Plugando consciências no amplificador! Presente na web desde 2010, A Casa de Vidro é também um ponto-de-cultura focado em artes integradas, sempre catalisando as confluências.
“Eles querem um preto com arma pra cima
Num clipe na favela, gritando cocaína
Querem que nossa pele seja a pele do crime
Que Pantera Negra só seja um filme
Eu sou a porra do Mississipi em chamas
Eles têm medo pra caralho de um próximo Obama
Racista filha da puta, aqui ninguém te ama
Jerusalém que se foda, eu tô a procura de Wakanda.” BACO EXU DO BLUES
Tudo junto e misturado, compartilhamos aqui um apanhado geral com alguns dos grandes discos da MPB (sigla considerada no sentido o mais amplo possível) que consideramos os mais significativos da safra 2018. Um ano em que tivemos o retorno de divas e gênios consagrados, como Elza Soares,Gilberto Gil e Gal Costa; tivemos bandas veteranas do cenário manguebeat pernambucano de volta com lançamentos, como Mundo Livre S.A.,Eddie e Cordel do Fogo Encantado; tivemos a revelação e consolidação de novos talentos do hip hop (Baco Exu do Blues, Edgar) e no folk-rock (Joe Silhueta, The Baggios, Bemti) etc.
As mulheres arrasaram com discos de alta qualidade: Mulamba, Luiza Lian, Anelis Assumpção, Ava Rocha, Iza, Ceumar, Ana Cañas, Mahmundi, todas marcaram um ano que teve em Deus É Mulher uma de suas obras mais emblemáticas, reafirmando Elza como lenda viva.
Em específico no cenário goiano, que acompanho mais de perto, tivemos a consolidação do Carne Doce com seu terceiro álbum Tônus, o retorno do Cambriana com Manaus Vidaloka e o primoroso álbum de estréia do Ave Eva. Além disso, fortaleceram-se muito no cenário figuras como Adriel Vinícius, Vitor Hugo Lemes (assista ao video-clipe abaixo), Diego Mascate, Pó De Ser – que prometem excelentes lançamentos para 2019.
Além disso, o documentário Novos Goianos (de Isaac Brum) foi lançado, conquistando o prêmio de melhor curta nacional no Lobo Fest de Brasília, uma relevante premiação para um filme dedicado ao novo cenário musical autoral goianiense, encabeçado pelo sucesso de Boogarins, Carne Doce e Diego de Moraes.
Vale mencionar, entre os eventos memoráveis de 2018, também a conturbada turnê brasileira do Roger Waters @ Pink Floyd, que marcou época em seus protestos contra Bolsonaro. Waters pediu resistência, ironizou a censura e aderiu ao movimento#EleNão, a principal mobilização cidadã ocorrida no Brasil em 2018.
Ao mandar no telão frases como Resist The Unholy Alliance of Church and State – Resistam Contra a Ímpia Aliança da Igreja e do Estado – o tiozão tornou-se um emblema de artista engajado na luta contra o fascismo. De lambuja foi entrevistado por Caetano Veloso em um excelente programa da Mídia Ninja (assista abaixo) e estes episódios renderam um dos melhores artigos de reflexão na crítica musical neste ano: Para o duplipensar brasileiro, Roger Waters é uma ameaça, de Maurício Angelo na Revista Movin’ Up.
Há quem se recuse a ser o colonizado submisso, o conformado domesticado, o oprimido calado. Ainda pulsam, aqui e ali, nos subterrâneos da cultura, aquelas expressões subversivas que, apesar de não circularem no mainstream, são máquinas sônicas enraivecidas contra o Sistema. São artistas flamejantes e indiespensáveis (com a licença do neologismo estrangeirista).
Neste cenário, contrariando a tendência do rock brasileiro de tornar-se um tiozão bundão de Direita (como viraram o Lobão e o Roger do Ultraje A Rigor), chegou ao cenário, vinda do Paraná, a Machete Bomb. E declararam aberta a “Temporada de Caça”.
A violência expressiva que se manifesta na sonoridade do Machete é reflexo da sociedade ultra-violenta que somos, com seus mais de 60.000 homicídios anuais e o maior índice global de mortes por arma de fogo.
Só faça o favor de não confundir a violência lírica e musical, estratégia dos oprimidos em seu processo de partejar um mundo menos opressivo, com a violência concreta e brutal perpetrada pelos opressores.
O Machete Bomb encena uma espécie de teatro insurrecional (falo aqui inspirado por Augusto Boal e sem sombra de intenção pejorativa ao evocar o “teatro”). Esses caras estão fazendo um som que parece convidar as massas ao levante de indignação, estão dizendo que aquilo que o Brasil precisa é de uma injeção, na veia, de altos decibéis de rebeldia. É uma sonzeira que fala daquele momento em que a “paciência do violentado” se esgota, a taça transborda, o vulcão entra em erupção, e a lava é feita de fúria.
O que domina é uma vibe de vendeta-dos-violentados, o som daqueles que se cansaram de serem esculhambados. Resolvem virar a mesa e tornarem-se os agentes da transformação social radical, utilizando-se das armas a seu dispor no vasto arsenal anarco-lírico.
