MAIS VIVOS DO QUE NUNCA: Apesar dos esforços da Idiocracia, da Cruzada por um Brasil Medieval dos Bolsominions e da seita “Escola Sem Partido”, Paulo Freire e a Pedagogia do Oprimido resistem

Um dos maiores intelectuais latino-americanos do século 20, o criador da Pedagogia do Oprimido e Patrono da Educação Brasileira, Paulo Freire (1941 – 1997) poderia dizer, na esteira de Isaac Newton: “se eu vi mais longe foi por estar sobre os ombros de gigantes“. O que poucos sabem é que o educador pernambucano subiu nos ombros de gigantes do pensamento africano e de-colonial como Franz Fanon, Amílcar Cabral e Albert Memmi.

Estes mestres da libertação contra as opressões coloniais, que tanto inspiraram a práxis Freireana, têm obras cruciais que o leitor brasileiro tem cada vez mais oportunidade de conhecer a fundo através de importantes livros publicados por aqui: a exemplo de Pele Negra, Máscaras Brancas (FANON, Ed. UFBA), Amílcar Cabral e a crítica ao colonialismo (VILLEN, Ed. Expressão Popular)Retrato do Colonizador precedido de Retrato do Colonizado (MEMMI, Ed. Paz e Terra).

Nascido na Tunísia em 1920, Albert Memmi compartilha com seu xará argelino, o Albert Camus, outros elementos além do enraizamento em um país do Norte da África banhado pelo Mediterrâneo. Memmi e Camus também compartilham uma versatilidade de escrita notável: ambos aventuraram-se tanto na literatura (A Estátua de Sal é o romance mais conhecido de Memmi, e sabe-se que Camus venceu o Prêmio Nobel de Literatura por vasta obra em que se destacam O Estrangeiro e A Peste) quanto em escritos ensaísticos sobre ética, filosofia, política, relações internacionais, guerra e paz, dentre outros temas candentes.

Além disso, ao irromperem no cenário literário francês do século 20, figuras como Camus e Memmi trouxeram para o epicentro da discussão pública as questões candentes do imperialismo e do colonialismo, enxergados por um viés crítico que explicitava as proveniências africanas de ambos (um, da Argélia, outro da Tunísia), com forte presença também da escola-de-pensamento (e de vida) que viria a ser conhecida como Existencialismo.

Cá no Brasil e atravessando seus muitos exílios, Paulo Freire tomou aprofundado contato com os existencialistas, tendo sido também impactado enormemente pela figura grandiosa, no cenário intelectual do século, de Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir. Freire compartilha com todos estes autores um interesse pelo estudo e pela decifração das relações sociais de opressão imperial, um estudo todo atravessado pela ética freireana, comprometida com a nossa libertação coletiva das garras da Opressão.

O ensinamento central de Freire é que a opressão desumaniza tanto os oprimidos quanto os opressores. A opressão é péssima para ambos. Os opressores, ao impedirem e sabotarem os ímpetos de transformação social liderados pelos oprimidos em seu processo de partejar uma realidade menos desumana, agem contra seus próprios melhores interesses: a conservação da opressão, na verdade, não interessa nem mesmo aos opressores pois os desumaniza e os enche de uma culpa dificilmente lavável.

“A luta pela humanização, pelo trabalho livre, pela desalienação, pela afirmação dos homens como pessoas, como ‘seres para si’, esta luta pela humanização somente é possível porque a desumanização, mesmo que um fato concreto na história, não é, porém, destino dado, mas sim resultado de uma ‘ordem’ injusta que gera a violência dos opressores e esta, o ser-menos. (…) O ser-menos leva os oprimidos, cedo ou tarde, a lutar contra quem os fez menos. E esta luta somente tem sentido quando os oprimidos, ao buscarem recuperar sua humanidade, que é uma forma de criá-la, não se sintam opressores, nem se tornem, de fato, opressores dos opressores, mas restauradores da humanidade em ambos. E aí está a grande tarefa humanista e histórica dos oprimidos – libertar-se a si mesmos e aos opressores. (…) Só o poder que nasça da debilidade dos oprimidos será suficientemente forte para libertar a ambos.” – PAULO FREIRE, Pedagogia do Oprimido

“Se a colonização destrói o colonizado, ela apodrece o colonizador”, escreve Memmi (p. 22). Neste livro impressionante em que pinta retratos de colonizados e colonizadores, subdividindo cada grupo em certos subtipos, Memmi explorou o tema da opressão colonial de maneira muito próxima àquela que marcará a visada Freireana. Ambos enxergam a realidade socialmente construída do Sistema Colonial como “organização da injustiça”, e Memmi nos pede que imaginemos alguém recém-desembarcado em Túnis sob domínio do Império Francês:

“Acontece de o recém-desembarcado, estupefato desde seus primeiros contatos com os pequenos aspectos da colonização, a multidão de mendigos, as crianças que circulam quase nuas, o tracoma etc., pouco à vontade diante de tão evidente organização da injustiça, revoltado pelo cinismo de seus próprios compatriotas (‘não preste atenção na miséria! Você vai ver, a gente se acostuma rápido!’), logo pensar em ir embora.” (MEMMI: RJ, 2007, p. 56)

Caso decida ficar, este hipotético sujeito, nascido na metrópole e transplantado para a colônia, poderá sentir a tentação perigosa do humanitarismo. Sentindo piedade pelos oprimidos, sofrendo com a miséria dos miseráveis, permitindo que seu coração bata em sintonia com os corações que sangram na sarjeta e só comem as migalhas caídas da mesa dos ricos, este sujeito pode sentir-se atraído, em sua revolta, pela revolução dos oprimidos. Porém, como ironiza Memmi:

“O romantismo humanitário é considerado na colônia como uma doença grave, o pior dos perigos: não é nem mais nem menos que a passagem para o campo do inimigo. Se ele se obstinar, aprenderá que embarca para um inconfessável conflito com os seus, o qual permanecerá para sempre aberto, jamais cessará, a não ser com sua derrota ou seu retorno ao redil do colonizador. Muitos se surpreendem com a violência dos colonizadores contra o compatriota que põem em perigo a colonização.” (op cit, p. 57)

Freire aprendeu muito, na escola de Memmi, Fanon e Amílcar Cabral, a realizar uma leitura psico-social da realidade marcada pela opressão onidesumanizante: para ele, a realidade psicológica dos sujeitos designados pelos termos oprimido e opressor é bem mais complexa do que sonha nosso ingênuo simplismo. O oprimido pode hospedar dentro de si uma espécie de versão íntima do opressor. Já o opressor, em alguns casos (infelizmente raros), pode deixar-se comover pelo destino dos oprimidos e decidir-se a cometer o suicídio de classe que Amílcar Cabral tematizou e que figuras como Friedrich Engels e Fidel Castro cometeram na prática.

Ora, para que possa dar o salto essencial de auto-superação de sua condição oprimida, é preciso que o sujeito vença a consciência ingênua através de um esforço da consciência crítica que vai desvelando esta realidade psíquica complexa: o oprimido que hospeda dentro de si os valores, os modos de pensar, os jeitos de viver, as maneiras de enxergar o mundo, as formas de fruir de seu tempo livre, as epistemes e tábuas de valores pegas de empréstimo do cabedal do opressor. Donde a necessidade suprema de uma educação comprometida com a descolonização de corações e mentes. Mas isto não é tudo: a Pedagogia do Oprimido, ao contrário do que pensam muitos, não foi concebida para educar somente os oprimidos.

Paulo Freire estava no mundo também para educar os opressores, para ensiná-los sobre a desumanização de si mesmos em que caem, abismo sem fundo, ao apegarem-se a seus privilégios injustos e às suas usurpadas posições de poder opressivo. Esta fusão entre marxismo e cristianismo que Paulo Freire busca efetivar enxerga em seu horizonte utópico – síntese entre denúncia e anúncio – o advento de um Reino onde a fraternidade seja de fato um valor vivido e encarnado, e não apenas ídolo distante ao qual se presta apenas serviço labial. Fraternos seríamos caso não mais estivéssemos em uma sociedade cindida entre a elite opressora e as massas oprimidas. Por isso é do interesse de toda a Humanidade a proposta da Pedagogia do Oprimido: a opressão nos desumaniza a todos.

Na atitude de figuras como Memmi, Freire, Amílcar, Gramsci, dentre outros, temos claramente um engajamento existencial em prol da transformação radical de uma realidade social marcada pela injustiça organizada – e sabemos muito bem que o fascismo é uma das expressões máximas desta organização do injusto, desta “banalidade do mal” que torna a injustiça cotidiana como o pão com manteiga: “O que é o fascismo senão um regime de opressão em proveito de alguns?”, pergunta-se Memmi, lembrando-nos que “toda nação colonial carrega assim, em seu seio, os germes da tentação fascista”:

“Toda a máquina administrativa e política da colônia não tem outra finalidade senão a opressão em proveito de alguns. As relações humanas ali provêm de uma exploração tão intensa quanto possível, fundam-se na desigualdade e no desprezo e são garantidas pelo autoritarismo policial. Não há qualquer dúvida, para quem o viveu, de que o colonialismo é uma variação do fascismo…” (MEMMI, op cit, p. 100)

Hitler e Mussolini não tiraram suas práticas “do nada”: puderam se inspirar no apartheid que o Império Britânico instalou na África do Sul. Escrevendo em 1957, quando muitas das nações da África atual ainda não tinham conquistado plena independência, Memmi fala sobre “esse rosto totalitário, assumido em suas colônias por regimes muitas vezes democráticos”, que prossegue de tanta atualidade: muitas metrópoles pretensamente humanitárias, que se auto-decretam o cume e auge da evolução histórica do ser humano, como a França do Iluminismo, mostram sua face fascista no trato com suas colônias.

Tanto é assim que os Jacobinos Negros da Revolução no Haiti tiveram que realizar uma insurreição armada em prol de sua independência, e que os argelinos se envolveram numa longa e custosa Guerra de Independência contra o Império francês já no pós-2a Guerra Mundial (cuja crônica cinematográfica incomparável está em A Batalha de Argel, obra-prima do italiano Gillo Pontecorvo).

Os EUA, que vestem diante do mundo a máscara de Democracia Liberal que guia o mundo nos caminhos do Capitalismo Com Face Humana, manifestam um rosto fascista-totalitário nas ações imperialistas que realizam nas partes do mundo que desejam reduzir a colônias: foi assim na Guerra do Vietnã (que espalhou-se para o Camboja), foi assim nos inúmeros regimes ditatoriais que patrocinou e apoiou na América Latina e Central (com golpes militares apoiados por Tio Sam na Guatemala em 1954, no Brasil em 1964 e no Chile em 1973, para ficar só em três episódios históricos paradigmáticos), está sendo assim na atual Guerra Contra o Terror (e contra o Estado Islâmico) turbinada por xenofobia islamofóbica e petrodollars.

Paulo Freire o sentiu na pele: se, no começo dos anos 1960, revolucionava a educação nacional, comandava um programa de alfabetização que renovou todas as noções e práticas sobre o tema, logo depois do coup d’état manu militari acabou sendo preso e posteriormente exilado. Pôde assim perceber bem o quanto a ditadura militar, uma espécie de Estado fantoche servindo aos interesses do imperialismo norte-americano, investia pesado na manutenção das bases materiais da opressão capitalista continuada. O que diria se estivesse vivo diante das evidências de que, em 2019, o Brasil volta à posição ajoelhada diante do Tio Sam?

O pseudo-patriota Bolsonaro, aquele que presta continência para a Star Spangled Banner, tem atuado com total subserviência diante do establishment estadunidense, o que se manifesta não só pela escolha de Olavo de Carvalho como grande “guru do governo” (teleguiado desde o QG em Richmond, Virginia) mas também pelas já explicitadas analogias entre a mentalidade racista-supremacista de Jair e a da Ku Klux Klan. Poderíamos dizer que aquele que idolatra Ustra e Pinochet hoje não encontra nada melhor a fazer senão pagar-pau pra Olavo, David Duke e Donald Trump. Diante de tal catástrofe – um “projeto de Hitler tropical”, como diz Mário Magalhães em sua biografia de 2018 -, obviamente a Educação se insurgiu.

