Práticas em prol de uma educação antirracista – Reflexões a partir do Manual de Djamila Ribeiro (Cia das Letras, 2019)

Djamila Ribeiro, nascida em Santos / SP em 1980, vem se consolidando como uma das mais importantes jovens pensadoras do Brasil ao realizar um trabalho multimídia de conscientização e de combate contra o racismo estrutural e suas múltiplas manifestações. Mestra em filosofia política pela Unifesp, coordenadora da coleção Feminismo Plurais, atuou também como secretária-adjunta de Direitos Humanos e Cidadania na cidade de São Paulo durante o governo de Fernando Haddad.

Além de comunicadora social de ampla atuação, é autora de obras que tem gerado muito debate e que muito contribuem para uma pedagogia anti-racista, caso dos livros O Que É Lugar de Fala (2017), Quem Tem Medo do Feminismo Negro? (2018) e Pequeno Manual Anti-Racista (2019).

Neste artigo, irei focar nos apontamentos de Djamila que focam no problema educacional e que nos permitem pensar uma práxis educativa antiracista. Começo evocando alguns textos de teor autobiográfico em que a autora relembra episódios vivenciados em sua própria pele e que nos levam a refletir sobre a questão racial na escola:

“Desde cedo, pessoas negras são levadas a refletir sobre sua condição racial. O início da vida escolar foi para mim o divisor de águas: por volta dos 6 anos entendi que ser negra era um problema para a sociedade. Até então, no convívio familiar, com meus pais e irmãos, eu não era questionada dessa forma, me sentia amada e não via nenhum problema comigo: tudo era ‘normal’. ‘Neguinha do cabelo duro’, ‘neguinha feia” foram alguns dos xingamentos que comecei a escutar. Ser a diferente – o que quer dizer não branca – passou a ser apontado como um defeito. Comecei a ter questões de autoestima, fiquei mais introspectiva e cabisbaixa. Fui forçada a entender o que era racismo e a querer me adaptar para passar despercebida. Como diz a pesquisadora Joice Berth, ‘não me descobri negra, fui acusada de sê-la’.

O mundo apresentado na escola era o dos brancos, no qual as culturas europeias eram vistas como superiores, o ideal a ser seguido. Eu reparava que minhas colegas brancas não precisavam pensar o lugar social da branquitude, pois eram vistas como normais: a errada era eu. Crianças negras não podem ignorar as violências cotidianas, enquanto as brancas, ao enxergarem o mundo a partir de seus lugares sociais de privilégio acabam acreditando que esse é o único mundo possível. (…) Algumas atitudes simples podem ajudar as novas gerações, como apresentar para as crianças livros com personagens negros que fogem de estereótipos ou garantir que a escola dos seus filhos aplique a Lei 10.639 (de 2003), que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação para incluir a obrigatoriedade do ensino da história africana e afro-brasileira.

Um ensino que valorize as várias existências e que referencia positivamente a população negra é benéfico para toda a sociedade, pois conhecer histórias africanas promove outra construção da subjetividade de pessoas negras, além de romper com a visão hierarquizada que pessoas brancas têm da cultura negra, saindo do solipsismo branco, isto é, deixar de apenas ver humanidade entre seus iguais. Mais ainda, são ações que diminuem as desigualdades.” (2019, p. 24 – 41)

COTAS RACIAIS E POLÍTICAS AFIRMATIVAS

De fato, “Cota Não É Esmola”, como argumentou com incomparável eloquência a artvista Bia Ferreira. A coleção que Djamila coordena, Feminismos Plurais, inclui o volume O Que É Racismo Estrutural, de Silvio Almeida, livro essencial para a compreensão das razões que levam os movimentos negros a apoiar políticas educacionais afirmativas como as cotas raciais.

 

Segundo Djamila, é “por causa do racismo estrutural que a população negra tem menos condições de acesso a uma educação de qualidade. Geralmente, quem passa em vestibulares concorridos para os principais cursos nas melhores universidades públicas são pessoas que estudaram em escolas particulares de elite, falam outros idiomas e fizeram intercâmbios. E é justamente o racismo estrutural que facilita o acesso desse grupo.

Esse debate não é sobre capacidade, mas sobre oportunidades – e essa é a distinção que os defensores da meritocracia parecem não fazer. Um garoto que precisa vender pastel para ajudar na renda da família e outro que passa as tardes em aulas de idiomas e de natação não partem do mesmo ponto. Não são muitos os que podem se dar ao luxo de cursar uma graduação sem trabalhar ou ganhando apenas uma bolsa de estagiário. Eu mesma entrei na Universidade Federal de São Paulo, cujo campus de ciências humanas foi criado em 2007 graças a políticas públicas, aos 27 anos e com uma filha pequena, tendo que fazer malabarismos para conseguir estudar.

(…) Não deveria ser normal que, para conquistar um diploma, uma pessoa precise caminhar 15 quilômetros para chegar à escola, estude com material didático achado no lixo ou que tenha que abrir mão de almoçar para pagar um transporte. A cultura do mérito, aliada a uma política que desvaloriza a educação pública, é capaz de produzir catástrofes. Hoje, em vez de combater a violência estrutural na academia, a orientação de muitos chefes do Executivo brasileiro é uniformizar as desigualdades, cortando políticas públicas universitárias, como bolsas de estudo e cotas raciais e sociais. ” (p. 44 – 48)

Defender as políticas afirmativas é celebrar um Brasil em que Djamilas e Marielles não sejam exceções que confirmem as regras excludentes, tendo se tornado as novas regras em um contexto inclusivo, acolhedor das diferenças. Contexto novo que permita que uma mulher negra nascida na favela Maré possa se tornar socióloga e vereadora empoderada – para que esta tomada de espaços antes proibidos a elas, as “proibidas de ser”, não seja vista com fúria homicida por machos tóxicos ameaçados em seus privilégios – e que reagem apertando seus gatilhos fálicos. As cotas não são esmolas, são pontes para diminuir o abismo entre os Brasis – o Brasil-Bélgica, o Brasil-Índia.

A QUESTÃO DO EPISTEMICÍDIO

Epistemicídio é um conceito proposto por Boaventura Sousa Santos que foi apropriado e mobilizado por autoras vinculadas ao movimento negro como Sueli Carneiro. Esta autora fala dos processos de “banimento social” através da “exclusão das oportunidades educacionais”:

“o aparelho educacional tem se constituído, de forma quase absoluta, para os racialmente inferiorizados, como fonte de múltiplos processos de aniquilamento da capacidade cognitiva e da confiança intelectual. É fenômeno que ocorre pelo rebaixamento da autoestima que o racismo e a discriminação provocam no cotidiano escolar; pela negação aos negros da condição de sujeitos do conhecimento, por meio de desvalorização, negação ou ocultamente das contribuições do continente africano e da diáspora africana ao patrimônio cultural da humanidade; pela imposição do embranquecimento cultural e pela produção do fracasso e evasão escolar. A esse processo denominamos epistemicídio.” (p. 62)

Como as práticas de epistemicídio se revelam na prática? Na universidade, em que situações podemos diagnosticar este homicídio das epistemes subalternizadas em ação? Djamila é pródiga em exemplos de vivências que mostram o quanto “o racismo somado ao machismo” lhe fez passar por “situações absurdas”:

“Enquanto eu cursava filosofia, um colega, metido a engraçado, perguntou: ‘Por que você, uma negra bonita, está queimando seus neurônios estudando filosofia?’ Outro me questionou  por que eu não ‘arrumava um gringo pra casar’. Na cabeça deles, por eu ser uma ‘negra bonita’, meu lugar não era na universidade. A poeta e escritora Elisa Lucinda tem uma frase forte, mas muito pertinente: ‘Deixar de ser racista não é comer uma mulata.’” (p. 86)

Epistemicídio – este nome bastante acadêmico para falar sobre o extermínio de uma episteme – não deve servir para mascarar o genocídio. É preciso denunciar sem meias palavras que o racismo estrutural é genocida. Como diz Djamila Ribeiro, ecoando Angela Davis, é preciso “combater a violência racial” – hoje umbilicalmente conectada à chamada “Guerra às Drogas”.