É um tipo de música que parece embebida nas atitudes guerrilheiras de figuras como Malcolm X, Marighella, Che Guevara. É Guerrilla Radio. E os alvos da vendeta são muitos: “o colarinho branco com o poder da caneta”, “o empreiteiro bilionário que compra a licitação”, “o tribunal de faz-de-conta que aprova a corrupção”, “o bispo com os dedos pretos de contar notas de cem”, “o vendedor de milagre que faz o povo de refém” (acesse a letra completa).
A poética de “Temporada de Caça” deleita-se em espalhar imagens de figuras que merecem ser “caçadas”, instaurando uma explicitação de cenário convulsionado e bélico. Rompendo com o mito dourado do Homem Cordial, o Machete Bomb revela o Brasil como um caos e como um caso grave de guerra civil não-declarada. E eles vão elencando aqueles que são considerados como adversários políticos – políticos escrotos, pastores ricos, juízes injustos etc. -, que passam a estar na mira do mic, feito patinhos numa estande de tiro.
É uma atitude que faz pensar na Revolução dos Escravos no Haiti. Que lembra uma trilha sonora criada para acompanhar a leitura de Franz Fanon ou de Eduardo Galeano. É verdade que a banda aborda temas já “batidos”, em especial para quem acompanha o Movimento Hip Hop: a violência policial em “Giroflex”, a resistência aguerrida dos que “ocupam e resistem” em “Tiro e Queda”, mas quem disse que isso não é bem-vindo quando, na realidade concreta, estes continuam temas urgentes e atuais?
“Uma mente consciente engatilhada é um perigo!”, cantam eles nesta última, em estado de auto-celebração por serem uma frente anarcolírica anti-sistêmica. É o tipo de atitude que, lá fora, os críticos musicais podem descrever como guys who are proud to be rebels.
MACHETE BOMB é: Vitor Salmazo (vocal), Rodrigo Spinardi (percussão), Rodrigo Suspiro (baixo), Daniel Perim (bateria) e Madu (cavaco).
São bandas assim que me fazem pensar que daria para escrever um livro inteiro sobre A Revolta na Música Brasileira. Uma trajetória do Homem Revoltado em sua encarnação tropical, ausente das explorações de Albert Camus no seu L’Homme Revolté. Poderíamos viajar nas ondas sonoras insurrecionais destas terras, indo do samba ao rap, do frevo ao punk, do baião ao manguebeat. Daria para explorar as múltiplas vertentes da canção de protesto: tão arrojada e cosmopolita na Tropicália, tão bruta e chuta-bundas nas mãos do Movimento Punk, tão malandra e periférica nos cronistas da marginalidade (de Bezerra da Silva a Planet Hemp…).
Daria para explorar diferentes períodos históricos, em seus contrastes e similaridades: na Ditadura Vargas do Estado Novo (1937-1945), os rebeldes eram aqueles que celebravam a boêmia, a vida “improdutiva” do artista-malandro, que não é otário de ficar amassado no Bonde de São Januário… prefere viver cantando e tocando, embriagado.
Mas na Ditadura Civil-Militar de 1964 a 1985, a rebeldia é outra, e aliás multiforme: a lírica buarquista, que combina a denúncia de tenebrosas transações, mas que insufla utopia e esperança (“amanhã vai ser outro dia”), difere bastante do clima de folk nacionalista de Vandré (que seguimos cantando enquanto caminhamos: “quem sabe faz a hora, não espera acontecer), que também difere radicalmente daquela irrupção do Maio do 1968 parisiense no caldo tropicaliente de Caetano e Os Mutantes em uma das obras-primas da Tropicália (“É Proibido Proibir”!).
Mas o que nos interessa sondar aqui, no entanto, não é nosso passado, mas o presente e o futuro das canções revoltadas entre nós. E nesse contexto, precisamos sim falar do Machete Bomb e A Saga do Cavaco Profano.
Conheci a sonzeira destes caras no Goiânia Noise 2018, lá dentro daquela Panela de Pressão em formato de teatro que é o Pyguá do Martim Cererê. O Machete Bomb derrubou todo o suor que tinha – honrando o lema do Macaco Bong: artista = pedreiro – e fez um show que deixou uma excelente impressão.
O mais óbvio a dizer é que enfim o Brasil possui uma banda com potência comparável ao Rage Against the Machine. Mas com uma originalidade notável que é aquele cavaco endiabrado, plugado numa pedaleira de efeitos, cheia das pirotecnias. Quando tocaram no Estúdio Showlivre, o Madu foi descrito como “O Tom Morello do cavaco”. E, naquela ocasião, o vocalista Vitor Salmazo também se definiu como anarco-indígena (porra, meu!) e falou de uma sintonia não só musical, mas também ideológica, com o R.A.T.M.
SHOW COMPLETO – ESTÚDIO SHOWLIVRE
É verdade que já existiu muita inovação nesta mescla de cavaco endemoniado com rock abrasileirado, e só lembrar do Mundo Livre S.A., uma das mais geniais bandas do manguebeat, que tem na comissão de frente o cavaco de Fred Zero Quatro.