TRÊS LEVANTES EM 30 DIAS DE RE(X)ISTÊNCIA

TSUNAMI DA BALBÚRDIA – Uma trilogia documental produzida por A Casa de Vidro nas manifestações cívicas de 15 de Maio, 30 de Maio e 14 de Junho em Goiânia.

ASSISTA AOS TRÊS CURTAS:

DOC #1: Tsunami da Balbúrdia


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DOC #2: Somos Gotas Nesse Mar de Revolta


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DOC #3: É Greve porque é Grave


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As Jornadas de Maio de 2019, que busquei retratar nos três documentários sobre o #TsunamiDaEducação, foram motivadas pela percepção, a meu ver muito acertada, de que Bolsonaro é inimigo da Educação, agente da Barbárie e da Imbecilização. E como foi comovente ver que Paulo Freire saiu dos livros e ganhou as ruas: suas frases berravam nos cartazes, as capas de suas obras foram reproduzidas em escudos de papelão, sua memória foi reavivada pelos manifestantes. Não eram protestos apenas contra os cortes anunciados pelo MEC: 30% das verbas discricionárias, um montante de aprox. R$ 5.700.000.000 e que o Ministro Weintraub teve a pachorra de comparar a 3 chocolatinhos e meio.

Eram protestos contra uma visão cretina e brucutu da Educação, típica do Bolsonarismo, pois esta tirania neofascista deseja o fim da educação comprometida com o desenvolvimento da consciência crítica. O que os Bolsonaristas desejam é o fim de uma escola que possa ensinar-nos o engajamento em prol da transformação do mundo na direção de menos-opressão, ou seja, na direção de um coletivo ser-mais.

 Os Bolsonaristas querem a morte da utopia e o triunfo do conformismo: deveríamos nos resignar à velha educação que coloniza as mentes. O velho esquema da “injustiça organizada”, em que se racha a educação entre uma área VIP para a elite (universidades “de ponta”, só pra ricos!) e uma vasta área de educação precarizada e apêndice-do-mercado para os pobres, a quem se oferece somente uma formação meramente técnica e a quem destina-se a integrar as vastas fileiras do proletariado em sua nova versão, o Precariado: em tempos de “uberização” dos trampos, vemos a proliferação de um ideal capitalista neofascista: os proletários pós-CLT, pós-Aposentadoria, pós-SUS, pós-Direitos, na era da Idiocracia de Direita.

Neste cenário distópico, Paulo Freire volta a ser nosso precioso aliado. E estou entre aqueles que deseja caminhar acompanhado por este peregrino da utopia que, diante das opressões multiformes que maculam o estar-sendo do mundo, via na educação crítica e libertadora o caminho principal para o partejar de um outro mundo possível, “outra realidade menos morta”, onde estivessem abolida esta triste ordem onde reina “tanta mentira, tanta força bruta”.

PARTE 2: A LIBERDADE É NOSSA RESPONSABILIDADE

Os Zapatistas de Chiapas – lá onde “o povo manda e o governo obedece” – tem um belo ensinamento: “A liberdade é como a manhã: alguns a esperam dormindo, porém alguns acordam e caminham na noite para alcançá-la.” Esta reflexão, atribuída ao Subcomandante Marcos (hoje conhecido pelo codinome Galeano), está bem em sintonia com os ensinamentos de Paulo Freire e seus mestres, dentre eles Albert Memmi: para eles, a liberdade não é uma doação ou uma graça, que nos seria simplesmente concedida, mas é fruto de nossa luta coletiva. Mais que isso: a liberdade é nossa responsabilidade.



Evocar o exemplo do Zapatismo na atualidade mexicana, ou do Movimento Sem-Terra no Brasil, é essencial para esta reflexão sobre liberdade e responsabilidade. Tanto os Zapatistas quanto o MST são compostos por pessoas que desejam ser os sujeitos e não os objetos da História, ou seja, são os que atravessam a madrugada despertos tentando conquistar a manhã ao invés de esperá-la dormindo. Sabem da verdade vivida que Freire enunciou quando disse que “ninguém se liberta sozinho, as pessoas se libertam em comunhão”, um dos pensamentos onde melhor se sintetiza o marxismo cristão deste pensador.

Se a educação é tão essencial à transformação social profunda é pois não basta revolucionar as condições econômicas e políticas caso se deixe intocado todo o âmbito do psíquico dos sujeitos: o que é necessário não é apenas romper com um sistema de produção baseado na espoliação injusta dos frutos do trabalho de proletários e camponeses, mas também ajudar os injustiçados a saírem do lodaçal da consciência ingênua, mistificada, fatalista. Não tenho o conhecimento empírico nem fiz a pesquisa de campo necessária para afirmar que o ideal pedagógico Freireano está em ação nas escuelitas dos zapatistas em seus caracoles, mas parece-me que há muitas convergências de utopia e de práxis estabelecendo uma espécie de ponte entre o educador pernambucano e os revolucionários de Chiapas.

Nas escuelitas zapatistas, ou dentro do MST, a Pedagogia do Oprimido que se coloca em prática tem muito a ver com esta ação ética e política de suprema importância: os sujeitos assumindo a responsabilidade pela liberdade. Em algumas das mais belas páginas que escreveu, Albert Memmi fala sobre os oprimidos em uma situação de opressão colonial (os “colonizados”), em contraste com “os cidadãos dos países livres” (ou seja, os sujeitos que vivem na metrópole):

“A mais grave carência sofrida pelo colonizado é a de ser colocado fora da história e fora da cidade. A colonização lhe suprime qualquer possibilidade de participação livre tanto na guerra quanto na paz, de decisão que contribua para o destino do mundo ou para o seu, de responsabilidade histórica e social.

É claro que acontece de os cidadãos dos países livres, tomados de desânimo, concluírem que nada têm a ver com as questões da nação, que sua ação é irrisória, que sua voz não tem alcance, que as eleições são manipuladas. A imprensa e o rádio estão nas mãos de alguns; eles não podem impedir a guerra nem exigir a paz; nem sequer obter dos eleitos por eles respeitados que, uma vez empossados, confirmem a razão pela qual foram enviados ao Parlamento…

Mas logo reconhecem que têm o direito de interferir; o poder potencial, se não eficaz: que estão sendo enganados ou estão cansados, mas não são escravos. São homens livres, momentaneamente vencidos pela astúcia ou entorpecidos pela demagogia. E às vezes, excedidos, ficam subitamente enraivecidos, quebram suas correntes de barbante e perturbam os pequenos cálculos dos políticos. A memória popular guarda uma orgulhosa lembrança dessas periódicas e justas tempestades!

Considerando bem, eles deveriam antes de tudo se culpar por não se revoltarem mais frequentemente; são responsáveis, afinal, por sua própria liberdade, e se, por cansaço ou fraqueza, ou ceticismo, não a usam, merecem punição.

Mas o colonizado não se sente nem responsável nem culpado nem cético; simplesmente fica fora do jogo. De nenhuma maneira é sujeito da história; é claro que sofre o peso dela, com frequência mais cruelmente do que os outros, mas sempre como objeto. Acabou perdendo o hábito de toda participação ativa na história e nem sequer a reivindica mais. Por menos que dure a colonização, perde até mesmo a lembrança da sua liberdade; esquece o quanto ela custa ou não ousa mais pagar o seu preço.

Senão, como explicar que uma guarnição de alguns poucos homens possa sustentar um posto de montanha? Que um punhado de colonizadores frequentemente arrogantes possa viver no meio de uma multidão de colonizados? Os próprios colonizadores se espantam, e é por isso que acusam o colonizado de covardia.” (MEMMI, op cit, p. 133 – 134).

Albert Memmi, filósofo e escritor tunisiano.

Ora, se os oprimidos-colonizados acabam por aderir, ao menos parcialmente, à ideologia da classe dominante, ou seja, dos opressores-colonizadores, então torna-se óbvio que a tarefa revolucionária também consiste em ejetar de dentro dos oprimidos esta inculcada mistificação que serve aos dominadores.

mistificação é o instrumento da opressão: “a ideologia de uma classe dirigente, como se sabe, se faz adotar em larga escala pelas classes dirigidas” (p. 125), como lembra Memmi. A imagem-do-colonizado que o colonialista impõe a seus dominados muitas vezes encontra eco nos próprios dominados, que muitas vezes toleram o racismo e a presunção de superioridade que se manifesta em tudo que o colonialista diz e faz.

A marca do colonizador é sua arrogância, seu apego à noção de sua própria superioridade aos nativos pelo mero fato de ser proveniente da poderosa metrópole. E a marca da ideologia mistificadora que o colonizador propaga consiste, em última análise, na generalização ilegítima que subjaz ao racismo: todos os colonizadores seriam preguiçosos, ladrões em potencial, incapazes de liberdade e condenados à tutela, já que pertencem às raças inferiores etc. Memmi frisa:

“É notável que o racismo faça parte de todos os colonialismos, sob todas as latitudes. Não é uma coincidência: o racismo resume e simboliza a relação fundamental que une colonialista e colonizado. (…) Conjunto de comportamentos, de reflexos aprendidos, exercidos desde a mais tenra infância, fixado, valorizado pela educação, o racismo colonial é tão espontaneamente incorporado aos gestos, às palavras, mesmo as mais banais, que parece constituir uma das estruturas mais sólidas da personalidade colonialista… Ora, a análise da atitude racista revela 3 elementos importantes:

1 – Descobrir e pôr em evidências as diferenças entre colonizador e colonizado;
2 – Valorizar essas diferenças em benefício do colonizador e em detrimento do colonizado;
3 – Levar essas diferenças ao absoluto afirmando que são definitivas e agindo para que passem a sê-lo…

Longe de buscar o que poderia atenuar seu desenraizamento, aproximá-lo do colonizado e contribuir para a fundação de uma cidade comum, o colonialista, ao contrário, se apóia em tudo o que o separa dele. E nessas diferenças, sempre infamantes para o colonizado e gloriosas para si, encontra a justificação de sua recusa… É preciso impedir que se tape o fosso.” (MEMMI, p. 108)

A ideologia do colonialista, marcada pelo racismo, pela presunção de superioridade, pelo rebaixamento e desumanização do outro, por ação dos aparatos de transmissão ideológica (como a escola, a imprensa, a igreja etc.) acaba por dominar em parte os corações e mentes dos colonizados. Daí a importância crucial de uma educação descolonizadora, que ensine os sujeitos a se empoderarem como sujeitos históricos em pé de igualdade com aqueles que, no topo de pirâmides sociais e de dentro de palácios governamentais ou mercadológicos, pretendem rebaixá-los, oprimi-los, escravizá-los.

No século 16, o jovem Étienne de la Boétie, o amigo de Michel de Montaigne, em seu livro Sobre a Servidão Voluntária, já se perguntava pelo segredo do predomínio dos tiranos diante de uma massa tão mais numerosa do que ele e sua corte de aliados. Mas só o número não basta: os oprimidos são numericamente superiores, mas boa parte deles está “nas garras” das mistificações produzidas pela ideologia dominante – patriarcal, teocrática, bancária etc.

Por isso, além de combaterem com penitenciárias e massacres, com exílios e expurgos, todos aqueles movimentos sociais organizados através dos quais os oprimidos buscam partejar um mundo melhor para todos, os opressores /  colonialista / dominadores preferem reinar sempre exibindo o espetáculo da força brutal com a qual podem esmagar qualquer revolta que ouse se manifestar. Portanto, não é justo que acusem os oprimidos de covardes, que digam dos dirigidos / dominados que não tem apreço pela liberdade nem coragem para defender seu direito a ela. Memmi, escrevendo em 1957, quando os aparatos de repressão ainda não eram tão hightech quanto hoje, lembra das violências destravadas pelos opressores contra qualquer levante que conteste o status quo: caso sintam-se ameaçadas, as classes dominantes e dirigentes rapidamente convocam auxílio:

“Todos os recursos da técnica, telefone, telegrama, avião colocariam à sua disposição, em alguns minutos, terríveis meios de defesa e destruição. Para um colonizador morto, centenas, milhares de colonizados foram ou serão exterminados. A experiência foi renovada – talvez provocada – um número suficiente de vezes para ter convencido o colonizado da inevitável e terrível sanção. Tudo foi feito para apagar nele a coragem de morrer e de enfrentar a visão do sangue.