Em nosso país, “entre 2007 e 2018, 553 mil pessoas foram assassinadas. O total de mortos é maior do que o da Síria, país que enfrenta há sete anos uma guerra civil… É preciso lembrar que a vítima preferencial tem pele negra. O Atlas da Violência de 2018 revelou que os negros representam 55,8% da população brasileira e são 71,5% das pessoas assassinadas. Entre 2006 e 2016, a taxa de homicídios de indivíduos não negros (brancos, amarelos e indígenas) diminuiu 6,8%, enquanto no mesmo período a taxa de homicídios da população negra aumentou 23,1%. Segundo dados da Anistia Internacional, a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil, o que evidencia que está em curso o genocídio da população negra, sobretudo jovens.”

O que pode a educação neste cenário? Não pode tudo, é claro, mas qualquer educador que fizesse pacto com a impotência estaria renunciando a seu papel essencial, o de transformador social através da re-educação radical das relações sociais.

“Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”, afirmava Paulo Freire​. Recusar que a educação deva combater o racismo, o sexismo e o classismo, em uma perspectiva interseccional de enfrentamento de todas as opressões sociais, seria filiar-se a uma perspectiva em que a educação contribui para a manutenção estacionária do status quo da injustiça instituída. Contra isso, Djamilas, Marielles e Bias se erguem com vozes altissonantes para garantir: queremos e faremos uma educação que seja terremoto, que faça com que as bases da sociedade se movimentem, que instigue a todos para que sintam as correntes que nos prendem, fazendo assim estremecer todas as estruturas arcaicas de opressão que nos mantêm – opressores e oprimidos – acorrentados à tragédia coletiva da qual participamos, às vezes cúmplices, às vezes resistentes.

por Eduardo Carli de Moraes
Março de 2020


VÍDEOS SUGERIDOS

APROPRIAÇÃO CULTURAL E REPRESENTATIVIDADE NAS ARTES: Reflexões na companhia de Cornel West, F. Bosco e Ana Maria Gonçalves, dentre outros

“Uma ironia do nosso momento é que enquanto jovens negros são assassinados, mutilados e encarcerados em números recordes, seus estilos se tornaram desproporcionalmente influentes na formação da cultura popular.” CORNEL WEST no livro “Race Matters” (1990)

O mesmo Cornel West, em uma de suas frases mais célebres e em sintonia com o espírito de Martin Luther King, pede que nunca nos esqueçamos: “a Justiça é o modo como o Amor aparece em público”.

Ao debater os temas da apropriação cultural e da representatividade nas artes, proponho deixar sempre em nosso horizonte este ideal de Justiça como Amor-em-Público, que pode nortear nosso caminhar rumo a um “outro mundo possível” (afinal, a utopia, como ensina E. Galeano, serve pra caminharmos…).

Hélio Oiticica e Torquato Neto gostavam de afirmar que “a pureza é um mito”. E certamente podemos adicionar: um mito dos mais perigosos e nefastos. A julgar tanto pelo puritanismo religioso, que está sempre conectado à intolerância que acende fogueiras onde ardem bruxas e hereges, quanto pelo mito nazifascista de uma raça pura ariana, que gerou algumas das piores catástrofes humanitárias e genocídios do século 20.

“A ideia de gêneros puros, culturas puras, no mundo moderno, um mundo por definição constituído por cruzamentos, contatos, circulações, é uma ideia insustentável. (…) O conceito de apropriação cultural deve, antes de tudo, enfrentar o espectro do problema da inexistência, no mundo moderno, de culturas puras. Pois parece uma contradição alegar ser expropriado daquilo de que não se é dono”, afirma Francisco Bosco (2017, p. 116-117).

De fato, a noção de que um certo povo possa ser o proprietário de uma cultura própria, 100% original e autêntica, autoproduzida em total isolamento em relação a outros povos e culturas, parece uma fantasia inverossímil. No Brasil, por exemplo, sabemos que o samba tem uma história conexa à diáspora africana e é o equivalente, neste continente, do semba angolano (que significa umbigada em kimbundo).

Pra Tinhorão, o samba nasce a partir dos descendentes de escravos que migram da Bahia para o Rio de Janeiro, entre o ocaso do séc. 19 e a alvorada do séc. 20. As mutações do samba, que logo começará a ser interpretado e composto por “branquelos” como Noel Rosa, Chico Buarque e Nara Leão, já coloca em pauta o tema da apropriação cultural.

No caso da bossa nova, descrita costumeiramente como uma forma estética que nasce da mescla entre  samba e jazz, teria sido cometido um pecado de apropriação cultural dupla, ou seja, a apropriação da criação afrobrasileira do samba com a criação “afroestadunidense” do jazz? A realidade é mais complexa e sua essência manifesta a presença constante da mescla.

Uma outra questão, conexa e paralela, diz respeito às grandes corporações da indústria cultural: as empresas capitalistas especializadas na produção de álbuns musicais e produtos audiovisuais sempre estiveram ligadas nas subculturas em ascensão, que ameaçam tomar de assalto o chamado mainstream. O processo de transformar em commodity aquilo que começa a expressar-se com mais força na sociedade pode ser exemplificada pela gênese do rock and roll. 

Tempos atrás, o projeto Afropunk, que tem mais de 2.000.000 de seguidores no Facebook, viralizou com memes, vídeos e reportagens em que conclamava-nos a lembrar sempre que o rock and roll foi inventado por uma mulher negra e queer chamada Sister Rosetta Tharpe.

“Rock-n-Roll was invented by a queer Black woman born in 1915 Arkansas. Your disordered hardcore punk rock was sanctioned by a kinky-haired Black girl born to two cotton pickers in the Jim Crow South. The electric guitar was first played in ways very few people could have ever imagined by a woman who wasn’t even allowed to play at music venues around the country. The Patron Saint of rock music is Sister Rosetta Tharpe. The original punk rebel from which we were all born, SRT is muva.” – Afropunk. “Queer, Black & Blue”. 2019.

A verdadeira Vovó do Rock, Sister Rosetta Tharpe teria sido a responsável pela infusão de novas intensidades e cadências rítmicas aceleradas ao blues, produzindo assim esta mutação de alto potencial de propagação no zeitgeist cultural que foi o rock’n’roll, filho bastardo do blues com o gospel. Muitos “pais da matéria” no rock’n’roll  reconheceram sua dívida com a Mãe do bagulho todo – figuras como Chuck Berry e Aretha Franklin sempre celebraram Rosetta Tharpe como uma influência maior, e Johnny Cash chegou a dizer, em seu discurso de aceitação do Hall of Fame, que ela era sua cantora predileta em todos os tempos.


Ou seja, no processo de constituição histórica do rock’n’roll, uma das formas artísticas que mais marca o século 20 em matéria de impacto popular e de ressonâncias nos comportamentos e mercados, teria ocorrido um ocultamento das verdadeiras raízes do fenômeno. A branquitude e o masculinismo hegemônicos e dominadores teriam praticado tanto a masculinização quanto o embranquecimento do rock’n’roll, originalmente uma criação do povo negro blueseiro no Sul dos EUA.