Mas o Madu está explorando uma outra senda, uma trip mais extrema, é um músico extraordinário que está explorando a via inovadora do cavaco heavy. O cavaco com os sinais transtornados por uma pedaleira cheia das pirotecnias e dos scratches típícos de DJ, mas com uma potência que, quando o som está rolando ao vivo, ficamos de fato com a impressão de que Tom Morello está no recinto. Mas ao invés de uma guitarra elétrica preferiu algo de uma brasilidade mais explícita. A voz à la Zack de La Rocha de Salmazo só torna mais forte a impressão de combatividade da banda.
Também há algo de uma celebração das afrobrasilidades, com certas evocações da capoeira, dos tambores africanos. Um dos grandes momentos do show do Machete, segundo meu paladar, é quando eles decretam (com o som no talo, como de praxe): “o agogô chegou!”, com tambores de batuques afro mesclando-se linhas de baixo que não ficariam incoerentes dentro de um groove dos Chili Peppers. É aí que fica claro que o Machete Bomb veio para se pôr no campo-de-jogo cultural como uma daqueles expressões artísticas que Marcelo Ridenti chama de “brasilidade revolucionária”. E, como o Baiana System também promete, a Babilônia vai cair… se depender desses músicos.
Os vocais na confluência entre o rap e o hardcore não só evocam o Rage Against the Machine e o System of a Down, mas recuperam no cenário cultural brasileira pós-2013 um certo sabor de Planet Hemp. As letras de confrontação violenta do status quo (com o mais sincero “foda-se a vocês” que defendem o estabelecido) sugerem que no Brasil ainda sobrevive uma estética da resistência em que a música é vista não como entretenimento, mas como ferramenta para a motivação prática de nossas mobilizações coletivas.
E é bom saber que nosso povo não é achincalhado e fica calado. Nas voltas intermináveis que o mundo dá, a música múltipla e multiforme que não cessa de nascer sobre o planeta segue sendo uma roda viva rumo a novas paragens. Mais do que espelhar a época, a música às vezes dá voz e alto-e-bom-som às fúrias e rebeldias dos que não aceitam nem acatam que a época prossiga como está sendo. A música faz como Brecht dizia que a arte tinha que fazer: não ser espelho que reflete o mundo, mas um martelo com o qual escupi-lo.
A música às vezes atinge graus de intensidade impressionantes, capazes de desvelar as contradições sociais e explicitar as vontades e afetos complexos daqueles que levam a sério o direito humano fundamental: resistir à opressão. É um alento saber que ainda há produção cultural desta potência vinda daqueles que estão engajados em transformar esta época do mundo com as armas da linguagem. As munições sendo rimas, os tiros sendo de riffs! Tempos históricos catastróficos como os nossos exigem expressões artísticas de radicalidade.
E me parece que, por onde quer que passem – como fizeram no festival Psicodália (SC) – o Machete Bomb transforma o recinto numa Zona Autônoma Temporária (Hakim Bey). Numa área provisoriamente liberada. Num espaço de potencial insurrecional. E nele as lições de um dos mais geniais dos músicos revoltados que já viveu – Joe Strummer, do The Clash – seguem ecoando:
“Let fury have the hour Anger can be power Don’t you know that you can use it?” THE CLASH – Clampdown
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Escrito por Eduardo Carli de Moraes || A Casa de Vidro.com || Setembro de 2018
Como a mítica Fênix, que não cessa de renascer das cinzas, o GRUNGE renasce de suas tragédias. Sua maré no mainstream já passou, mas os sentimentos grungy sejam vivos na Era Trump. Fazendo frente ao baque tremendo que foi para este cenário pós-grunge o suicídio de Chris Cornell (Soundgarden / Audioslave), o cenário tenta se reinventar.
O Stone Temple Pilots renasce agora após duas outras mortes: a de Scott Weiland (vocalista dos 6 primeiros álbuns) e a de Chester Charles Bennington (do Linkin Park, que gravou apenas 1 EP como cantor do STP, em 2013, tendo se suicidado em 2017). São os corações ensombrecidos pelas tragédias reais, que recolocam tudo em clima de “Hunger Strike”:
“I don’t mind stealing bread
From the mouths of decadence
But I can’t feed on the powerless
When my cup’s already overfilled…”
Somando-se neste caldo as mortes trágicas de Kurt Cobain e Layne Stanley, pra não falar na overdose fatal de Andrew Wood (do Mother Love Bone) nos primórdios da saga Pearl Jam), temos um microcosmo cultural assombrado pela recorrência de fins-da-vida violentos, de pungente tragicidade, o que também se expressa nas sombrias e intensas paisagens sônicas que marcaram para sempre a estética contemporânea com as obras de Screaming Trees, Mudhoney, Nirvana, The Gits, dentre tantas outras bandaças.
“Roll Me Under” traz todo o peso e intensidade dos grandes dias do grungy noventista de novo ao primeiro plano, ilustrando sua mensagem sônica impactante com um clipe meio Into the Wild, evocando a vertente Steppenwolfiana que sempre nutriu o estilo grunge, este ethos do rock’n’roll que tão bem entremesclou o punk, o heavy metal e o indie-garage, reinventando para sempre a estética musical dos anos 1990.