Torna-se muito claro que, se se trata de fato de uma carência, nascida de uma situação e da vontade do colonizador, está limitada a apenas isso. Não há como associá-la a alguma impotência congênita em assumir a história. A própria dificuldade do condicionamento negativo, a obstinada severidade das leis já o demonstram… É por isso que a experiência da última guerra foi tão decisiva. Ela não apenas, como se disse, ensinou imprudentemente aos colonizados a técnica da guerrilha. Lembrou-lhes, sugeriu-lhes a possibilidade de um comportamento agressivo e livre.

Os governos europeus que, depois dessa guerra, proibiram a projeção, nas salas de cinema coloniais, de filmes como A Batalha dos Trilhos (La Bataille du Rail, de René Clement, 1945)tinham razão, de seu ponto de vista. Os westerns americanos, os filmes de gângster, os anúncios de propaganda de guerra já mostravam, objetaram-lhes, a maneira de usar um revólver ou uma metralhadora. Mas a significação dos filme de resistência é completamente diferente: alguns oprimidos, muito pouco ou nada armados, ousavam atacar seus opressores.” (MEMMI, p. 135)

Nenhuma revolução possível, pois, sem educação libertadora, e esta é necessariamente anti-racista e deve seguir ensinamentos delineados por pensadoras magistrais como Audre Lorde, Angela Davis e Bell Hooks. A leitura de Freire, Fanon, Memmi, dentre outros, conduz ao aprendizado de que os oprimidos, em sua luta coletiva por libertação, precisam conquistar os meios para vencer também dentro de si a presença do opressor. Este “tirano interior”, que Freud chamou de “super-ego” e que consistiria numa espécie de interiorização da autoridade externa, precisa ser derrubado tanto quanto os tiranos exteriores. “O colonizado hesita, de fato, antes de retomar seu destino em suas próprias mãos”, escreve Memmi (p. 136).

É função do educador comprometido com a superação das sociedades-de-opressão fornecer todo seu suor e toda as sinapses de seu cérebro, toda a arte de suas mãos e pernas, todo o sangue de suas sístoles e diástoles, para o partejar comum de um mundo onde possamos ser-mais, não mais cindidos entre exploradores e espoliados, mas sim camaradas humanizando-se no vitalício aprendizado da existência conjunta que se põe, como horizonte comum, a manhã da liberdade, da fraternidade, da justiça.

Esta liberdade jamais se fará caso aguardemos dormindo pela chegada da manhã. Temos que caminhar juntos na madrugada sabendo que a liberdade, sem as ações daqueles que a amam, não é nada senão um fantasma ineficaz ou ideal inútil evocado em poemas que ninguém lê. A liberdade necessita que a encarnemos, o que é missão para aqueles que estão acordados, mesmo nas madrugadas de breu mais intenso. Despertos para a sua passageira presença na Terra como sujeitos de uma História que os transcende, sabemos que a liberdade não é só o mais precioso dos bens a ser desejado. Sabemos que seu advento e sua consumação é nossa responsabilidade.

Eduardo Carli de Moraes 
19 de Junho de 2019

ASSISTA TAMBÉM:

VÍDEOS: “EI PROFESSOR, VOCÊ É DOUTRINADOR?”, palestra com as professoras da UFG Dra. Agustina Rosa Echeverría e Dra. Maria Margarida Machado, em evento realizado no anfiteatro da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás no dia 7 de junho de 2019.

1a parte, Dra. Echeverría:

2a parte, Dra. Machado:

Filmagem: A Casa de Vidro (www.acasadevidro.com)

LEIA TAMBÉM:

THE TRANSFORMATION OF SILENCE INTO LANGUAGE AND ACTION – By Audre Lorde

THE TRANSFORMATION OF SILENCE INTO LANGUAGE AND ACTION
Audre Lorde

I have come to believe over and over again that what is most important to me must be spoken, made verbal and shared, even at the risk of having it bruised or misunderstood. That the speaking profits me, beyond any other effect. I am standing here as a Black lesbian poet, and the meaning of all that waits upon the fact that I am still alive, and might not have been. Less than two months ago I was told by two doctors, one female and one male, that I would have to have breast surgery, and that there was a 60 to 80 percent chance that the tumor was malignant. Between that telling and the actual surgery, there was a three-week period of the agony of an involuntary reorganization of my entire life. The surgery was completed, and the growth was benign.

But within those three weeks, I was forced to look upon myself and my living with a harsh and urgent clarity that has left me still shaken but much stronger. This is a situation faced by many women, by some of you here today. Some of what I ex-perienced during that time has helped elucidate for me much of what I feel concerning the transformation of silence into language and action.

In becoming forcibly and essentially aware of my mortality, and of what I wished and wanted for my life, however short it might be, priorities and omissions became strongly etched in a merciless light, and what I most regretted were my silences. Of what had I ever been afraid? To question or to speak as I believed could have meant pain, or death. But we all hurt in so many different ways, all the time, and pain will either change or end. Death, on the other hand, is the final silence. And that might be coming quickly, now, without regard for whether I had ever spoken what needed to be said, or had only betrayed myself into small silences, while I planned someday to speak, or waited for someone else’s words. And I began to recognize a source of power within myself that comes from the knowledge that while it is most desirable not to be afraid, learning to put fear into a perspective gave me great strength.

The women who sustained me through that period were Black and white, old and young, lesbian, bisexual, and heterosexual, and we all shared a war against the tyrannies of silence. They all gave me a strength and concern without which I could not have survived intact. Within those weeks of acute fear came the knowledge – within the war we are all waging with the forces of death, subtle and otherwise, conscious or not – I am not only a casualty, I am also a warrior.

What are the words you do not yet have? What do you need to say? What are the tyrannies you swallow day by day and attempt to make your own, until you will sicken and die of them, still in silence? Perhaps for some of you here today, I am the face of one of your fears. Because I am woman, because I am Black, because I am lesbian, because I am myself – a Black woman warrior poet doing my work – come to ask you, are you doing yours?


And of course I am afraid, because the transformation of silence into language and action is an act of self-revelation, and that always seems fraught with danger. But my daughter, when I told her of our topic and my difficulty with it, said, “Tell them about how you’re never really a whole person if you remain silent, because there’s always that one little piece inside you that wants to be spoken out, and if you keep ignoring it, it gets madder and madder and hotter and hotter, and if you don’t speak it out one day it will just up and punch you in the mouth from the inside.”

In the cause of silence, each of us draws the face of her own fear – fear of contempt, of censure, or some judgment, or recognition, of challenge, of annihilation. But most of all, I think, we fear the visibility without which we cannot truly live. Within this country where racial difference creates a constant, if unspoken, distortion of vision, Black women have on one hand always been highly visible, and so, on the other hand, have been rendered invisible through the depersonalization of racism. Even within the women’s movement, we have had to fight, and still do, for that very visibility which also renders us most vulnerable, our Blackness. For to survive in the mouth of this dragon we call america, we have had to learn this first and most vital lesson – that we were never meant to survive. Not as human beings. And neither were most of you here today, Black or not. And that visibility which makes us most vulnerable is that which also is the source of our greatest strength. Because the machine will try to grind you into dust anyway, whether or not we speak. We can sit in our corners mute forever while our sisters and our selves are wasted, while our children are distorted and destroyed, while our earth is poisoned; we can sit in our safe corners mute as bottles, and we will still be no less afraid.

In my house this year we are celebrating the feast of Kwanza, the African-american festival of harvest which begins the day after Christmas and lasts for seven days. There are seven principles of Kwanza, one for each day. The first principle is Umoja, which means unity, the decision to strive for and maintain unity in self and community. The principle for yesterday, the sec-ond day, was Kujichagulia – self-determination – the decision to define ourselves, name ourselves, and speak for ourselves, instead of being defined and spoken for by others. Today is the third day of Kwanza, and the principle for today is Ujima – col-lective work and responsibility – the decision to build and maintain ourselves and our communities together and to recognize and solve our problems together.

Each of us is here now because in one way or another we share a commitment to language and to the power of language, and to the reclaiming of that language which has been made to work against us. In the transformation of silence into language and action, it is vitally necessary for each one of us to establish or examine her function in that transformation and to recognize her role as vital within that transformation.

For those of us who write, it is necessary to scrutinize not only the truth of what we speak, but the truth of that language by which we speak it. For others, it is to share and spread also those words that are meaningful to us. But primarily for us all, it is necessary to teach by living and speaking those truths which we believe and know beyond understanding. Because in this way alone we can survive, by taking part in a process of life that is creative and continuing, that is growth.

And it is never without fear – of visibility, of the harsh light of scrutiny and perhaps judgment, of pain, of death. But we have lived through all of those already, in silence, except death. And it is never without fear – of visibility, of the harsh light of scrutiny and perhaps judgment, of pain, of death. But we have lived through all of those already, in silence, except death. And I remind myself all the time now that if I were to have been born mute, or had maintained an oath of silence my whole life long for safety, I would still have suffered, and I would still die. It is very good for establishing perspective.


And where the words of women are crying to be heard, we must each of us recognize our responsibility to seek those words out, to read them and share them and examine them in their pertinence to our lives. That we not hide behind the mockeries of separations that have been imposed upon us and which so often we accept as our own. For instance, “I can’t possibly teach Black women’s writing – their experience is so different from mine.” Yet how many years have you spent teaching Plato and Shakespeare and Proust? Or another, “She’s a white woman and what could she possibly have to say to me?” Or, “She’s a lesbian, what would my husband say, or my chairman?” Or again, “This woman writes of her sons and I have no children.” And all the other endless ways in which we rob ourselves of ourselves and each other.

We can learn to work and speak when we are afraid in the same way we have learned to work and speak when we are tired. For we have been socialized to respect fear more than our own needs for language and definition, and while we wait in silence for that final luxury of fearlessness, the weight of that silence will choke us. The fact that we are here and that I speak these words is an at-tempt to break that silence and bridge some of those differences between us, for it is not difference which immobilizes us, but silence. And there are so many silences to be broken.


Audre Lorde (1934 – 1994)

RAIO-X DO NEO-FASCISMO: O que ainda nos ensina o filme “A Outra História Americana” (American History X / 1998), de Tony Kaye

“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, ou por sua origem, ou sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar, pois o amor chega mais naturalmente ao coração humano do que o seu oposto. A bondade humana é uma chama que pode ser oculta, jamais extinta.” – Nelson Mandela (“Long Walk to Freedom”)

Já se passaram 20 anos desde o lançamento de um filme que não perdeu nada de sua contundência nem de sua relevância. Nesta época em que Donald Trump ocupa a Casa Branca, tendo ali chegado através de uma discurseira repleta de racismo e xenofobia, esta é uma obra cinematográfica que, vista em retrospecto, manifesta-se com uma força que vai muito além da estética. É uma obra visionária, premonitória sobre os rumos humanos, que no fim do século 20 fornece muito material digno para a compreensão dos dilemas do século 21 em que o fascismo, infelizmente, está longe de se ter aposentado…

A re-ascensão do fascismo tem como sintomas não só com o triunfo de Trump (brilhantemente criticado por Naomi Klein em Não Basta Dizer Não), como também a expressiva performance eleitoral dos Le Pen na França, a força política de grupos de extrema-direita pela Europa (sobretudo na Hungria, na Áustria e na Holanda), além do Bolsonarismo no Brasil. Todo esse contexto preocupante faz com que seja novamente crucial que prestemos atenção a essa tragédia filmada que marcou a história do cinema ao fim do século XX.

Nunca me esquecerei do imenso impacto estético e político que foi assistir pela primeira vez, ainda na adolescência, à saga daquele skinhead neonazi, Derek, interpretado por Edward Norton em uma de suas atuações mais sensacionais (pau-a-pau com sua performance em Clube da Luta). Menos comentado, mas igualmente importante, é o destino do Danny, irmão mais novo do protagonista Derek. O irmão menor é encarnado por outro excelente ator, Edward Furlong, e é ele que serve de narrador do filme, assim como seu mártir.

Conduzido com maestria pelo diretor Tony KayeA Outra História America usa um interessante fio narrativo: desenrola-se através de uma redação escolar que Danny escreve, a mando de seu professor de literatura (Dr. Sweeney). Este exercício escolar logo se transforma em atividade memorialística, em investigação auto-biográfica, logo saltando para ser uma espécie de microtratado de sociologia e de coletânea de aforismos de filosofia existencialista. Ninguém é livre impunemente. 

