Plugando consciências no amplificador! Presente na web desde 2010, A Casa de Vidro é também um ponto-de-cultura focado em artes integradas, sempre catalisando as confluências.
O dossiê n.22 do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social (ITPS), de novembro de 2019, tem como título: “Nuestra América Latina e Caribenha”. Inspirado na síntese do I Seminário Latino-Americano – realizado em Buenos Aires e São Paulo, em maio do mesmo ano – e nas palavras do cubano José Martí – intelectual nacionalista que atuou na independência da ilha durante o século XIX e se tornou o patrono intelectual da nação caribenha – o documento denuncia o novo avanço do imperialismo capitalista, de ideologia neoliberal e paradoxalmente reacionária, sobre nosso continente.
Assim se propõe a definir, de início, os “desafios para os movimentos populares e para o pensamento crítico” ao apontar o processo de recolonização dos países da América Latina (AL) através da hegemonia dos mercados financeiros internacionais, em detrimento das economias produtivas nacionais, em prejuízo das populações e dos ecossistemas da região. Para além do controle financeiro-especulativo, a ingerência externa e o entreguismo local levam à efetivação de políticas devastadoras, tanto no plano social quanto no ambiental, o que configura uma verdadeira ruptura dos pactos democráticos estabelecidos em nome da distribuição de renda, no continente mais desigual do mundo, e do equilíbrio ecológico, na região com a maior biodiversidade do planeta.
Diante da geopolítica de dominação e de ataques permanentes às soberanias nacionais, “novos processos de luta e mobilização” surgem em todas as partes, porém de modo generalizado no Chile, no Haiti e no Equador. Também na greve geral da Colômbia e na resistência aos golpes na Bolívia, Honduras e Brasil, além dos focos de resistência em todos os países da região.
Segundo o documento, o que há em comum nesses países é a corrosão da legitimidade dos governos que implementaram medidas neoliberais. Apesar disso, a ofensiva imperialista na AL estaria ainda longe de terminar, considerando que se apoia no controle do capital pelos grandes centros financeiros, na violência de Estado e na censura estabelecida pelos meios de comunicação corporativos hegemônicos. Os desafios aos movimentos populares e ao pensamento crítico estariam, portanto, pautados por esse “cenário complexo de uma batalha em curso” caracterizado por um ciclo regressivo de profundidade, com efeitos sociais e subjetivos impostos ao conjunto dos países, a serem superados também conjuntamente. Restaria estabelecer as especificidades do capitalismo contemporâneo para que se compreenda as estratégias e as dimensões de dita recolonização.
Promovida principalmente pelas corporações privadas com sede nos Estados Unidos, que pautam seu projeto imperialista e que direcionam a ação de um “estado estendido”, no sentido gramsciniano, direcionado pela oligarquia “liberal corporativa”, a ofensiva neoliberal não teria nenhum tipo de regulação política democrática, em qualquer esfera. Resta saber quais as formas de adaptação da resistência popular latino-americana e seu potencial de luta frente ao poder totalitário do capital financeiro globalizado, ou, segundo o texto do documento, “como repensar hoje as alternativas e a construção de um projeto popular de mudança”.
O documento do ITPS nos coloca, portanto, diante das tarefas de emancipação dos povos da AL, em seu desafio histórico de soberania democrática, inspirado pelo legado da independência do jugo colonial, pautada uma vez mais em pleno século XXI. Frente à recolonização, uma segunda independência seria necessária para defender a vida, a dignidade e a cidadania latino-americanas.
Em 1968, uma das mais importantes bandas da história do Chile, o Quilapayun (que significa “Os Três Barbudos” em língua mapuche), lançou seu álbum Por Viet Nam. Ele foi publicado pela Dicap (Discoteca Del Cantar Popular), iniciativa ligada ao Partido Comunista do Chile, que teve Víctor Jara como diretor artístico e foi crucial para todo o movimento da Nova Canção Chilena.
Em sinergia com os movimentos cívicos nos EUA que se insurgiam contra a agressão imperialista contra o Vietnã, o Quilapayún denunciava a “águia do imperialismo” na primeira canção do álbum, para logo na sequência abordar a Guerra Civil Espanhola (1936 – 1939), que engendrou a ditadura de Franco, em “Que La Tortilla Se Vuelva”.
Após visitar, através das canções de protesto, as lutas dos povos no Vietnam e na Espanha, realizam uma “canção fúnebre” em homenagem a Ernesto Che Guevara, médico argentino que havia participado da revolução em Cuba (que triunfou em 1959) e havia se mobilizado também em prol da libertação do Congo e na Bolívia, antes de ser brutalmente assassinado em 9 de outubro de 1967, em La Higuera.
Já não surpreenderá a ninguém, dado o teor das canções, que este tenha se tornado um dos LPs que os “milicos” e carabineiros mais se esforçariam por quebrar e incinerar após o Golpe de Estado de 11 de Setembro de 1973.
O disco se tornaria alvo de repressão, de sanha exterminista, por parte da ditadura Pinochetista. Após a destituição violenta do governo da União Popular, encabeçado por Salvador Allende, o Quilapayún passou a ser uma espécie de “inimigo do Estado”. Por ter sido, antes, uma força cultural alinhada às forças da União Popular, vitoriosas nas eleições de 1970, e que só pôde governar até o dia fatídico em que as Forças Armadas do Chile traíram a democracia e se fizeram as serviçais dos EUA naquele coup d’état que, além da democracia e das liberdades civis, também levou a vida de Allende e o direito de um povo seguir cantando.
A carnificina grotesca e brutal que Pinochet dali em diante comandaria também tinha a ver com uma “guerra cultural”, bem ao gosto do que a extrema-direita Bolsonarista e Olavete hoje defende. No Chile Pinochetista, os Quilapayuns e Victor Jaras, os Inti-Illimanis e as Violetas Parras, tinham que ser silenciados; as obras deles tinham que ser destruídas, as mãos deles tinham que ser amputadas pra que nunca mais tocassem violão ou piano; os fuzis dos milicos tinham que encher as bocas e línguas de balas para que estes “esquerdistas” nunca mais ousassem soprar uma zampoña ou cantar uma décima libertária!
A cada vez que um brasileiro, ostentando sua ignorância como se mérito fosse, despreza a produção cultural dos pueblos latinoamericanos, desinteressando-se de qualquer contato com uma obra artística como esta, é de novo a vontade tirânica dos Pinochets que triunfa; mas a cada vez que estas músicas ressurgem, bombam alto nos alto-falantes, aí é que gritam de novo na cara dos opressores os agentes culturais que estiveram devotados às causas da beleza, da verdade e da justiça. Aí podemos celebrar que as mordaças das ditaduras, por mais que tenham tentado, fracassaram em silenciar o que precisava ser dito e o que prossegue querendo ser em coro cantado – como provam as fenomenais apresentações do Inti-Illimani com “El Pueblo Unido Jamás Será Vencido” na Santiago conflagrada de 2019.
Ouvir Quilapayun é um ato de resistência, e tocar um disco desses bem alto, para que toda a vizinhança ouça, é mais que democratização da boa música: é enviar pelos ares, re-ativada, a potência de uma arte que nada tem de “isentona” nem de cúmplice de tiranos e fascistas. Uma arte que atua no campo da história como força colaborativa e “coro fecundo” que se levanta “exigindo liberdade”. Exigir liberdade é o ofício deste canto, garantem em “Himno De Las Juventudes Mundiales”, uma canção emblemática do ano 1968 – este que, para além do eurocentrismo que nos leva sempre a lembrar das Jornadas de Maio em Paris, teve no México e no Brasil episódios históricos igualmente importantes.