Se, hoje, a mentalidade colonizada por este ideário hegemônico pensa em rock’n’roll e logo evoca um panteão cheio de homens brancos (e ricos) – Elvis Presley, os Beatles, os Rolling Stones, o The Who, o Led Zeppelin… -, é preciso afirmar que uma história alternativa é possível, em que o panteão do rock teria que incluir em local de honra homens e mulheres afroamericanos – como Sister Rosetta Tharpe, Chuck Berry, Big Mama Thornton, Jimi Hendrix, Little Richard, Fats Domino, dentre muitos outros.

É óbvio que seria atitude segregadora e xiita querer que o samba e o rock, por suas raízes, fossem para sempre apenas “formas estéticas” permitidas para seus “criadores” originais. Quem proibisse brancos de tocarem samba ou rock estaria de fato praticando uma espécie de racismo reverso de que, na vida concreta, não se tem notícia significativa. Dito tudo isso, temos que voltar ao ponto-de-partida – a Justiça, ou o Amor como aparece em público – para julgar a pertinência do conceito de apropriação cultural. 

“A improcedência do argumento das formações culturais puras não invalida a procedência descritiva do conceito de apropriação cultural”, escreve Bosco (p. 118):

“Este conceito de apropriação cultural  designa fundamentalmente  uma dinâmica cultural de desigualdades. Gêneros ou formas que carregam uma larga contribuição das culturas negras, embora misturados em seu processo de formação histórica, tendem a circular no mundo com protagonismo não negro…

Os sambistas brancos têm muito maiores chances de ascender no star system, cujas regras são feitas por brancos, para privilégio dos brancos. Evoquemos, por exemplo, o caso de Cartola, já então considerado um dos maiores sambistas da história, e que contudo passou uma década na miséria, doente, ostracizado…

Eram brancos os intérpretes mais populares dos anos 1930… Mário Reis, Francisco Alves e Carmen Miranda. Os dois primeiros, aliás, costumavam comprar os sambas de compositores negros dos morros, como o próprio Cartola, tornando-se parceiros na divisão dos lucros. Na verdade, ficavam com a maior parte dos lucros, pois, numa época em que os direitos autorais ainda engatinhavam, os compositores não recebiam participação por exemplares de discos vendidos (apenas pela venda de partituras, só publicadas após a gravação das canções)…

Chico Alves era quem levava os sambas comprados à Casa Edison, e assim ficava com o pagamento… A prática não deixa de ser uma espécie concreta de apropriação cultural – propiciada pelo fato de que os intérpretes famosos eram brancos. É portanto da articulação do capitalismo com o racismo que se produz a realidade identificada pelo conceito de apropriação cultural” Ele não depende de que a cultura lesada seja, originalmente, proprietária exclusiva dos bens simbólicos em questão. É de uma dinâmica de desigualdades que se trata, em que a parte de contribuição de uma cultura inferiorizada, por maior que seja (e no caso dos negros é enorme quanto aos gêneros citados), não encontra correspondente justo nos modos de circulação social das formas culturais.” (BOSCO, op cit, p. 118)

Tanto é assim que os conceitos de apropriação cultural e de lugar de fala são mobilizados sobretudo por pensadoras-ativistas vinculadas ao feminismo negro, tais como Nátaly Neri, Djamila Ribeiro, Rosana Borges. Outro exemplo interessante de apropriação cultural que se dá no entroncamento do capitalismo com o racismo é mencionado no vídeo a seguir da Negatta, onde ela cita o caso das Havaianas, empresa que colocou em seus chinelos, sem autorização prévia, grafias típicas dos povos indígenas do Xingu como os Yawalapiti, mercantilizando a produção cultural alheia de modo desrespeitoso e de maneira a esvaziar o significado cultural daquilo para a cultura lesada/diminuída:

NEGATTA:

NÁTALY NÉRI

O samba de fato serve como exemplo icônico nas lógicas sistêmicas que são denunciadas com o auxílio do conceito de apropriação cultural: no romance Jubiabá, de Jorge Amado, podemos entrar em contato com uma crônica concreta de um negro baiano (Antônio Balduíno, do Morro do Capa-Negro), que a certo ponto da narrativa vende seus sambas mas parece condenado à penúria miserável que busca driblar com toda a ginga de sua malandragem de oprimido.

“Durante muito tempo, o samba foi criminalizado, tido como coisa de ‘preto favelado’, mas, a partir do momento que se percebe a possibilidade de lucro do samba, a imagem muda. E a imagem mudar significa que se embranquece seus símbolos e atores para com o objetivo de mercantilização. Para ganhar o dinheiro, o capitalista coloca o branco como a nova cara do samba.

Por que isso é um problema? Porque esvazia de sentido uma cultura com o propósito de mercantilização ao mesmo tempo em que exclui e invisibiliza quem produz. Essa apropriação cultural cínica não se transforma em respeito e em direitos na prática do dia-a-dia. Mulheres negras não passaram a ser tratadas com dignidade, por exemplo, porque o samba ganhou o status de símbolo nacional. E é extremamente importante apontar isso: falar sobre apropriação cultural significa apontar uma questão que envolve um apagamento de quem sempre foi inferiorizado e vê sua cultura ganhando proporções maiores, mas com outro protagonista. Uma frase do poeta americano B. Easy, compartilhada no Twitter, e bastante compartilhadas nas redes sociais faz todo o sentido nessa discussão: “A cultura negra é popular, mas as pessoas negras, não”. – DJAMILA RIBEIRO. In: Azmina: Apropriação Cultural É Um Problema do Sistema, Não de Indivíduos.

Autora do romance Um Defeito de Cor, a escritora Ana Maria Gonçalves escreveu um importante artigo em resposta à “polêmica dos turbantes” iniciada por um desabafo de Facebook. A jovem curitibina Thauane Cordeiro, que perdeu os cabelos no processo de quimioterapia, reclamou que havia sido abordada por 4 garotas negras que lhe disseram para tirar o turbante com que cobria sua cabeça. Este caso gerou uma discussão viralizada sobre o tema da apropriação cultural, resumível na pergunta: pode uma mulher branca utilizar turbantes ou ela incide, neste caso, numa indevida apropriação de um símbolo cultural alheio? Ana Maria escreveu no The Intercept:

“Boa parte da população branca brasileira sabe de suas origens europeias e cultiva, com carinho e orgulho, o sobrenome italiano, o livro de receitas da bisavó portuguesa, a menorá que está há várias gerações na família. Quem tem condições vai, pelo menos uma vez na vida, visitar o lugar de onde saíram seus ancestrais e conhecer os parentes que ficaram por lá. E os descendentes dos africanos da diáspora? Quando chegaram por aqui, os traficantes de pessoas já tinham apagado os registros do lugar de onde haviam saído, redefinindo etnias com nomes genéricos como Mina (todos os embarcados na costa da Mina), feito-os dar voltas e voltas em torno da Árvore do Esquecimento (ritual que acreditavam zerar memórias e história) ou passarem pela Porta do Não Retorno, para que nunca mais sentissem vontade de voltar, separado-os em lotes que eram mais valiosos quanto mais diversificados, para que não se entendessem.

Ainda em terras africanas tinham sido submetidos ao batismo católico para que deixassem de ser pagãos e adquirissem alma por meio de uma religião “civilizatória”, ganhando um nome “cristão” que se juntava, em terras brasileiras, ao sobrenome da família que os adquiria. No Brasil, não podiam falar suas próprias línguas, manifestar suas crenças, serem donos dos próprios corpos e destinos. Para que algo fosse preservado, foram séculos de lutas, de vidas perdidas, de surras, torturas, “jeitinhos”, humilhações e enfrentamentos em nome dos milhares dos que aqui chegaram e dos que ficaram pelo caminho.