Quem assume os vocais neste retorno do STP em 2018 é Jeff Gutt, que vem sendo chamado por alguns críticos de “um Scott Weiland bem-comportado”: “He nails how the late singer could slide from a snarl to a sigh, conjuring a bit of a snaky sexuality while still seeming a bit safe”, escreveu Stephen Thomas Erlewine em sua crítica para a AllMusic.
As 12 músicas novas demonstram uma banda ainda vigorosa e re-colocam o Stone Temple Pilots no epicentro do rock mainstream global para disputar as atenções com as mega-bandas Foo Fighters, em que Dave Grohl decolou após o naufrágio do Nirvana, e o Pearl Jam, já uma instituição consagrada da música global, que em breve completa 30 verões, merecendo um lugar de honra na História do Rock na companhia de um Neil Young & Crazy Horse ou de um Grateful Dead.
Já o STP, que sempre soou mais despretensioso e menos grandiloquente que o Pearl Jam, retorna para mostrar que um dos caminhos mais interessantes para a evolução do estilo grunge estava na tentativa de mesclá-lo com a new wave, o punk rock 77, o glam à la T.Rex. O poderio guitarrístico da banda sempre foi impressionante, desde os estupendos álbuns iniciais “Core” e “Purple”, e em 2018 eles não demonstram nenhum desejo de se aquietar. Os amps continuam no talo, o batera continua batendo forte, os riffs continuam te enganchando pelo queixo e batendo contigo nas paredes até tirar sangue.
É um álbum que agrada e empolga por mostrar artistas grunge em plena forma, e prometendo ainda muito futuro. O grunge resiste! Ainda que o melhor álbum lançado ultimamente na estética grunge não tenha sido feito por uma banda que assim se rotule, ou que a este cenário cultural se vincule: me refiro ao “Wilderness Heart”, do Black Mountain, que fez neste álbum uma obra-prima do gênero, com canções magníficas como “Rollercoaster” e “The Hair Song”.
Com muito gosto ouvi este comeback do STP, um disco tão agradável de ouvir, tão lindamente executado, tão “radiofônico” (até mesmo no sentido Bon Joviano do termo), que quase nos convida a abandonar qualquer pose de crítico musical e simplesmente recomendar aos amigos: “ouve lá, é um discaço da porra!” A música fala bem em sua própria defesa e até nos desarma da iniciativa inglória de perguntar pelos interesses econômicos que possam estar envolvidos nesta empreitada, certamente acusável pelos críticos mais “cricos” de ser um “caça-níqueis”.
A indústria da música é de fato uma mina de ouro e não está fora de cogitação que o STP se enxergue como uma empresa, e das mais lucrativas. Mas isto não significa que estes caras não tenham algo a dizer artisticamente. Seria bem injusto, aliás, taxar de “comercial” uma banda que nunca abriu as pernas para o Sistemão do Rock Mainstream como fizeram os Creeds e Nickelbacks. O Stone Temple Pilots seguiu com seus fios elétricos plugados nas tomadas do Grunge noventista, soando como banda independente que teve acesso aos estúdios de gravação do Big Business – e soube se aproveitar disso.
Se o cérebro coloca estas questões, questionando se há vontade de grana alta por trás da nova encarnação do STP, os tímpanos e o coração simplesmente embarcam no rollercoaster deste álbum pulsante e cheios de belos thrills. Fazia tempo que um álbum de estilo grungy chegava com tamanho estrondo – que o Queens of the Stone Age se cuide, pois tem rival forte de volta na cena!
Saudamos a chegada deste álbum como uma bela anfetamina musical para nossos tempos em que o Grunge segue tendo muitas razões para existir. Pois temos direito à divergência e a dissonância. E queremos nossa fúria tomando de assalto as ondas do rádio!
A alucinógena borboleta que estampa a capa do disco, e que parece a obra de algum artista das HQs que tomou um peiote, indica de modo simbólico o poder desta banda: dentro da borboleta, há uma teia de aranha.
A aparência mais englobante, da bela butterfly, é atraente e sedutora, mas na essência mais interna esconde-se o perigo, o aracnídeo.
Entre as asas desta borboleta, parece caber todo o caos e maravilha do mundo – e o som que fazem estas asas ao voar indica que, por mais agradável que seja esta rock-sinfonia, propulsionada pelos músicos como um foguete, pulsa aqui também algo de perigoso.
Algo que morde, que devora, como um aranha faz com o inseto que cai em sua teia.
As reações iniciais da imprensa musical parecem ser muito positivas, com reviews que destacam o quanto o álbum traz “a banda lidando emocionalmente com suas tragédias”:
“The album comes after STP’s tragic last few years which saw the deaths of Scott Weiland and Chester Bennington. Losing two singers in such a short period is really one of the biggest tragedies in rock history, to see STP come back with a new album with some really triumphant sounding songs is powerful especially on the first few listens. Scott and Chester’s spirits are definitely felt throughout the album.” – Alternative Nation
Chester e Scott, dois mortos precoces do rock contemporâneo, somados à ausência monumental de Chris Cornell, também recentemente suicidado, mostram que a Era Trump, nos EUA, está sendo também a de uma maré cultural de redescoberta do grunge, em tudo aquilo que ele tem de problemático e obscuro. A Geração X ainda está entre nós, assim como o Fantasma de Kurt Cobain, assombrando com sua poesia atormentada a propaganda do cartão postal chamado American Dream, aquele em que só acreditam os que estão dormindo.