O protagonista Derek é descrito, através da escrita de seu irmão Danny, como alguém que é fatalmente conduzido, pela via do fascismo, a envolver-se numa densa teia de violência,  agressão e derramamento de sangue. Fascismo e violência bruta são sinônimos, e o fascista, ao ouvir a palavra Cultura, logo saca sua pistola. O fascista está tão pissed off que sua inteligência dá tilt e ele não consegue pensar, é incapaz de parar para refletir, e Hannah Arendt destacou inúmeras vezes o quanto Eichmann, encarnação da banalidade do mal, era “normal” em um sentido que poucos frisam: eram de uma estupidez, de uma idiotia, de uma inaptidão para a reflexão que são, infelizmente, normais. 

Derek é descrito nos descaminhos de conduta que o conduzem a ser líder de um micro-movimento neonazista em Los Angeles. Explicita-se o mecanismo fatal que o conduz a assassinar, com requintes de brutalidade, aos três assaltantes que lhe invadem a garagem em uma madrugada que acabará num banho de sangue.

Ao raiar sangrento do enredo, o espectador é impactado pela impressionante imagem: Derek Vynyard, com uma gigantesca suástica tatuada em seu peito, é mostrado a reagir com toda a fúria do “cidadão-de-bem”, armado até os dentes, reinando em seu lar, que desce as escadas às pressas, revólver em punho, disposto a defender seu território por quaisquer meios necessários. A atitude de Derek, encarnando O Proprietário, O Branco, O Protestante, O White Male Power, é uma mescla explosiva de terroritorialismo e racismo que percebe aquela situação como pretexto perfeito para que seus ímpetos destrutivos e anti-sociais venham à tona, incontroláveis.

Diante do roubo ele vira o Rambo justiceiro, a aplicar a pena de morte, sem tribunal nem julgamento, àqueles negros vagabundos que ousaram roubar seu carro. A guerra racial se manifesta em um subtexto de luta de classes – e naqueles Suburbs o pau quebra. Lembrando as atitudes do Psicopata Americano, filmado por Mary Harron, estrelado por Christian Bale, na cena mais conhecida do filme, em Derek comete seu crime, ele é todo hombridade fascistóide: ruge agressividade, numa atitude que, na arte daquela Década Grunge, Kurt Cobain já ironizara com sua desalentada lucidez e suas sarcásticas apunhaladas em canções como “Territorial Pissings” e “Rape Me”. O Nirvana, a mais significativa banda anti-fascista dos anos 1990, despejava, em altos decibéis, todo sua indignação sobre o Mr. Redneck, W.A.S.P. idiot, KKK rapist.

Cobain já percebia, como sua percepção apurada de uma época que ele sabia diagnosticar tão bem e que sua arte e sua vida expressaram de modo inesquecível, o quanto Fascismo e Patriarcado estavam mutuamente implicados. São doenças do masculinismo, patologias da dominação masculina da sociedade através da história. As mulheres no poder – como no Matriarcado de Pindorama utopizado por Oswald – decerto teriam feito melhor do que isso, esse descalabro que é o patriarcado falocrático e fascista…

When I was an alien
Cultures weren’t opinions
Gotta find a way, a better way, a better way!

Never met a wise man
If so it’s a woman
Gotta find a way, a better way, when I’m dead!

A gangue que tenta roubar seu carro, composta por negros do bairro com quem Derek duelava pelo comando territorial da quadra de basquete, é surpreendida pela reação violenta do proprietário: ele assassina dois dos três ladrões antes de se entregar à polícia. A lente o flagra com um sorriso de orgulho nos lábios. Ele acha que fez a Coisa Certa. Está na pose do Cidadão-de-Bem que cumpriu com sua tarefa. Tornou-se o assassino de dois homens, mas segue acreditando que fez, com seu revólver quente, aquilo que o Cidadão-de-Bem deveria fazer. Aliás, vocês sabiam que a Ku Klux Klan publicava um jornal chamado The Good Citizen? Pois é…

Jornal da KKK, Julho de 1926

Derek, entregando-se aos policiais, sorrindo após os homicídios que perpetrou, talvez seguro de que depois seria inocentado e solto, conhecedor dos privilégios do W.A.S.P. na Amérikkka, é um emblema do fascismo estadunidense. É um símbolo premonitório da Era Trump (ela mesma já prenunciada pela Era George W. Bush, fascista texano que cometeu tremendos crimes contra a Humanidade que ainda carecem de ser julgados por Tribunais Penais Internacionais).

“Alguns legados precisam acabar.” (Some legacies must end) Esta frase – que estampa o poster do filme – sugere que nem tudo que passa de pai pra filho merece ser perpetuado. Que há conservadorismos sórdidos, que não passam de apego patológico a práticas e discursos de uma agressividade troglodita, e que a Humanidade faz bem em superar, transcender e seguir sem, pois evoluiu.

Há um conservadorismo que trava nosso avanço, que sabota nossoo aprimoramento, que se agarra a esqueletos ao invés de voar para amanhãs melhores. Há um conservadorismo que é amor pelas correntes que nos prendem e que, se não nos movimentamos, nem sentimos (como disse lindamente Rosa Luxemburgo, aquela rubra flor da filosofia marxista, aquela musa espartaquista, que foi brutalmente assassinada por proto-fascistas alemães).

Numa das cenas-chave para decifrar o filme, a família branca tradicional está reunida para o almoço: o primogênito Derek (antes, bem antes das suásticas), revela-se um rapaz muito estudioso, que chega a ser zuado pelo pai por ser CDF demais. Derek está estudando na mesa enquanto todos comem e conversam. Ele demonstra entusiasmo pela aulas de literatura do professor Sweeney (que é negro): “o cara tem dois PhDs, é um professor incrível, adoro as aulas dele!”. O prof está ensinando na escola o livro Native Son de Richard Wright. 

O discurso do pai – um bombeiro que está descontente com políticas de afirmação pró-negros em seu trabalho – vai no sentido de desdenhar de um livro que ele nunca leu. O pai sugere, com base em nada mais sólido do que seu crasso preconceito, que esse tal de Native Son deve ser bullshit dos negros, e pergunta por que os livros clássicos estão sendo substituídos na escola por “livros de preto”.

O pai ordena ao filho que fique esperto com as baboseiras que o professor tenta inculcar-lhe. O inculcamento de xenofobia e racismo, por parte do pai, parece ter sido parcialmente bem-sucedido. Os machos da família ficam contagiados com esse discurso, e ele se entranha ainda mais quando o pai, ao tentar apagar um incêndio em um black neighborhood, perde sua vida. Aí Derek, enfurecido, já no processo de devir-fascista, aparece no jornal da NBC vomitando ódio contra as minorias. Logo estará sob as asas de um Grande Líder, o Nazi-Yankee de nome Cameron, aliciador daquela fração da juventude frustrada e violenta que se presta a tornar-se marionete de movimentos de extrema-direita.

A cena do jantar em família é genial por outras razões. O Patriarca revela toda a extensão de sua estupidez, de seu total desconhecimento literário, ao tentar conectar os negros à má literatura. Uma atitude insustentável senão por idiotia e má-fé, já que estamos falando de uma nação cuja cultura literária possui algumas de suas mais preciosas obras-primas nas páginas de Toni Morrison (primeira mulher negra dos EUA a vencer o Prêmio Nobel de Literatura), James Baldwin, Audre Lorde, W.E.B. Du Bois, Zora Neale HurstonFrederick Douglass, Alice Walker, dentre inúmeros outros.

Só que esta visão preconceituosa e brucutu do pai acaba sendo uma estupidez que triunfa, ao invés de ser derrotada pela inteligência; Derek deixa-se contagiar pelo discurso racista do pai, ao invés de questioná-lo abertamente. Os inculcamentos ideológicos realizados pelos fascistas se dão nesse contexto envenenado: as relações de mando e obediência onde a interação não se dá entre sujeitos que se reconhecem iguais em direitos, mas sim com base em uma hierarquia em que o Patriarca manda e comanda, o filho silencia, aquiesce e obedece. Justamente aquilo que a Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire busca transcender e superar, instaurando relações educativas em que educador e educando são posição intercambiáveis – eu aprendo contigo, você aprende comigo, aprendemos juntos.

No caso, o que se transmite como legado (venenoso), de pai pra filho, é racismo, intolerância e segregação. Deste solo maligno, onde foi lançada esta bad seed, só se poderia mesmo ter colheita de fascismo, ou seja, de atitude bélica perante a diversidade humana. O fascista não suporta a diferença, é agressivo contra aquilo que destoa da norma da qual ele é fanático. Na cena do jantar, vemos o mecanismo de transmissão da ideologia racista – tão bem desconstruída e criticada por figuras como James Baldwin, Malcolm X, Michelle Alexander etc. 

Outro elemento que vale a pena destacar: a educação é um dos grandes temas do filme (como será também na obra que Tony Kaye fará depois: o excelente O Substituto, estrelado por Adrien Brody). A Outra História Americana é um das obras cinematográficas mais instigantes que conheço para debater o tema da Educação, mas num sentido ampliado, que vai muito além das escolas e universidades, já que os processos educativos podem acontecer em espaços extra-escolares – é o caso da prisão na qual Derek passa 3 anos de sua vida, anos que são para ele profundamente transformadores e pedagógicos.

No caso do irmão menor de Derek, o narrador do filme, Danny, o contexto escolar conturbado é a sua realidade diária. O personagem de Danny é claramente delineado com um adolescente orgulhoso de seu desajuste social, irreverente e insubmisso em relação às autoridades escolares, a começar pelo professor Murray (interpretado por Elliott Gould), um judeu que é o ex-namorado de sua mãe. O prof. Murray conversa com o prof. Sweeney com preocupação: ambos estão aflitos com a periculosidade das idéias que o adolescente expressa em uma redação escolar chamada My Mein Kampf. Nela, evocando o livro escrito por Adolf Hitler, o jovem expressa teses neo-nazis que ele supõe que o tornam um aliado da Causa de seu irmão encarcerado, Derek.

A gente assiste o filme com aquela sensação de apreensão e suspense que nos toma também quando vemos Elefante de Gus Van Sant, obra focada no massacre da escola Columbine. Para Danny, seu drama consiste nas suas posturas abertamente fascistas na escola – de cabelo raspado, com as paredes do quarto decoradas com fotos de Hitler, celebrando soldados da SS e da Gestapo como se heróis fossem, Danny é um jovem promissor, mas desencaminhado. Contaminado por vivências entre os muros familiares, em um contexto em que aquela microcomunidade intrasanguínea tornou-se um enclave fascista. É preciso ter a coragem de encarar o tabu e dizer com todas as letras: a família tradicional burguesa (patriarcal e autoritária) pode ser sim, em certos contextos históricos, um dos principais agentes de contágio fascista.

Quando Derek é libertado, quem sai de trás das grades e retorna ao mundo é um cara transformado. Um cara que superou, em larga medida, a visão de mundo tacanha que tinha antes. Um cara que cansou de estar sempre pissed off. Um cara que teve seus conceitos simplistas (e racistas) totalmente revirados pela experiência no cárcere, onde foi estuprado por uma gangue de white males e não sofreu nenhuma agressão por parte dos manos (the black folk), em especial pela intervenção salutar de seu amigo de trabalho, o engraçadão.

Há uma “moral da história” por trás de todo o conto do cárcere que ocupa um dos mais interessantes capítulos finais do filme. Por ter roubado uma TV, que caiu sobre o pé do policial que o prendeu, o cara negro está cumprindo 6 anos em cana. Depois de ter assassinado 2 pessoas (negras), o cara branco (Derek) que agia como militante de grupo fascista de extrema-direita, praticando saques e destruições deliberadas de mercadinhos de estrangeiros, é libertado muito antes da prisão… Dois pesos, duas medidas: o Estado policial-carcerário-penal é intrinsecamente racista. Ou seja, o racismo é estrutural e estruturante da sociedade dos Estados Unidos da América.

Michelle Alexander, no livro A Nova Segregação, tem muito a ensinar sobre as discrepâncias que o sistema policial e carcerário estabelece baseado na color line, a linha da cor, que segue sendo ainda um parâmetro de segregação, mais de 150 anos depois Abraham Lincoln assinar a libertação dos escravos.