Como resultado disto, somos o que somos: seres sem um pertencimento definido, sem raízes facilmente traçáveis, que não são mais de lá e nunca conseguiram se firmar completamente por aqui. Temos, como diz a poeta, romancista, ensaísta e documentarista canadense Dionne Brand, em seu maravilhoso A Map to the Door of No Return, “o próprio pertencimento alojado em uma metáfora”. Viver na Diáspora Negra, segundo ela, é “viver como um ser fictício – uma criação dos impérios, mas também uma autocriação. É ser alguém vivendo dentro e fora de si mesmo. É entender-se como signo estabelecido por alguém e ainda assim ser incapaz de escapar dele (…).”

Somos signos criados pelos brancos para que nossa negritude pudesse, e ainda possa, ser mercantilizada. E não conseguimos escapar disso porque, de antemão, sem ao menos nos ouvir, vocês já parecem saber o que somos, o que queremos, o que sabemos. Assim mesmo: a negritude, a militância, as mulheres negras, esse povo – nunca seres individuais, mas sempre em lotes. E vivemos nesta metáfora que, a partir de agora, vou passar a chamar de turbante, mas poderia ser outro símbolo qualquer.

VIVER EM UM TURBANTE é uma forma de pertencimento. É juntar-se a outro ser diaspórico que também vive em um turbante e, sem precisar dizer nada, saber que ele sabe que você sabe que aquele turbante sobre nossas cabeças custou e continua custando nossas vidas. Saber que a nossa precária habitação já foi considerada ilegal, imoral, abjeta. Para carregar este turbante sobre nossas cabeças, tivemos que escondê-lo, escamoteá-lo, disfarçá-lo, renegá-lo. Era abrigo, mas também símbolo de fé, de resistência, de união. O turbante coletivo que habitamos foi constantemente racializado, desrespeitado, invadido, dessacralizado, criminalizado. Onde estavam vocês quando tudo isto acontecia? Vocês que, agora, quando quase conseguimos restaurar a dignidade dos nossos turbantes, querem meter o pé na porta e ocupar o sofá da sala. Onde estão vocês quando a gente precisa de ajuda e de humanidade para preservar estes símbolos?

Lembro de ter visto um turbante usado por um homem sensível à causa das mulheres negras na Marcha das Mulheres, que aconteceu há pouco tempo em Los Angeles, que perguntava: “Verei todas vocês, mulheres brancas legais, na próxima marcha #VidasNegrasImportam, certo?”.

Vocês, mulheres brancas legais que querem se abrigar em nossos turbantes, vão estar conosco enquanto choramos as mortes dos nossos meninos negros e clamamos por justiça, certo? Vão usar turbante quando nossas mães e pais de santo são expulsos de comunidades ou entregues aos formigueiros, certo? Quando reclamamos da dor ao recebermos menos anestesia do que mulheres brancas durante os partos, certo? Quando denunciamos que sofremos mais violência, mais abuso e mais assédio do que vocês, certo? Quando reivindicamos equiparação salarial com vocês, certo? Vão reverberar nossas vozes quando reclamamos que somos preteridas pelos homens (brancos ou negros), certo? Vão entender e ter uma palavra de consolo quando sentimos culpa por deixarmos os próprios filhos em casa para cuidarmos dos seus, certo? Vão nos ouvir e nos defender quando tiver mais alguém querendo invadir nossos turbantes a força, na marra, no grito, certo? Porque aí, o turbante também já será de vocês. Vão ouvir, entender e falar junto quando tentamos explicar que nossas reivindicações, distorcidas, não têm nada a ver com pizza, calça jeans e feng shui, certo?

(…) Quase todas as nossas discussões e toda a produção intelectual acontecidas ali, sob nossos turbantes, são desligitimizadas pela palavra de ordem #VaiTerBrancaDeTurbanteSim!, gritada para nós com a mesma arrogância e espera de obediência que os donos dos nossos ancestrais gritavam #NãoVaiTerCoisaDePretoAquiNão!. Coisas mil acontecem dentro desses nossos turbantes, das quais vocês nem têm ideia: temos que formar redes de apoio, invisíveis para vocês e alheias à sua existência privilegiada, para socorrer, consolar, orientar e fortalecer vítimas de racismo cometido por pessoas que se ofendem quando apontamos suas faltas, e viram vítimas.

Debaixo deste turbante orientamos crianças negras a não levarem banana na lancheira porque os amiguinhos vão chamá-las de macacos. Orientamos nossos jovens a não usarem roupa com capuz, não correrem, não fazerem movimentos bruscos em público e não parecerem suspeitos, seja lá o que isso significa para vocês. Sob a proteção destes turbantes, trocamos informações, discutimos teorias, nos comunicamos com turbantes estrangeiros e até fazemos vaquinhas para pagar enterro de jovens assassinados pela polícia. Concordamos, discordamos, rimos, choramos, contamos segredos, gritamos, amamos, odiamos, estudamos, dizemos uns aos outros que temos que ter infinita paciência para voltar cinco, dez, vinte casinhas do ponto de entendimento em que estamos para responder a egocentrismos do tipo “EU li Monteiro Lobato e não me tornei racista”, “se EU usar turbante vou ser chamada de racista?”. Porque sabemos que não são comentários nem perguntas inocentes, mas são também metáforas. São os muros que protegem aqueles lugares que vocês habitam e nos quais não somos admitidos, porque na porta sempre teve uma placa dizendo “brancos somente”. – ANA MARIA GONÇALVES

Para evitar a “Fulanização” das lutas políticas, ou seja, a briga inter-individual em que uma pessoa acusa outra de se apropriar de uma cultura que de direito não lhe pertenceria, é preciso focar em questões mais amplas, de violência sistêmica, racismo estrutural e cadeia produtiva da cultura. É neste terreno que se dá o debate mais importante sobre desigualdades e injustiças na distribuição diferencial dos reconhecimentos e dos capitais. Que Fulana ou Sicrana, sendo branca, utilize um turbante ou um chinelo havaiana com grafismos Yawalapiti é questão menor diante do espinhoso problema-mamute que é a indústria cultural e a mercantilização no âmbito do pop.

Em tempos tenebrosos como os nossos, em que a extrema-direita troglodita hoje empoderada rosna contra o “marxismo cultural” (copiando o III Reich hitlerista, que também rosnava contra o “bolchevismo cultural” em conexão à sua cruzada antisemita), vale a pena se perguntar o que diria o tão demonizado marxismo sobre este tema. O termo “apropriação” tem íntima conexão com “propriedade” – aquilo que Proudhon (interlocutor de Marx em “Miséria da Filosofia”) definiu como “roubo”. No âmbito do marxismo, “apropriação” conecta-se com um termo vizinho: “expropriação”. Uma das mais conhecidas formulações acerca dos objetivos da mobilização internacional em prol da revolução comunista diz que é preciso “expropriar os expropriadores”. A ditadura do proletariado teria este como seu principal alvo.

Como aplicar estas teses à cadeia produtiva da cultura? Assim como os proletários nas fábricas são expropriados dos frutos de seu trabalho pelos patrões, que pagam um salário-de-miséria e abocanham vastas fatias de mais-valia, muitos agentes culturais pertencentes a grupos historicamente oprimidos também são expropriados de seu trabalho criativo. Sister Rosetta Tharpe “inventa” o rock and roll, mas “O Rei do Rock” é Elvis Presley. O povo afrobaiano imigrado para o Rio de Janeiro após a Abolição “inventa” o samba (fruto do hibridismo cultural da diáspora pelo Atlântico Negro de que fala Gilroy), mas quem faz fortuna com o samba são os branquelos que estão na folha de pagamento da indústria fonográfica gerida por homens brancos e ricos. “Apropriação cultural”, portanto, refere-se a uma prática de expropriação perpetrada por aqueles que gozam de privilégios econômicos e políticos sobre as criações e invenções culturais daqueles que historicamente estão sendo oprimidos pelas desigualdades e pelas desvalias.