As tiranias que, em 1968, massacraram os manifestantes mexicanos às vésperas das Olimpíadas ou que deram o golpe mais brutal nas liberdades civis dos brasileiros com o AI-5 (de Dezembro de 1968), sempre precisaram instaurar um clima de censura cultural exacerbado, exilando artistas ou mesmo praticando assassinatos contra os dissidentes contraculturais. Os exílios de Caetano e Gil, com a Tropicália trucidada em pleno vôo pelo AI-5, são emblemas disso no Brasil.
No belo documentário de Nanni Moretti, “Santiago, Itália”, em uma cena chave, polvilhada de melancolia e indignação, este vinil do Quilapayún queima em uma fogueira acesa por militares armados com fuzis. É uma cena que evoca lembranças das fogueiras em que os nazistas queimaram a literatura “degenerada” dos judeus, comunistas, ciganos e outros “párias” que perseguiram e exterminaram. Evoca também a Inquisição incinerando Brunos e bruxas.
01. Por Viet-Nam 00:00
02. Que La Tortilla Se Vuelva (De La Revolución Española) 02:20
03. Cancion Fúnebre Para El Che Guevara 04:32
04. Mamma Mia Dame Cento Lire (Del Folklore Italiano) 07:35
05. La Zamba Del Riego 09:57
06. Cuecas De Joaquín Murieta 12:45
07. Himno De Las Juventudes Mundiales 14:18
08. El Tururururú (De La Revolución Española) 16:30
09. Que Dirá El Santo Padre 18:55
10. Canto A La Pampa 21:36
11. La Bola 27:23
12. Los Pueblos Americanos 30:34
A transexualidade é encarada com um olhar sensível e empático neste drama chileno primoroso. Dirigido por Sebastián Lelio, Una mujer fantástica [IMDB] consagrou-se ao vencer o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2018 – e um de seus feitos históricos é o de ser “o primeiro filme estrelado por uma mulher transexual a ganhar esse prêmio”, destacam a Wikipedia [1] e oG1 [2].
Além de testemunhar a força impressionante da produção cinematográfica do Chile, que recentemente havia emplacado outra nomeação ao Oscar com “No” de Pablo Larraín, “Uma Mulher Fantástica” é exemplar em seu trato cuidadoso e delicado da vida e atribulações de sua protagonista.
A trama gira em torno de uma estranha espécie de viuvez: Marina Vidal (interpretada por Daniela Vega), uma mulher trans, tem que lidar com a morte de seu namorado mais velho, Orlando, um sujeito que manteve este caso extraconjugal escondido de sua família normal.
“O que dá o brilho ao filme é o extraordinário retrato que Vega faz de Marina, uma jovem mulher trans que enfrenta uma intensa hostilidade social”, classifica o jornal britânico The Guardian.
Marina não só perde para a intransigência da morte o seu namorado. Tem daí em diante infelicidades em série dada a impossibilidade de chorar publicamente esta perda. Este luto impedido é o cerne do filme, que mostra Marina esforçando-se para ser aceita no velório e no enterro dos quais é escorraçada pela família do morto.
O filme é brando em violências explícitas, mas repleto de uma teia de violências simbólicas que se manifestam em atitudes, palavras e olhares. Revela-se, numa Santiago fotografada com primor, uma teia de transfobia que parece perseguir Marina aonde quer que ela vá, causando-lhe angústias que ela depois expressa na catarse de seu canto lírico.
Em uma cena chave, aliás muito poética, irrompe na tela uma metáfora visual do destino da protagonista: uma ventania ameaça arrastá-la para longe, carregada no torvelinho, enquanto ela resiste bravamente, em um esforço hercúleo para seguir indo contra a corrente.
Não sei qual teria sido a intenção do artista, mas li a metáfora como expressão da resiliência daqueles que ousam encarar, fora dos armários da normose, a aventura identitária da radical transformação. No caso, temos a metáfora visual de uma transexualização que o sujeito se aventura a encarar em uma sociedade de entranhada LGBTfobia.
A crítica em À Pala de Walsh destaca que o cineasta teve a intenção, com sua obra, de trabalhar com o conceito de obra polimorfa:
Sebastián Lelio assumiu em diferentes entrevistas que quis contar a história de uma mulher tránsgenera, e todas as complexidades que essa condição acarreta numa sociedade conservadora, através de um “gender-fluid film”, um filme sem género definido, que move-se entre diferentes estilos, para equivaler a protagonista e a estrutura do filme. O filme, que começa por ser próximo de um romance, atravessa as estruturas gerais de diferentes estilos, como o filme de suspense ou o thriller hitckcockiano, a comédia absurda com toques fantasiosos à Almodóvar ou o drama convencional, como um verdadeiro filme polimórfico. [3]
Em outra cena chave, a metáfora visual se dá num divã onde ela se deita desnuda e olha-se num espelho colocado como obstáculo que impede a sua visão – e a de nós, espectadores – da genitália. Seu reflexo naquele “espelho genital” é uma das imagens do filme que nos persegue muito tempo depois de findos os créditos finais.
O filme, aliás, se esquiva de mostrar a genitália da protagonista e não menciona terapias hormonais ou cirurgias que teriam marcado sua transição de homem cis a mulher trans. Mesmo na cena em que o médico a analisa em busca de lesões, a câmera se esquiva de mostrar de modo explícito o que se esconde por trás da calcinha – e o que outrora se escondia por trás da cueca. Faz-se desta genitália uma espécie de tabu, aquilo que não se quer mostrar, talvez por um desejo da obra de apostar muito mais numa estética da sugestão do que da explicitação.
No fundo, pouco importa a genitália, e mais importante é a jornada identitária de uma mulher que só é “fantástica” pois enfrenta, de cabeça erguida, uma saraivada de maus-tratos dos seres humanos ao seu redor, tão ciosos de sua “normalidade” que nem percebem o quanto há de doentio na construção social de uma ideologia que normaliza a homofobia e que constrói a pessoa transgênero como “sub-humana” ou como pária.
Lamentavelmente, no Brasil, este filme meio que passou batido, não reverberou nem repercutiu como merecia. Talvez seja sintoma de que o circuito comercial não lida tão bem com a entrada em cartaz de filmes que questionem a normose dominante. Mesmo com toda a sensibilidade e empatia, com toda a delicadeza e brandura, o filme de Lélio deve ter sido classificado por muitos cinemas como indigno de ser exibido e promovido por tratar com temas tabu.
Lamentável, pois este é um filme que contribuiria muito, caso fosse visto por milhões de brasileiros, para uma espécie de “educação sentimental” que nos ajudasse a sair do lodaçal horripilante em que hoje estamos chafurdados: em nosso país, líder global de homicídios de pessoas transgênero, a expectativa de vida de um ser humano que se transexualizou é de 35 anos, menos que a metade da média nacional. Segundo o site do Senado Federal: “O Brasil é o líder mundial de violência contra transgêneros. Entre janeiro de 2008 e dezembro de 2014, foram registrados 1.731 homicídios.” [4]
No Brasil, país onde mais se assassina por homofobia em todo o planeta, a horda normótica de Cidadãos-de-Bem elegeu em 2018 o excrementíssimo Sr. Jair Messias Bolsonaro, notório homofóbico e disseminador de apologias à violência contra a população LGBTQ.