Danny e Derek, em uma cena belíssima, retiram todos os cartazes nazi-fascistas da parede do quarto, o que se dá após uma intensa troca de experiências em que os irmãos puseram o papo em dia, tendo aprendido preciosas lições através da troca de vivências. É a ética na prática: aquele diálogo transformador que tem, quando Derek relembra seus dias detrás das grades, faz com que eles percebam que estavam errados em seus fanatismos, que estavam se deixando dominar por afetos irracionais, que o racismo que alimentaram era uma estupidez.

É o esboroar do antigo prestígio de teses racistas e xenófobas que haviam nutrido. Eles se educam. Eles se autosuperam. Eles se tornam pessoas mais amáveis. Mudam de pele. Abandonam o ódio. O espectador quase respira aliviado, quase está pronto para sair do cinema com um sorriso nos lábios, prontos a avaliá-lo com 5 estrelas pois sua bonita lição de autosuperação.

Mas o filme nos prepara uma bandeja de sangue, nos lança uma tragédia às fuças, nos manda pra casa em estado de choque, sacudidos por um objeto estético que acaba de nos tirar o chão de baixo dos pés e nos deixar, enquanto rolam os créditos, caindo confusos no abismo.

Este é um filme tão forte sobre educação pelo fato de que sua narrativa é conduzida fortemente pela escritura de uma redação escolar que ocorre naquele que será o último dia entre os vivos de um adolescente em pleno processo metamórfico, em plena mutação identitária.

Ele depois entrará para as estatísticas como um dentre estes milhares que perdeu a vida num desses epidêmicos episódios à la Columbine, em que as armas de fogo servem para carnificinas (sobre isto, o documentário de Michael Moore, Tiros em Columbinesegue sendo um raio-X muito pertinente da conjuntura). O espectador não sabe disso, e só ao final perceberá, chocado, que aquelas palavras que esteve ouvindo do narrador serão as últimas que o adolescente escreverá em sua vida precocemente interrompida.

Danny é um personagem dos mais fascinantes pois, assim como ocorre nos filmes de Van Sant ou de Larry Clark, toda a complexidade afetiva e existencial desses Kids em amadurecimento é revelada como sempre sob o risco de morte precoce e violenta. Pela AIDS ou pela pólvora, pela prisão ou pelas PMs, pela violência das armas-de-fogo ou pelas imprudências juvenis ao volante com a cuca ébria de álcool, filiando-se a gangues ou movimentos extremistas, tornando-se da jihad ou da KKK, da Juventude Hitlerista ou da Intifada, lutando em guerras criados pelos velhos, há jovens que, aos milhões, acabam morrendo jovens.

Danny é um desses personagens inesquecíveis: quando a gente estava feliz por ele, por seus avanços, por sua capacidade de vencer sua cegueira, por seu desabrochar como escritor, como poeta, como artista, ele é atropelado pelos efeitos daquele eu que ele foi no passado. Danny mudou, mas os processos de que ele participou antes de sua mudança agora virão para puni-lo. É o ensinamento também de Magnólia, de Paul Thomas Anderson: “you may be through with the past, but the past ain’t through with you.” O passado volta pra te estraçalhar quando você nem mais merecia a punição que ele te preparou. Trágica fatalidade.

É o que se o filme ensinasse: ninguém é fascista impunemente, mesmo que você consiga ter a capacidade de metamorfose auto-aprimoramento que te alce para fora do pântano mental, do lodaçal ético e cognitivo, que o fascismo pressupõe, como o solo que lhe alimenta, como o terreno que lhe conforma. O fascismo é uma colheita maligna e é preciso preparar o solo de modo a que ele pare de seguir renascendo com seus frutos de veneno, sempre re-envenenando a Humanidade.

A um só tempo agente vítima do fascismo, Danny é um emblema dos males que podem incidir sobre a juventude quando é educada em tóxico ambiente fascista. Para muitos jovens que se filiam a movimentos fascistas, a juventude acaba sendo para eles a única fase da vida. Assim como a de todos aqueles que são as vítimas dos morticínios dos fascistas, já que estes nunca – nem na Espanha de Franco, nem no Chile de Pinochet, nem no Brasil do AI-5 (1968 a 1978), nem no III Reich alemão – tiveram escrúpulos morais em relação a assassinar os jovens.

É aí, aliás, que radica toda a potência expressiva de filmes que considero obras-primas na História da Sétima Arte: A Infância de Ivan, de Tarkovsky, e Vá e Veja, de Elem Klimov, dois filmes russos que nos quebram o coração ao mostrar essas vidas tão breves, afundadas no lodaçal de uma história em estado de convulsão e guerra, e que se vão como fogos-fátuos que os ventos do tempo e as múltiplas irracionalidades dos homens apagam com impiedosa brutalidade.

Lutemos – e eduquemos! (lembremos sempre de Adorno e seu Educação Após Auschwitz) – em prol de tempos mais sábios, de subjetividades mais livres. Trabalhemos por posturas de celebração da diversidade e de aprendizado com as diferenças, superando os racismos, xenofobias e sistemas de dominação de classe que tanto sangue já fizeram correr com suas múltiplas violências e opressões. Saibamos aprender com as lições do passado, ensinemos uns aos outros os caminhos iluminados, ou as tragédias seguirão sendo nosso cotidiano, amargo e intragável quinhão.

Ninguém nasce odiando, disse Mandela, portanto o ódio é algo que se ensina. Sejamos sábios o bastante para compreender – é urgente! – que o amor também se ensina e que ele é tudo o que vale a pena.



por Eduardo Carli de Moraes
Goiânia, Setembro de 2018

 

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A MORTE QUE ERA SEMENTE – O Caso Marielle Franco (1979 – 2018) e a Recriação do Espaço Público na Era da Internet

Rio de Janeiro: comoção pública após o assassinato de Marielle Franco toma as ruas em 15 de Março de 2018

A MORTE QUE ERA SEMENTE…
por Eduardo Carli de Moraes || A Casa de Vidro || 19 de Março de 2018

Marielle Franco foi morta (não morreu de morte morrida, morreu de morte matada!), mas suas lutas e pautas nunca estiveram mais vivas do que nestes dias de Março de 2018. Pouco tempo depois do 8 de Março, o Dia Internacional da Mulher, um autêntico terremoto de indignação popular tomou redes e ruas.

Em especial no Rio e em Sampa, as manifestações chegaram a ganhar contornos de nova Primavera Feminista ou de uma re-encarnação das Jornadas de Junho, dado o caudal impressionante de participação em protestos públicos da galera que saiu à urbe, com os cartazes em riste e com o gogó berrando palavras-de-ordem, na cauda do cometa da comoção geral que se seguiu à execução de Marielle e Anderson.

Como escreveu Eliane Brum em seus comoventes artigos para El País (em espanhol e em português), o assassinato a converteu em totem, sua conversão em cadáver seguiu-se à sua transmutação em um corpo simbólico que não se pode assassinar, afinal suas lutas seguem vivas e, como têm expressado a Manu D’Ávila, na esteira do V De Vingança de Alan Moore, “nossas idéias são à prova de balas”:

Ao ser assassinada, Marielle revelou uma segunda realidade, esta ainda mais surpreendente: a de que os brasileiros, ora exibidos como polarizados e divididos, ora como passivos ou omissos, são capazes de se comover – e mover – por uma mulher nascida na favela, negra, lésbica e feminista.

Em nenhum momento se deve esquecer da força dessa ruptura simbólica. Com Marielle Franco há uma quebra de paradigma dos choráveis do Brasil. Como mulher negra e nascida na favela, Marielle Franco pertencia aos “matáveis” do Brasil, aqueles cujas mortes não causam espanto, normalizadas que são. O que seus assassinos não calcularam era que, com sua vida, ela já não era mais “matável”. O que ninguém poderia calcular é que Marielle havia se tornado também parte dos choráveis, aqueles por quem a maioria dos brasileiros faz luto e luta. Não é pouca coisa para um país como o Brasil. – ELIANE BRUM

Se a comoção pública com o assassinato de Marielle foi tão gigantesca, gerando uma maré de manifestações oceânicas e ampla repercussão midiática, talvez seja porque a vereadora é um emblema de um empoderamento múltiplo e interseccional que interessa às elites massacrar para calar.

Marielle reunia – “todas elas juntas num só ser”, para lembrar a canção de Lenine – o empoderamento negro, o feminino, o LGBT, o das classes despossuídas, o do socialismo. Empoderamentos concentrados numa mesma afro-mulher que florescia, a olhos vistos, ganhando cada vez mais espaços de poder e fazendo sua voz e seus argumentos serem ouvidos, não apenas dentro dos limites murados da política institucional, mas nas ruas, nas mídias, nas praças.

Escrita com o sangue de Marielle no asfalto do Rio de Janeiro está uma mensagem tétrica, que nos é mandada por aqueles que nos querem amedrontados e retraídos: com o sangue dela (e de Amarildo, e de Sabotinha, e de…), a nossa “Elite do Atraso”, conforme a expressão sagaz cunhada por Jessé Souza, vem tentando dizer-nos: “vocês, escória do mundo, favelados, bichas, sapatonas, pretos e pretas, índios, comunistas, anarquistas… esqueçam a vontade de ascensão, de reconhecimento, de participação! Quem mandará aqui seremos sempre nós, os senhores brancos, ricos, heteros, religiosos, gente de bem, cumprindo com o dever pátrio de reinar sobre os outros com pulso firme!”

Súmula do que seria desejável que acontecesse com o Brasil, como argumentou Alceu Castilho: uma enxurrada de novas Marielles invadindo o cenário político para reclamar, em alto e bom som, no espaço público, nossas batalhas anti-racistas, anti-machistas, anti-fascistas, anti-capitalistas, além de nosso direito (ainda por conquistar) a modos-de-vida e formas-de-amar destoantes da norma hegemônica imposta.

Marielle era também encarnação da ousadia dos que resistiram sempre, neste Brasil cujo Estado é tão frequentemente autoritário, aos desmandos de um terrorismo estatal que não cometeu poucos crimes e escalabros nos dois períodos ditatoriais prévios – o Varguista de 1937 a 1945 e a Ditadura Civil-Militar de 1964 a 1985. Marielle é do time daqueles que levantam a voz da soberania popular e dos direitos inalienáveis dos humilhados e ofendidos, demandando justiça e vida digna para todos, ao invés do apartheid defendido pelo Monstro-Leviatã de um Estado policial-carcerário, ainda todo contaminado com um racismo institucionalizado que nos foi legado pelo escravismo de outrora, tão mal enterrado entre nós.

Marielle era a salutar voz da interseccionalidade na práxis, a voz a um só tempo feminina-negra-lésbica-socialista-libertária, que ousava ter voz e vez em meio aos “hômi” e aos “dotô” – aqueles que nos queriam mudos, passivos, mortos-vivos comendo a pipoca da ideologia oficial nos cinemas comerciais e redes de TV, pastando na idiotia dos apolíticos que se enterram na vida privada, às vezes nem suspeitando o quanto são cúmplices de algozes, colaboradores de golpistas, louvadores da tortura…

Marielle agora entra como símbolo, como evocação constante, como emblema ensanguentado, no xadrez das novas lutas identitárias – e com certeza marcará manifestações futuras como a Marcha da Maconha e a Marcha das Vadias. O momento é, portanto, mais do que propício para tentar refletir sobre as “lutas identitárias”, sua história, seu futuro, seus alvos e métodos. E é o que faz com tanta graça, e reflexão tão profunda, o Francisco Bosco (filho de João Bosco) em seu novo livro: A Vítima Tem Sempre Razão? Lutas identitárias e o novo espaço público brasileiro  (2017, Ed. Todavia).

Fotografia: Eduardo Valente

O livro começa falando que a Marcha das Vadias é realizada no Brasil pelas “bucetas ingovernáveis” desde 2011, mas nasceu bem longe dos trópicos, em Toronto, no Canadá. A Slut Walk torontonita nasceu em reação ao comentário de um policial: “diante de recorrentes casos de abuso sexual em Toronto, ele [o policial] recomendou às mulheres que, para evitá-los, evitassem se vestir como vadias. A pauta da marcha se tornou assim o direito à irrestrita circulação do próprio corpo no espaço público”, aponta  Bosco (p. 7-8).