Por isso, não se trata de afirmar que um certo povo seja o “dono” ou o possuidor exclusivo de uma certa forma estética, o que nos faria cair numa absurda práxis de segregação típica dos puritanismos assassinos: estaria proibido que o samba ou o rock fossem interpretados ou compostos por “branquelos” e estes estilos se constituiriam como “área VIP” dos povos negros e exclusividade expressiva destes. Tal “racismo reverso” nunca de fato se concretizou e pode-se buscar em vão pelo mundo pelas milícias de militantes do movimento negro que praticam bully contra sambistas ou rappers brancos (o que não significa que estes estejam imunes a críticas ou que não devam ser justamente alvejados pelo senso crítico dos movimentos negros).

Longe de pretender uma “posse” de uma cultura “pura”, parece-me que os movimentos ditos “identitários” que reclamam contra a “apropriação cultural” indevida e injusta estão pedindo algo simples, mas complicado de se efetivar: respeito. É preciso respeitar as raízes e a história que estão por detrás de turbantes e sambas, é preciso ter o cuidado de não mercantilizá-los de modo troglodita e imediatista, é preciso atentar para toda a densidade de sentidos que aquilo possui para aqueles que amam tais símbolos e criações culturais, não querendo portanto vê-los cretinizados por uma maquinaria que transforma tudo em mercadoria e que, ao contrário do rei Midas que com seu toque transformava tudo em ouro, praticam a especialidade da branquitude machistóide hegemônica, o toque de Mammon, aquele que transforma em merda tudo o que toca com seu ímpeto apropriador, capitalizador, invasivo, colonialista.

VEJA TAMBÉM:

CAMINHOS DA REPORTAGEM – TV BRASIL

MURO PEQUENO

ROSANE BORGES & REGINA VOLPATO

RINCON SAPIÊNCIA – “Coisas do Brasil”

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POR QUE GRITAMOS GOLPE? Para entender o impeachment e a crise política no Brasil (Ed. Boitempo)

Por que gritamos Golpe?

Para entender o impeachment e a crise política no Brasil

 Coleção Tinta Vermelha

PREÇO: R$ 15,00
COMPRE:
Livraria Cultura — http://bit.ly/culturagolpe
Livraria da Travessa — http://bit.ly/travessagolpe
Livraria Martins Fontes — http://bit.ly/martinsgolpe
Livraria Saraiva — http://bit.ly/saraivagolpe
Livraria da Folha — http://bit.ly/folhagolpe
Livraria Livros & Livros — http://bit.ly/livrosgolpe
Livraria Cia. dos Livros — http://bit.ly/cialivrosgolpe
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A Boitempo lança no início de julho a coletânea Por que gritamos Golpe? – Para entender o impeachment e a crise política no Brasil, na coleção Tinta Vermelha.

Somando-se ao debate público sobre a crise política no Brasil, a obra proporciona ao leitor diversas análises sobre a dinâmica do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, dentro de uma perspectiva multidisciplinar e de esquerda. Os textos que compõem a coletânea são inéditos e buscam desenhar uma genealogia da crise política, entender as ameaças que se colocam à democracia e aos direitos conquistados pela Constituição de 1988 e apontar caminhos de superação de nossos impasses políticos. São trinta autores (a lista completa segue abaixo), entre pesquisadores, professores, ativistas, representantes de movimentos sociais, jornalistas e figuras políticas.

Por que gritamos Golpe? conta ainda com epígrafe de Paulo Arantes, textos de capa de Boaventura de Sousa Santos e Luiza Erundina e com charges de Laerte Coutinho, que representam nossa realidade pelo viés do humor, escracham valores alegados pelos conspiradores e revelam outra narrativa e outra comunicação. Ao lado das fotos cedidas e selecionadas pelo coletivo Mídia NINJA, que cobre em tempo real as manifestações que pululam em todo o país, colaboram para montar o cenário do golpe ponto a ponto, passo a passo.

Laerte Coutinho_publicado originalmente na Folha de S. Paulo_1

Trate-se do quinto título da coleção Tinta Vermelha, que aborda sob perspectivas variadas temas atuais, dando sequência às coletâneas Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas (2012), Cidades rebeldes: Passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil (2013), Brasil em jogo: o que fica da Copa e das Olimpíadas? (2014) e Bala Perdida: a violência policial no Brasil e os desafios para sua superação (2015).

Os autores:André Singer (cientista político, professor da USP), Armando Boito Jr. (cientista político, professor da Unicamp), Ciro Gomes (ex-ministro da Integração Nacional), Djamila Ribeiro (secretária-adjunta da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo), Eduardo Fagnani (economista e professor da Unicamp), Esther Solano (professora de relações internacionais da Unifesp), Gilberto Maringoni (professor de relações internacionais da UFABC),Graça Costa (CUT), Guilherme Boulos (dirigente do MTST), Jandira Feghali(deputada federal), Juca Ferreira (sociólogo e Ministro da Cultura afastado), Leda Maria Paulani (economista, professora da FEA/USP), Lira Alli (Levante Popular da Juventude), Luis Felipe Miguel (cientista político, professor da UnB), Luiz Bernardo Pericás (historiador, professor da USP), Marcelo Semer (juiz de direito), Márcio Moretto (professor de sistema de informação da EACH/USP), Marilena Chaui (filósofa e professora aposentada da FFLCH/USP), Marina Amaral(jornalista e cofundadora da agência Pública), Mauro Lopes (jornalista, membro do coletivo Jornalistas Livres), Michael Löwy (filósofo e sociólogo, pesquisador noCentre National de la Recherche Scientifique/França), Murilo Cleto (historiador e colunista da Revista Fórum), Pablo Ortellado (professor de gestão de políticas públicas na EACH-USP), Renan Quinalha (advogado, pesquisador e ativista de direitos humanos), Roberto Requião (senador), Ruy Braga (sociólogo, professor da USP), Tamires Gomes Sampaio (vice-presidente da UNE) e Vítor Guimarães (dirigente do MTST).

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SUMÁRIO

EpígrafePaulo Arantes
Para o filósofo Paulo Arantes, chamar de “golpe” o atual estado de coisas da crise política brasileira é uma forma otimista de encarar o que se passa. Aquilo que se avizinha parece novo e sombrio.

Prólogo – O desmonte do Estado, Graça Costa
Para a sindicalista Graça Costa, o golpe de 2016 é contra o povo trabalhador e solicita a resistência de todos que sonham em viver num país desenvolvido com justiça social.

Apresentação – O golpe que tem vergonha de ser chamado de golpe, Ivana Jinkings

Parte 1 – Os antecedentes do golpe

A nova classe trabalhadora brasileira e a ascensão do conservadorismo,Marilena Chaui 
A filósofa Marilena Chaui analisa as divisões políticas que atravessam a nova classe trabalhadora e como se revelam nas manifestações de 2016.

Os atores e o enredo da crise política, Armando Boito Jr.
O cientista político Armando Boito radiografa os antecedentes do golpe e a crise da frente neodesenvolvimentista.

A democracia na encruzilhada, Luis Felipe Miguel 
O cientista social Luis Felipe Miguel discorre sobre as diferentes perspectivas na disputa pelo conceito de democracia em meio ao golpe de 2016.

Por que o golpe acontece?, Ciro Gomes 
O ex-governador do Ceará dispara contra os erros do governo Dilma e os três pulsos que levaram ao golpe: a banda podre da política, a rifa dos direitos sociais pelo pagamento da dívida pública e a ameaça da soberania nacional.

O triunfo da antipolítica, Murilo Cleto 
O historiador Murilo Cleto discute o imaginário ocidental sobre o espaço público, a instrumentalização da política pela moral e as práticas discursivas que alimentaram o horror à política no Brasil.

