Lula, libertado após 580 dias de cárcere injusto, publica um Manifesto pela Cultura [Leia na íntegra]

Manifesto de Lula à Cultura

por Luiz Inácio Lula da Silva, 18 de dezembro de 201

“Pra eles cultura é coisa de comunista; pra gente é libertação.”

Em primeiro lugar, quero agradecer a cada um e a cada uma de vocês aqui presentes, e à classe artística que se mobilizou de todas as formas para que eu pudesse estar de volta ao convívio com o povo brasileiro.

Minha eterna gratidão aos trabalhadores e trabalhadoras da cultura, dos mais famosos aos mais anônimos, e aos intelectuais comprometidos com a construção de um Brasil melhor, que novamente emprestaram sua arte e seu ofício a uma causa justa, como tantas outras vezes em nossa história.

Gilberto Gil e Chico Buarque, artistas que se mobilizaram em prol da libertação de Lula; o ex-presidente foi um preso político do Estado pós-demorático nascido do golpe de 2016 por 580 dias entre 2018 e 2019.

Tenho a consciência de que a luta de vocês não foi só pela liberdade do Lula. A luta de vocês foi, e será sempre, pela Liberdade, esta palavra que, na definição da Cecília Meireles,“o sonho humano alimenta, e não há ninguém que explique e ninguém que não entenda”.

A democracia tem uma dívida impagável com os artistas deste país. Fui testemunha da resistência de vocês à ditadura implantada pelo golpe civil e militar de 1964 e ao famigerado AI-5, que o atual governo volta e meia fala em ressuscitar. Estivemos juntos nas inesquecíveis campanhas pela Anistia e pelas Diretas Já.

Juntamos nossas forças na tentativa de barrar o golpe contra a presidenta Dilma. Todos e todas vocês lutaram o bom combate, mas eu quero destacar o nome de uma artista que fez do seu canto o canto do povo brasileiro, e que certamente estaria agora aqui conosco, como sempre esteve quando foi preciso: nossa querida e saudosa Beth Carvalho.  

Eu hoje acompanho, com imensa admiração, a luta cotidiana de vocês contra a ascensão do fascismo no Brasil. Toda luta tem um preço, e vocês estão pagando caro, com a extinção do Ministério da Cultura, a redução brutal dos recursos para a área, a destruição de programas que tornaram a cultura acessível às mais diversas camadas da população brasileira, e a volta da censura, esse monstro que julgávamos extinto em nosso país.

Doze meses depois da posse, já se pode dizer que esse governo tenta colocar em prática um projeto de destruição da rica e diversificada cultura brasileira.

O Fábio Porchat (Porta dos Fundos) disse recentemente que “Bolsonaro não governa, ele se vinga”. Estejam certos de que a tentativa de desmonte da cultura promovida pelo atual governo é, em primeiro lugar, uma vingança contra cada um e cada uma de vocês, que ousaram cantar, escrever, encenar, filmar, grafitar, dançar e gritar “Ele Não”.

É também a vingança contra tudo o que a cultura representa para o ser humano, e que é justamente o que esse governo mais odeia e mais teme.

Cultura é vida, e o atual governo vive de promover a morte, com a insistência em colocar armas de fogo nas mãos da população, a liberação indiscriminada de agrotóxicos, o incentivo à devastação do meio ambiente, o desemprego que leva milhões de pessoas ao desespero, a naturalização do assassinato de mulheres, negros, indígenas e LGBTs.

Cultura é libertação, e o governo Bolsonaro é contra todas as formas de liberdade, inclusive de pensamento e de expressão. A liberdade que esse governo defende é a liberdade para os milionários ficarem cada vez mais ricos, com a retirada dos direitos dos trabalhadores e a destruição da Previdência.

A liberdade que esse governo defende é a liberdade de extermínio da juventude negra, que o Moro tentou legalizar sob o pomposo nome de “excludente de ilicitude”, mas que nada mais é que a licença para escolher o alvo de acordo com o endereço e a cor da pele.