Se o exemplo é invocado logo no comecinho do livro, é pra frisar com um caso concreto o quanto estamos vivenciando uma intensificação geral das pautas identitárias, que forçam suas demandas e denúncias no espaço público usando a sinergia redes-ruas. E é esta sinergia redes-ruas também o que faz da Mídia Ninja. da Nexo, da Pública, emblemas dos potenciais desta nova era comunicacional em que adentramos.

A partir de 2013, Bosco diagnostica no Brasil alguns “marcos de tensionamento social”: as “Jornadas de Junho de 2013”, “o colapso do lulismo com o impeachment da Dilma em 2016″ e uma “intensificação das lutas identitárias”, exemplificadas pelos movimentos negros, feministas, LGBTs etc. Tudo isso num contexto convulsionado pelo incremento considerável das “redes sociais digitais”, pelo uso massivo das ferramentas de comunicação como Facebook, Twitter, Instagram, Whastapp etc.

Estas lutas identitárias, que são batalhas de minorias por reconhecimento de seus direitos a formas alternativas de existência e de convívio, têm seu berço histórico enquanto movimentos sociais organizados e autoconscientes: segundo Bosco, elas nascem no “momento político do Maio de 1968”, pois “na História da esquerda – ou melhor, das esquerdas -, 1968 fez surgir outra vertente: a política das diferenças”:

“Ela emerge, como observa Fredric Jameson, em meio a uma crise da concepção clássica da classe social. (…) Já no período de 1968 se estabeleceu uma crítica ao trabalho alienado, de regime taylorista, hierarquizado, que era a base da perspectiva revolucionária marxista (o proletário como a classe totalmente despossuída, de onde partiria a insurreição).

Em oposição a essa forma de trabalho, deu-se uma valorização das atividades mais flexíveis e arriscadas, cujo sentido era a autorrealização, mesmo que isso implicasse perda de estabilidade e menor remuneração. No lugar da crítica clássica à exploração da força de trabalho, há uma crítica à inautencidade do trabalho tradicional, à sua incapacidade de responder às exigências individuais de autorrealização. É no contexto dessa crítica ao trabalho, considerado em sua dimensão impessoal, que emergem os pleitos por reconhecimento de formas de vida particulares: os movimentos identitários.” (BOSCO: p. 72-73)

“Abaixo as cadências infernais!”, gritavam os muros de Paris durante a insurreição proletária-estudantil de 1968. Mas também pediam: “deixem-nos gozar sem entraves!” e “é proibido proibir!” (depois transformada em estridente manifesto tropicalista por Caetano Veloso e sua trupe).

A luta anticapitalista de Maio de 1968 teve uma face econômica, através da greve geral do operariado e dos estudantes, que em concerto cruzaram os braços em número que alguns chegam a estimar em 1 milhão de pessoas, unida à face das lutas libertárias relacionadas ao comportamento, às relações afetivas, ao tempo de vida e seu sequestro pelas instituições capitalistas.

Parar as fábricas capitalistas não estava separado de um desejo de revolucionar os modos caducos de enquadrar os comportamentos nos velhos moldes patriarcais, racistas, elitistas. E essa dissidência não mais aceitava ficar em silêncio, em segundo plano: invadia o espaço público reclamando o incremento de sua potência, de seu direito à expressão e à participação política.

Na linguagem das barricadas e dos graffitis, das canções e dos filmes, quiseram que a vida não fosse cerceada em suas manifestações plurais e multi-diversas devido à censura e à repressão por parte de um Estado institucionalmente marcado por males de origem como o patriarcalismo machista e o racismo institucionalizado.

Naqueles tempos de 68, entre os revoltosos em Paris – herdeiros da Comuna instaurada em Março de 1871 – o Herbert Marcuse era um dos gurus dos insurgentes. Intérprete perspicaz de Freud e renovador das teorias da revolução de Marx, Marcuse propunha como imagem para a época a batalha épica “Eros Contra a Civilização” – emblema que não deixava de pegar uma certa carona no cometa de Nietzsche e da oposição que ele, em Ecce Homo, propôs como síntese de sua obra: Dioniso Contra o Crucificado.

A teoria crítica de Marcuse propunha a superação revolucionária da  Sociedade Industrial Unidimensional, culpada pela brutal exploração e espoliação dos frutos de nosso trabalho, além de denunciada pelo excesso de repressão e controle que exerce sobre os cidadãos através de seu Estado policial-penal e sua tecnocracia bélica. Elementos explodidos naquela época até as dimensões insuportáveis das guerras-de-agressão imperialistas (como a perpetrada pelos Yankees no Vietnã e no Camboja). Num mundo ainda em choque pelos cogumelos nucleares e já temendo um aprofundamento das hecatombes ecológicas e desequilíbrios sócio-ambientais.

Outro herói intelectual das lutas identitárias era (é e será) Michel Foucault. Antes de ser fulminado pela AIDS em 1984, o magistral intelectual francês foi um dos mais perspicazes reveladores dos mecanismos micropolíticos de poder que operam no cotidiano de prisões, manicômios, hospitais, quartéis, escolas, mosteiros, dentre outros espaços instituídos pela Sociedade Disciplinar. Esta, em sua sempiterna aliança com o ideal ascético e a mortificação da carne alçada à ética hegemônica, sob o capitalismo impõe com truculência seu  time is money, servindo como emblema do truste realizado pela união entre Capitalismo e Lutero para nos impedir de usufruir de qualquer tempo que não esteja sendo empregado por atividades feitas pela grana (símbolo da salvação)

O sujeito conformista acredita que é ser dever imolar sua vida, sacrificar sua autonomia, para oferecer-se como massinha-de-modelar nas mãos dos poderosos que impõe normais de viver e pertencer cujas estruturas patriarcais e machistas, racistas e segregacionistas, opressoras e dominadoras, são assim reproduzidas por rebanhos de conformados e conformadores (infelizmente dotados de porretes, palmatórias, prisões, tanques…).

As lutas identitárias emergem contestando as normas dominantes, a imposição de um jeito-de-viver único, o dogma de que a normalidade consiste na machidade, na branquitude, na heterossexualidade, na cisdade, na produtividade econômica, de modo que o pensamento reacionário, anti-moderno, agarrado a estruturas de poder elitistas (o machismo, o supremacismo racial, a heterossexualidades compulsória etc), reproduz as condições para que mulheres sejam reduzidas ao status de Segundo Sexo; negros sejam considerados como escravizáveis, torturáveis como se não fossem bois-de-carga; enquanto gays são xingados de doentes mentais e transsexuais humilhados (ou mesmo assassinados) como se fossem abomináveis aberrações.

Tal higienismo normopata tem muitas similaridades com a doutrina racista-higienista dos nazistas – o que significa que não faltam na sociedade de hoje elementos para uma re-edição tétrica da Solução Final posta em prática pelo III Reich alemão. O que José Ângelo Gaiarsa chamou de normopatia é a doença dos normais: os normais que desejam ver o nómos dominante imposto, de maneira totalitária, à sociedade inteira. É o que Laerte expressou com brilhantismo na síntese colorida que fez onde toda a multicor diversidade humana está sendo despejada sobre a fôrma estreita e confinante da Família Tradicional Brasileira.

Laerte

O livro de Bosco chega em muito boa hora, como precioso mapa para navegar pelo contexto sócio-político inédito gerado pela intensificação das lutas identitárias, no contexto de disseminação democratizada de mensagens propiciada pelas novas tecnologias digitais.

Vivemos agora em imersão cada vez mais ampla e acelerada nos mares informacionais hi-tech da rede mundial de computadores: A Internet, esta selva de bits da Aldeia Global, é a grande agente de uma “planetarização” da comunicação, nova na travessia da humanidade, como havia notado o visionário filósofo-da-comunicação canadense Marshall McLuhan.

“O homem cria a ferramenta. A ferramenta recria o homem.” – McLuhan

Pois a Galáxia de Gutemberg veio desaguar na World Wide Wide. Somos já os contemporâneos de um mundo interconectado, onde circulam os drones (de filmagens e de bombardeamento…) e as transmissões por satélite. O que ocorre hoje no Brasil pode repercutir imediatamente na China. O assassinato de Marielle Franco no Rio foi chorado, protestado, denunciado e lamentado no mesmo dia em outros centros globais, de Buenos Aires a Paris…

Neste mundo hiper-conectado, mas todo polvilhado de guerras e conflitos, as mega-empresas da informática e da comunicação digital se tornam gigantes, major players da economia global, como provam os valores de mercado de Google, Microsoft, Apple, Facebook (este, aliás, dono também do Instagram e do Whatsapp).

Neste novo contexto, posso publicar notícias falsas em um blog, que serão replicadas por 10.000 robôs programados para compartilhá-la nas timelines; posso receber e enviar nudes e vídeos XXX – até mesmo os que contêm pedofilia, zoofilia ou estupro – entre os continentes, de maneira instantânea (vide a alta frequentação de portais como RedTube e PornHub);  nos submundos do sistema circulam ainda toneladas de conteúdo cultural pirateado, de ebooks a discografias em MP3, de filmes em torrent a artigos científicos arrancados do monopólico acadêmico-editorial (vide SciHub); etc.

A Internet, em seu aspecto mais caótico e subversivo, fornece hoje um campo de atividades para a nova contracultura, favorecendo imensamente a livre circulação do conhecimento e de bens culturais, desviados de seu originários fins econômicos, que ficam boiando nas baías piratas das águas informacionais. Nunca na História Humana vivemos isto: tanto conhecimento precioso em circulação, à disposição, sendo transferido em altíssimas doses pelos mecanismos peer to peer. Cybercomunismo, como sabem bem os hackers, existe faz tempo – como ideal e como prática.

Estamos entrando numa fase da história humana, e que nada indica ser reversível ou stopável, em que um novo elemento geopolítico entrou em cena: aquilo que Francisco Bosco chama de “ágora das timelines” (p. 17), que vem constituindo um “novo espaço público”, onde as lutas identitárias têm alto protagonismo. Neste novo lócus para o debate público, onde ocorrem tantas polêmicas entre diferentes perspectivas sociais, o que não falta é conflito e agressividade. É a guerra de todos contra todos, atualizada de sua velha versão Hobbesiana para o atual arranca-toco das UFCs on-line.

As lutas identitárias são, neste vale-tudo, frequentemente alvejadas por xingamentos e tiros vindos da Direita, no espectro político: há quem deslegitime as denúncias feitas pelas mulheres de casos de estupro e assédio sexual, chamando isso de “mero mimimi de feminista”, sendo que esse tipo de argumento costuma vir acompanhado pelo desejo de extinção de leis de proteção da mulher contra violência doméstica (caso da Lei Maria da Penha) e militância para que casais homoafetivos nunca possam ser reconhecidos como casal em união civil.

Identificadas como “pautas de esquerda”, as ditas “pautas identitárias”, em larga medida, praticam demandas de justiça e igualitarismo nos moldes da ética republicana iluminista e da Declaração dos Direitos Humanos de 1948, somando a isso a afirmação de um novo direito, o “direito à diferença” (que não entra em conflito com o “direito à igualdade”): como disse Joan Scott, “não se deve nem abandonar o direito à diferença, nem o direito à igualdade” (apud Bosco, p. 85).

Quando falamos em “direito à diferença”, queremos dizer também o direito ao amor dissidente, ao casal fora das normais que impõe uma heterossexualidade compulsório e uma divisão de gênero binária. “O direito à união civil entre homossexuais poderia ter seu princípio estendido a pessoas trans, a alianças diferentes do tradicional par (não há razão para o Estado impor essa lógica do dois) e assim se chegaria ao direito a qualquer tipo de união consensual”, argumenta Bosco (p. 86).

O Brasil, infelizmente, é líder global em assassinatos de ativistas dos Direitos Humanos e também em homicídios motivados por homofobia e transfobia. O caso Marielle Franco também é ilustrativo aqui: fazendo suas as bandeiras do movimento LGBT, ela atraía a fúria dos homofóbicos; fazendo suas as bandeiras do movimento anti-racista, fazia recrudescer os ímpetos de segregação e discriminação dos racistas; fazendo suas as bandeiras feministas, era alvo para o desprezo e a truculência do machismo ainda hegemônico; etc.