Jabuti não sobe em árvore: como o MBL se tornou líder das manifestações pelo impeachment, Marina Amaral 
A jornalista Marina Amaral segue os passos da nova direita latino-americana.

O fim do lulismo, Ruy Braga 
Para o sociólogo Ruy Braga, a crise política brasileira decorre da radicalização das contradições do modelo político do lulismo, baseado nas tentativas de conciliação entre as classes sociais.

Parte 2 – O golpe ponto a ponto

Da tragédia à farsa: o golpe de 2016 no Brasil, Michael Löwy
Em um retrospecto dos governos de esquerda na América Latina do século XXI, o filósofo e sociólogo Michael Löwy reflete sobre o Estado de exceção como regra e a democracia como exceção.

Ponte para o abismo, Leda Maria Paulani 
A economista Leda Maria Paulani analisa as políticas econômicas brasileiras desde os anos 1990, discutindo os acertos e erros dos governos petistas em meio à perspectiva de um resgate pleno do neoliberalismo no país.

Rumo à direita na política externa, Gilberto Maringoni 
Professor de relações internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni discute a agenda regressiva posta em prática pelo governo interino e o mito da neutralidade ideológica de políticas de Estado.

Previdência social: reformar ou destruir?, Eduardo Fagnani 
Para o economista Eduardo Fagnani, por trás das propostas de reforma da previdência se oculta a mais feroz disputa por recursos públicos de nosso país.

Para mudar o Brasil, Roberto Requião
Para o senador Roberto Requião (PMDB-PR), falta – tanto ao governo afastado, quanto ao interino – uma proposta que una o país em torno dos interesses populares e nacionais.

Os semeadores da discórdia: a questão agrária na encruzilhada, Luiz Bernardo Pericás 
O historiador Luiz Bernardo Pericás analisa os retrocessos postos em prática pelo governo interino, alinhados com os ruralistas em torno do documento “Pauta positiva biênio 2016/2017”.

Ruptura institucional e desconstrução do modelo democrático: o papel do Judiciário, Marcelo Semer
O juiz de Direito Marcelo Semer desmascara as perversões que se combinaram nos episódios que fizeram a narrativa jurídica do impedimento.

Cultura e resistência, Juca Ferreira
O Ministro da Cultura afastado Juca Ferreira aponta para a novidade representada pela diversidade dos setores da sociedade que defenderam a manutenção do MinC pelo governo interino, reforçando a indissociável relação entre cultura e democracia.

As quatro famílias que decidiram derrubar um governo democrático,Mauro Lopes
O jornalista livre Mauro Lopes traça paralelos entre 1964 e 2016 e discute a imprensa internacional, as técnicas jornalísticas, as relações entre governo e mídia e a contranarrativa da outra imprensa.

Avalanche de retrocessos: uma perspectiva feminista negra sobre o impeachment, Djamila Ribeiro
Para o além das arbitrariedades do processo, a secretária-adjunta dos Direitos Humanos da cidade de São Paulo escancara o impedimento da presidenta como mais uma ameaça à vida da população já historicamente discriminada.

“Em nome de Deus e da família”: um golpe contra a diversidade, Renan Quinalha 
O advogado e ativista de direitos humanos Renan Quinalha denuncia o retrocesso em direitos civis e políticos para os setores mais vulneráveis da sociedade brasileira representado pelo golpe, com ênfase para as ameaças à comunidade LGBT.

Resistir ao golpe, reinventar os caminhos da esquerda, Guilherme Boulos e Vítor Guimarães
Os militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto e da Frente Povo Sem Medo explicam o rompimento do pacto que conciliou interesses e a necessidade de um novo projeto de desenvolvimento.

A luta por uma educação emancipadora e de qualidade, Tamires Gomes Sampaio
A União Nacional dos Estudantes denuncia o golpe como interrupção de um projeto que ampliou o acesso ao ensino e ameaçou a estrutura colonialista do país.

Parte 3 – O futuro do golpe

Por uma frente ampla, democrática e republicana, André Singer
O cientista político André Singer, estudioso do lulismo, busca indicar caminhos para a organização de uma frente única da esquerda, em defesa da democracia, tendo em vista a superação dos impasses atenuados pela crise política brasileira.

A ilegitimidade do governo Temer, Jandira Feghali
Deputada federal pelo PCdoB do Rio de Janeiro, Jandira Feghali fala sobre as imoralidades escancaradas de um golpe que se fez para barrar a Operação Lava-Jato.

Uma sociedade polarizada?, Pablo Ortellado, Esther Solano e Márcio Moretto
Coordenadores das principais pesquisas que perfilaram os manifestantes anti e pró-impeachment, os professores da USP e Unifesp questionam a polarização “coxinhas-petralhas” como divisor social do país.

É golpe e estamos em luta!, Lira Alli 
A mobilização do Levante Popular da Juventude para a destruição de privilégios e a reinvenção do sistema político no Brasil.

Ficha técnica

Título: Por que gritamos Golpe?

Subtítulo: Para entender o impeachment e a crise política no Brasil

Autores: André Singer, Armando Boito Jr., Ciro Gomes, Djamila Ribeiro, Eduardo Fagnani, Esther Solano, Gilberto Maringoni, Graça Costa, Guilherme Boulos, Jandira Feghali, Juca Ferreira, Leda Maria Paulani, Lira Alli, Luis Felipe Miguel, Luiz Bernardo Pericás, Marcelo Semer, Márcio Moretto, Marilena Chaui, Marina Amaral, Mauro Lopes, Michael Löwy, Murilo Cleto, Pablo Ortellado, Renan Quinalha, Roberto Requião, Ruy Braga, Tamires Gomes Sampaio e Vítor Guimarães.

Organizadores: Ivana Jinkings, Kim Doria e Murilo Cleto

Quarta capa: Luiza Erundina e Boaventura de Sousa Santos

Epígrafe: Paulo Arantes

Charges: Laerte Coutinho

Fotografias: Mídia NINJA

Número de páginas: 176

Preço: R$15 | R$7,50 ebook

ISBN: 978-85-7559-500-8

e-ISBN [e-book]: 978-85-7559-501-5

Coleção: Tinta Vermelha

Editora: Boitempo

Leia também: CARTA CAPITAL – A RESISTÊNCIA URGENTE

“Historicamente, a mídia nativa apega-se a eufemismos para classificar as rupturas políticas no Brasil. Em 1964, o termo “revolução” foi adotado pelos principais veículos do País para celebrar o golpe civil-militar que impôs 21 anos de ditadura. Neste ano, a conspiração de Michel Temer para desencadear o impeachment de Dilma Rousseff assumiu a fachada perfumada de um “governo de salvação nacional”. Em meio à narrativa única dos jornais brasileiros, sempre dispostos a rechaçar qualquer ilegalidade no afastamento da presidenta eleita, o contraditório depende da solidariedade militante para se fazer ouvido.

Em abril e maio de 2016, quando o Congresso aprovou o afastamento provisório de Dilma, a editora Boitempo correu para reunir destacados nomes do campo progressista brasileiro para uma reflexão sobre os destinos do País. A obra Por Que Gritamos Golpe?, a ser lançada neste mês de junho, carrega no título não apenas a intenção de propor uma interpretação contracorrente da política nacional, mas a de estreitar os laços entre os adversários do governo interino.”