Só o arraigado racismo institucional brasileiro, o mais profundo desprezo pelas vidas negras a criminalização da cultura da periferia podem explicar o massacre de nove jovens que saíram de suas casas para se divertir num baile funk, em Paraisópolis, e de tantos outros moços e moças que são mortos diariamente também nas comunidades do Rio e de todo o Brasil.

Este país carrega em seu passado a vergonha de ter um dia criminalizado o samba e a capoeira, que eram tratados como caso de polícia, da mesma forma que hoje criminaliza expressões artísticas populares como o funk e o grafite.

Festival Lula Livre, no Recife: o ex-presidente com Lia de Itamaracá

A elite brasileira sempre deu as costas à imensa riqueza cultural que brotou e continua brotando das periferias deste país. Ignorou o quanto pôde genialidade de Cartola, Dona Ivone LaraElza Soares, Lia de Itamaracá, de Clementina e Carolina de Jesus. Recusa-se a ouvir as novas vozes, sobretudo negras, de indignação e afirmação, que hoje se manifestam no ritmo do rap e na poesia dos slams que se consolidam pelo país afora.

Nós, ao contrário, sempre acreditamos e investimos na diversidade cultural brasileira. Tive a honra de contar com dois ministros da estatura de Gilberto Gil e Juca Ferreira. Enxergamos a cultura sempre em três dimensões: como direito de todos os brasileiros e brasileiras, como promotora do desenvolvimento social e econômico, e como expressão da rica e diversa identidade brasileira.

Assumimos, e cumprimos, o compromisso de combater a exclusão cultural de milhões de brasileiros e brasileiras. Garantimos a participação de artistas, gestores, produtores e sociedade na formulação e gestão das políticas para a cultura.

Nunca pedimos atestado ideológico a nenhum artista.

Multiplicamos por cinco o orçamento da Pasta, que era de apenas R$ 770 milhões em 2002, e chegou a R$ 4 bilhões em 2015.

Criamos o programa Cultura Viva, que reconheceu e investiu em cerca de 4.500 pontos de cultura, apoiando as mais diversas expressões artísticas, fosse nas periferias dos grandes centros ou nas distantes comunidades indígenas e quilombolas.

Criamos o Sistema Nacional de Cultura, a partir da articulação do governo federal com estados e municípios para a construção de planos, conselhos, conferências e fundos de cultura.

Criamos o Plano Nacional do Livro e Leitura, implementando ações como a formação de mediadores de leitura e a instalação de bibliotecas públicas em cada município brasileiro.

Criamos o Ibram, para cuidar dos museus. Fizemos o PAC das Cidades Históricas, para defender o patrimônio histórico nacional.

Criamos o Vale Cultura, para que o trabalhador tivesse o direito de alimentar também o seu espírito, comprando livros e ingressos para cinema, teatro e shows, entre outros bens culturais. Porque, como diz a canção dos Titãs, “a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”.

Criamos uma política eficiente e vitoriosa para o audiovisual brasileiro, apoiando desde a produção até a exibição de filmes para cinema e séries para a televisão, contando histórias do Brasil para o mundo e gerando milhares de empregos.

Financiamos nada menos que 306 longas-metragens e 433 séries ou telefilmes. Promovemos o talento e a cultura do nosso país, sem qualquer tipo de censura ou análise ideológica. Aliás, quem mais se beneficiou desses mecanismos de incentivo ao audiovisual foi a Globo, sem jamais reconhecer que foram criados nos governos do PT.

Hoje, o audiovisual sofre com o descaso desse governo. O invencível talento de nossos realizadores e realizadoras continua produzindo boas notícias, como o reconhecimento internacional de “A Vida Invisível”, o sucesso de “Bacurau” no Brasil e no exterior, e a pré-seleção de “Democracia em Vertigem” para o Oscar de Melhor Documentário. Mas milhares de trabalhadores e trabalhadoras altamente especializados são vítimas da tentativa de desmonte de um setor vital para a economia e para a construção da identidade brasileira.

Inimigo da diversidade, o atual governo tenta censurar a produção e a veiculação de obras cujas temáticas não estejam de acordo com o conservadorismo hipócrita que ele prega.

Inventa toda sorte de dificuldades para o lançamento do filme “Marighella”, que conta um importante capítulo da nossa história e até hoje não conseguiu estrear em seu próprio país.

