mind, que fica pulando de ideia em ideia dentro do crânio como um macaco que vai de galho em galho em busca de bananas. Fumava a ganja maravilhosa comprada – sem carteira de usuário medicinal – nos mercados clandestinos de Kensington Market e deixava Alan Watts ser meu guia de viagem.
A vivência me capacita minimamente para aconselhar: jamais se acanhem de misturar THC com Alan Watts. Dá jogo demais, dudes. E aí eu rabiscava nos meus cadernos versinhos em inglês um pouco bestas, que jamais se alçavam àquela sábia simplicidade dos koans e haikais (aliás tão preciosos à formação de um dos maiores escritores brasileiros, Paulo Leminski). Jogava versos sobre o papel, ambicionando um dia poder musicá-los, querendo seguir o mestre até o limite, que era fazer da Sabedoria por ele comunicada algum tipo de música dançável (confesso que fracassei, mas eis uma estrofe de exemplo):
Pacify the monkey-mind!
Like a clear lake reflects sky!
No wobbling jazz inside!
Just hear the wings of butterflies
As they flow with you through time!
O misticismo, segundo Watts, é a experiência da abolição da separação (“experience of abolishment of separateness”). O misticismo é o que possibilita uma harmonia ou unidade com o ambiente, o que demanda que não estejamos em um frenesi de atividade, mas que possamos aquietar tudo para simplesmente ser (“with no frenzy of activity, simply to be” – p. 37). É a sabedoria dos Beatles: let it be.
O misticismo é a superação da perspectiva estreita, limitante e falaciosa do ego. O ego é aquela crença alucinatória de uma consciência que sente seu próprio confinamento em um espaço exíguo. A ilusão egóica consiste em pensar que a nossa pele, os limites materiais de nosso corpo, esgotam o escopo de nossa existência. Que somos apenas uma pessoa minúscula sem conexão alguma com o cosmos lá fora. Um pedacinho de carne-e-osso que vai morrer e que existe em pleno estado de solidão e isolamento em relação a todo o resto. O ego é uma crença triste, uma amputação de nosso potencial.
Watts convida a pensar em nossa subjetividade como estando necessariamente conexa ao mundo objetivo, numa teia de interdependência. All insides have outsides and the outside of skin is the whole cosmos. É o tipo de coisa que a gente é capaz de compreender numa boa viagem de LSD, num setting adequado. E que raramente, durante a viagem, conseguimos pôr em palavras tão bem quanto Watts o faz com seu talento linguístico espantoso de poeta beat, frequentemente alçando-se às alturas de um Allen Ginsberg.
A reconexão com o cosmos talvez seja o sentido originário do religare que dá na nossa palavra religião. E aí o prosélito do Budismo se manifesta em Watts. Ele considera o Budismo uma força inter-cultural, trans-cultural, que não é privilégio nacional nem da Índia, nem do Japão, nem da China, nem do Tibet, nem do Camboja, nem de ninguém: o Budismo pertence à humanidade e “todos os seres sencientes devem beneficiar-se dele.”
O Budismo não é uma religião policialesca, punitivista, que assusta os crentes brandindo a imagem de um Deus violento que ameaça-nos com o perigo de que sejamos assados eternamente nos espetos de um Inferno póstumo.
O Budismo está repleto de místicos, mas não de profetas. O Budismo não promete um futuro idealizado para o depois da morte, mas busca apontar o dedo para a Lua – não para que olhemos para o dedo, mas sim para que acordemos para a Lua e nossa conexão com ela.
O Budismo é um caminho de libertação, a way of liberation, e Sidarta Gautama é na história do mundo o “primeiro grande psicoterapeuta”, the world’s first great psychotherapist. O que interessa ao Budismo é propiciar uma radical transformação do estado de consciência.
O Budismo é o LSD antes da Ciência, antes da síntese farmacopéica dos agentes daquela “abertura das portas da percepção” de que nos falam William Blake, Aldous Huxley, Jim Morrison e os The Doors…
A desgraça humana está na nossa incapacidade de nos alçarmos à consciência das inter-relações que constituem a teia do mundo, a teia da vida (no eggs without chickens, no fingers without hands…). O Buda propõe que há uma doença, esta doença tem uma causa, e a cura chama-se nirvana, mas para atingi-la é preciso seguir um caminho. A doença está sediada na vontade, é a sede insaciável, o craving, a incapacidade de controlar a possessividade e o desejo de permanência. Para Watts, o que nos condena ao samsara é a negação da impermanência, the denial of impermanence.
Temos que acolher a impermanência de tudo que é, foi e será. Só acolhendo a impermanência poderemos acolher com amorosidade a nós mesmos e aos outros, afinal impermanentes somos todos. Esta também é uma das mais claras sabedorias veiculadas por Gilberto Gil nas suas conversas com Leonardo Boff e Fritjof Capra em Amoráveis Disposições. Trata-se de um caminho de libertação espiritual que passa por um ataque feroz contra as fronteiras, ou melhor, contra as segregações. O ego que se segrega do cosmo, o ego que se segrega do outro, a vida que não deseja a morte, o ser finito e temporal que recusa a finitude e a temporalidade, são os inimigos a derrotar, são os nossos carcereiros que nos mantêm na jaula do samsara.
E o nirvana, ensina Watts, não é um Céu acessível para os que foram bonzinhos na vida e assim foram promovidos a uma realidade só de delícias. O nirvana é pra aqui e é pra agora, é um modo de consciência em que amplia-se nossa senciência, nosso senso de pertença, nossa certeza da interconexão. A separação se desvanece. Separateness vanishes (p. 10).
O Budismo, ensina Watts, não está nem no pólo do ascetismo auto-mortificante, tão escorraçado por Nietzsche, nem no pólo de um hedonismo da busca simplória por prazeres (o que não deve jamais ser confundido com a doutrina epicurista, muito mais aparentada à sabedoria budista do que se reconhece hoje em dia…). Epicuro e Buda são ambos excelente psicoterapeutas. A corrente budista Mahayana, segundo Watts, que forma-se entre 100 antes de Cristo e 400 depois de Cristo, é uma elaboração filosófica profunda dos ensinamentos originais do Buda e propõe nos acordar de um pesadelo, emancipando-nos de hábitos fixados de pensamento.
O Budismo quer isso: disseminar lucidez, e não alucinações. To awake from a bad dream. To emancipate yourself from fixed habits of thought. Watts cita um certo Lin Chi que teria dito a um discípulo: My duty is to beat ghosts out of you. O Budismo é um ghostbuster, é um mata-fantasmas. Quer que a gente esteja alerta e atento para o que é. E para o que somos no seio disso que é.
Quem nos ajuda nisso são os bodhisattvas, os seres sencientes que conseguiram jornadear pelo caminho de libertação o bastante para sentirem que tem algo a ensinar aos outros, companheiros de jornada. O bodhisattva é aquele que sabe compartilhar sabedoria ao invés de retê-la só para si, buscando um nirvana exclusivo, individual.
O bodhisattva é alguém que está no processo de chegar ao nirvana com os outros, não na vibe do cada-um-por-si. O bodhisattava nega o atman, o ego substancial, imutável. O budismo mahayana, tal como Watts o explana, não separa um ego-experenciador da massa da experiência, não propõe um ego que está separado da experiência. Jamais propõe que o sujeito que experencia o mundo é uma espécie de ego-alma imutável que não se mistura ao processo cósmico total. Watts diz que não há ego substancial e imune a mudança, “nenhum chofer imortal por trás do volante” (“there’s no substantial, unchanging ego, no immortal chauffeur behind the wheel”).
Watts assim é capaz de denunciar um tabu social milenar que reza que a sexualidade é um pecado, a sensualidade é suja e pecaminosa… Não faltaram padrecos, papas, aiatolás e outras autoridades eclesiásticas pregando, por exemplo, sobre os terríveis males que esperam os masturbadores no Inferno… Aos homossexuais promete-se o destino sangrento de Sodoma e Gomorra… Para Alan Watts, um pouco satírico neste dito, “most churches are sexual regulation societies”. Muitas das religiões instituídas pregam a fórmula ascética simplista: a espiritualidade cresce em proporção direta à decadência da sexualidade no sujeito. É espiritual quem nega sua própria libido. Que diferença há no Tantra, admira-se Watts!
Querer livrar-se da sexualidade é outra daquelas alucinações danosas que Watts diagnostica em certas imagens do mundo, em certos mitos. A sexualidade está aqui pra ficar. Ela é pra celebrar e amar, não pra recusar e tentar matar. Nascemos por esta via, repovoamos a terra com novas gerações sob seu eterno encanto, já celebrado lindamente por Lucrécio em seu hino à Vênus ao princípio do clássico epicurista Da Natureza Das Coisas (De Rerum Natura). Sexualidade, diz Watts, é aquilo you can’t get rid of. Life is sexual. Um beatnik-hippie cantando um anarco-blues Ginsbergiano sob os auspícios do Doutor Sigismundo Freud. Não tem como não curtir a viagem do Alan Watts…
Watts sabe que o mundo físico é marcado por uma transiência, uma impermanência, inegável e incontornável. Tanto que os corpos necessariamente decaem de vitalidade e viram esqueletos. Toda beleza é mortal e ambígua, tanto é assim que toda rosa acaba por murchar e não há nenhuma desprovida de espinhos.