INSURGÊNCIA FEMINISTA – Milhares de mulheres, mobilizadas em repúdio à #CulturaDoEstupro e ao Machistério do Golpe, fazem raiar um Junho potencialmente libertário


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 UM NOVO JUNHO RAIOU

Não é para contestar o ineditismo deste Junho que agora nasce que é vale a pena estabelecer as devidas analogias com as Jornadas de Junho de 2013 (confiram as análises de Ruy Braga e Marcos Nobre): estes dois Junhos, separados por 3 anos de turbulentas ocorrências, entrarão para a história recente do país como épocas de efervescência da democracia direta, da participação social turbulenta, do tsunamis anarco-democráticos que pegam as instituições de surpresa pela magnitude que tomam. Como escreveu Eliane Brum no El País em 06/06/2016:

“O levante das mulheres contra a cultura do estupro no país governado pelo interino Michel Temer (PMDB) e pelo Congresso mais retrógrado desde a redemocratização forma o retrato mais preciso desse momento histórico tão particular do Brasil. A oposição atual não é entre um governo chamado de ‘golpista’ e um governo que já foi apresentado como “popular”. Ou entre a presidente afastada pelo processo de impeachment e o vice que conspirou para afastá-la. O embate é entre o Brasil que emergiu das manifestações de junho de 2013 e o Brasil que se agarra aos privilégios de classe, de raça e de gênero. É esse o confronto político mais amplo que determina o curso dos dias.”

Se Junho de 2013 pareceu colocar o Brasil no mapa global das mega-mobilizações cidadãs, que puseram a democracia direta  e digitalmente turbinada no epicentro do mapa geopolítico, com fenômenos como a Primavera Árabe, o Occupy Wall Street, os Indignados espanhóis ou os conflitos na Maidan da Ucrânia, 2016 já nasce com cara de mês onde as ruas e redes, no Brasil, não cessarão de estar animadas pelo ethos e pelo ímpeto das experimentações cívicas de radicalização das mobilizações democráticas e insurgentes, com muita pela desobediência civil e contestação organizada de um governo considerado ilegítimo e golpista por uma vasta proporção da população.

A Resistência Ao Golpe de 2016 analisada pelos mais de 100 artigos reunidos em livro recém-lançado, que contou com a presença de Dilma Rousseff em seu lançamento na UnB – já ganha corpo e força com a insurgência feminista, as ocupações dos estudantes, as greves universitárias, os atos das frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular; em comícios e passeatas, em assembléias e aulas públicas, nas redes e fora delas, ferve de indignação o asfalto e o morro, o litoral e o sertão… Segundo a Ninja, neste dia Primeiro de Junho,

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“cerca de 16 estados realizaram manifestações com o tema “Por Todas Elas” em mais de 50 cidades. (…) A cada 11 minutos uma mulher é estuprada no Brasil – os dados são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Porém, como apenas de 30% a 35% dos casos são registrados, é possível que a relação seja de um estupro a cada minuto”. – NINJA

(ASSISTA O VÍDEO DE JORNALISTAS LIVRES REGISTRANDO O ATO FEMINISTA EM SAMPA)

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São Paulo, Primeiro de Junho, Av. Paulista

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Aqui em Goiânia, estive em dois atos cívicos recentes, não só expressando minha solidariedade a esta bela maré montante de mulheres #BelasLibertáriasEDaLuta, mas também para documentar em vídeo um pouco do que rolou: os vídeos Caraca – A Mulherada Chegou Forte Transmutando Dor em Luta fornecem algumas janelas de acesso a este agito democrático que vem confrontando o poderio do Patriarcado e demandando uma transformação radical nos nossos enraizados modos de convívio, ainda tão brutais e cruéis em razão da dominação masculina ainda vigente (sobre isso, recomendo Pierre Bourdieu e seu Dominação Masculina, além das obras listadas ao fim deste post).


Aos que teimam com o discurso de que feministas são “cheias de mimimi”, talvez não haja melhor argumento do que este: “o machismo mata todos os dias,  o feminismo nunca matou ninguém.”  Alguns podem contestar a hipérbole de “o feminismo nunca matou ninguém” (Valerie Solanas, autora do Scum Manifesto, chegou perto de assassinar Andy Warhol…); já quanto ao machismo ser mortífero (além de estúpido…), isto beira o incontestável: é fato comprovado por estatísticas (obscenas) às mancheias como aquelas que, no blog da Boitempo, Flávia Biroli – co-autora do livro Feminismo e Política – oferece, dando as dimensões estarrecedoras do problema:

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Biroli

MACHISMO MATA – Precisamos falar sobre feminicídio

“A lei do feminicídio foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff em 9 de março de 2015. O feminicídio corresponde ao assassinato de mulheres pelo fato de serem muheres. No Brasil, esse tipo de assassinato tem aumentado. Segundo os dados do Mapa da Violência de 2012, em sua atualização dos dados específicos sobre homicídio de mulheres no Brasil, há registro do assassinato de 92.100 mulheres no país entre 1980 e 2010. Em 2010, esse registro foi de 4.465 mulheres assassinadas. Um estudo mais recente do IPEA fala em 5,82 mortes a cada 100 mil mulheres entre 2009 e 2011 – reproduzindo o destaque do relatório, uma média de 5.664 mortes por ano, 472 a cada mês, 15,52 a cada dia, uma a cada hora e meia. Segundo dados presentes no Mapa da Violência, um número inferior, de 4,4 mulheres a cada 100 mil habitantes no ano de 2009, deu ao Brasil a quinta posição entre 84 países que tiveram seus índices de homicídios contra mulheres comparados pela Organização Mundial de Saúde.

A maior parte dessas mulheres é jovem e tem baixa escolaridade. Segundo o estudo do IPEA, 61% delas são negras. Dados apresentados pelo Mapa da Violência mostram que em 71,8% dos registros de atendimento, a violência ocorreu na casa das mulheres. Trata-se de um padrão fundamental para o entendimento do feminicídio: mulheres de diferentes faixas etárias são agredidas no espaço doméstico, por pessoas que lhes são próximas – pais, tios, namorados, companheiros. E apesar da enorme importância da Lei Maria da Penha, de 2006, os estudos disponíveis indicam que houve pouco avanço na prevenção do homicídio de mulheres por homens que lhes são próximos.

Não são dados novos para quem está atenta ao tema. O Brasil é uma sociedade na qual mulheres são violentadas e assassinadas rotineiramente.” (BIROLI. Leia o artigo completo)

É um muito bem-vindo sopro de vida e renovação que as mulheres brasileiras estejam se empoderando tanto e articulando esta ‪#‎InsurgênciaFeminista‬ contra o Machistério do golpe, numa “Primavera Feminista” prenunciada por Marchas das Vadias e das Margaridas, mas promete neste ‪#‎Junho2016‬ escrever páginas notáveis para a história do feminismo no país. Mobilizadas em repúdio à ‪#‎CulturaDoEstupro‬ e contra o regime ilegítimo de Michel Temer e sua corja de machos, velhos, corruptos, branquelos, destroçadores de direitos sociais, que só sabem governar para o 1% da cúpula (empresarial, midiática, jurídica etc.), as ruas em coro garantem: “machistas, golpistas, não passarão!” 

Emma Goldman, Rosa Luxemburgo e Simone Weil estariam orgulhosas de nossas “guerreiras” (não no sentido bélico e macho man, mas muito mais na vibe Clara Nunes!).

“Canto pelos sete cantos
Não temo quebrantos
Porque eu sou guerreira…”

Neste Domingo (29/05), estive no Lago das Rosas, filmando o ato cívico que ficou registrado em Transmutando Dor Em Luta (22 min): ao som dos tambores afro e com muita capoeira rolando no coreto, elas manifestaram toda a repulsa pelo (des)governo do Mr. Biônico, pai de Michel Laranjinha e da Srta Bela Recatada & do Lar. Michel Temer cuspiu na cara de mais de metade da população do país, depois do afastamento de Dilma pelo Senado, ao nomear seu Ministério da Testosterona. O #ForaTemer virou palavra-de-ordem entoada em altos brados pelas mulheres, mas também pelos movimentos negros, estudantis, LGBT, indígenas – já que nenhum deles se sente minimamente representado pelos “recém-chegados” (aqueles que jamais venceriam as eleições, com tal projeto neoliberal fundamentalista, e que chegaram ao poder só pelo atalho do golpeachment).