O grunge parece passar pela história da cultura humana como uma espécie de híbrido entre tragédia e resiliência. Um movimento cultural que sobrevive a todas as suas tragédias, que se reinventa na mudança: Mark Lanegan cantando com o QOTSA, Josh Homme e Dave Grohl (dos Foo Fighters) flertando com o que restou do Led Zeppelin (Them Crooked Vultures), Alice In Chains seguindo em frente com novo vocal após a morte de Layne Stanley… Para não falar da farta colheita que foram as passagens de Cornell e Weiland pelo mundo, já que eles também povoaram nosso horizonte artístico com as criações de Audioslave e Velvet Revolver, além dos respectivos álbuns-solo…
Enquanto seus heróis vão caindo mortos, o grunge segue em frente como pode, aos trancos e barrancos. E no epicentro deste drama, segue queimando supremo o inesgotável Nirvana: Cobain não precisou de mais que 27 anos de idade para causar um terremoto cultural que não dá sinais de que irá simplesmente desaparecer, e em pleno 2018 aquele som que smells like teen spirit está por aí, pulsando no coração do Império decadente!
O retorno, em tão boa forma, do Stone Temple Pilots nos mostra isso: o ímpeto nirvânico está sendo re-acendido. A Fênix grunge alça vôo outra vez. E ela vem enraizada no passado, atenta ao novo e disposta a ser ouvida em toda sua dissonância e dissidência.
R.I.P. CHESTER BENNINGTON (Nascimento: 20 de março de 1976, Falecimento: 20 de julho de 2017)
“Even if you are able to make a map out of your grief and trauma with the chart of a generous mapmaker, it doesn’t mean the mapmaker has figured their own way out of whatever maze their trauma has trapped them in. There is a difference between the work of not wanting others to die and the work that comes with keeping yourself alive.” – Hanif Abdurraqib
Em biografia escrita para a AllMusic, Corey Apar lembra que Chester Bennington foi uma “vítima de abuso sexual e que teve uma infância que esteve longe da perfeição”; “quando seus pais divorciaram-se quando ele tinha 11 anos, ele apelou para as drogas para suportar seu sofrimento. Chegando à adolescência, Bennington tinha caído fundo na cocaína e nas meta-anfetaminas, alimentando seu vício com um trampo no Burger King…” (Leia a bio completa)
Em 20 de Julho de 2017, o vocalista do Linkin Park seguiu a trilha fatal aberta por Cornell e encerrou sua estadia entre os vivos. Calou-se aquela voz potente e arrebatada, capaz de atingir notas agudas e sustentá-las com gritos impressionantes. Uma voz que no Linkin Park, com sua melodiosidade e emocionalidade, contrastava com os vocais rappeados de Mike Shinoda. F
enômeno de público que despontou no ano 2000 e que foi um dos principais representantes do cenário de metal alternativo e pós-grunge neste jovem século XXI, o Linkin Park, em 2000, despontou com o álbum de estréia “Hybrid Theory” e hits como “Numb”. Explodiu nos EUA e vendeu milhões de cópias com seu som híbrido, mescla de rap, metal e grunge. Se não era nada imensamente original, já que esta senda já havia sido muito explorada pelo Rage Against The Machine e por outras bandas do new-metal (como Korn e Slipknot), o Linkin Park se distinguiu da manada principalmente pela exuberância das performances vocais de Bennington – que se tornariam também uma referência para tudo o que se faria depois no emocore.
Entre 2000 e 2017, a banda lançou uma vasta discografia que soma 11 álbuns, entre os de estúdio e os ao vivo (acesse discografia). Os inúmeros fãs da banda – que somam bem mais de um milhão! – fazem circular na Internet um mega-torrent com 69 lançamentos do Linkin Part reunidos do período entre 1997 e 2013 – é tudo o que você precisa baixar se quer conhecer a carreira da banda principal do falecido Chester. Após a morte de Scott Weiland, vocalista do Stone Temple Pilots, Bennington assumiu os vocais também do STP por um tempo e lançou com a banda um interessante EP ,”High Rise”, que serve como sua principal incursão na história do Grunge.
“I’ve been thinking a lot lately about the artist who chooses to make themselves a mirror. It is brave work, and it should be hailed as such. The work of allowing people to see bits of their pain in your own pain is often thankless but needed labor — labor that takes on a heavier weight as the platform of an artist grows. But even if you are able to make a map out of your grief and trauma with the chart of a generous mapmaker, it doesn’t mean the mapmaker has figured their own way out of whatever maze their trauma has trapped them in. There is a difference between the work of not wanting others to die and the work that comes with keeping yourself alive.
I want to say that I hate the thing we do where we talk about suicide in terms of winning and losing: a person either beating their demons or losing to them. It boils down an ongoing struggle into a simple binary, to be celebrated and mourned — as if every day survived on the edge of anything isn’t simply gearing up for another day to survive and another day after that. And Chester Bennington was a survivor, of many things: sexual abuse as a child, violent bullying as a skinny high school student — things that he said pushed him to years of drug and alcohol addiction. And I believe survival of this — no matter how long — is a type of heroism.