Diante disso, diz Watts, é preciso aprender com o Oriente a arte de um certo desapego, detachment. Não se trata de ascetismo, mas de ser alerta, contemplativo, reflexivo. “É preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte”, como canta Gal em “Divino Maravilhoso” (Caetano/Gil).
Watts não pede que nos miremos no exemplo do asceta que machuca sua própria carne em busca de uma purificação espiritual. Watts quer que nos miremos no exemplo do espelho. “Be like a mirror, free from dust and stains, just reflecting what goes on.” (85) O que a mente do sujeito senciente, desperto do samsara de seu ego, acaba por perceber durante seu nirvana, ou seja, durante o colapso da ilusão de separabilidade e durante o fim da sede insaciável que nos impede a serenidade? Descobrimos que a transiência do mundo físico é parte necessária de seu esplendor. “The physical world’s transiency is part of its splendor.” (86)
A impermanência não é pra ser rechaçada, mas sim abraçada. Isso necessita uma pedagogia radical que liberte a mente humana das ortodoxias, das carapaças rígidas, que nos abra os sentidos, que nos deixe, por assim dizer, com a senciência boquiaberta. Os símbolos e os mitos podem tornar-se nossos inimigos, se os confundirmos com o real.Gosto dos ensinamentos de Watts sobre o que não devemos confundir: “Don’t confuse clocks with time. Don’t confuse the menu with food. Don’t confuse money with wealth. Don’t confuse map with territory.”
Principalmente não confunda Deus com um Patrão. O Ocidente, segundo Watts, está doente de sua concepção da divindade como uma espécie de cosmocrata, do sexo masculino, controlador, chefão de tudo. The world has no boss, garante Watts.
O mundo é atividade eterna em um cosmos onde a vida nasce não por ditames e ditados do sobrenatural, mas do próprio seio transbordante de vitalidade da Natureza. É só pensar na rosa que saiu de dentro da roseira: a rosa não é filha de Deus, vocês sabem muito bem, mas sim filha da semente. A semente, as entranhas da Terra, os processos físicos do Universo, é que explicam tanto a rosa e os seus espinhos, quanto nós, humanos – cheios também de nossos espinhos.
Watts dirá que do mesmo modo que uma macieira dá maçãs, o mundo dá gente. A vida emerge do próprio pulsante tumulto imorredouro do cosmos em processo de fluxo onde tudo constitui uma unidade em interdependência. Diante de uma visão de mundo dessas, que abraça e ama a impermanência, é preciso lembrar dos ensinamentos budistas sobre a ética da delicadeza, da flexibilidade, da capacidade de mudança, da adaptação a novos cenários, da renovação perene, da ética do possível aprimoramento constante dos seres impermanentes que imperfeitamente estamos sendo. “The willow tree survives the winter by flexible branches.”
Alan Watts cita então Lao-Tsé e seus ensinamentos: “suppleness and tenderness are the characteristicas of life, and rigidity and hardness… of death”. O nirvana é dos que tiverem a coragem da ternura, dos que forem capazes de amar a impermanência. O samsara é dos rígidos e durões, incansáveis cúmplices da morte em seus esforços vãos de negar a finitude. O nirvana é dos que se sabem conectados, conectíveis, cósmicos. O samsara é dos que se pensam como egos, separados do que chamam de “resto”. O nirvana é dos que sabem que a impermanência não é um argumento contra a vida, mas é parte essencial de seu esplendor.
Eduardo Carli de Moraes Texto inspirado nas “Anotações de Toronto” Canadá, 2014 Brasil, 2017
Todas as citações do livro Eastern Wisdom, Modern Life e do audiobook Out of Your Mind
SIGA VIAGEM:
“Why is it that we don’t seem to be able to adjust ourselves to the physical environment without destroying it?
Why is it that in a way this culture represents in a unique fashion the law of diminishing returns? That our success is a failure.
That we are building up an enormous technological civilization which seems to promise the fulfillment of every wish almost at the touch of a button. And yet as in so many fairy tales when the wish is finally materialized, they are like fairy gold, they are not really material at all.
In other words, so many of our products, our cars, our homes, our clothing, our food, It looks as if it were really the instant creation of pure thought; that is to say it’s thoroughly insubstantial, lacking in what the connoisseur of wine calls body.
And in so many other ways, the riches that we produce are ephemeral. and as the result of that we are frustrated, we are terribly frustrated. We feel that the only thing is to go on and getting more and more.
And as a result of that the whole landscape begins to look like the nursery of a spoiled child who’s got too many toys and is bored with them and throws them away as fast as he gets them, plays them for a few minutes.
Also we are dedicated to a tremendous war on the basic material dimensions of time and space. We want to obliterate their limitations. We want to get everything done as fast as possible. We want to convert the rhythms and the skills of work into cash, which indeed you can buy something with but you can’t eat it.
And then rush home to get away from work and begin the real business of life, to enjoy ourselves. You know, for the vast majority of American families what seems to be the real point of life, what you rush home to get to is to watch
an electronic reproduction of life. You can’t touch it, it doesn’t smell, and it has no taste.
You might think that people getting home to the real point of life in a robust material culture would go home to a colossal banquet or an orgy of love-making or a riot of music and dancing; But nothing of the kind.
It turns out to be this purely passive contemplation of a twittering screen. You see mile after mile of darkened houses with that little electronic screen flickering in the room. Everybody isolated, watching this thing. And thus in no real communion with each other at all. And this isolation of people into a private world of their own is really the creation of a mindless crowd.
And so we don’t get with each other except for public expressions or getting rid of our hostility like football or prize-fighting.
And even in the spectacles one sees on this television it’s perfectly proper to exhibit people slugging and slaying each other but oh dear no, not people loving each other, except in a rather restrained way.
One can only draw the conclusion that the assumption underlying this is that expressions of physical love are far more dangerous than expressions of physical hatred.
And it seems to me that a culture that has that sort of assumption is basically crazy and devoted – unintentionally indeed but nevertheless in-fact devoted not to survival but to the actual destruction of life.”
“The experiences resulting from the use of psychedelic drugs are often described in religious terms. They are therefore of interest to those like myself who, in the tradition of William James, are concerned with the psychology of religion. For more than thirty years I have been studying the causes, the consequences, and the conditions of those peculiar states of consciousness in which the individual discovers himself to be one continuous process with God, with the Universe, with the Ground of Being, or whatever name he may use by cultural conditioning or personal preference for the ultimate and eternal reality. We have no satisfactory and definitive name for experiences of this kind. The terms “religious experience,” “mystical experience,” and “cosmic consciousness” are all too vague and comprehensive to denote that specific mode of consciousness which, to those who have known it, is as real and overwhelming as falling in love. This article describes such states of consciousness induced by psychedelic drugs, although they are virtually indistinguishable from genuine mystical experience. The article then discusses objections to the use of psychedelic drugs that arise mainly from the opposition between mystical values and the traditional religious and secular values of Western society.”
AS BACANTES SEMPITERNAS – Sobre a atualidade perene da celebração comunal e do êxtase coletivo
I. XAMANISMO COM AMPLIFICADORES
Há um capítulo magistral de Dançando nas Ruas (Dancin’ In The Street) em que Barbara Ehrenreich fala sobre as raízes arcaicas do êxtase coletivo. “Arcaicas”, no caso, é uma palavra para referir-se não a algo de velho, mofado, já caído em desuso e aposentado da História. Arcaico – é também uma das lições fundamentais de gurus psicodélicos como Terence McKenna e Alan Watts – é aquilo que tem enraizamento em um passado muito distante, mas cuja raiz ainda hoje nutre uma árvore viva e nossa contemporânea, com sua eclosão vivificante de folhas, frutos, sementes.
O tempo arcaico segue agindo no tempo contemporâneo como um rio que flui lá do passado mais remoto e penetra com suas águas torrenciais no território do presente. É um passado que conflui com o agora, conectando-nos ao que passou, vinculados ao que foi ao invés de alienados de qualquer tradição e pertença. Unidos e solidários aos que hoje descansam seus ossos debaixo desta terra onde labutamos e dançamos, ao invés de trancados na estreiteza de um fluxo nonsense de momentos efêmeros e desconexos.