A brandura de “Uma Mulher Fantástica”, que se passa no Chile, soaria falsa e pouco realista caso a história se passasse no Brasil. Se Marina fosse brasileira, seu destino seria sangrar até à morte em alguma sarjeta após ter sido esfaqueada, aos 30 e poucos anos, por um Cidadão-de-Bem que vai à igreja ou ao culto aos domingos e votou com muito gosto no “Mito”.
Por Eduardo Carli de Moraes para A Casa de Vidro 10 de Agosto de 2019 – #CinephiliaCompulsiva
LEIA TAMBÉM E EXPLORE ALÉM – HuffPost Brasil: No passado, outros filmes sobre pessoas trans já venceram em outras categorias no Oscar: Clube de Compras Dallas (2015), que rendeu o Oscar a Jared Leto, A garota dinamarquesa (2016), que Alicia Vikander ganhou como melhor atriz coadjuvanete, Traídos pelo desejo (1992), que venceu na categoria de melhor roteiro, e Meninos não choram (1998), em que Hillary Swank ganhou como melhor atriz. Mas esta é a primeira vez na história da premiação que um filme que conta a história de uma pessoa trans é, de fato, interpretada por uma pessoa trans, e não por um interprete cisgênero (pessoa que se identifica com o próprio gênero e sexo biológicos). Além do Oscar, já em 2018, o filme levou o Goya (festival espanhol de cinema) como melhor filme iberoamericano. O longa, também já havia passado pelo Festival de Berlim, em 2017, onde levou o Prêmio Teddy e o Urso de Prata na categoria melhor roteiro.
Jamais teremos uma relação apropriada com o processo histórico se não agirmos simultaneamente como “construtores do futuro e intérpretes do passado”, escreve Nietzsche na Segunda Consideração Extemporânea [1]. E eu adicionaria: jamais conheceremos o passado adequadamente se não atentarmos para a voz dos vencidos. Temos que aprender a ler a sina multiforme dos derrotados. O fato de Rosa Luxemburgo ter sido assassinada não significa que ela não estivesse certa, e errados os seus algozes. Como bem disse Daniel Bensaïd: “a sua derrota não prova que os vencidos não tivessem razão.” [2]
É um pouco por aí que transita também o Darcy Ribeiro naquela sua célebre auto-celebração, em que classifica-se como fracasso em tudo: um ser humano integrante dos vasto rol dos “derrotados”:
Se não ouvirmos a voz dos vencidos, nosso relato histórico terá a falsidade de todas as lorotas contadas pelos vencedores, de todas as falácias espalhadas pelos que triunfaram sobre o cadáver dos assassinados, sobre o silêncio dos amordaçados, sobre os gritos dos torturados.
Sendo os papagaios da História Oficial, ou seja, acreditando que existe apenas o Tempo dos Vencedores, perdemos o essencial: aquilo que no passado é semente ainda não desabrochada. Paulo Freire se referia a si mesmo como “andarilho da utopia”, em permanente busca de partejar “inéditos viáveis”: aquilo que nunca houve, mas pode perfeitamente vir a ser. Aquilo que não é impossível, mas realizável, desde que o ser humano saiba agir coletivamente para construi-lo.
O inédito viável – aquilo que o Fórum Social Mundial chama em seu slogan de “Um Outro Mundo Possível” – não pode prescindir de um estudo interessado da História. Pois a possibilidade de construção deste alter-mundo, desta outra realidade de que nos fala o altermundialismo, tem que estar também no nosso trato com o passado, ou seja, é necessário instituir um pacto com os vencidos, o que não significa nunca que estaremos resignados à derrota. Nosso pacto é com os vencidos por enquanto, e nossa revolta é contra os vencedores desumanizadores, opressos, injustos, fratricidas.
A pista para a construção de uma outra História possível está também nas pegadas daqueles que resistiram “à mecânica nazi e à engrenagem staliniana” (Bensaïd, op cit, p. 210), os que se recusaram a obedecer os ditames de Pinochets, Francos e Médicis… Os que tombaram defendendo a liberdade, os que foram assassinados pregando a paz (que emblema mais forte do que Gandhi, ou John Lennon?), os que perderam a vida sob balas assassinas ou amarguraram cárceres duros impostos por ditaduras, tiranias, governos ilegítimos, golpes de Estado (Mandela, Pepe Mujica, Dilma Rousseff, Luiz Inácio Lula da Silva, sendo apenas alguns dos exemplos mais recentes).
Patricio Guzman, Cineasta Chileno, no Centro Cultural Gabriela Mistral. Foto: Reinaldo Ubilla.
E o cinema-do-real: é capaz de ser uma janela para esta audição atenta das vozes pretéritas? Assistir a filmes documentais pode nos elevar a consciência acima de seu nível comum de compreensão histórica? Estou convicto que sim, e uma das obras que é mais intensamente responsável por essa aposta num aprendizado do passado propiciado pelo cinema é aquela do cineasta chileno Patricio Guzmán.
Nostalgia Pela Luz, parece-me, é um dos mais importantes documentários latino-americanos realizados no continente após o colapso das ditaduras militares – e só tem equivalente à altura, na filmografia brasileira, em obras como Memória Para Uso Diário e Orestes. Guzmán é o responsável pelo épico documental A Batalha do Chile, além de tratados fílmicos sobre Salvador Allende e Augusto Pinochet, e é amplamente reconhecido como figura pública de percepção relevante sobre a história de nosso continente,ao pesquisar e questionar a fundo as ocorrências e os resquícios da Ditadura em seu país. No Brasil, o grande Silvio Tendler vem realizando uma magistral obra também deste teor.
O cinema chileno, nestes últimos anos, tem realizado com admirável maestria um resgate histórico pelo viés dos vencidos: em excelentes filmes como Dawson – Ilha 10 (click e leia a resenha em Cinephilia Compulsiva)e Colônia – Amor e Revolução (Florian Gallenberger, 2015),pudemos conhecer em todo seu horror os campos de concentração pinochetistas, desde o enclave germano-fascista que foi a “Colônia Dignidade” ao presídio onde foram enjaulados, após 11 de Setembro de 1973, os principais líderes da União Popular.
Já em No (um filme de Pablo Larraín, 2012),tivemos um pujante retrato, baseado em história de Antonio Skármeta, do plebiscito popular que tentou enterrar a Era Pinochet com um “Não!” em 1988.
Neste contexto é que refulge Nostalgia pela Luz. Guzmán nos leva para uma temporada de reflexão profunda no Deserto do Atacama. O Atacama, no Chile, é o melhor observatório de estrelas da Terra. Telescópios formidáveis estão ali instalados, perscrutando os céus. São janelas abertas para o cosmos. Buracos-de-fechadura por onde os terráqueos espiam os mistérios celestes.
No Atacama têm-se acesso também a um Portal para o Passado. Enquanto os astrônomos tentam responder aos insondáveis enigmas sobre as Origens do Universo – como e quando surgiram as estrelas, os planetas, as galáxias… – os arqueólogos debruçam-se sobre os desenhos sobre as pedras, ali incrustados mais de 1.000 anos atrás pelas tribos nômades pré-colombianas que ousavam atravessar aquela imensidão de secura.