I believe that any of us who faces trauma and still survives is heroic, even if we aren’t keeping anyone else alive but ourselves. But I don’t like to think of anyone who gives in to whatever they imagine waits on the other side of suffering as someone who has lost. We have lost them, sure. But who does it serve to create a narrative where there is a scoreboard for our pain and how we navigate the vastness of it? Death is the action — the end result, of course. But I have known people who didn’t want to die as much as they wanted to stop feeling a desire for death. A world without that always-hovering cloud. And I don’t think of those who are departed as people who lost, and when we frame these grand and nuanced battles as absolutes — with the “strong” people surviving and sometimes suffering and the “weak” people falling into the arms of absence — it does an injustice to the true machinery of the brain, of the body, of the heart, of anything responsible for keeping us here on the days we don’t want to be.
Chester Bennington is gone and I’m really fucked up about it because I could have been gone. Because people I love could have been gone if not for what he offered up about himself and his survival. There is no good way to talk about a person who kept you alive dying from what they could no longer endure. I have not wanted to die for a long time, but years ago, when I did, I looked for anyone who could offer me a lifeline out, and Bennington was one of the many arms reaching into that dark well, not to pull me out, but perhaps to hold my hand for a while.
I was alerted to the news because suicide hotline numbers were filling social media again. That’s how I knew something was wrong. I understand this action: Someone dies of something and people want to prevent it in their own corners of the world. After a high-profile suicide, I have, in my own circles, promised people that I would be there to talk to them if they needed to talk, or be there for them in the yawning mouth of their own darkness. And I don’t doubt that this helps, and is needed. But I am also thinking about how there is no one thing that will keep a person alive when they no longer want to be. Whatever engine pushes a person towards death is made up of a lot of parts that are not always singing to each other, or not always singing at the same pitch or volume. Chester Bennington was a whole, brilliant, successful person and a survivor. But that which he survived still sat on top of and underneath his skin. There is no fix for that, no matter how many of us want to see one…” – READ ON
O Confluências #4 – Festival de Artes Integradas contou com uma discotecagem só com a fina flor das músicas, nacionais e internacionais, devotadas à cannabis sativa ou que exploram lisergias e brisas conexas ao consumo da ganja. As 50 canções foram escolhidas – naturalmente, sob o efeito – tendo em vista seja as canções que mencionam e/ou celebram explicitamente a erva, seja as que são cheias de indiretas ou referências cifradas, seja as que causam na mente do ouvinte um efeito sensorial semelhante ao dum bom beck…
O Confluências#4 rolou na Sexta, 23/6, na Trip, logo após a realização em Goiânia da Marcha da Maconha 2017, organizada pelo Coletivo Antiproibicionista Mente Sativa. No caderno de cultura do jornal Diário da Manhã, saiu nosso release. Agradecemos ao parceiro Heitor Vilela por estar sempre antenado às empreitadas de produção cultural independente da cidade e colocar-nos neste seu Roteiro!
No Conflu rolaram shows de Chá de Gim, Distoppia, Tião Locomotiva e Veneno, Orquestra de Laptops de Brasília; exposição fotográfica e poética O Caminho do Cerrado, projeto de Mel Melissa Maurer (com a presença da modelo Mohara); além da discotecage-fumacê que aqui compartilhamos. Quem quiser baixar a coletânea na íntegra, em MP3 de qualidade (320kps), estamos disponibilizando o ZIPão de 350 MB para download:
Uma das vozes mais extraordinárias do rock global nas últimas décadas calou-se para sempre, aos 52 anos, deixando como legado algumas canções imorredouras e um rastro indelével na história do Grunge.
Chris Cornell (1964 – 2017), que encantou e comoveu cantando no Soundgarden, no Audioslave, no Temple Of The Dog e em sua carreira solo, agora adentra o panteão de mortos ilustres da revolução sônica noventista, nascida e explodida deste Seattle, onde já estavam Kurt Cobain (Nirvana), Layne Stanley (Alice in Chains), Mia Zapata (The Gits), Andy Wood (Mother Love Bone), Scott Weiland (Stone Temple Pilots), dentre tantos outros mortos precoces do hypado cenário musical da terra natal de Jimi Hendrix.
“Words you say never seem
To live up to the ones
Inside your head
The lives we make
Never seem to ever get us anywhere
But dead
The day I tried to live
I wallowed in the blood and mud with
All the other pigs…” The Day I Tried To Live
Ao enforcar-se em um banheiro de hotel, Chris Cornell põe um ponto final em sua existência em carne-e-osso de modo a lançar uma luz de crepúsculo sobre toda a sua obra anterior, como que sublinhando que seus lamentos musicados e seus berros de angústia impregnados não eram mera dramaturgia e jogo-de-cena. Eram a expressão genuína de um coração dilacerado pelos fardos que tinha em suas mãos e pela lida louca de tentar viver nesta estrepitosa estrada – “cheia de som e fúria e que não significa nada”? (Macbeth) – que ele batizou de Superunkown.