“No antigo mundo ocidental, muitas deidades serviam como objeto de adoração extática: na Grécia, Ártemis e Deméter; em Roma, as deidades importadas: Ísis (do Egito), Cibele, a Grande Mãe ou Magna Mater (da Ásia Menor), e Mitas (da Pérsia). Mas havia um deus grego para o qual a adoração extática não era uma opção, mas uma obrigação… Esse deus, fonte de êxtase e terror, era Dioniso, ou, como era conhecido entre os romanos, Baco. Sua jurisdição mundana cobria os vinhedos, mas a responsabilidade mais espiritual era presidir aorgeia (literalmente, ritos realizados na floresta à noite, termo do qual derivamos a palavra orgia), quando os devotos dançavam até chegar a um estado de transe.
Ainda mais do que as outras deidades, Dioniso era um deus acessível e democrático, cujo thiasos, ou elo sagrado, estava aberto tanto aos humildes como aos poderosos. Nietzsche interpretava esses ritos da seguinte maneira: ‘O escravo emerge como homem livre, todos os muros rígidos e hostis erigidos entre os homens pela necessidade ou pelo despotismo são despedaçados.’
Foi Nietzsche quem reconheceu as raízes dionisíacas do drama grego antigo, ao ver a inspiração louca e extática por trás da majestosa arte dos gregos – que, metaforicamente, ousavam levar a cabo não apenas a imortal simetria do vaso, mas as loucas figuras dançantes pintadas em sua superfície. O que o deus demandava, segundo Nietzsche, era nada menos que a alma humana, liberada pelo ritual extático do ‘horror da existência individual’ e transformada na ‘unidade mística’ do ritmo proporcionado pela dança.” (EHRENREICH, p. 48)
Longe de ser apenas de interesse para helenistas ou estudiosos de religiões antigas, a celebração comunal, vinculada no mundo greco-romano aos cultos a Dioniso e Baco, prossegue ativa em tempos contemporâneos. O livro de Barbara Ehrenreich é uma das melhores visões panorâmicas da busca pelo êxtase coletivo através da história e tem entre seus méritos uma postura simpática aos fenômenos estudados. Ela não condena, com fúria puritana, os rituais dionisíacos, o vodu haitiano, a capoeira ou o samba afrobrasileiro, os festivais de rock da Geração Hippie etc., mas busca compreender com empatia uma necessidade humana, que existe desde tempos imemoriais, de celebração coletiva e de vitória sobre o terrível confinamento na solidão de um eu isolado.
Dançando Nas Ruas, pois, parece-me um livro magistral, de alto potencial libertário, que une-se aos esforços de um Terence McKenna, que propugnava um revival do arcaico, ou de uma Emma Goldman, pensadora política anarquista célebre por dizer: “Não é minha revolução se eu não puder dançar”.
Além disso, Barbara Ehrenreich realizou uma obra de interesse filosófico, ou mesmo teológico, afirmando que a experiência de re-encontro com o arcaico, de re-ligação com a fonte, é descrita por muitos que a vivenciam como uma revolução em nossa percepção temporal, uma percepção imediata ou insight súbito da eternidade do aqui-agora.
O livro contribui assim, imensamente, para o estudo e a compreensão do misticismo, podendo iluminar e elucidar a leitura de obras cruciais como a de William James, AsVariedades da Experiência Religiosa, e Heinrich Zimmer, Filosofias da Índia, que talvez sejam as mais impressionantes reuniões de testemunhos sobre a experiência mística. Para uma visão mais contemporânea, que vincula a unio mystica ao consumo de substâncias enteógenas, vale sondar as reflexões de Aldous Huxley em Moksha e de Alan Watts por sua obra afora.
Quando transcendemos a prisão do eu, a jaula do isolamento, a percepção falha que nos leva a crer na possibilidade de nossa existência independente e separada do cosmos que a circunda e a inclui, aí então podemos abraçar um aqui-agora que têm densidade temporal. Que tem peso de eternidade. Aí percebemos – ainda que para ter este insight às vezes necessitemos de muito estudo do budismo, de muita prática da meditação e do yôga, de algumas gotas de um bom ácido lisérgico ou DMT… – que a interconexão é a verdade do real.
“Wonder”, uma obra de Alex Grey
Não somente somos todos interconexos, ligados a toda a teia da vida; além disso, isto não se esgota no presente imediato. O rio do passado vem regar-nos o presente e vivificar nossa construção comum de um presente futurível. Somos efêmeros contemporâneos da eternidade onde estamos incluídos – a Energia no Universo, garantem os cientistas, pode se transformar, mas jamais ser nadificada; os átomos e o vazio, desde Epicuro, são tidos por indestrutíveis! Esta percepção é aquilo que bacantes e mênades buscam – e às vezes acham – em seus rituais musicais, dançantes, psicodélicos. Buscam habitar um tempo de êxtase coletivo, de joy na vivência da interconexão. É uma utopia que propõe a re-união e a comum celebração, é um hedonismo sábio que propõe que não cortemos todas conexões com o rio do “foi-se e acabou-se”, prendendo-nos em um imediatismo niilista que nos deixaria apenas vagando ao léu, como náufragos agarrados a um pedaço de madeira que flutua no mar após a embarcação ir a pique.
Arcaicas – antigas mas ainda ativas! – são as variadas “técnicas do êxtase”. Esta, aliás, era uma das expressões prediletas que Mircea Eliade usava como ferramenta conceitual crucial para a compreensão e caracterização dos misticismos, do mais variado colorido, reunidos às vezes sob o nome de “xamanismo” e outras vezes sob a alcunha de “paganismo” ou termo semelhante. No tal do xamanismo, com enorme frequência, as técnicas do êxtase – o caminho que é preciso realizarmos junto até que sejamos uma coletividade capaz de celebração extática e auto-transcendência – são inseparáveis da dança e da música.
Este é um dos argumentos centrais do livro genial de Ehrenreich: êxtase tem tudo a ver com dança, com música, com expansão da consciência, com transcender o eu e abraçar o coletivos. que atravessa a História, da tragédia grega de 25 séculos atrás até os festivais hippie à la Monterey e Woodstock, para mostrar que os laços sociais vinculados à busca humana, trans-histórica e trans-cultural, de êxtase coletivo, são umbilicalmente vinculados com música, dança e alteração da percepção intelectual-sensível através do consumo de substâncias (naturais ou sintéticas) ditas estupefacientes. Apesar de toda repressão, de todo o sangue derramado por Inquisições, de toda a perseguição autoritária, Pan, Baco, Deméter, Dioniso, Shiva e toda a trupe dos deuses dançantes e orixás bailantes que seguem vivendo e atuando nos corações e mentes de seus carnais celebrantes.
Aquilo que Ehrenreich chama de collective joy, ou que Durkheim chamava de efervescência coletiva, é aquilo que sente-se no meio da torcida em um estádio de futebol quando explode um gol; mas também o que toma conta da vivência da platéia de um show do Jimi Hendrix Experience ou de Janis Joplin e o Big Brother Co. em pleno “Verão do Amor”. É aquela vivência que nos faz transcender a jaula do ego, rumo à inenarrável e estarrecedora experiência de estar acompanhados sob as estrelas, queimando sob o Sol, “todos juntos reunidos numa pessoa só” (como canta Arnaldo Baptista em canção d’Os Mutantes).
Os viventes precários que somos, que tentam somar e solidarizar-se, porém tanto separam-se e segregam-se, podem estar boquiabertos ou apáticos diante dos mistérios do mundo e de nossos vínculos secretos, com ele, mundo, e uns com os outros; a dança, a música e os estupefacientes são o caminho, o tao, uma maneira eficiente através da qual as culturas vão em busca de fazer acontecer o êxtase comunal. São técnicas para a realização das utopias, e não sua mera espera passiva. São técnicas do êxtas que hoje tem o auxílio da eletricidade, do ciberespaço, dos mega-amplificadores, das salas de cinema digital, de todo o aparato tecnológico-científico ainda tão desperdiçado com a estupidez bélica hi-tech… Invistamos, pois, nas arcaicas técnicas do êxtase!
“A dança grupal é a grande niveladora e conector das comunidades humanas, unindo todos os que participam no tipo de communitas que Turner encontrou nos rituais nativos do século XX. (…) Submeter-se corporalmente à música por meio da dança é ser incorporado por uma comunidade de uma maneira muito mais profunda do que o mito compartilhado ou os costumes comuns podem atingir. Nos movimentos sincronizados com o ritmo da música ou de vozes que cantam, as rivalidades mesquinhas e as diferenças de facções que podem dividir um grupo são transmutadas em uma inofensiva competição de quem é o dançarino mais hábil… “a dança”, como coloca um neurocientista, é a “biotecnologia da formação do grupo.”