O livro de Bosco é precioso pois mostra o valor e a necessidade destas lutas identitárias, mas também pratica uma salutar crítica das “premissas problemáticas” e “métodos de luta que devem ser recusados” (p. 91). Bosco estuda casos emblemáticos e embrenha-se na problematização das reações da Internet e das ruas a episódios como:

  • Blocos carnavalescos no Rio de Janeiro que, no Carnaval de 2017, decidiram não tocar certas “marchinhas clássicas do cancioneiro brasileiro sob a alegação de que suas letras contêm trechos preconceituosos contra diversas minorias” (p. 93)
  • A polêmica envolvendo o video-clipe “Você Não Presta”, de Mallu Magalhães, acusado de racismo e objetificação do corpo negro (p. 129);
  • O caso da cantora Marcia Castro, acusada por suas fãs do movimento feminista de ser “fiel defensora de estupradores” (p. 135);
  • Uma polêmica viral sobre apropriação cultural no caso do debate sobre legitimidade (ou não) do uso de turbantes por mulheres brancas (p;
  • Denúncias de desvios no comportamento sexual desferidas por feministas contra artistas (como Gustavito Amaral) e intelectuais (como Idelber Avelar).

A estratégia de Bosco em dissecar estes casos concretos está plenamente justificada no livro como um modo de escapar aos perigos da generalização, das injustas formulações preconceituosas e falsas – tais como “todos os índios são preguiçosos”, “todos os homens são potenciais estupradores”, “todos os negros nasceram para ser escravos”. Para o autor, uma frase como “a vítima tem sempre razão” é tão problemática quanto as citadas, incorrendo numa petição de princípio (chamar de vítima à pessoa que denuncia, somente pelo fato de denunciar, é saltar a conclusões apressadas), de modo que “a adesão incondicional à palavra da vítima incorre em potencial injustiça quanto ao indivíduo particular que é acusado.” (p. 156)

Um dos méritos maiores da obra está na análise psicológico-filosófica apurada que ele realiza dos linchamentos, os reais e os digitais.

Bosco foca no linchamento como ato de humilhação do outro, realizado por uma gangue-de-linchadores em que cada indivíduo sente um certo gozo perverso na ação de linchar. O outro, pisoteado pelo grupo, serve como bode expiatório em um rito que congrega, uma cerimônia da violência que gera, entre o clã, a gangue, a seita, a milícia de linchadores, uma espécie de cimento invisível que os faz solidários no ódio.

Decerto que esta é a pior das solidariedades possíveis – estar unido pela fúria, cimentado pelos afetos agressivos direcionados a um outro visto como inimigo que merece todos os esporros – mas é também uma das mais comuns, rotineiras. Donde provêm, é claro, a célebre “Banalidade do Mal”. Tudo isto o autor esclarece, com pensamento de fato bastante claro e iluminador, recorrendo à Psicologia de Massas, tal qual desenvolvida por Freud, Le Bon, Fromm, W. Reich, dentre outros.

“Em seu ensaio ‘Psicologia de Grupo e Análise do Ego’Freud oferece uma interpretação para o comportamento tendencial dos indivíduos quando estão agindo como parte de um grupo. (…) Essa identificação grupal é uma espécie de máquina de reconhecimento, que propicia as recompensas narcísicas decorrentes dele. Ora, os indivíduos do grupo tendem a não querer abrir mão desse reconhecimento (…) e assim apresentam uma ‘compulsão a fazer o mesmo que os outros, a permanecerem em harmonia com a maioria’. (…) Está em jogo uma dinâmica de reafirmação dos laços identitários que exige uma exclusão para se instaurar. Pois se, como observa ainda Freud, ‘o líder ou a idéia dominante poderiam também ser negativos’ – isto é, o ódio contra uma determinada pessoa ou instituição poderia funcionar exatamente da mesma maneira unificadora e evocar o mesmo tipo de laços emocionais que a ligação positiva… ” (p. 158)

Bosco, porém, esquece ou deixa de lado fenômenos que poderiam compor um quadro mais amplo das táticas de ação como os escrachos, realizados pelo Levante Popular da Juventude, que merecem ser diferenciados dos linchamentos que ele tem em mente, em especial pela direção do alvo: o cuspe sobe aí de cima para baixo, trata-se de linchar o opressor ou a classe dominante. Alguns grupos de familiares de sobreviventes e desaparecidos da Ditadura Militar também se utilizam de táticas similares ao escracho levantino diante de torturadores e algozes que estiveram em ação no Regime de Exceção (64-85).

Expressões culturais mais agressivas, como o rap, punk, heavy metal, para nos limitarmos ao âmbito da música, podem conter práticas verbais e gestuais que sugerem o linchamento de autoridades. Aí nestas manifestações culturais uma transformação de indignações sócio-políticas em arte-de-combate, às vezes explicitamente chamando ao lynching, sendo o exemplo mais óbvio a banda The Dead Kennedys, cujo vocalista Jeffo Biafra conclamava com altíssima dose de decibéis: “Let’s Lynch The Landlord”.

De todo modo, Bosco mobiliza conceitos e achados de trabalhos brilhantes de antropologia cultural (em especial Antônio Risério, José Miguel Wisnik e Hermano Vianna) e debate as várias correntes feministas. Tudo isso no contexto atualíssimo das novas redes digitais de comunicação em tempo real, onde convivem:

  • Chamadas a manifestações públicas e insurreições populares através das mídias sociais, capazes de servir de ferramenta de mobilização (como na Primavera Egípcia, em que na Praça Tahrir se pôde ler, nas faixas dos manifestantes-revolucionários, ditos como “Facebook: instrumento da revolução” – o que decerto nunca esteve nos planos de Mark Zuckerberg…);
  • Linchamentos digitais, com milícias digitais especializadas em assassinato de reputações através de uma enxurrada de fake news – vide as calúnias contra a vereadora do PSOL, Marielle Franco, que se seguiram à sua execução brutal em 14 de Março de 2018;
  • Escrachos e denúncias via Facebook que visam, por exemplo, gerar sororidade entre as mulheres para que denunciem estupradores e assediadores;
  • Renhidas estratégias dos internautas para fazer seu blog, seu canal, sua hashtag, viralizar nos trending topics do Twitter, com a utilização frequente de conteúdos apelativos, agressivos, simplistas, preconceituosos.


Há um “novo espaço público” surgindo, com a inserção das mídias sociais nele como fator inédito, e isto não é necessariamente uma boa notícia: se de fato vemos a disseminação louvável de comunicação descentralizada e democratizada, que tem como emblema o midiativismo da Mídia Ninja e dos Jornalistas Livres, por outro vivemos agora sob a infestação das fake news e dos assassinatos de reputação através de linchamento cibernético. Tanto que Contardo Calligaris escreveu na Folha um artigo comentando o livro de Bosco em que avançou uma hipótese histórica ousada: “A virulência das redes sociais é sucessora do totalitarismo”:

“Acaba de sair pela Todavia “A Vítima Tem sempre Razão? – Lutas Identitárias e o Novo Espaço Público Brasileiro”, de Francisco Bosco. Grande parte do livro (que é crucial e imperdível na atualidade) é dedicada a uma genealogia das redes sociais no Brasil, mostrando como se tornaram um novo espaço público em que não acontecem debates, mas linchamentos, e onde circulam não ideias, mas palavras de ordem.

Há quem diga que nesse novo espaço se revelaria a “verdadeira” natureza humana, sedenta de sangue. Talvez. Eu penso sobretudo que a virulência das redes sociais é a sucessora direta das políticas totalitárias de extermínio do século 20.

Ambos os fenômenos são filhos da razão abstrata (mas funcional) pela qual um debate é ganho quando consegue-se calar o adversário –exterminando-o ou gritando mais alto, fazendo com que a fala seja mais violenta, menos complexa e, portanto, mais facilmente apropriada, ganhando mais likes e retuítes.

Nessa dinâmica, ter razão equivale a silenciar o outro…

Tipo: Marx, Engels, Lenin, todos burgueses de classe média alta, podiam falar em nome do proletariado? Um homem pode se expressar, apoiando ou criticando, sobre o movimento feminista? E um branco, sobre o movimento negro, pode?

Pois bem, demonstrando minha tese sobre as redes sociais, os argumentos de Bosco, lá onde tentam abrir uma discussão, encontraram sobretudo argumentos silenciadores, do tipo: cala a boca macho branco, morador do Leblon etc.” (CALLIGARIS, FSP)

Francisco Bosco está alertando a todos nós – quer nos classifiquemos como Esquerda ou Direita, quer nos enxerguemos na imensa área entre estes dois extremos – sobre a re-ascensão do autoritarismo na sociedade brasileira, e que manifesta-se neste constante calar o outro, que é também um modo de castrar a diversidade humana, impedindo as dissidências e divergências de se manifestar e dialogar no mundo comum (o que é o sentido, afinal da democracia), atentando assim contra aquela pluralidade que, como dizia Hannah Arendt, é constituinte ontológico da nossa realidade social e telúrica (a sociobiodiversidade, além de valor, é fato).

A prática autoritária de calar o outro e não permitir a expressão social das diferenças manifestou-se de modo explícito no assassinato perpetrado contra Marielle Franco, seguido por aquilo que Leonardo Sakamoto diagnosticou como seu “segundo assassinato”, movido por milícias digitais que buscaram arrasar a reputação e denegrir a vida da vereadora e ativista. Tal uso bárbaro e perverso das mídias sociais, com discurso de ódio exacerbado, tão comum nos fã-clubes de Bolsonaros e MBLs, transforma o novo espaço público brasileiro, tão bem analisado por Bosco, em um ambiente tóxico e tenso.

Figuras públicas relevantes do PSOL como Marcelo Freixo e Guilherme Boulos, este último candidato à presidência, devem saber muito bem que entra em um pleito que não ocorrerá mais no lendário país cordial, da “democracia racial”, da miscigenação harmônica entre as raças que está expressa na fantasia de Stefan Zweig, daquela fraternidade fácil digna dos retratos idílico-líricos da “Aquarela do Brasil” Ary Barrosiana ou do “País Tropical” de Jorge Ben, mas sim num barril de pólvora em formato de país.

A execução de Marielle lança uma incógnita explosiva no cenário. O que explica o imenso impacto que o caso teve na opinião pública (assunto mais comentado no Twitter global, por exemplo, em 15 de Março de 2018), além da capacidade de mobilização de massas de que o episódio foi capaz, está conectado, a meu ver, com a aptidão do caso para congregar e fazer convergir os movimentos negros, feministas, socialistas, LGBT, Hip Hop, dos Direitos Humanos etc.

Na indignação, na revolta, na dor, no luto, em todos os afetos mobilizados pelo crime perpetrado contra Marielle, finalmente foi dado um salto quântico de consciência social, ao menos dos setores mais conscientes e ativos da sociedade. E ao menos por uns dias pulamos da teoria = os papos acadêmicos sobre a inter-seccionalidade em Angela Davis ou Audre Lorde – e realizamos na prática o nosso tropical ubuntu: eu sou porque nós somos, vamos do luto à luta, por um mundo em que caibam todos os mundos! Levantamos os punhos, abraçados (para usar uma bela e comovente imagem que a Mariana Lopes usou em sua fala no ato de Goiânia):

No que Antonio Martins chamou de “manifestações oceânicas”, a interseccionalidade se realizou, enfim, na prática, cimentada pela indignação compartilhada e efervescida no caldeirão das redes sociais digitais. De novo, a cibercultura invade as ruas. Os frutos desta morte-semente ainda serão muitos. Quais serão – se frutos de vida amelhorada ou de avanço ainda mais tétrico da Tanatopolítica e dos algozes do futuro, é hoje imponderável.  E nenhum jornalista ou filósofo que se preze deve se aventurar na aventura ilusória do profetismo. Quem viver, verá. O que virá será inédito, esperemos o imprevisto!

Tudo indica que as lutas identitárias entram no cenário sócio-político com tensão intensificada neste ano-chave que é 2018, com as eleições sob ameaça de não ocorrer, seja por excesso de convulsão social, por denúncias de sua ilegitimidade, ou mesmo por decreto ditatorial dos golpistas por enquanto no poder. Um contexto onde a prisão de Lula é cada vez mais iminente, com novo sequestro da soberania popular através da inviabilização, via lawfare, do candidato favorito no pleito. Um contexto onde o martírio de Marielle lança ao turbilhão das ruas e redes uma solidária aliança, à la ubuntu, entre lutas antes dispersas.