Chris matou-se e nos deixou chafurdando numa lama de porquês, meditando sobre vários “talvez”. Talvez, sem nenhuma intencionalidade consciente, Chris Cornell tenha partido do mundo deixando-nos uma série de emblemas.
Acenou adeus ao mundo enforcando-se na metrópolis que é uma encarnação da distopia Yankee, a outrora próspera capital-mundial-do-automóvel Detroit, hoje uma autêntica Devastolândia. Uma terra histórica para a música estadunidense (Motown, MC5, Stooges, White Stripes…), hoje reduzida a escombros do que foi outrora, prova viva da insanidade do american way of capitalism.
Ali Cornell rompeu com as grades desta jaula enferrujada que para ele tinha se tornado a vida.
Ele quis, talvez, com este ato derradeiro e fatal, demitir-se da Era Trump, que afinal não permite esperanças róseas de futuro erguendo-se no peito de ninguém (o que se ergue é o pavor da hecatombe nuclear e da estupidez da guerra devastadora on repeat). Quis afastar-se de vez do “pesadelo climatizado” de que falava Henry Miller, para enfim dar entrada naquele Trágico Olimpo onde habitam figuras que o mesmerizavam – como Kurt Cobain, Ian Curtis, Jeff Buckley, Mia Zapata † R.I.P etc.
Demitiu-se da vida, talvez, sonhando que valia a pena acabar de uma vez por toda com todo o sofrimento – também com toda felicidade – e ganhar de brinde, ainda que jamais sorvível por sua consciência, enfim uma consagração ao panteão dos deuses da música, dos mestres da voz? Não: talvez ele não estivesse pensando em fama póstuma, talvez estivesse simplesmente cansado de tudo, solitário mesmo ao cantar diante de multidões, sentindo-se como uma minoria de um, uma fading light, “The Disappearing One”.
Tudo o que ele mais temia veio à vida, tudo o que havia buscado construir como ninho mostrou-se no fundo como um túmulo disfarçado. À questão que, em O Mito de Sísifo, Albert Camus julga ser a mais fundamental das fundamentais, Cornell respondeu em ato, como antes havia feito Cobain: à pergunta “a vida vale a pena ser vivida?”, ele respondeu: “não mais”. Talvez ele apenas tenha caído em dias sombrios, mas sem ter tido mais a paciência ou a persistência para atravessá-los.
Talvez Chris Cornell sentisse que estava ficando pra trás, que o Audioslave já tinha sido sepultado e que seus ex-companheiros de banda já seguiam jornada, sem ele, sem precisar dele, sem ligar pra ele, profetas da raiva na nova empreitada de thrash metal hip hopper dos Prophets of Rage.
Chris, talvez, não sentisse mais em si queimando a chama vivaz da rebeldia, só o demônio malfazejo da depressão. A depressão, aliás, contra a qual ele parece ter lutado por toda a vida, e que enfim venceu a batalha, fatal demônio do meio-dia, sugador de vidas criativas em profusão, como mostram os casos de figuras como Sylvia Plath e Virginia Woolf, dentre tantas outras (Cf. ALVAREZ, O Deus Selvagem)
Talvez o Soundgarden fosse pra Chris já um jardim arrasado, um mamute lendário cuja força titânica já havia ficado no passado, envelhecido T-Rex perdendo seu vigor e que já não seria capaz de fazer jus, em seu futuro, aos clássicos Sabbáthicos do grunge que foram discaços como Badmotorfinger ou Superunkown. Não deve ser fácil conviver com uma relativa obscuridade, com uma sensação de decadência, quando em tempos idos já tivemos um grau de reconhecimento tão maior do que o atual.
Talvez aquele que lastimou-se ruidosamente por sentir-se “Outshined” estava sentindo-se obscurecido por um eclipse íntimo duradouro, uma noite que não passava, um “Black Hole Sun” que ele foi descobrindo tratar-se de um buraco negro devorador de toda luz.
Ah, Chris, que sedução estranha e irresistível veio exercer seu fascínio de Tânatos sobre ti, neste Maio de 2017, quando contavas 52 anos de idade, para que tenhas decidido encerrar sua estadia entre os vivos? Você foi com fé ou foi totalmente ateu? Foi com a esperança de que, lá do outro lado, beberia um vinho com Jeff Buckley e vocês cantariam em dueto as lindíssimas melancolias musicadas de “Grace”?
Talvez, quem sabe, Chris tenha pensado em Andy Wood, morto por overdose antes de tornar-se o rock-star que todo mundo esperava que se tornasse. Talvez Chris tenha se lembrado de que, sobre o cadáver do Mother Love Bone, ergueram-se monumentos da música estadunidense: o álbum de estréia do Temple Of The Dog e as sementes do Pearl Jam.
Terá morrido com o reconfortante consolo de que algo musicalmente esplendoroso seria erguido em sua homenagem, depois de sua partida? Que nova “Hunger Strike”, cantada em dueto com Eddie Vedder, virá para celebrar a vida e a morte de Cornell?