Desse modo, grupos – e os indivíduos que os constituem – capazes de se manter juntos por meio da dança teriam possuído uma vantagem evolucionária em relação aos grupos ligados por laços menos fortes. (…) Nenhuma outra espécie jamais conseguiu fazer isso. Pássaros têm suas músicas características; vagalumes podem sincronizar a luz que emitem; chimpanzés às vezes podem bater os pés juntos e balançar os braços fazendo algo que os etologistas descrevem como um “carnaval”. Mas, se quaisquer outros animais conseguiram músicas e se mover em sincronia com ela, mantiveram esse talento bem escondido dos humanos.” (EHRENREICH, 2006, p. 37, trad. Julián Fuks)
A dança e a música, apesar de reduzidas, nas idéias estreitas de muitos de nossos contemporâneos, a meras mercadorias ou a reles entretenimentos, são algo que conecta-nos, hoje, à arcaica e ancestral peculiaridade humana, no seio da natureza, que é o fato de estarmos em busca de collective joy, êxtase comunal ou coletivo. Este é um fio que atravessa a história da espécie e que é inapagável, inextipável, incapaz de ser assassinado por quaisquer repressões autoritárias. É uma força resiliente, que sobrevive a todos os tiranos, e que têm como um de seus símbolos mais memoráveis, na história da arte, a batalha épico-trágica das Bacantes com o tirano de Tebas, Penteu, na peça de Eurípides.
As Bacantes, mais do que apenas uma obra-prima da dramaturgia universal, pode ser debatida como documento histórico, etnográfico, transmutado em obra-de-arte pelo engenho daquele que foi, com Ésquilo e Sófocles, um dos autores de dramas que sobreviveu a 25 séculos de transmissão histórica, da Grécia de IV a.C. até o Bixiga paulistano deste 2017 depois do Nazareno. Algo há aí, na resiliência de As Bacantes, na sua capacidade de manter-se com um monte a dizer e ensinar aos nossos próprios tempos, que explica como José Celso Martinez Côrrea pôde reativar a potência da peça nestes anos de 2016 e 2017, com os resultados acachapantes e geniais que já nos acostumamos a esperar do Teatro Oficina, Uzyna Uzona.
O Teatro Oficina é uma pérola refulgente neste pântano esmerdeado de nossa lambança nacional. É resistência e celebração – arte reXistente – que ativa um cyber-terreiro, uma arena-dionisíaca, um microcosmo-da-utopia, onde o Brasil mostra ao mundo o que tem de melhor: a exuberância irreverente de um povo que ginga em busca de um êxtase coletivo, traçando seu próprio caminho, no ritmado enraizado que lhe infundiram séculos de miscigenação e convívio entre gente de culturas do mais pluridiverso colorido.
Nas peças do Oficina, aparece sempre – mesmo quando trata-se de adaptações de autores gringos como Antonin Artaud (Para Dar Um Fim No Juízo De Deus) ou Schiller (Os Bandidos) – dá as caras um Brasil que está sempre recaindo em antagonismos, em querelas, em ríspidas lutas e mortíferas guerras.
As bacantes brazucas nunca podem celebrar em paz, pois são, a despeito de suas vontades, empurradas para uma arena de combate (ah, tiranos! elas só queriam beber vinho, dançar, celebrar! Por que cabeças teriam que rolar?!?); as mênades, proto-hippies da paz e do amor, dançantes e cantantes, re-ativadoras da força sempiterna do conatus, chocam-se contra os poderes do autoritarismo puritano e seus braços armados. A resiliência, a capacidade de sobrevivência da peça de Eurípides – vivíssima no Brasil de 2017! – está também na persistência. no nosso processo histórico, da batalha que o aquele fight – Bacantes versus Penteu – simboliza.
A utopia que vem conectada ao trampo do Oficina ou à antropofagia de Oswald de Andrade, empreendimentos de sintonia íntima, tem a ver com um renascimento do dionisismo, ou seja, de uma cultura onde a celebração coletiva, a alegria dos vínculos estabelecidos sobre as ruínas da egolatria, seja mais potente do que a cultura, imposta de cima pra baixo com a voz grossa e bruta do Patriarcado repressor, que manda sempre postergar todos os gozos, desistir de campanhas inovadoras ou revolucionárias, conformar-se com a monocromia de uma vida cinza, de tédio e monotonia, de servil obediência aos que mandam mortificar a carne e sacrificar o presente, em nome de um tíquete de entrada prum futuro paradisíaco no além-túmulo…
As bacantes – mulheres que saem dos trilhos da cotidianidade, deixando suas posições obedientes na hierarquia de comando masculinista, machista, autoritária… – e vão para a floresta, não só para fugir por um pouco da dureza do dia-a-dia, mas para celebrar a existência e a liberdade, para buscar a força em uma imersão num coletivo que, com forças reunidas, pode muitos, mas muuito mais, do que qualquer indivíduo solitário, por mais fortão e musculoso que seja. A ética e a estética homéricas, que celebram em Aquiles ou Ulisses um heroísmo muito marcado pelas fúrias bélicas, têm nas bacantes, nas celebrantes dionisíacas, nas mênades dançantes e de cabelos esvoaçantes, a celebração da paz, não da guerra; da harmonia e da sincronia, não do antagonismo; do êxtase, não do massacre.
“Friedrich Nietzsche, o clássico indivíduo solitário e atormentado do século XIX, talvez tenha entendido a terapêutica do êxtase melhor do que qualquer outro. Em um tempo de celebração universal do ‘eu’, ousou falar sobre o ‘horror da existência individual’ e vislumbrou o alívio nos antigos rituais dionisíacos que só conhecia por meio de leituras – rituais em que, ele imaginava, ‘cada indivíduo não apenas se reconcilia com o outro, mas une-se a ele – como se o véu de Maya tivesse sido rasgado e só restassem retalhos flutuando ante a visão de uma Unidade mística. (…) Cada um sente a si como a um deus e caminha a passos largos com o mesmo júbilo e o mesmo êxtase dos deuses que viu em seus sonhos.” (EHRENREICH, op cit, pg. 184)
Zé Celso e sua trupe são no país aquelas forças que com mais exuberância servem como porta-vozes destas idéias, entremescla de Nietzsche com Oswald de Andrade, de Artaud com Brecht, e apesar do impiedoso tempo que nos arrasta à velhice e ao inevitável túmulo esta figuraça quintessencial de nossa cultura parece continuar em eterno verão – para citar o título de excelente reportagem e entrevista do El País:
Um dos grandes mestres do teatro brasileiro está prestes a completar 80 anos. Lúcido, sorridente, atuante. Muitos se perguntam qual é o segredo de José Celso Martinez Corrêa (Araraquara, 1937), o Zé Celso, para preservar tamanha energia e criatividade depois de 58 anos à frente do icônico Teatro Oficina – símbolo de resistência artística (e política) cravado no Bixiga, em São Paulo. Mas a verdade é que desse “xamã do teatro”, como ele gosta de se definir, não há segredos para se arrancar. Na entrevista concedida ao El País com os pés ao alto, em meio a uma nuvem de erva queimada, o dramaturgo vestido de um branco alvo como os fios de seus cabelos mostra que não tem assuntos proibidos, respondendo a esta altura da vida com voz suave tudo o que lhe é indagado. Isso, sim: sem fim, nem começo e pelos caminhos que lhe parecem.
A um desses caminhos ele volta sempre: a encenação de Bacantes, o clássico grego de Eurípedes montado pela primeira vez no Oficina em 1995 (em versão brasileira do diretor, no gênero “tragicomédia orgia”), que reestreou no Sesc Pompeia e logo passou ao Bixiga em outubro de 2016. A peça, de quase seis horas e com 52 atuadores em cena, reconstitui o ritual de origem do teatro na Grécia em 25 cantos e cinco episódios e tem música composta por Zé Celso (que também assina autoria e direção).
Encenada como ópera de Carnaval para cantar o nascimento, morte e renascimento de Dionísio, o deus do teatro, do vinho e das festas, ela tem lotado a casa tanto com habitués, como com novos assistentes – atraídos pela nudez libertária do elenco e às vezes também do público, pela genialidade do diretor, pela história ou por tudo ao mesmo tempo. A ideia é que os espectadores se integrem ao bacanal, e alguns deles terminam despidos pelos atores. Na primeira versão, isso aconteceu com Caetano Veloso. Por causa do sucesso orgiástico de Bacantes, Zé Celso ganhou ainda mais força e voz, voltando à carga em seus temas preferidos: teatro, política e xamanismo – que para ele são um só.
Para Zé Celso, duas coisas podem salvar o país da crise política em que começou a mergulhar em 2014: o xamanismo, claro, e a arte. O que ele procura é juntar as duas coisas, rumo à “revolução cultural” que o ex-presidente uruguaio Pepe Mujica prega como a única saída para esses tempos obscuros.” (MORAES, Camila. O Eterno Verão de Zé Celso. El País.)