Olhando a Terra do espaço, podemos notar que aquele território na América do Sul se distingue pelo teor amarronzado, contrastante com a vastidão azul dos oceanos: o Atacama, visto lá de cima, é um deserto que impressionaria o OVNI alienígena por sua extensão. Quase sem umidade em sua atmosfera, com firmamento livre de qualquer nuvem, o Atacama fornece aos olhares humanos uma das melhores oportunidades para espiar o carrossel das constelações. A transparência do éter faz com que não haja obstáculos entre as estrelas e as retinas.
Estima-se que cerca de 30.000 chilenos tenham sido torturados durante o truculento governo que tomou conta do país a partir do golpe de estado de 11 de Setembro de 1973, quando o governo de pendores socialistas de Salvador Allende foi derrubado na base da força bruta, com o devido auxílio dos EUA.
Até hoje viúvas enlutadas vagam pelo deserto a procura dos ossos e crânios dos seus parentes, assassinados pelos militares por serem opositores políticos. Mulheres traumatizadas, de olhos molhados, incapazes de esquecer da ausência dos que amaram, querendo vencer o poder do olvido e erguer um monumento em nome da memória.
Nostalgia Pela Luz, o brilhante documentário de Patrício Guzmán, consegue transitar por todas estas áreas do conhecimento humano – a astronomia, a arqueologia e a história – guiado pelo mistério das estrelas e da memória. Estes mistérios estão conectados: sempre que nossos cérebros formam uma imagem mental de uma estrela, sempre que nossos olhos entram em contato com a luz provinda de uma, estamos diante da paradoxal presença do passado.
Os 8 minutos que os raios do Sol demoram em sua jornada até a Terra, mesmo sendo velocípedes feito um Papa-léguas (300.000 mil quilômetros por segundo é uma velô de deixar qualquer Schumacher humilhado!), provam-nos algo fascinante: o que vemos no céu são emanações de distantes rincões do Universo que talvez não existam mais. Emanações não somente das lonjuras, mas das próprias entranhas do passado. Qualquer estrela que produziu aquela luzinha vaga-lumeante nos céus pode estar morta há muito tempo; mas não suas luminosas reverberações.
Está aí a conexão entre estes dois pesquisadores aparentemente tão diferentes, o astrônomo e o arqueólogo: ambos lidam com o passado e tentam interpretá-lo de modo a esclarecer o mistério das origens – seja da raça humana, seja do planeta, da galáxia e do universo que nos abriga.
O Gênese bíblico, para estes audazes perscrutadores do firmamento e da poeira terrestre, já foi descartado como a superstição anti-científica que é; o Big Bang é o verdadeiro mistério a decifrar. Carl Sagan, em um dos episódios mais acachapantes de Cosmos, sugere que não há nada neste planeta que não tenha sido gerado, centenas de milênios atrás, no útero das estrelas.
Um dos entrevistados pelo documentário de Guzmán, seguindo na trilha saganiana, pede ao espectador que medite sobre o seguinte: de onde saiu o cálcio presente em seus ossos? Ora, a resposta talvez seja esta: o cálcio que todos temos em nossos ossos é provindo das estrelas. “We’re made of starstuff!“, exclamava quase em epifania um sorridente Sagan, nos anos 1980. Pesquisas mais recentes parecem dar razão a ele. Cada vez parece mais absurdo conceber uma separação rígida entre nós e o universo – ele lá, nós aqui, e entre ambos algum abismo intransponível.
Não há esse abismo: há sim uma inegável conexão que nos conecta ao cosmos de modo irrecusável. A matéria que nos constitui é matéria cósmica, lançada pelos ares pela Grande Explosão primeva. Aquilo que somos, devemos às estrelas, sem às quais nunca teríamos surgido nem poderíamos sobreviver.
A imagem grandiosa de um Universo exuberante, repleto de energia, em eterno fluxo sem fim, emerge também deste filme. Uma moça chilena, que teve os pais assassinados pela ditadura Pinochet, conta às câmeras como encontrou na astronomia uma anestesia para suas feridas, um bálsamo para seu luto. Ela foi uma filha que, na primeira infância, perdeu os dois pais para a maquinaria assassina da ditadura, e que depois se sentirá sempre como alguém “com um defeito de fábrica”.
Ela nos diz que passou a enxergar esta traumática perda com um senso de seguir-avante, ao invés de render-se à depressão ou buscar o suicídio. E ela o fez contemplando a corrente cósmica em que a matéria é perenemente reciclável e onde não há nada eterno a não ser o moto-perpétuo em que tudo precisa desfazer-se, mesmo as estrelas, para que o novo possa formar-se.
“The cosmos was originally all hydrogen and helium. Heavier elements were made in red giants and supernovas and then blown off to space, where they were available for subsequent generations of stars and planets. Our sun is probably a third generation star. Except for hydrogen and helium, every atom in the sun and the Earth was synthesed in other stars. The silicon in the rocks, the oxygen in the air, the carbon in our DNA, the gold in our banks, the uranium in our arsenals, were all made thousands of light-years away and billions of years ago. Our planet, our society and we ourselves are built of star stuff…” – CARL SAGAN
Ali, nas imensidões desérticas do Chile, pode-se adentrar um Passado de múltiplas faces, ou melhor, podemos experenciar ontens de várias idades. É essa a grande sacada da obra, esta mescla de História humana e História que transcende o curto período em que nós, humanos, neste rincão cósmico existimos.
Enquanto astrônomos buscam decifrar a luz que, para chegar a nossos telescópios, viajou por alguns milhões de anos, à estonteante velocidade de 300.000 quilômetros por segundo, vagam também pelo território as traumatizadas pessoas que buscam os restos mortais de seus entes queridos que foram “desaparecidos” pela Ditadura Militar instaurada pelo golpe militar de Setembro de 1973.
Cineasta Patricio Guzman, diretor de um dos grandes documentários na história do cinema latino-americano: “A Batalha do Chile” (3 partes)
Para nos maravilhar e nos fazer refletir com a vastidão do tempo pretérito, Guzmán explicita, com imagens de arquivo mas também através das sobrevivências do horror no tempo presente, a brutalidade de um regime que torturou pelo menos 30.000 pessoas (ainda que alguns estimem que esse número possa ser de até 60.000 torturados) e que assassinou milhares de ativistas políticos e artistas.
A câmera documental de Guzmán, talvez inspirada por obras-testemunho como a série Shoah de Claude Lanzmann, vai captar imagens dos campos de concentração do regime Pinochetista. Rodeados por arame-farpado, os presos políticos eram encarcerados, no Atacama, em antigas moradias abandonadas pelos mineiros do salitre que ali penaram, no século 19, em um trabalho de condições análogas à da escravidão.
Guzmán consegue conversar com um idoso que esteve encarcerado nos anos de 1973 e 1974, e ele conta que a observação astronômica das estrelas acima de suas cabeças era uma atividade que lhes permitia conservar sua “liberdade interior” em meio às degradantes condições de vida no campo de concentração. A Ditadura proibiu os detentos de olharem para o céu.
Um dos elementos que faz a imensa importância desse filme está no chamado, ou na convocação, que ele nos lança para que tomemos conhecimento sobre o que já passou, sabendo que o processo humano de desvendar todos os outroras envolve um esforço transdisciplinar. O historiador, que investiga o passado humano recente, difere do arqueólogo, que se debruça sobre um passado mais antigo, por exemplo sobre os resquícios de sociedades pré-colombinas que deixaram pinturas nas pedras.