Manda arrancar cartazes dos filmes brasileiros da sede da Ancine, numa absurda demonstração de ódio contra as obras de arte que o nosso cinema produziu ao longo da história.

Chega ao cúmulo de insultar uma das maiores artistas que este país já produziu, ignorando o fato de que a Fernanda Montenegro olhando 30 segundos para uma câmera fez muito mais pelo Brasil que o Bolsonaro em 30 anos sentado na cadeira de deputado.

Cobrindo mais uma vez o país de vergonha aos olhos do mundo, Bolsonaro tomou a inacreditável decisão de não assinar, junto com o presidente de Portugal, o diploma concedido a Chico Buarque, agraciado com o Prêmio Camões, o mais importante reconhecimento dado a um autor de língua portuguesa.

Não satisfeito na sua ânsia de ferir a alma do povo brasileiro, disparou ofensas contra alguns dos nossos artistas mais queridos, a exemplo de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Martinho da Vila e tantos outros.

Atitudes autoritárias como essas não deixam dúvidas de que este é o governo do avesso. Bota para cuidar da cultura os inimigos da cultura. Para cuidar do meio ambiente, os inimigos do meio ambiente. Para cuidar das relações exteriores, os inimigos da diplomacia. Para cuidar da educação, os inimigos da educação – sobretudo das universidades, essas extraordinárias e inesgotáveis fontes geradoras de conhecimento.

Bota machistas para cuidar das políticas para as mulheres, e racistas pra comandar a fundação que tem como objetivo promover os valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira.

Instituições caras à nossa memória, como a Casa de Rui Barbosa, um patrimônio nacional com 90 anos de história, são entregues a representantes da direita mais atrasada e fundamentalista que o Brasil já conheceu.

Eles são inimigos de tudo o que há de bom neste país. Eles só são amigos deles mesmos. Ou nem isso, porque não param de brigar entre si, um xingando o outro, um denunciando as falcatruas do outro.

O ódio que eles sentem pelo povo brasileiro fez com que eu passasse 580 dias encarcerado numa prisão política, por crime que até meu mais ferrenho adversário sabe que não cometi. Nesses quase 600 dias, senti na pele a importância da cultura na vida de um ser humano.

Eu renovava minhas forças ouvindo o “bom dia, boa tarde, boa noite presidente Lula” que os companheiros da Vigília Lula Livre entoavam todo santo dia. Mas havia os momentos de silêncio. E o silêncio, como ensina Guimarães Rosa, “é a gente mesmo, demais”. E o silêncio, na prisão, ecoa com ainda mais força dentro da gente.

Então eu lia, para espantar o silêncio e a solidão. Li para aprender, para adquirir novos conhecimentos, para sair de lá melhor do que entrei. Eu li para ser livre. Porque quando você voa nas asas de um livro, quando você tem nas mãos uma arma tão poderosa quanto uma obra de arte, não existe grade nem parede que possa te prender.

Quero que vocês saibam que estarei sempre ao seu lado. Eu me sinto parte da valente resistência que vocês – cineastas, músicos, dramaturgos, artistas plásticos, escritores, atores e atrizes, pessoas de todas as artes – sustentam contra essa verdadeira arquitetura da destruição.

É preciso lembrar que a censura imposta pelo atual governo não é apenas à cultura. É também ao conhecimento, o que explica o permanente ataque às universidades. É uma censura à ciência, como ficou explícito na demissão do presidente do INPE, Ricardo Galvão, que demonstrou, com base em dados sólidos, o crescimento acentuado do desmatamento na Amazônia.

Aproveito para parabenizar o Ricardo Galvão, que na semana passada foi eleito, pela revista britânica Nature, uma das dez pessoas que mais se destacaram na área da ciência em todo o mundo.

Portanto, não se entreguem, não abaixem a cabeça, não desanimem. Estamos juntos. Um país que deu ao mundo o Samba, o Cinema Novo, a Bossa Nova, a Tropicáliao Teatro do Oprimido e a arquitetura de Niemeyer não ficará jamais de joelhos.