* * * * *
II. VIVACIDADE DA ANTROPOFAGIA OSWALDIANA
“Todas as nossas reformas, todas as nossas reações costumam ser feitas dentro do bonde da civilização importada. Precisamos saltar do bonde, precisamos queimar o bonde.” OSWALD DE ANDRADE, “Contra Os Emboabas” (via Bia Azevedo, p. 68)
Se digo que 2016 não foi de todo um ano catastrófico neste país golpeado e achincalhado por suas escrotas elites canalhocratas, mas teve sim seus esplendores e glórias, é pois a nossa arte e nossos artistas mais relevantes e geniais não nos decepcionaram. Em 16 de Abril de 2016, na véspera da votação do impeachment de Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, então presidida por Eduardo Cunha, estivemos na peça do Teatro Oficina, Para Dar Um Fim No Juízo De Deus.
Saí do teatro de alma lavada e com os ímpetos dionisíacos re-turbinados, orgulhoso dos artistas desta terra e certo de que a política, enfim, não é tudo – que um lamaçal ético sem fim, na Esplanada dos Ministérios, não impede a refulgência de uma contracultura que não se cala, que manifesta-se com exuberância, que abraça a resistência com todo a verve, todo o ímpeto, toda interconexão de uma trupe de mênades e sátiros. E, além disso, saí do teatro com a impressão de ter vivenciado uma imersão não só no universo de Artaud, mas, é claro, no de Oswald de Andrade, constantemente evocado por Zé Celso e sua trupe. Desde os anos 1960, quando encenou O Rei da Vela, o Oficina tem sido talvez o mais resiliente e fiel coletivo que honra o legado da utopia antropofágica oswaldiana.
Também em 2016, caiu no mercado um livro – Antropofagia: Palimpsesto Selvagem, de Beatriz Azevedo – que foi de imediato saudado por Eduardo Viveiros de Castro como “destinado a se tornar referência obrigatória para todo estudioso da obra deste que é, sem a menor sombra de dúvida, um dos maiores pensadores do século XX”. Viveiros de Castro pode até soar hiperbólico em seu elogio a Oswald como figura crucial no panorama do conhecimento global no século que se acabou, mas isto mostra o quanto este pensamento, longe de ser paroquial ou nacionalista, pode ser também uma espécie de produto de exportação autenticamente original gestado e gerado no solo fecundo da cultura brasileira. Queimando o bode da submissão e da subserviência às civilizações importadas e imperialistas.
Quem enxergou isso muito bem, como lembra Bia Azevedo, foi o Roger Bastide, sociólogo francês, que lecionou na USP e publicou em 1950 o livro clássico Brasil: Terra de Contrastes: “Oswald devora as teorias estrangeiras como a cidade devora os imigrantes, transformando-os em carne e sangue brasileiros.” (BASTIDE, apud Azevedo, p. 70) O antropófago Oswald “comeu” toda a diversidade das culturas estrangeiras, mas na hora do vamos ver foi lá e criou algo de novíssimo, algo de revolucionário. “O antropólogo Eduardo Viveiros de Castro afirma que ‘a Antropofagia Oswaldiana é a reflexão metacultural mais original produzida na América Latina até hoje. Era e é uma teoria realmente revolucionária.” (VIVEIROS DE CASTRO, apud Azevedo, p. 24)
A antropofagia é descrita como utopia no título de um dos livros de Oswald que a Ed. Globo recolocou no mercado e que traz textos clássicos como A Crise Da Filosofia Messiânica. Filosoficamente, Oswald tinha muitas similaridades e alianças com o pensamento de Nietzsche, e pode-se dizer que a antropofagia dialoga com o “dionisismo” como este aparece na obra do autor de Assim Falava Zaratustra. Oswald também é um crítico mordaz da civilização ocidental racionalista e repressora, que dá todas as honras a Apolo, a Sócrates, a Descartes, soltando os cachorros de sua feroz repressão contra Dioniso, contra Baco, contra mênades e bacantes, contra feiticeiras e heréticos… Oswald defende o caminho da “valorização do lúdico e da arte”, aproxima-se das teses de Huizinga em Homo Ludens no que diz respeito à presença em todas as culturas, de quaisquer latitudes e longitudes, da “constante lúdica”:
“O inexplicável para críticos, sociólogos e historiadores, muitas vezes decorre deles ignorarem um sentimento que acompanha o homem em todas as idades e que chamamos de constante lúdica. O homem é o animal que vive entre dois grandes brinquedos – o Amor onde ganha, a Morte onde perde. Por isso, inventou as artes plásticas, a poesia, a dança, a música, o teatro, o circo e, enfim, o cinema.” – OSWALD DE ANDRADE, “A Crise da Filosofia Messiânica” (Globo, 2001, p. 144)
por Eduardo Carli de Moraes, Goiânia, Fevereiro de 2017
A ser continuado….
SIGA VIAGEM:
CONFLUÊNCIAS – Festival de Artes Integradas. 2ª Edição: Evoé Café Com Livros, Domingo, 26/02, a partir das 17 horas. Com poesia encenada e pocket show com Luiza Camilo, show percussão-e-coral com o quinteto Cocada Preta, exposição de artes visuais da Lua Plaza, performance poética de Morgana Poiesis, além de discotagem e feirão de livros. Página do evento @ Facebook Brasil.
A editora Globo acaba de relançar – depois de revista e atualizada pela autora – a mais importante biografia de um dos maiores nomes da cultura brasileira moderna. Oswald de Andrade: biografia é obra de Maria Augusta Fonseca, que vem se dedicando há décadas à vida e à obra do grande modernista. Um dos maiores nomes da cultura brasileira, e não somente da literatura, porque Oswald de Andrade foi um daqueles raros homens certos no lugar certo na hora certa: nas palavras de Antonio Candido, “sua personalidade excepcionalmente poderosa atulhava o meio com a simples presença.” Esse meio era o da provinciana vida cultural brasileira do começo do século XX, que Oswald de Andrade ajudaria a ir ao encontro do mundo moderno.
Alan Watts: O Que Há de Errado Com a Nossa Cultura
(Leg. em Português)
“Why is it that we don’t seem to be able to adjust ourselves to the physical environment without destroying it?
Why is it that in a way this culture represents in a unique fashion the law of diminishing returns? That our success is a failure.
That we are building up an enormous technological civilization which seems to promise the fulfillment of every wish almost at the touch of a button. And yet as in so many fairy tales when the wish is finally materialized, they are like fairy gold, they are not really material at all.
In other words, so many of our products, our cars, our homes, our clothing, our food, It looks as if it were really the instant creation of pure thought; that is to say it’s thoroughly insubstantial, lacking in what the connoisseur of wine calls body.
And in so many other ways, the riches that we produce are ephemeral. and as the result of that we are frustrated, we are terribly frustrated. We feel that the only thing is to go on and getting more and more.
And as a result of that the whole landscape begins to look like the nursery of a spoiled child who’s got too many toys and is bored with them and throws them away as fast as he gets them, plays them for a few minutes.
Also we are dedicated to a tremendous war on the basic material dimensions of time and space. We want to obliterate their limitations. We want to get everything done as fast as possible. We want to convert the rhythms and the skills of work into cash, which indeed you can buy something with but you can’t eat it.
And then rush home to get away from work and begin the real business of life, to enjoy ourselves. You know, for the vast majority of American families what seems to be the real point of life, what you rush home to get to is to watch
an electronic reproduction of life. You can’t touch it, it doesn’t smell, and it has no taste.
You might think that people getting home to the real point of life in a robust material culture would go home to a colossal banquet or an orgy of love-making or a riot of music and dancing; But nothing of the kind.
It turns out to be this purely passive contemplation of a twittering screen. You see mile after mile of darkened houses with that little electronic screen flickering in the room. Everybody isolated, watching this thing. And thus in no real communion with each other at all. And this isolation of people into a private world of their own is really the creation of a mindless crowd.
And so we don’t get with each other except for public expressions or getting rid of our hostility like football or prize-fighting.
And even in the spectacles one sees on this television it’s perfectly proper to exhibit people slugging and slaying each other but oh dear no, not people loving each other, except in a rather restrained way.
One can only draw the conclusion that the assumption underlying this is that expressions of physical love are far more dangerous than expressions of physical hatred.
And it seems to me that a culture that has that sort of assumption is basically crazy and devoted – unintentionally indeed but nevertheless in-fact devoted not to survival but to the actual destruction of life.”
“The experiences resulting from the use of psychedelic drugs are often described in religious terms. They are therefore of interest to those like myself who, in the tradition of William James, are concerned with the psychology of religion. For more than thirty years I have been studying the causes, the consequences, and the conditions of those peculiar states of consciousness in which the individual discovers himself to be one continuous process with God, with the Universe, with the Ground of Being, or whatever name he may use by cultural conditioning or personal preference for the ultimate and eternal reality. We have no satisfactory and definitive name for experiences of this kind. The terms “religious experience,” “mystical experience,” and “cosmic consciousness” are all too vague and comprehensive to denote that specific mode of consciousness which, to those who have known it, is as real and overwhelming as falling in love. This article describes such states of consciousness induced by psychedelic drugs, although they are virtually indistinguishable from genuine mystical experience. The article then discusses objections to the use of psychedelic drugs that arise mainly from the opposition between mystical values and the traditional religious and secular values of Western society.”