Já o geólogo, ou o pesquisador de fósseis, quanto mais se aprofundam em suas pesquisas e quanto mais adentram o ventre do planeta, mais descobrem na crosta da Terra os resquícios atuais de um passado terrestre que se afasta milhões de anos atrás de nós.
Porém são os astrônomos aqueles que vencem todos os outros profissionais da memória no quesito “velhice” do passado investigado: através dos mega-telescópios, com seus olhos de vidro, atentos às estrelas visíveis através dos límpidos céus do Atacama, os astrônomos investigam uma luz que pode ter sido emitida há bilhões de anos atrás. Com equipamentos hi-tech e equipes integradas por pessoas de várias nacionalidades, sondam as energias cósmicas em busca de pistas para entender a origem do Universo, as ocorrências do Big Bang, as formidáveis explosões primordiais que, como supõe os astrônomos de hoje em dia, ainda hoje ressoam e repercutem.
O Big Bang, nesta perspectiva, não é um evento que ficou no passado, enterrado, separado de nós para sempre, mas sim o início daquele processo de que somos ainda os contemporâneos. A explosão primeva não passou: ainda podemos ouvir seu estrondo a esparramar-se pelo espaço cósmico, com mais decibéis do que milhões de bandas de rock humanas tocando juntas com os amplificadores todos do planeta Terra com o volume no máximo. Um punk rock pode até ser um estrondo, mas estrondoso mesmo é o cosmos.
E, no entanto, uma certa melancolia tinge o filme de Guzmán – que aqui realiza uma práxis documentarística de clima afetivo bem próximo ao desalento lúcido de Werner Herzog. É que Guzmán sente que o Chile não está realizando o trabalho que devia de resgatar devidamente o seu passado. Em especial no aspecto histórico, há a vigência de uma certo ocultamento dos horrores vinculados ao golpe de Estado que derrubou a União Popular, encabeçada entre 1970 e 1973 por Salvador Allende.
Todas as violações dos direitos humanos, todo o terrorismo de Estado, ficou abafado debaixo de uma pilha de negacionismos e de recusas ao conhecimento. Guzmán acusa o Chile de querer virar seu rosto somente na direção do futuro, deixando de prestar atenção ao passado recente e sua procissão terrível de ossadas desaparecidas.
Nesse contexto, as mulheres que vagam pelo Atacama, em busca dos ossos daqueles que desapareceram na era ditatorial, não podem ser simplesmente varridas do quadro sócio-político como se não passassem de casos psicopatológicos, gente ressentida que não sabe enterrar o passado e seguir em frente. Essas mulheres representam uma práxis de resgate da memória que tem seu principal motor nos traumas sofridos e nunca esquecidos.
Pois a sociedade chilena, assim como a brasileira, infelizmente oferece oportunidades demais para uma re-traumatização dos sujeitos outrora traumatizados. Por exemplo: o trauma novo de encontrar, caminhando pelas ruas, livre e solto, completamente impune, um general que, nos tempos de Pinochet, “trabalhava” como torturador e assassino de escritório. O que re-traumatiza é a impunidade daqueles que, para lembrar a apropriadíssima expressão de Hannah Arendt, realizaram e realizam os “massacres administrativos”.
“Diante dos seus juízes, Eichmann confessa-se vencido. É um facto. Mas não culpado: como bom nazi, supõe que o dever de obediência o descarta de qualquer responsabilidade. Não que ele não tivesse consciência, precisa Hannah Arendt, mas porque a ‘sua consciência lhe falava com uma voz respeitável, a voz da sociedade respeitável que o envolvia. Obedecia às ordens como cidadão respeitoso da lei. A questão terrível está mesmo aí: os nazis ter-se-iam sentido culpados se tivessem ganho?’ [4] Ninguém em Jerusalém, sublinha Arendt, teve ocasião de pôr a questão aos dignitários judeus: por que é que haveis colaborado na exterminação do vosso próprio povo? ‘Por que a lição destas histórias é simples, ao alcance de todos: é que a maioria das pessoas inclina-se diante do terror, mas alguns não se inclinam… Humanamente falando, não é preciso mais, e não se pode pedir razoavelmente mais para que eles planeta permaneça habitável.” [5]
Instigado por Guzmán a fazer uma comparação entre o trabalho de astrônomos e das mulheres que buscam seus parentes desaparecidos, um dos cientistas entrevistados em Nostalgia Da Luz diz que os casos são incomparáveis, e isto pela intensidade dos afetos de tormento que dominam os sujeitos traumatizados pela perda. Segundo ele, os astrônomos podem passar os seus dias de trabalho observando o passado, ou seja, a luz das estrelas, e depois podem ir para a cama e dormir tranquilos; já as mulheres que buscam os restos mortais daqueles que perderam estão muito mais na condição trágica de Sísifos, fazendo um trabalho inglório, em que a ânsia de aclaramento do passado não se satisfaz e, após os trabalhos fatigantes e mau-sucedidos, nenhum sono tranquilo e sereno as espera.
O que espera aos sobreviventes de prisioneiros políticos, assassinados e desaparecidos aos milhares nos 17 anos de ditadura, é muito mais o pesadelo continuado de um presente em que, ao redor, forças funestas desejam barrar o acesso ao passado, recusando a entrada de uma luz curativa, um dos temas também do excelente livro Relampejos do Passado, de Amanda Brandão Ribeiro (Ed. Unifesp, 2017).
Guzmán vai atrás das histórias específicas dos parentes de desaparecidos políticos. Entrevista a irmã de Jose Saavedra Gonzalez, assassinado com dois tiros na cabeça. A irmã encontrou apenas fragmentos de ossos, pedaços de crânio, peças esparsas de um quebra-cabeças que nunca será montado em sua inteireza.
Estas mulheres, com lágrimas nos olhos, cabelos bracos na cabeça, que caçam os ossos pelo deserto, talvez sejam um símbolo emblemático da tragédia da América Latina sob suas ditaduras. Uma das entrevistadas por Guzmán, se questionada se vai seguir em sua busca, responde que, apesar da velhice (ela já passa dos 70 anos de idade), vai continuar sim, ainda que suspeite que os ossos nunca serão encontrados pois podem ter sido lançados ao mar. E ela se dirige ao espectador que porventura esteja perplexo e se perguntando: “Por que essa gente quer ossos?”. Ela re-afirma sua vontade de reencontrar os ossos do ente amado, Mário, pois o sumiço dos ossos é o insuportável, o inaceitável, o inesquecível.
Quando lhe informaram que haviam encontrado uma mandíbula de Mário, ela não se deu por satisfeita e disse que desejava o esqueleto inteiro. Com esta frase de quebrar o coração, ela diz: “Eu o quero inteiro! Eles o levaram inteiro e não o quero de volta aos pedaços. Se eu encontrá-lo hoje e eu morrer amanhã, partirei feliz.” (1h 02 min)
O direito ao luto aparece aqui como tendo que ser somado ao códex dos direitos humanos básicos. Os militares, que sumiram com os oponentes políticos, que ocultaram os cadáveres, que espalharam os ossos por desertos e mares, deveriam ser obrigados a abrir todos os arquivos e colaborar para que os familiares pudessem realizar o enterro digno dos entes amados. Mas obviamente que não é assim: os perpetradores dos crimes, os genocidas de farda, jamais iriam contribuir para amainar o sofrimento dos traumatizados. Cabe a nós a responsabilidade de escrever o Passado sendo dignos a bastante para dar voz aos silenciados.