E que ninguém diga que o feminismo é só falação: a desobediência civil feminista já se manifestou ultimamente em episódios notáveis de ação direta. Por exemplo: em Maio, ao início da interinidade de Temer, elas acorrentaram-se às grades do Palácio do Planalto, impedindo a passagem do traíra, que teve que entrar, como bom usurpador, pela porta dos fundos. Dias depois, rolou “invasão” (com o perdão do uso deste termo maculado pelas patas do P.I.G.) do STF (cúmplice, se não co-partícipe, do golpe parlamentar-midiático).

Uma interessante reportagem do El País, A Justiça no Brasil não é divina, é feminina (de Carla Jiménez), também aponta um raiar alentador de insurgência feminista em meio à perseverante barbárie do patriarcado belicista e autoritário – simbolizado, melhor que ninguém, por Dudu Cunha, o crápula teocrático que chefiou o complô golpista e agora está recebendo a bolsa-bandido para ser nosso presidente oculto, e por Bolsonazi, o apologista da tortura (a guy who has shit for brains):

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“Há um dado alentador no meio desta barbárie. À medida que a incompetência na condução das investigações no Rio [sobre o estupro perpetrado por 33 homens] foi exposta, cresceu a coragem das mulheres de se manifestar. Nas redes sociais, e até na sede do Supremo, onde calcinhas manchadas de vermelho foram exibidas e flores depositadas na estátua que representa a Justiça. As mulheres deste país já não suportam mais. Neste exato momento em que algum tarado está assistindo a cenas de estupros clandestinas no Whatsapp, há mulheres criando grupos de apoio, buscando inspiração em exemplos de ações conjuntas contra o estupro em outros países, e organizando manifestações para repudiar esta cultura selvagem.” – El País

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Marcha das Vadias 2013, São Paulo, SP. Foto: Rony Marques.

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Rio de Janeiro, 2 de Junho de 2016

Rio 03Saiba mais sobre a #CulturaDoEstupro

MV5BMjA1OTkwMjg3MF5BMl5BanBnXkFtZTgwODI4NDAwNjE@._V1_SY1000_CR0,0,713,1000_AL_O cinema e a música ajudam a pôr o cenário em chamas: Sufraggette – As Sufragistas, de Sarah Gavron, apesar de focado no movimento britânico pelo voto feminino de mais de um século atrás, é um dos filmes mais memoráveis dos últimos tempos e ainda tem muito a nos ensinar sobre a desobediência civil não-violenta – que para além de Gandhi, Luther King ou Thoreau, também tem ilustres praticantes nos movimentos feministas.

Na Rússia, o “caso Pussy Riot” revelou também possibilidades estéticas de um radicalismo louvável, excitante, como na ocasião em que as “Sex Pistols do Putin” fizeram uma desbocada performance na catedral de Moscou e depois foram em cana (tema do delicioso doc A Punk Prayer), revelando todo o autoritarismo do Estado Policial putinesco. Outro documentário que está dentre os mais excelentes dos últimos anos, Je Suis Femen (Eu Sou Femen), de Alain Margot, é um retrato cheio de empatia e verve do coletivo ucraniano-francês [FEMEN], que também pode muito bem inspirar ações das ativistas latino-americanas.

Aqui no Brasil destaco também a relevância atual da teoria-e-práxis de intelectuais orgânicas como a filósofa Márcia Tiburi, uma das idealizadoras do #PartidADjamila Ribeiro, colunista de Carta Capitalsecretária-adjunta da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo; Ivana Bentes, exonerada do cargo de Secretária de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura do Brasil no Golpe de 2016, que escreveu um belo relato sobre a mobilização feminista, no Rio, em 02 de Junho; dentre outras figuras que vale a pena acompanhar. Nas redes sociais, recomendo: Geledés | Instituto da Mulher Negra; Não Me Kahlo; Juntas.

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CONFIRA TAMBÉM:

LIVRARIA FEMINISTA – ALGUMAS OBRAS RECOMENDADAS
PELA EDITORA VERSO BOOKS

“A landmark manifesto” — Susan Faludi, New Yorker

An international bestseller, originally published in 1970, when Shulamith Firestone was just twenty-five years old, The Dialectic of Sex was the first book of the women’s liberation movement to put forth a feminist theory of politics.

Beginning with a look at the radical and grassroots history of the first wave (with its foundation in the abolition movement of the time), Firestone documents its major victory, the expansion of the franchise in 1920, and the fifty years of ridicule that followed. She goes on to deftly synthesize the work of Freud, Marx, de Beauvoir, and Engels to create a cogent argument for feminist revolution.

Ultimately she presents feminism as the key radical ideology, the missing link between Marx and Freud, uniting their visions of the political and the personal.The Dialectic of Sex remains remarkably relevant today—a testament to Firestone’s startlingly prescient vision. The author died in 2012, but her ideas live on through this extraordinary book.

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An examination of how mainstream feminism has been mobilized in support of racist measures

Feminist Christine Delphy co-founded the journal Nouvelles questions féministes with Simone de Beauvoir in the 1970s and became one of the most influential figures in French feminism. Today, Delphy remains a prominent and controversial feminist thinker, a rare public voice denouncing the racist motivations of the government’s 2011 ban of the Muslim veil. Castigating humanitarian liberals for demanding the cultural assimilation of the women they are purporting to “save,” Delphy shows how criminalizing Islam in the name of feminism is fundamentally paradoxical.

Separate and Dominate is Delphy’s manifesto, lambasting liberal hypocrisy and calling for a fluid understanding of political identity that does not place different political struggles in a false opposition. She dismantles the absurd claim that Afghanistan was invaded to save women, and that homosexuals and immigrants alike should reserve their self-expression for private settings. She calls for a true universalism that sacrifices no one at the expense of others. In the aftermath of the Charlie Hebdo massacre, her arguments appear more prescient and pressing than ever.

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Barrett - Womens Oppression Today - PRINT

Women’s Oppression Today: The Marxist/Feminist Encounter

Women’s Oppression Today is a classic text in the debate about Marxism and feminism, exploring how gender, sexuality and the “family-household system” operate in relation to contemporary capitalism. In this updated edition, Michèle Barrett surveys the social and intellectual changes that have taken place since the book’s original publication, and looks back at the political climate in which the book was written. In a major new essay, she defends the central arguments of the book, at the same time addressing the way such an engagement would play out differently today, over thirty years later.

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Fortunes of Feminism: From State-Managed Capitalism to Neoliberal Crisis

During the ferment of the New Left, “Second Wave” feminism emerged as a struggle for women’s liberation and took its place alongside other radical movements that were questioning core features of capitalist society. But feminism’s subsequent immersion in identity politics coincided with a decline in its utopian energies and the rise of neoliberalism. Now, foreseeing a revival in the movement, Fraser argues for a reinvigorated feminist radicalism able to address the global economic crisis. Feminism can be a force working in concert with other egalitarian movements in the struggle to bring the economy under democratic control, while building on the visionary potential of the earlier waves of women’s liberation. This powerful new account is set to become a landmark of feminist thought.

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OUÇA TAMBÉM:

Cobain

“O estupro é um dos mais terríveis crimes na terra e isso acontece a cada poucos minutos. O problema com os grupos que lidam com o estupro é que eles tentam educar as mulheres sobre como se defender. O que realmente precisa ser feito é ensinar os homens a não violar. Vá à fonte e comece por aí.” – Kurt Cobain @ Nirvana


ESCUTA TAMBÉM NA JUKEBOX:

RIOT GIRLS & GRUNGY CHICKS – 25 músicas poderosas do “rock’n’roll das minas”