Psychedelics and Religious Experience
by Alan Watts
The experiences resulting from the use of psychedelic drugs are often described in religious terms. They are therefore of interest to those like myself who, in the tradition of William James, are concerned with the psychology of religion. For more than thirty years I have been studying the causes, the consequences, and the conditions of those peculiar states of consciousness in which the individual discovers himself to be one continuous process with God, with the Universe, with the Ground of Being, or whatever name he may use by cultural conditioning or personal preference for the ultimate and eternal reality. We have no satisfactory and definitive name for experiences of this kind. The terms “religious experience,” “mystical experience,” and “cosmic consciousness” are all too vague and comprehensive to denote that specific mode of consciousness which, to those who have known it, is as real and overwhelming as falling in love. This article describes such states of consciousness induced by psychedelic drugs, although they are virtually indistinguishable from genuine mystical experience. The article then discusses objections to the use of psychedelic drugs that arise mainly from the opposition between mystical values and the traditional religious and secular values of Western society.
The Psychedelic Experience
The idea of mystical experiences resulting from drug use is not readily accepted in Western societies. Western culture has, historically, a particular fascination with the value and virtue of man as an individual, self-determining, responsible ego, controlling himself and his world by the power of conscious effort and will. Nothing, then, could be more repugnant to this cultural tradition than the notion of spiritual or psychological growth through the use of drugs. A “drugged” person is by definition dimmed in consciousness, fogged in judgment, and deprived of will. But not all psychotropic (consciousness-changing) chemicals are narcotic and soporific, as are alcohol, opiates, and barbiturates. The effects of what are now called psychedelic (mind-manifesting) chemicals differ from those of alcohol as laughter differs from rage, or delight from depression. There is really no analogy between being “high” on LSD and “drunk” on bourbon. True, no one in either state should drive a car, but neither should one drive while reading a book, playing a violin, or making love. Certain creative activities and states of mind demand a concentration and devotion that are simply incompatible with piloting a death-dealing engine along a highway.
I myself have experimented with five of the principal psychedelics: LSD-25, mescaline, psilocybin, dimethyl-tryptamine (DMT), and cannabis. I have done so, as William James tried nitrous oxide, to see if they could help me in identifying what might be called the “essential” or “active” ingredients of the mystical experience. For almost all the classical literature on mysticism is vague, not only in describing the experience, but also in showing rational connections between the experience itself and the various traditional methods recommended to induce it: fasting, concentration, breathing exercises, prayers, incantations, and dances. A traditional master of Zen or Yoga, when asked why such-and-such practices lead or predispose one to the mystical experience, always responds, “This is the way my teacher gave it to me. This is the way I found out. If you’re seriously interested, try it for yourself.” This answer hardly satisfies an impertinent, scientifically minded, and intellectually curious Westerner. It reminds him of archaic medical prescriptions compounding five salamanders, powdered gallows rope, three boiled bats, a scruple of phosphorus, three pinches of henbane, and a dollop of dragon dung dropped when the moon was in Pisces. Maybe it worked, but what was the essential ingredient?
It struck me, therefore, that if any of the psychedelic chemicals would in fact predispose my consciousness to the mystical experience, I could use them as instruments for studying and describing that experience as one uses a microscope for bacteriology, even though the microscope is an “artificial” and “unnatural” contrivance which might be said to “distort” the vision of the naked eye. However, when I was first invited to test the mystical qualities of LSD-25 by Dr. Keith Ditman of the Neuropsychiatric Clinic at UCLA Medical School, I was unwilling to believe that any mere chemical could induce a genuine mystical experience. At most, it might bring about a state of spiritual insight analogous to swimming with water wings. Indeed, my first experiment with LSD-25 was not mystical. It was an intensely interesting aesthetic and intellectual experience that challenged my powers of analysis and careful description to the utmost.
Some months later, in 1959, I tried LSD-25 again with Drs. Sterling Bunnell and Michael Agron, who were then associated with the Langley-Porter Clinic, in San Francisco. In the course of two experiments I was amazed and somewhat embarrassed to find myself going through states of consciousness that corresponded precisely with every description of major mystical experiences that I had ever read.2 Furthermore, they exceeded both in depth and in a peculiar quality of unexpectedness the three “natural and spontaneous” experiences of this kind that had happened to me in previous years.
Through subsequent experimentation with LSD-25 and the other chemicals named above (with the exception of DMT, which I find amusing but relatively uninteresting), I found I could move with ease into the state of “cosmic consciousness,” and in due course became less and less dependent on the chemicals themselves for “tuning in” to this particular wave length of experience. Of the five psychedelics tried, I found that LSD-25 and cannabis suited my purposes best. Of these two, the latter—cannabis—which I had to use abroad in countries where it is not outlawed, proved to be the better. It does not induce bizarre alterations of sensory perception, and medical studies indicate that it may not, save in great excess, have the dangerous side effects of LSD.
For the purposes of this study, in describing my experiences with psychedelic drugs I avoid the occasional and incidental bizarre alterations of sense perception that psychedelic chemicals may induce. I am concerned, rather, with the fundamental alterations of the normal, socially induced consciousness of one’s own existence and relation to the external world. I am trying to delineate the basic principles of psychedelic awareness. But I must add that I can speak only for myself. The quality of these experiences depends considerably upon one’s prior orientation and attitude to life, although the now voluminous descriptive literature of these experiences accords quite remarkably with my own.
Almost invariably, my experiments with psychedelics have had four dominant characteristics. I shall try to explain them-in the expectation that the reader will say, at least of the second and third, “Why, that’s obvious! No one needs a drug to see that.” Quite so, but every insight has degrees of intensity. There can be obvious-1 and obvious-2, and the latter comes on with shattering clarity, manifesting its implications in every sphere and dimension of our existence.
The first characteristic is a slowing down of time, a concentration in the present. One’s normally compulsive concern for the future decreases, and one becomes aware of the enormous importance and interest of what is happening at the moment. Other people, going about their business on the streets, seem to be slightly crazy, failing to realize that the whole point of life is to be fully aware of it as it happens. One therefore relaxes, almost luxuriously, into studying the colors in a glass of water, or in listening to the now highly articulate vibration of every note played on an oboe or sung by a voice.
From the pragmatic standpoint of our culture, such an attitude is very bad for business. It might lead to improvidence, lack of foresight, diminished sales of insurance policies, and abandoned savings accounts. Yet this is just the corrective that our culture needs. No one is more fatuously impractical than the “successful” executive who spends his whole life absorbed in frantic paper work with the objective of retiring in comfort at sixty-five, when it will all be too late. Only those who have cultivated the art of living completely in the present have any use for making plans for the future, for when the plans mature they will be able to enjoy the results. “Tomorrow never comes.” I have never yet heard a preacher urging his congregation to practice that section of the Sermon on the Mount which begins, “Be not anxious for the morrow….” The truth is that people who live for the future are, as we say of the insane, “not quite all there”—or here: by over-eagerness they are perpetually missing the point. Foresight is bought at the price of anxiety, and when overused it destroys all its own advantages.
The second characteristic I will call awareness of polarity. This is the vivid realization that states, things, and events that we ordinarily call opposite are interdependent, like back and front, or the poles of a magnet. By polar awareness one sees that things which are explicitly different are implicitly one: self and other, subject and object, left and right, male and female-and then, a little more surprisingly, solid and space, figure and background, pulse and interval, saints and sinners, police and criminals, in-groups and out-groups. Each is definable only in terms of the other, and they go together transactionally, like buying and selling, for there is no sale without a purchase, and no purchase without a sale. As this awareness becomes increasingly intense, you feel that you yourself are polarized with the external universe in such a way that you imply each other. Your push is its pull, and its push is your pull—as when you move the steering wheel of a car. Are you pushing it or pulling it?
At first, this is a very odd sensation, not unlike hearing your own voice played back to you on an electronic system immediately after you have spoken. You become confused, and wait for it to go on! Similarly, you feel that you are something being done by the universe, yet that the universe is equally something being done by you-which is true, at least in the neurological sense that the peculiar structure of our brains translates the sun into light, and air vibrations into sound. Our normal sensation of relationship to the outside world is that sometimes I push it, and sometimes it pushes me. But if the two are actually one, where does action begin and responsibility rest? If the universe is doing me, how can I be sure that, two seconds hence, I will still remember the English language? If I am doing it, how can I be sure that, two seconds hence, my brain will know how to turn the sun into light? From such unfamiliar sensations as these, the psychedelic experience can generate confusion, paranoia, and terror-even though the individual is feeling his relationship to the world exactly as it would be described by a biologist, ecologist, or physicist, for he is feeling himself as the unified field of organism and environment.