“No mundo em que vivemos, o problema a ser enfrentado não é mais só o declínio da memória coletiva e o conhecimento cada vez menor do próprio passado; é a violação brutal do que a memória ainda conserva, a distorção deliberada dos testemunhos históricos, a invenção de um passado mítico construído para servir ao poder das trevas. Somente o historiador, com sua rigorosa paixão pelos fatos, pelas provas e pelos testemunhos, pode realmente montar a defesa contra os agentes do olvido, contra os que reduzem documentos a farrapos, contra os assassinos da memória e os revisores das enciclopédias, contra os conspiradores do silêncio.” [6]
A importância crucial da arte de Guzmán está em buscar convencer todo um país a exumar os ossos do passado, pô-los na mesa, na tentativa de, ao olhar de frente o terror, inventar um futuro menos sórdido. Para aprender como se faz um futuro melhor não há escapatória: é preciso fazer o aprendizado com os ossos. E os ossos são feitos do mesmo cálcio que pulsa nas estrelas cuja luz os telescópios capturam.
A “impressão digital de uma estrela”, explica-nos o cientista George Preston, registrada nos computadores da estação astronômica do Atacama, dá-se através do cálcio – impressão digital de ossos e estrelas! Como Carl Sagan já ensinava em Cosmos, nós somos feitos de poeira estelar, o que Preston re-afirma: “Uma parte do cálcio dos meus ossos foi formada um pouco depois do Big Bang. Nós vivemos entre árvores, mas também vivemos entre estrelas e galáxias: somos parte do Universo e o cálcio dos meus ossos estava lá desde o início.”
A “sacada” brilhante que faz de Nostalgia Da Luz um marco na história do cinema está nos vínculos que ele estabelece entre o Céu e a Terra: ele é capaz de enxergar o que une as mulheres que vagam pelo deserto em busca de ossos com os astrônomos munidos de telescópicos que sondam os corpos celestes. Nos dois casos, vai-se em busca de um conhecimento sobre o passado, ainda que em um caso seja o passado recente e traumático, e em outro caso o passado distante e cósmico. Ao invés de reduzir os ossos dos mortos durante a ditadura a uma espécie de matéria morta e insignificante, o filme-ensaio de Guzmán nos convida a pensar em um fragmento de osso como algo que está conectado a todo o Cosmos.
Poderíamos dizer que eles podem até ter arrancado as mãos de Victor Jara, para que ele nunca mais tocasse violão, antes de finalmente assassiná-lo, logo após o golpe de 11 de Setembro de 1973; mas esta mão decepada, estes ossos que estiveram presentes no organismo senciente de Jara, conecta-o às estrelas – e ao nosso céu, o dos sobreviventes. E não há nenhum preço que vocês possam pagar para comprar nosso esquecimento (seguiremos cantando as músicas de Jara mesmo depois de vocês terem fechado sua boca para sempre com balas). Pois nos recusamos ao olvido e não está à venda a possibilidade de simplesmente passarmos a borracha nestas páginas de nossa história.
Os que Eles, os vencedores (por enquanto…), não querem que lembremos, eis o que temos o dever se recuperar do olvido e transmitir através das gerações, para que vivam os destinos precocemente abreviados pelas brutalidades dos que triunfaram. Eis justamente com quem deve estar nosso Pacto de Verdade: com os que suaram e sangraram em prol da transformação deste mundo em algo diferente de um hospício esférico. Temos que pesquisar e falar sobre os ontens tendo em mente todos os tombados, todos os anônimos, todos os escravizados, todos os desvalidos, todos os roubados de sua dignidade e de seu direito à boa vida.
Triunfar pela força não é nenhum certificado de superioridade moral, muito pelo contrário: o apelo à força bruta, a convocação da violência para defender o seu interesse particular, é evidência de que a ideologia ou a causa política não possuem a seu lado a força dos argumentos racionais ou da retórica convincente, que dobra pelo verbo persuasivo o entendimento do outro, convencendo-o a aquiescer à razão mais forte.
Quem solta os cachorros furiosos sobre os outros, ou chama o pelotão de fuzilamento ou a fogueira para hereges, manifesta assim não sabe ter a delicadeza de expor uma cadeia de pensamento bem articulada. Prefere lançar o oponente aos dentes das feras. Ou à crueldade impiedosa das chamas.
O cadáver de Che Guevara na Bolívia não é “prova” de que o médico-guerrilheiro argentino estivesse na desrazão e no erro, mas evidencia sim a crueldade impiedosa de seus executores. A mando, é claro, do imperialismo yankee e seu séquito de horrores triunfais – que o povo do Vietnã, e do Afeganistão, e do Brasil (etc.), tão dolorosamente conheceram e conhecem.
Perder nunca é definitivo, toda vitória é precária: os vencidos de outrora podem ser os vencedores, outra hora. De Heráclito a Bob Dylan, alertam filósofos e artistas que tudo flui e os dados ainda estão rolando. The times they are a-changin.
Por isso, defendamos uma História que se conte sem que o sujeito contador se pretenda neutro, objetivo, sem partido. Ninguém aqui está defendendo a miopia do sectarismo, pelo contrário: queremos diálogo amplo com o pluralismo histórico, com tudo que no palco da História está em debate e em conflito, mas não aceitamos que sejam caladas, hoje, as vozes dos que foram obrigados, em tempos idos, a engolir o amargo cálice do sumiço.
Não há respeito possível ao trabalho de um historiador das Ditaduras latino-americanas que nada nos diga sobre os ossos dos desaparecidos políticos ou sobre os gritos de agonia dos torturados. Temos que ser fiéis àqueles sofrimentos que realmente ocorreram, e expor com sinceridade as atrocidades que, caso não as reconheçamos, podem voltar para nos atacar com novas e atrozes ditaduras novas.
Ouçamos a voz dos vencidos, caso contrário nossa compreensão da História será uma farsa, uma miopia calculada, uma escolha inaceitável pela auto-cegueira. Não enxergar o lado dos esmagados é estar ao lado dos esmagadores. A pior abordagem do passado é aquela que tem fé na História escrita pelos vencedores e nem escuta os que foram calados pela forca, pela fogueira, pelos fuzis, pelos campos de extermínio, pela pobreza planificada, pelos estigmas excludentes e assassinos…
Nas obras de Walter Benjamin, de Mary Wollstonecraft, de Flora Tristán, de Marx e Engels, de Olympe de Gouges, de Arendt, de Camus, de Brecht, dentre tantos outros, pulsam ainda as vidas insurgentes, revoltadas, indignadas, que puseram mãos à obra para a transformação do mundo, e que por esta razão padeceram alguns dos piores horrores, legando porém à posteridade um enriquecido horizonte de possíveis. O que de fato aconteceu em nosso passado não era o único evento possível: havia outras possibilidades, e caso saibamos “abrir uma outra perspectiva sob o passado”, tal qual nos convida a realizar Eleni Varikas, podemos aprender uma imensidão com os pretéritos fracassos:
“O que nos ensinam os fracassos: os fatos, as ações, as ideias, os movimentos, as esperanças que não vingaram? Privilegiando a perspectiva do fracasso em vez da do êxito, e os pontos de vista dos vencidos em detrimento daqueles dos vencedores, essa postura não é unicamente de ordem ética. Não que haja por onde se abster de um posicionamento de ordem ética. Como frisava Hannah Arendt em sua esplêndida resposta a Eric Voegelin, não é possível relatar acontecimentos tais como a extrema miséria das classes populares na época da Revolução Industrial como se eles tivessem acontecido na Lua… A análise do político é indissociável de uma atividade de julgamento ancorada na experiência viva do pesquisador.