Marielle vive em seu legado e conclama: sejamos pessoas diversas, mas não dispersas! E façamos juntos um outro mundo, que começa desde já: queremos a Justiça, queremos a Verdade, e queremos que esta execução política não possa ser passível de anistia ou impunidade! Ela poderá ser, para as lutas identitárias, um martírio-trampolim, uma espécie de fundo-do-poço onde a gente pega impulso, para que possa saltar, enfim, para fora do lodaçal em que o Golpe de Estado de 2016 afundou o país.

Não se trata de simples oportunismo pragmático – utilizar uma morte como trampolim – mas sim de fidelidade pelas pautas que a falecida devotou sua vida a promover. Marielle, mártir que veio para marcar para sempre a história do ano de 2018, transforma-se em bandeira: está presente, vive, transcende a ausência de seu corpo material entre os vivos para transmutar-se numa espécie de ídolo mobilizador que reúne tantas das características de que precisamos mobilizar nas futuras batalhas contra as injustiças que se aprofundam.

No pós-golpe vivemos entre os escombros do Estado Democrático de Direito, em meio ao retrocessos brutais nos direitos sociais mais básicos, com o avanço das tendências à privatização de nossos recursos (do pré-sal entregue a preço de banana à Shell ao Aquífero Guarani, em processo de “rifa” ao capital transnacional estrangeiro). Através de reformas na legislação trabalhista, no teto de gastos públicos, no regime previdenciário, os ocupantes ilegais do poder.

Após a fraudulenta deposição da presidenta Dilma através de um impeachment sem crime de responsabilidade (um impechment usado como instrumento de putsch, meio para brutal lawfare), a Elite do Atraso vem instaurando por aqui uma das mais pavorosas Ditaduras do Dinheiro hoje em curso sobre a face da Terra. Naomi Klein poderá escrever um capítulo saboroso sobre o Brasil pós-2016 para uma nova edição do seminal A Doutrina do Choque.

Nossa luta tem mover as estruturas e ser inter-seccional: diversos, mas não dispersos, numa frente única contra o Bicho de 7 Cabeças das múltiplas opressões, inventar este outro mundo onde caibam todas as formas de viver, onde estejam mais livres as maneiras de conviver e se vincular, e onde a truculência assassina pare de trancafiar e exterminar o nosso futuro, inextricável dos grupos marginalizados, humilhados e ofendidos, que vão insistir e resistir em suas demandas de reconhecimento, participação, verdade, igualdade, justiça. Mãos à obra!

E, na conclusão de seu livro, Francisco Bosco nos endereça reflexões bastante propícias para este nosso comum obrar:

“Reafirmo, em primeiro lugar, que são justas as ações desequilibrantes em âmbito institucional, uma vez que se objetivo último é instaurar um sistema social justo, isto é, igualitário… São legítimas e desejáveis todas as ações que tenham como objetivo pressionar comportamentos institucionais a fim de que se tornem igualitários, mesmo que, para tanto, indivíduos pertencentes a segmentos privilegiados de poder tenham suas expectativas reduzidas, ou seja, suas oportunidades e acessos submetidos a um tratamento desequilibrante em seu prejuízo. Inscrevem-se nesse campo inúmeras agendas, como sistemas de cotas raciais em universidades e quaisquer órgãos públicos; exigências de composições paritárias de gênero também em quaisquer órgãos públicos; pressão em empresas privadas por representatividade de minorias em seus quadros de funcionários; exigência do fim das discriminações salariais entre homens e mulheres; exigência de legislações (como licença paternidade) com o objetivo de tornar igualitárias as funções domésticas do homem e da mulher com filhos pequenos; exigência de um funcionalismo institucional justo em casos de denúncias de estupro, assédio sexual, violência doméstica etc.

Por outro lado, não são justas as ações desequilibrantes voltadas contra indivíduos… Não são aceitáveis as práticas que denunciam comportamentos individuais e ao mesmo tempo exigem que essas denúncias sejam incondicionalmente acatadas, em deliberado prejuízo dos indivíduos acusados, que se veem, desse modo, moralmente condenados de saída… As ações, mesmo as que visam objetivos finais justos, que se autorizam a instrumentalizar indivíduos para atingir esses objetivos, essas ações são típicas de sistemas totalitários… Que os movimentos identitários  abandonem essa forma de ação e não instrumentalizem indivíduos em nome de suas justíssimas lutas, é o que defende esse livro.

Por outro lado, defende também ser preciso que o conjunto da sociedade tenha consciência quanto à justiça das reivindicações desse movimentos, sempre que se trate de lutas por igualdade. As condições sociais extremamente injustas sob as quais vivemos instauram um campo de possibilidades sujeito a todos os tipos de violência. Enquanto essas condições não forem profundamente modificadas, pedir às pessoas que sofrem graves injustiças cotidianas ‘ponderação’, ‘civilidade’ ou obediência a um imperativo categórico tem algo de inútil, e até de ridículo. Um ganho de consciência em larga escala da justiça dos pleitos identitários contribuirá para que as condições de injustiça social sejam modificadas. É pelo que eles lutam.” (p. 185 – 189)

Lutemos, pois, para que mortes injustas possam ser sementes que, cultivadas em comum, possam dar em árvores frutíferas de verdade e justiça neste mundo que roda cada vez mais distanciado destas.

Por Eduardo Carli de Moraes, Prof. de Filosofia do IFG
A Casa de Vidro – Livraria e Produtora Cultural (www.acasadevidro.com)



SIGA VIAGEM:

FILOSOFIA AFRICANA & FEMINISMO NEGRO: Bibliotecas digitais ampliam o acesso às melhores obras sobre estes temas

Uma louvável iniciativa do professor Wanderson Flor do Nascimento, da UnB – Universidade de Brasília, reúne obras de filósofos africanos em site educativo: o portal Filosofia Africana (http://filosofia-africana.weebly.com/)  disponibiliza gratuitamente mais de 30 livros escritos por escritores do continente e outras 40 obras que trabalham o tema. (Leia tb reportagem do site Metrópoles)

APRESENTAÇÃO

Há muitos anos, os movimentos sociais de combate ao racismo têm insistido na necessidade de re-significar as imagens difundidas das populações africanas – e de seus descendentes – como intelectualmente inferiores, trazendo elementos que desmistifiquem a presença da população negra em nosso país. Desde 2003, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (art. 26-A), determina que em todo o currículo dos ensinos fundamental e médio brasileiros estejam presentes conteúdos de história e cultura africana e afro-brasileira, em todos os componentes curriculares incluindo, dessa forma, a Filosofia. Eis, portanto, o momento de pensar a filosofia em/desde outras cores…

O objetivo deste espaço é disponibilizar materiais em língua portuguesa que possam subsidiar pesquisas sobre a filosofia africana e afro-brasileira, assim como auxiliar na tarefa de professoras/es do ensino fundamental e médio em acessar recursos ainda pouco conhecidos em nossa língua. Afirmam-se aqui diversas perspectivas distintas, sem a intenção de preterir nenhum material que fosse encontrado sobre o tema em nossa língua, cuja publicação virtual não fosse impossibilitada em virtude de restrições por direitos autorais.

Alguns destes textos dialogam com outras áreas do conhecimento, como educação, sociologia, antropologia, história, artes, entre outras, atendendo ao aspecto multidisciplinar que muitas vezes permeia o debate filosófico e que, também, auxilia a tarefa docente interdisciplinar. Esperamos que este material sirva para difundir outras imagens sobre as populações africanas e afro-brasileiras, múltiplas, plurais e que não se reduzam ao imaginário inferiorizante tão comum em nosso cotidiano, ainda marcado pelas feridas coloniais.

Este site é parte da pesquisa “Colaborações entre os estudos das africanidades e o ensino de filosofia”, desenvolvido pelo prof. Wanderson Flor do Nascimento, na Universidade de Brasília e em interação com o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação, Raça, Gênero e Sexualidades Audre Lorde – GEPERGES Audre Lorde (UFRPE/UnB-CNPq). O site encontra-se ativo desde agosto de 2015 e em constante atualização.

 

Ligações para espaços virtuais com pesquisas em outras línguas

  • Série África (em inglês)
    Dezessete livros sobre filosofia africana publicados pelo Conselho para a Pesquisa em Valores e Filosofia, em Washington DC, Estados Unidos, que enfatiza a herança cultural e as mudanças contemporâneas do pensamento africano.


  • Nova Africa (em espanhol)
    Revista do Cetro de Estudos Africanos e Interculturais de Barcelona. Embora a revista não seja especificamente sobre a filosofia africana, diversos artigos sobre este tema podem ser encontrados no periódico.


  • Quest. An African Journal of Philosophy/Revue Africaine de Philosophie (em inglês e francês)
    Publicação do Centro de Estudos Africanos de Leiden, Holanda.


  • African Studies Quarterly (em inglês)
    Publicação do Centro de Estudos Africanos da Universidade da Flórida. Embora a revista não seja exclusivamente de filosofia africana há diversos artigos sobre o tema e em especial o número 4 do volume 1 de 1998 (http://asq.africa.ufl.edu/files/Vol-1-Issue-4.pdf)


  • Journal on African Philosophy (em inglês)
    Publicação do Africa: Centro de Recursos em Nova Iorque.
    É necessário registrar-se gratuitamente no site para baixar os arquivos.


  • Verbete da Routledge Encyclopedia of Philosophy sobre filosofia africana (em inglês)
    Texto de Kwame Anthony Appiah com uma definição histórica e geral sobre a filosofia africana, com diversos links para outros verbetes para autores e temas em torno da filosofia africana.


  • Philosophy in Africa (em inglês e um texto em alemão)
    Textos do XX Congresso Mundial de Filosofia, apresentados sobre a filosofia africana em Boston, 1998.
    Publicação da Universidade de Boston, através da Plataforma Paideia.


  • Thought and Practice (em inglês)
    Publicação do Departamento de Filosofia e Estudos Religiosos da Universidade de Nairobi, no Quênia.


  • African Philosophical Bibliography
    Extensa listagem bibliográfica organizada por A. J. Smet, do Instituto Superior de Filosofia da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica.


  • Ethiopiques. Revue Negro-Africaine de Litterature et de Philosophie (em francês)
    Publicação da Agence Universitaire de la Francophonie, que contou durante seus inícios com a colaboração de Léopold Sedar Senghor.







Angela Davis, Audre Lorde e bell hooks, pensadoras publicadas pela Bibliopreta (Arte Revista CULT)

Online e gratuita, Bibliopreta​ reúne produção acadêmica de feministas negras – Revista CULT​

Audre Lorde, bell hoolks e Angela Davis são alguns nomes do feminismo negro que, apesar da sua dimensão, são pouco traduzidas no Brasil: apenas um livro hooks foi publicado no país – Ensinando a transgredir: A educação como prática da liberdade (Martins Fontes, 2013) – e dois livros de Angela Davis, que começou a ser publicada pela Boitempo no final de 2016. Partindo dessa lacuna, as pesquisadoras Sueli Feliziani e Isabela Sena criaram o projeto Bibliopreta (http://bibliopreta.com.br/), uma plataforma online gratuita que agrega produção acadêmica sobre feminismo negro.

São traduções, artigos, resenhas, dissertações, vídeos e cursos produzidos e coletados pela dupla, e que têm como tema central a interseccionalidade – uma forma de pensar a relação entre gênero, raça e classe na construção das opressões. Entre as traduções estão textos de Davis, hooks e Lorde, além de poemas de Florencer Harper e contos de Alice Walker. As teses, por sua vez, recuperam importantes pensadoras negras brasileiras como Lélia Gonzalez, Thereza Santos e Sueli Carneiro. – Saiba mais




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Folha de S.Paulo – Os ideais mais elevados de Locke, Hume e Kant foram propostos mais de um século antes deles por Zera Yacob, um etíope que viveu numa caverna. O ganês Anton Amo usou noção da filosofia alemã antes de ela ser registrada oficialmente. Autor defende que ambos tenham lugar de destaque em meio aos pensadores iluministas. Leia o artigo.




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Baixe material pedagógico da Série Mulheres na História da África, produzido pela Unesco