The third characteristic, arising from the second, is awareness of relativity. I see that I am a link in an infinite hierarchy of processes and beings, ranging from molecules through bacteria and insects to human beings, and, maybe, to angels and gods-a hierarchy in which every level is in effect the same situation. For example, the poor man worries about money while the rich man worries about his health: the worry is the same, but the difference is in its substance or dimension. I realize that fruit flies must think of themselves as people, because, like ourselves, they find themselves in the middle of their own world-with immeasurably greater things above and smaller things below. To us, they all look alike and seem to have no personality-as do the Chinese when we have not lived among them. Yet fruit flies must see just as many subtle distinctions among themselves as we among ourselves.
From this it is but a short step to the realization that all forms of life and being are simply variations on a single theme: we are all in fact one being doing the same thing in as many different ways as possible. As the French proverb goes, plus ca change, plus c’est la meme chose (the more it varies, the more it is one). I see, further, that feeling threatened by the inevitability of death is really the same experience as feeling alive, and that as all beings are feeling this everywhere, they are all just as much “I” as myself. Yet the “I” feeling, to be felt at all, must always be a sensation relative to the “other”-to something beyond its control and experience. To be at all, it must begin and end. But the intellectual jump that mystical and psychedelic experiences make here is in enabling you to see that all these myriad I-centers are yourself—not, indeed, your personal and superficially conscious ego, but what Hindus call the paramatman, the Self of all selves.3 As the retina enables us to see countless pulses of energy as a single light, so the mystical experience shows us innumerable individuals as a single Self.
A kind of waking trance I have frequently had, quite up from boyhood, when I have been all alone. This has generally come upon me thro’ repeating my own name two or three times to myself silently, till all at once, as it were out of the intensity of the consciousness of individuality, the individuality itself seemed to dissolve and fade away into boundless being, and this not a confused state, but the clearest of the clearest, the surest of the surest, the weirdest of the weirdest, utterly beyond words, where death was an almost laughable impossibility, the loss of personality (if so it were) seeming no extinction but the only true life.
The fourth characteristic is awareness of eternal energy, often in the form of intense white light, which seems to be both the current in your nerves and that mysterious e which equals mc2. This may sound like megalomania or delusion of grandeur-but one sees quite clearly that all existence is a single energy, and that this energy is one’s own being. Of course there is death as well as life, because energy is a pulsation, and just as waves must have both crests and troughs, the experience of existing must go on and off. Basically, therefore, there is simply nothing to worry about, because you yourself are the eternal energy of the universe playing hide-and-seek (off-and-on) with itself. At root, you are the Godhead, for God is all that there is. Quoting Isaiah just a little out of context: “I am the Lord, and there is none else. I form the light and create the darkness: I make peace, and create evil. I, the Lord, do all these things.”4 This is the sense of the fundamental tenet of Hinduism, Tat tram asi—”THAT (i.e., “that subtle Being of which this whole universe is composed”) art thou.”5 A classical case of this experience, from the West, is in Tennyson’s Memoirs:
Obviously, these characteristics of the psychedelic experience, as I have known it, are aspects of a single state of consciousness—for I have been describing the same thing from different angles. The descriptions attempt to convey the reality of the experience, but in doing so they also suggest some of the inconsistencies between such experience and the current values of society.
Opposition to Psychedelic Drugs
Resistance to allowing use of psychedelic drugs originates in both religious and secular values. The difficulty in describing psychedelic experiences in traditional religious terms suggests one ground of opposition. The Westerner must borrow such words as samadhi or moksha from the Hindus, or satori or kensho from the Japanese, to describe the experience of oneness with the universe. We have no appropriate word because our own Jewish and Christian theologies will not accept the idea that man’s inmost self can be identical with the Godhead, even though Christians may insist that this was true in the unique instance of Jesus Christ. Jews and Christians think of God in political and monarchical terms, as the supreme governor of the universe, the ultimate boss. Obviously, it is both socially unacceptable and logically preposterous for a particular individual to claim that he, in person, is the omnipotent and omniscient ruler of the world-to be accorded suitable recognition and honor.
Such an imperial and kingly concept of the ultimate reality, however, is neither necessary nor universal. The Hindus and the Chinese have no difficulty in conceiving of an identity of the self and the Godhead. For most Asians, other than Muslims, the Godhead moves and manifests the world in much the same way that a centipede manipulates a hundred legs-spontaneously, without deliberation or calculation. In other words, they conceive the universe by analogy with an organism as distinct from a mechanism. They do not see it as an artifact or construct under the conscious direction of some supreme technician, engineer, or architect.
If, however, in the context of Christian or Jewish tradition, an individual declares himself to be one with God, he must be dubbed blasphemous (subversive) or insane. Such a mystical experience is a clear threat to traditional religious concepts. The Judaeo-Christian tradition has a monarchical image of God, and monarchs, who rule by force, fear nothing more than insubordination. The Church has therefore always been highly suspicious of mystics, because they seem to be insubordinate and to claim equality or, worse, identity with God. For this reason, John Scotus Erigena and Meister Eckhart were condemned as heretics. This was also why the Quakers faced opposition for their doctrine of the Inward Light, and for their refusal to remove hats in church and in court. A few occasional mystics may be all right so long as they watch their language, like St. Teresa of Avila and St. John of the Cross, who maintained, shall we say, a metaphysical distance of respect between themselves and their heavenly King. Nothing, however, could be more alarming to the ecclesiastical hierarchy than a popular outbreak of mysticism, for this might well amount to setting up a democracy in the kingdom of heaven-and such alarm would be shared equally by Catholics, Jews, and fundamentalist Protestants.
The monarchical image of God, with its implicit distaste for religious insubordination, has a more pervasive impact than many Christians might admit. The thrones of kings have walls immediately behind them, and all who present themselves at court must prostrate themselves or kneel, because this is an awkward position from which to make a sudden attack. It has perhaps never occurred to Christians that when they design a church on the model of a royal court (basilica) and prescribe church ritual, they are implying that God, like a human monarch, is afraid. This is also implied by flattery in prayers:
O Lord our heavenly Father, high and mighty, King of kings, Lord of lords, the only Ruler of princes, who dost from thy throne behold all the dwellers upon earth: most heartily we beseech thee with thy favor to behold….
The Western man who claims consciousness of oneness with God or the universe thus clashes with his society’s concept of religion. In most Asian cultures, however, such a man will be congratulated as having penetrated the true secret of life. He has arrived, by chance or by some such discipline as Yoga or Zen meditation, at a state of consciousness in which he experiences directly and vividly what our own scientists know to be true in theory. For the ecologist, the biologist, and the physicist know (but seldom feel) that every organism constitutes a single field of behavior, or process, with its environment. There is no way of separating what any given organism is doing from what its environment is doing, for which reason ecologists speak not of organisms in environments but of organism-environments. Thus the words “I” and “self” should properly mean what the whole universe is doing at this particular “here-and-now” called John Doe.
The kingly concept of God makes identity of self and God, or self and universe, inconceivable in Western religious terms. The difference between Eastern and Western concepts of man and his universe, however, extends beyond strictly religious concepts. The Western scientist may rationally perceive the idea of organism-environment, but he does not ordinarily feel this to be true. By cultural and social conditioning, he has been hypnotized into experiencing himself as an ego-as an isolated center of consciousness and will inside a bag of skin, confronting an external and alien world. We say, “I came into this world.” But we did nothing of the kind. We came out of it in just the same way that fruit comes out of trees. Our galaxy, our cosmos, “peoples” in the same way that an apple tree “apples.”
Such a vision of the universe clashes with the idea of a monarchical God, with the concept of the separate ego, and even with the secular, atheist/agnostic mentality, which derives its common sense from the mythology of nineteenth-century scientist. According to this view, the universe is a mindless mechanism and man a sort of accidental microorganism infesting a minute globular rock that revolves about an unimportant star on the outer fringe of one of the minor galaxies. This “put-down” theory of man is extremely common among such quasi scientists as sociologists, psychologists, and psychiatrists, most of whom are still thinking of the world in terms of Newtonian mechanics, and have never really caught up with the ideas of Einstein and Bohr, Oppenheimer and Schrodinger. Thus to the ordinary institutional-type psychiatrist, any patient who gives the least hint of mystical or religious experience is automatically diagnosed as deranged. From the standpoint of the mechanistic religion, he is a heretic and is given electroshock therapy as an up-to-date form of thumbscrew and rack. And, incidentally, it is just this kind of quasi scientist who, as consultant to government and law-enforcement agencies, dictates official policies on the use of psychedelic chemicals.