A perspectiva do fracasso, ou a da derrota, interessa principalmente por seu potencial heurístico, pela contribuição preciosa que pode trazer ao trabalho árduo da anamnese… A ótica do fracasso nos impele – queira ou não – a nos afastarmos dos caminhos batidos da transmissão, a ‘escovar a história a contrapelo’, como diz Benjamin… Estudar as ‘minorias’ e a ‘marginalidade’ (as mulheres, os escravos, os metecos, as crianças, os estrangeiros) para ‘chegar ao centro’ da Cidade é um desses desvios que esclarecem (…) tensões e contradições da Cidade ocultadas pela ótica da vitória e do sucesso.
Pois certamente há na vitória como que uma propensão ao esquecimento; como se os vencedores fossem espontaneamente levados a crer que eles têm os deuses, a Providência ou, o que dá na mesma, a História do lado deles. Esse esquecimento é, antes de qualquer coisa, o esquecimento da injustiça que garantiu a vitória… o esquecimento da injustiça contra a qual a vitória foi obtida… Interrogar o político do ponto de vista daquilo que é marginal e minoritário é um exercício precioso.” [7] (VARIKAS, p. 72 – 72)
Walter Benjamin talvez o disse melhor do que ninguém em suas imprescindíveis Teses Sobre a História:
“Todos os que até hoje venceram participam do cortejo triunfal em que os dominadores de hoje espezinham os corpos dos que estão prostrados no chão. Os despojos são carregados no cortejo, como de praxe. Esses despojos são os que chamamos de bens culturais. Todos os bens materiais que o materialista histórico vê têm uma origem que ele não pode contemplar sem horror. Devem sua existência não somente ao esforço dos grandes gênios que os criaram, como à corvéia anônima de seus contemporâneos. Nunca houve um monumento de cultura que também não fosse um monumento da barbárie. E, assim como a cultura não é isenta de barbárie, não é, tampouco, o processo de transmissão da cultura. Por isso, na medida do possível, o materialista histórico se desvia dela. Considera sua tarefa escovar a história a contrapelo.” [8]
É este o conceito de História que anima Nostalgia Da Luz e que faz deste filme uma espécie de tratado Benjaminiano, a nos lembrar da relevante lição de que “o dom de despertar no passado as centelhas de esperança é privilégio exclusivo do historiador convencido de que também os mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer. E esse inimigo não tem cessado de vencer.” [9]
Por Eduardo Carli de Moraes
Goiânia, 2018
Originalmente publicado em A Casa de Vidro
Link para o post: https://wp.me/pNVMz-4uj
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1] NIETZSCHE. Segunda Consideração Extemporânea, citado por BENSAÏD, Daniel. Quem é o Juiz?. Ed. Piaget: p. 43.
[2] BENSAÏD, Daniel. Quem é o Juiz? – Para Acabar com o Tribunal da História (1999).Ed. Piaget: p. 207.
[3] ATWOOD, Margareth. Vulgo Grace (Alias Grace). Romance (Ed. Rocco) e Mini-série (CBC).
[4] ARENDT, Hannah. Eichmann à Jerusalem. Paris, Gallimard, 1996, p. 445.
[5] BENSAÏD, op cit, p. 50.
[6] YERUSHALMI, 1990, p. 23-24, citado por ROSSI, Paolo. O Passado, A Memória, O Esquecimento. São Paulo: Unesp, 2010, P. 36.
[7] VARIKAS,Eleni. Pensar O Sexo e o Gênero. Campinas/SP: Unicamp, 2016.
[8] BENJAMIN, Walter. Citado por CHAUÍ, Marilena, em Civilização e Barbárie (organizador: Adauto Novaes). São Paulo, Ed. Cia Das Letras.
[9] BENJAMIN, Walter. Sobre o Conceito de História. In: O Anjo da História. Belo Horizonte: Autêntica, 2012, p. 11-12.
Nesta video-reportagem, espiem alguns vislumbres de como foi a manifestação em prol da Educação Pública em Goiânia, no dia 18 10 16, data em que 769 escolas públicas estavam ocupadas pelo Brasil afora, de acordo com dados da UBES. A mobilização tinha como alvos a PEC 241, que congela os investimentos públicos em Saúde e Educação por 20 anos, a Reforma do Ensino Médio decretada pelo (des)governo de Michel Temer e pelo Sinistro da (des)Educação – Mendonça Filho do DEM. Além disso, a mobilização prossegue protestando contra a privataria marconista, que deseja transferir dezenas de escolas públicasde Goiás para a gestão empresarial via O$s. Este curta-metragem, de 13 min, registra o ato na Praça Universitária, a passeata pela Av. Universitária e Av. Anhanguera, a ocupação da rodovia BR-153, travada nos dois sentidos por barricadas de pneus em chamas. O ato contou novamente com vigoroso protagonismo dos Secundaristas em Luta – GO. Trechos musicais: Chico Science e Nação Zumbi, Elton Medeiros e Paulinho da Viola, Baiana System. Um vídeo filmado e editado por Eduardo Carli de Moraes para A Casa de Vidro:
O dia 18 de Outubro de 2016 raiou com cerca de 769 escolas ocupadas Brasil afora, segundo informações da UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas). A BR-153, em Goiânia, entardeceu com um crepúsculo diferente do costumeiro por efeito do grande ato em prol da educação pública que tomou as ruas da capital de Goiás nesta terça-feira. O protesto tinha como alvos a PEC 241, que pretende congelar por 20 anos os gastos públicos com Educação e Saúde; a Reforma do Ensino Médio que, dentre outras medidas extinguirá Filosofia, Sociologia, Artes e Educação Física do currículo de disciplinas obrigatórias; a Privataria Marconista que deseja ceder a gestão dos colégios públicos para O$s.
O movimento, com notável protagonismo dos Secundaristas em Luta Goiás, concentrou-se na Praça Universitária às 16h e dirigiu-se, pela Avenida Universitária, até a Av. Anhanguera, com o fim de travar a rodovia BR-153 nos dois sentidos (rumo Brasília e rumo Minas-São Paulo). Estudantes secundaristas e universitários, professores de UFs e IFs, servidores público e técnico-administrativos, anarco-punks, militantes LGBT, ativistas anti-racismo, insurgente feministas, além de simpatizantes da causa, pararam o trânsito da rodovia com barricadas de pneus em chamas.
Um animado bloco de dança e batuque resignificou o asfalto e parecia dar razão a Emma Goldman: “Se eu não puder dançar não é minha revolução.” Cantando refrões rimados e bradando cartazes indignados, os manifestantes desafinaram o coro dos contentes: “A nossa luta é todo dia! Educação não é mercadoria!”; “Ih, fudeu, estudante apareceu!”; “Acabou a paz, mexeu com estudante, mexeu com Satanás!”; “Tira a tesoura da mão, tira a tesoura da mão, e investe na educação!” – foram alguns dos brados que ressoaram pelos ares da cidade.