Chris, você deixa-nos lotados de perguntas e perplexidades. O fim da tua vida faz emanar algo semelhante à tua arte: a sensação de que, como diz Albert Camus, “a angústia é o habitat perpétuo do homem lúcido”. Teus wails eram o lamento de um homem cujo fardo eram enxergar bem demais as agruras do mundo. Tua alma atormentada era grungy como a garganta abissalmente profunda de Mark Lanegan. Alguns de teus berros são tão viscerais quanto Cobain dando uma de blueseiro e rasgando um Leadbelly ao fim do Acústico MTV.
Chris Cornell: em ti eu encontrava, comovido, um artista capaz de catarse e de expressão emocional impressionantes, conjugadas com um domínio técnico de seu métier de cantor que o tornam, sem dúvida, um dos gênios-da-voz no rock contemporâneo.O grunge, afinal de contas, tinha um pé fincado na lama do blues e outro pé saltando no lodo do punk; Chris Cornell, que também tinha algo de headbanger e foi muito celebrado por metaleiros como uma espécie de Dio de Seattle, tinha uma tamanha capacidade de musicar seus tormentos íntimos de modo hiperbólico e teatral, que pode até considerado uma das figuras prefiguradoras do emocore (tal como se manifesta no At The Drive-In ou no Linkin Park, por exemplo).
Assisti Chris Cornell em ação sobre o palco duas vezes, ambas muito impressionantes: um show de sua carreira solo em São Paulo e um show recente do Soundgarden no Festival d’Été de Québec. Aquela voz era de fato merecedora de ressoar por um vasto espaço, ecoando pela arena, pois carregava uma imensidão de sentimentos e de nuances, nos seus melhores momentos evocando O Grito de Munch. Se aquela pintura cantasse, talvez soasse como Chris Cornell no auge de suas catarses?
Sua vida e sua obra não serão esquecidos – com o perdão deste clichê de necrológios que é aqui mais uma vez tão válido. Seu organismo esfacelou-se, seu gogó calou-se para sempre, mas sua música fica entre nós, legado imorrível que não cessará de nos emocionar e nos empolgar. Que essa morte seja uma semente, que a plantemos em nossos campos e que dela sigam crescendo as Screaming Trees de nossa sublime e dilacerada grungidade.
Em “Wave Goodbye”, do seu disco-solo de estréia Euphoria Morning, o homenageado era o talentosíssimo Jeff Buckley, que afogou-se aos 30 anos tendo lançado apenas um álbum, “Grace”, uma das obras-primas da música global no fim do século XX. Agora é nossa vez de cantar, com a voz embargada, um “Wave Goodbye” para Chris Cornell, recém-embarcado numa estrada da qual nenhum viajante jamais retornou: a Superunkown que vai ao Hades e é uma via de mão única. Para aquele que criou e extroverteu tanta música cheia de alma, it’s just the end of the world.
E se alguém ainda nutre dúvidas de que perdemos um baita dum Poeta Grunge, antena de seu tempo e geração, relembro uma canção obscura de “Euphoria Morning” (1999), chamada “O Travesseiro Dos Teus Ossos” (“Pillow of Your Bones”). Ela ganha hoje uma nova camada de densidade enquanto a carne que recobria os ossos do cantor do Soundgarden e do Audioslave vai se desintegrando no seio da Phýsis e ele prepara-se para a sina sem dores de esqueleto.
Aí, nesta canção impressionante, Chris Cornell – que neste álbum já havia evocado nada menos que um fim do mundo, testemunhado e compartilhado por um eu-lírico “Radioheadiano” – segue explorando uma escrita hiperbólica, que deve ter lá suas similaridades com as tempestades psíquicas de poetas como um Rimbaud, um Lautréamont, um Poe… Cornell destila um lirismo sombrio através de sua pictórica poiésis, escancara paradoxos verbalmente cheios de wit (“the rising of my low”), e prova que é um letrista ainda muito sub-estimado e sub-apreciado.
Eis um compositor merecedor de mais estudo até mesmo por nós filósofos, que muitas vezes ficamos discutindo o conceito de catarse em Aristóteles, não avançando além dele, o que nos deixa desagradavelmente antiquados, pois poderíamos muito bem discutir catarse – e Estética – também, por exemplo, através da Geração Grunge e das obras de Cobain, Vedder, Cornell, Stanley, Lanegan (por uma sala de aula com mais Nirvana, Pearl Jam, Soundgarden, Alice in Chains e Screaming Trees!). Ladies and germs, listen to an awesome grungy poet:
PILLOW OF YOUR BONES
The embers of the saint inside of you
Are growing as I’m bathing in your glow
I’m swallowing the poison of your flower
And hanging on the rising of my low
Colorful and falling from your mouth
Like a painted fever in recoil
Like a lie without the pain
On a pillow of your bones
I will lay across the stones
Of your shore until the tide comes crawling back
A waning hand on silver granite ways
Will mend my broken limbs and bend my haze
I’m sleeping in the silence of your voice
I’m cradling the peril of my only choice
Colorful and falling from your mouth
Like a painted fever in recoil
Like a lie without the pain
On a pillow of your bones
I will lay across the stone
Of your shore until the tide comes crawling back
Throw my pillow on the fire
Make my bed under the eye
Of your moon until the tide comes crawling back
Even though the truth can burn inside or fall behind
I will wander through your open mind
And you will find no lie can hide
Until the tide comes crawling…
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