Inability to accept the mystic experience is more than an intellectual handicap. Lack of awareness of the basic unity of organism and environment is a serious and dangerous hallucination. For in a civilization equipped with immense technological power, the sense of alienation between man and nature leads to the use of technology in a hostile spirit—to the “conquest” of nature instead of intelligent co-operation with nature. The result is that we are eroding and destroying our environment, spreading Los Angelization instead of civilization. This is the major threat overhanging Western, technological culture, and no amount of reasoning or doom-preaching seems to help. We simply do not respond to the prophetic and moralizing techniques of conversion upon which Jews and Christians have always relied. But people have an obscure sense of what is good for them-call it “unconscious self-healing,” “survival instinct,” “positive growth potential,” or what you will. Among the educated young there is therefore a startling and unprecedented interest in the transformation of human consciousness. All over the Western world publishers are selling millions of books dealing with Yoga, Vedanta, Zen Buddhism, and the chemical mysticism of psychedelic drugs, and I have come to believe that the whole “hip” subculture, however misguided in some of its manifestations, is the earnest and responsible effort of young people to correct the self-destroying course of industrial civilization.
The content of the mystical experience is thus inconsistent with both the religious and secular concepts of traditional Western thought. Moreover, mystical experiences often result in attitudes that threaten the authority not only of established churches, but also of secular society. Unafraid of death and deficient in worldly ambition, those who have undergone mystical experiences are impervious to threats and promises. Moreover, their sense of the relativity of good and evil arouses the suspicion that they lack both conscience and respect for law. Use of psychedelics in the United States by a literate bourgeoisie means that an important segment of the population is indifferent to society’s traditional rewards and sanctions.
In theory, the existence within our secular society of a group that does not accept conventional values is consistent with our political vision. But one of the great problems of the United States, legally and politically, is that we have never quite had the courage of our convictions. The Republic is founded on the marvelously sane principle that a human community can exist and prosper only on a basis of mutual trust. Metaphysically, the American Revolution was a rejection of the dogma of Original Sin, which is the notion that because you cannot trust yourself or other people, there must be some Superior Authority to keep us all in order. The dogma was rejected because, if it is true that we cannot trust ourselves and others, it follows that we cannot trust the Superior Authority which we ourselves conceive and obey, and that the very idea of our own untrustworthiness is unreliable!
Citizens of the United States believe, or are supposed to believe, that a republic is the best form of government. Yet vast confusion arises from trying to be republican in politics and monarchist in religion. How can a republic be the best form of government if the universe, heaven, and hell are a monarchy? Thus, despite the theory of government by consent, based upon mutual trust, the peoples of the United States retain, from the authoritarian backgrounds of their religions or national origins, an utterly naive faith in law as some sort of supernatural and paternalistic power. “There ought to be a law against it!” Our law-enforcement officers are therefore confused, hindered, and bewildered—not to mention corrupted—by being asked to enforce sumptuary laws, often of ecclesiastical origin, that vast numbers of people have no intention of obeying and that, in any case, are immensely difficult or simply impossible to enforce—for example, the barring of anything so undetectable as LSD-25 from international and interstate commerce.
Finally, there are two specific objections to use of psychedelic drugs. First, use of these drugs may be dangerous. However, every worth-while exploration is dangerous—climbing mountains, testing aircraft, rocketing into outer space, skin diving, or collecting botanical specimens in jungles. But if you value knowledge and the actual delight of exploration more than mere duration of uneventful life, you are willing to take the risks. It is not really healthy for monks to practice fasting, and it was hardly hygienic for Jesus to get himself crucified, but these are risks taken in the course of spiritual adventures. Today the adventurous young are taking risks in exploring the psyche, testing their mettle at the task just as, in times past, they have tested it—more violently—in hunting, dueling, hot-rod racing, and playing football. What they need is not prohibitions and policemen, but the most intelligent encouragement and advice that can be found.
Second, drug use may be criticized as an escape from reality. However, this criticism assumes unjustly that the mystical experiences themselves are escapist or unreal. LSD, in particular, is by no means a soft and cushy escape from reality. It can very easily be an experience in which you have to test your soul against all the devils in hell. For me, it has been at times an experience in which I was at once completely lost in the corridors of the mind and yet relating that very lostness to the exact order of logic and language, simultaneously very mad and very sane. But beyond these occasional lost and insane episodes, there are the experiences of the world as a system of total harmony and glory, and the discipline of relating these to the order of logic and language must somehow explain how what William Blake called that “energy which is eternal delight” can consist with the misery and suffering of everyday life.
The undoubted mystical and religious intent of most users of the psychedelics, even if some of these substances should be proved injurious to physical health, requires that their free and responsible use be exempt from legal restraint in any republic that maintains a constitutional separation of church and state. To the extent that mystical experience conforms with the tradition of genuine religious involvement, and to the extent that psychedelics induce that experience, users are entitled to some constitutional protection. Also, to the extent that research in the psychology of religion can utilize such drugs, students of the human mind must be free to use them. Under present laws, I, as an experienced student of the psychology of religion, can no longer pursue research in the field. This is a barbarous restriction of spiritual and intellectual freedom, suggesting that the legal system of the United States is, after all, in tacit alliance with the monarchical theory of the universe, and will, therefore, prohibit and persecute religious ideas and practices based on an organic and unitary vision of the universe.
“Man as an organism is to the world outside like a whirlpool is to a river: man and world are a single natural process, but we are behaving as if we were invaders and plunderers in a foreign territory. For when the individual is defined and felt as the separate personality or ego, he remains unaware that his actual body is a dancing pattern of energy that simply does not happen by itself. It happens only in concert with myriads of other patterns – called animals, plants, insects, bacteria, minerals, liquids, and gases. The definition of a person and the normal feeling of ‘I’ do not effectively include these relationships. You say, ‘I came into this world.’ You didn’t; you came out of it, as a branch from a tree.” (pg. 20)
“The special branch of science which studies the relation of living beings to their environments – ecology – shows beyond doubt that the individual organism and its environment are a continuous stream, or field, of energy. To draw a new moral from the bees and the flowers: the two organisms are very different, for one is rooted in the ground and broadcasts perfume, while the other moves freely in the air and buzzes. But because they cannot exist without each other, it makes real sense to say that they are in fact two aspects of a single organism. Our heads are very different in appearance from our feet, but we recognize them as belonging to one individual because they are obviously connected by skin and bones. But less obvious connections are no less real…
Civilized human beings are alarmingly ignorant of the fact that they are continuous with their natural surroundings. It is as necessary to have air, water, plants, insects, birds, fish, and mammals as it is to have brains, hearts, lungs, and stomachs. The former are our external organs in the same way that the latter are our internal organs. (…) The sun, the earth, and the forests are just as much features of your own body as your brain. Erosion of the soil is as much a personal disease as leprosy, and many ‘growing communities’ are as disastrous as cancer. That we do not feel this to be obvious is the result of centuries of habituation to the idea that oneself is only the envelope of skin and its contents, the inside but not the outside. The extreme folly of this notion becomes clear as soon as you try to imagine an inside with no outside, or an outside with no inside.” (pg. 36-37)
“Civilization, as we have worked it out, is a system of screens which conceal the connections between events. (…) Bacon, as found packaged in the supermarket, gives no intimation of pig, and steaks appear as if they were entities like apples, having no relation to the slicing of dead cattle. To remove such screens is held to be as offensive and vulgar as to relieve one’s bowels in the gutter of a public street.” (pg. 40)
…o Zen é mover-se com a vida, sem tentar parar ou interromper seu fluxo; é a consciência imediata das coisas à medida que vivem e se movem, diferente da mera captação de idéias e sentimentos sobre as coisas, símbolos apagados de uma realidade viva. […]. O que quer dizer que o contato entre um fato e a resposta da mente a ele não deve ser interrompido pelo pensamento discursivo. […]
O que foi dito é, de muitas maneiras, muito semelhante à arte de ouvir música; se paramos para considerar nossa reação intelectual ou emocional em relação a uma sinfonia enquanto esta estiver sendo executada, para analisar a construção de um acorde ou nos determos num compasso particular, perde-se a melodia.
Para ouvir toda a sinfonia temos de nos concentrar no fluxo das notas e das harmonias à medida que soam, mantendo a nossa mente sempre no mesmo ritmo. Pensar sobre o que passou, imaginar o que virá ou analisar o seu efeito sobre nós é interromper a sinfonia e perder a realidade. Toda a atenção deve ser dirigida à sinfonia e devemos esquecer de nós mesmos…
A vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que seduzem a teoria para o misticismo encontram a sua solução racional na práxis humana e na compreensão desta práxis. [Karl Marx, 1845]
Combatendo a distorção e divulgação de notícias e conceitos falsos; Ocupando as redes sociais e denunciando moralistas e interesseiros de ocasião; Dialogando e formando amigos e conhecidos seduzidos por soluções autoritárias; Colaborando com ações e propostas conscientizadoras sobre as liberdades civis; Frequentando e defendendo os espaços plurais de produção, difusão e compartilhamento de saberes, conhecimentos e artes. RESISTA!