Como na Alemanha nazista, querem destruir o Brasil começando pela cultura. Não permitiremos. Vamos resistir, como já resistimos a outros pesadelos. Estou de mãos dadas com vocês para defendermos juntos o legado da música, do cinema, do teatro, da literatura, de todas as expressões artísticas deste país.

Antes de concluir, quero fazer um agradecimento especial aos intelectuais brasileiros, homenageando um dos maiores pensadores que este país já teve, e que é hoje reverenciado no mundo inteiro. Paulo Freire nos deixou há muito tempo, mas suas ideias revolucionárias e amorosas para a educação e a construção de um mundo melhor continuam iluminando nossos caminhos, e tirando o sono daqueles que em pleno século 21 ainda acreditam que a Terra é plana.

Contra o ódio à arte e ao conhecimento, nós estamos armados com as luzes da civilização. Estou seguro, minhas amigas e meus amigos: mais uma vez, nós venceremos. Contem comigo.  

Viva a cultura. E viva a liberdade.

EM DEFESA DO MARXISMO, ESTA FORÇA TRANSFORMADORA SALUTAR – Com Paulo Freire, Vladimir Safatle e Louis Althusser (Eduardo Carli de Moraes || A Casa de Vidro)

1. EM DEFESA DO “MARXISMO CULTURAL” – Uma das pontas-de-lança da barbárie reinante é o destravamento de uma “guerra cultural” da extrema-direita contra o chamado “marxismo cultural”. Como escreveu o filósofo Vladimir Safatle na Folha de S.Paulo:

“Enquanto uma de suas primeiras medidas governamentais foi diminuir o valor previsto do aumento do salário mínimo, mostrando assim seu desprezo pela sorte das classes economicamente mais vulneráveis, o sr. Jair Messias convocava seus acólitos à grande cruzada nacional para lutar contra o socialismo, retirar das escolas o lixo marxista e impedir que a bandeira brasileira seja pintada de vermelho.” (SAFATLE, Vladimir. Nós, o Lixo Marxista.)

Endoidecidos por um fanatismo ideológico truculento, o “movimento” de perseguição à bruxa do “marxismo cultural” é encabeçado por figuras como Olavo de Carvalho e seus fantoches e paus-mandados, a exemplo de Ernesto Araújo, nosso chanceler no Itamaraty que nega a existência do Aquecimento Global (consenso científico que une 99% dos cientistas do planeta), e Vélez Rodriguez, ex-Ministro da Educação, demitido para que Weintraub pudesse pôr em curso o “Future-se!” (também conhecido como “Vire-se” ou “Dane-se”, o grande foda-se do Estado à sua missão constitucional de promover Educação e Cultura).

Por que será que o combate contra o espectro do “marxismo” ainda assombra a extrema-direita? Por que a horda direitosa lança o anátema sobre a obra de gigantes do pensamento e da práxis como Paulo Freire, Antonio Gramsci ou Rosa luxemburgo com a mesma bruteza que a Inquisição de outrora queimava livros e seus autores nas fogueiras da intolerância?

O que tanto incomoda no “marxismo cultural”? Seria, sobretudo, a junção incômoda entre pensamento crítico e engajamento revolucionário que marca a trajetória existencial de pessoas que não quiseram suportar caladas o peso da opressão e da injustiça? Seria o imperativo de Karl Marx, exposto na famosa Tese Onze que batiza o canal de Sabrina Fernandes, de que não basta interpretar o mundo pois o que importa de fato é transformá-lo?

Se por “marxismo cultural” entendermos a disseminação de teorias e práticas marxistas no nosso debate público, forçando a invasão de nosso mainstream cultural, então que seja bem-vindo! A tarefa ainda extremamente necessária de “desmistificação da realidade social capitalista” esteve no cerne da obra de Marx e Engels: estes “dois gigantes do pensamento universal que abarcam da filosofia à economia, passando pela política e pela história, construindo um campo teórico sem precedentes na cultura ocidental”, como escreve Ivana Jinkings, fundadora da Boitempo.