Neste vídeo – primeiro de uma série – documenta-se a ocupação da BR-153, com anarco-baile na rodovia e batucada libertária; mostra-se a intervenção temerária dos policiais do Giro que, com suas motocicletas, só não causaram uma tragédia de atropelamento por pouco; revela-se a extensão da marcha quando esta dobrava a Avenida Universitária em direção à Anhanguera, com o mic conectado ao carro-de-som mandando o recado: estamos na rua pois não engoliremos calados a PEC golpista e sua imposição autoritária de uma era glacial para os direitos sociais mais básicos!
A filmagem e edição do vídeo, além desta micro-reportagem, são de autoria de Eduardo Carli de Moraes, do portal cultural e livraria virtual A Casa de Vidro (www.acasadevidro), que vêm realizando docs curtas-metragens sobre os movimentos sociais (assista também a “Escola de Luta” e “Não Tem Arrego”). Os trechos musicais utilizados são de Chico Science e Nação Zumbi (“Da Lama ao Caos” e “A Cidade”) e Elton Medeiros com Paulinho da Viola (“Maioria Sem Nenhum”). A autoria das fotos ao final é desconhecida (o autor, por favor, manifeste-se para ser creditado!).
E em Goiás tem sim muita escola de luta: no dia da manifestação, o IFG Goiânia deliberou, em assembléia estudantil, pela ocupação, juntando-se assim aos câmpus do IF que já estão ocupados: Goiânia Oeste, Águas Lindas, Anápolis, Valparaíso e Iporá. No Distrito Federal, segundo a UBES, estão ocupados: CEM 414 Samambaia, IFB Estrutural, IFB Samambaia, IFB São Sebastião, IFB Planaltina. No dia da votação da PEC no Congresso, em 25 de Outubro, voltaremos todos às ruas.
O que o (des)governo de Michel Temer propõe com a PEC 241 é nada menos que um GENOCÍDIO PLANIFICADO, o que fica evidente quando refletimos que uma diminuição tão brutal nos investimentos na saúde, nos próximos 20 anos, em um cenário de aumento populacional, significa menos hospitais, médicos, enfermeiros e remédios para os mais vulneráveis. É o que diz, entre outras coisas, Laura de Carvalho neste texto para Outras Palavras, onde destaca que o Brasil já investe bem menos do que seria necessário – e agora esses desumanos golpistas desejam investir ainda menos, em prol dos bilhões entregues de mão beijada a banqueiros e especuladores.
“Os gastos em educação e saúde per capita no Brasil se mantêm em níveis muito abaixo da média dos países da OCDE. Com o crescimento populacional nos próximos 20 anos, o congelamento implicará em uma queda vertiginosa nesses indicadores. O envelhecimento da população, em particular, reduzirá muito as despesas com saúde por idoso, com consequências dramáticas sobre os mais vulneráveis.” Saiba mais: Educação e PEC241: retrocesso de mais de 80 anos
Medidas como a (D)eforma do Ensino Médio e a PEC 241, impostas pela regime ilegítimo, golpista e desastroso de Michel Temer e seu MEC – este, aliás, entregue às mãos de um coroné do DEM (que tem Alexandre Frota como paradigma de pedagogia!) – reacendem a chama da mobilização ocupista de São Paulo que derrubou a reorganização planejada por Alckmin. Avante, estudantada! – Leia a matéria do EL PAÍS Brasil (por Marina Rossi)
Estudantes permanecerão resistentes até que a MP da “Deforma” do Ensino Médio seja revogada
A União Brasileira dos Estudantes Secundaristas repudia as declarações do ministro ilegítimo Mendonça Filho, que no lugar do diálogo, prefere ameaçar e perseguir estudantes nas ocupações.
Em pouco tempo, Mendonça Filho já mostrou a forma como pretende conduzir a sua gestão: culpar sempre a vítima. Numa tentativa de criminalizar a luta dos estudantes que ocupam quase mil escolas, institutos federais e universidades em todo o Brasil, o ministro da Educação lança mão de nova arbitrariedade para calar a nossa voz e continuar a implementação da sua política neoliberal de privatização e desvalorização do setor público educacional, um verdadeiro pacote de maldades do governo de Michel Temer.
Em coletiva de imprensa na quarta-feira (19/10), Mendonça Filho exige que a desocupação das escolas aconteça até o dia 31 de outubro, do contrário, a realização do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) será suspensa. Em clara medida para inibir a liberdade de manifestação, o Ministério da Educação (MEC) também enviou ofício a dirigentes da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica pedindo a identificação dos estudantes que ocupam os institutos. A UBES repudia também a ameaça do MEC de cobrar multa dos estudantes e entidades que sejam identificados como responsáveis pelas ocupações. Essa tática a gente conhece, é típica de governos autoritários que perseguem os seus opositores.
As investidas repressoras do governo não vão impedir os estudantes. Permaneceremos resistindo até que a pauta de reivindicações seja ouvida e discutida. As ocupações serão mantidas em oposição à Medida Provisória que “deformará” o Ensino Médio, em repúdio à Lei da Mordaça (Escola sem Partido) e contra a PEC 241, que vai prejudicar investimentos em áreas como Educação e Saúde, literalmente congelando o nosso futuro.
Com relação ao ENEM, a UBES, ao contrário das elites que usurparam o poder por meio de um golpe, sempre defendeu o exame como forma de democratizar o acesso ao ensino superior, assim como defendemos políticas como o ProUni e as cotas que hoje estão ameaçadas. Vale lembrar que o partido do ministro Mendonça Filho é o DEM, antigo PFL, que apoiou a ditadura militar e, em um passado mais recente, ingressou com ação na justiça contra a política de cotas nas universidades federais.
Por isso, quem conhece nossa história, quem visitou uma ocupação, quem acompanha a luta diária dos estudantes em defesa da educação sabe que o objetivo não é e nunca foi prejudicar a realização do ENEM. As declarações do ministro golpista usam da mais baixa tática da repressão, que é espalhar uma ameaça para jogar a sociedade contra um movimento legítimo, pacífico e que conta com apoio popular.
Não vamos nos intimidar, ameaças nos fortalecem. Não somos delatores nem invasores, somos lutadores do hoje para garantir um futuro melhor e mais justo para todo o povo brasileiro.
Quem quiser saber mais das ocupações, convidamos para acompanhar as páginas no facebook, as pautas e as atividades que acontecem diariamente nas escolas ocupadas, inclusive, “aulões” preparatórios para o ENEM.
O MEC diz: “Vamos cancelar o ENEM”. Na verdade, devia dizer: “Vamos revogar a MP da reformulação”.
As ocupações permanecerão enquanto a Medida Provisória de “deformação” do ensino médio não for revogada!
“Eu me organizando posso desorganizar
Eu desorganizando posso me organizar”
(Chico Science)
A escola é nossa!
União Brasileira dos Estudantes Secundaristas 20 de outubro de 2016
A vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que seduzem a teoria para o misticismo encontram a sua solução racional na práxis humana e na compreensão desta práxis. [Karl Marx, 1845]
Combatendo a distorção e divulgação de notícias e conceitos falsos; Ocupando as redes sociais e denunciando moralistas e interesseiros de ocasião; Dialogando e formando amigos e conhecidos seduzidos por soluções autoritárias; Colaborando com ações e propostas conscientizadoras sobre as liberdades civis; Frequentando e defendendo os espaços plurais de produção, difusão e compartilhamento de saberes, conhecimentos e artes. RESISTA!