As editoras responsáveis pela publicação das obras clássicas do marxismo no Brasil, como a Boitempo e a Editora e Livraria Expressão Popular, estão na batalha das idéias há muitos anos buscando esclarecer a opinião pública sobre a importância e o legado do marxismo. Teríamos decerto um Brasil melhor se nossos cidadãos lessem mais, em especial se estivessem melhor informados sobre a vasta gama de obras disponíveis no país sobre a história e a atualidade do marxismo.

Como escreve Jinkins: “desde as primeiras publicações das obras de Marx e Engels, ainda no século XIX, tornou-se impossível imaginar uma reflexão de fôlego que não leve em conta o legado marxiano. (…) Transformaram o pensamento humano em muitos aspectos – antes de desembocar em uma proposta de conversão revolucionária do capitalismo para o socialismo, a nova teoria modificou as formas de pensar e a própria concepção do que significa a prática política.

Iniciaram suas reflexões pela filosofia porque, para intelectuais alemães da época, o maior desafio era decifrar o enigma da obra de Hegel. Esse acerto de contas passou pela filosofia do direito e pela filosofia do Estado, até chegar ao que chamaram de ‘anatomia da sociedade civil’, no seio da qual jazia a luta de classes. O resgate da dialética de Hegel e a crítica superadora de seus elementos metafísicos trouxeram consigo a maior revolução no pensamento filosófico desde seu surgimento.

Consciente de sua condição de intelectuais, Marx e Engels concentraram-se numa produção teórica rigorosa… mas também fizeram uma opção de classe. E, embora não fossem proletários, assumiram essa perspectiva e tornaram-se militantes e dirigentes internacionalistas do nascente movimento operário europeu. Suas atenções se voltaram para os primeiros levantamentos e para as condições dos trabalhadores, como reação à expansão do capitalismo industrial. Sofreram repressão nos países por onde passaram; fizeram o balanço da Revolução Francesa; participaram da fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), a Primeira Internacional; acompanharam de perto a experiência da Comuna de Paris.

Mais de cem anos depois da primeira revolução proletária bem-sucedida no mundo (Rússia, 1917), iniciar a leitura desses autores pode parecer extemporâneo. Por que voltar a Marx e Engels em um momento destes? Faz sentido indagar o vigor com que esse legado chega ao Brasil e ao mundo nos dias que correm?

Para os que buscam a transformação revolucionária do mundo, a teoria precisa ser instrumento da política, da materialização de seus ideais em projetos concretos. Pois a teoria, segundo Marx, ‘converte-se em força material quando penetra nas massa’. (…) Se remar contra a corrente é o destino inelutável dos que anseiam por mudanças, esperamos que este volume forneça instrumentos aos que insistem em navegar para superar estes tempos de águas turvas.” (JINKINGS, I. Curso Livre Marx-Engels – A Criação Destruidora, Boitempo, 2015. pgs 7 a 9).

Em 2019, o Bolsonarismo se esmera em cagar pela boca suas tóxicas ideologias repletas de racismo, misoginia, LGBTfobia e ecocídio. Neste buquê de fezes que o excrementíssimo presidento expressa com sua verborréia digna de uma bolsa de colostomia do tamanho da China, que fosse capaz de abarcar a quantidade de bosta que profere, o combate ao Marxismo Cultural tem uma razão de ser: é medo da revolução. Pois a História ensina que nenhuma Ditadura de Classe, como esta que o Bolsonarismo intenta instalar entre nós em meio a elogios a torturadores e a milícias, instala-se na paz dos cemitérios – há sempre Resistência e ímpetos revolucionários diante da opressão classista que se ergue para quebrar a espinha (e todos os direitos) da classe trabalhadora.

No começo do ano, Vladimir Safatle escreveu o essencial sobre o combate Bolsonarista contra o espectro do “Marxismo Cultural”:

“Alguns podem achar tudo isto parte de um delírio que normalmente acomete leitores de Olavo de Carvalho. Mas gostaria de dizer que, de certa forma, o atual ocupante da presidência tem razão. Sua sobrevivência depende da luta contínua contra a única alternativa que nunca foi tentada neste país, que nunca se acomodou nem às regressões autoritárias que nos assolam, nem aos arranjos populistas que marcaram nossa história. Pois ninguém aqui tentou expropriar meios de produção para entregá-los à autogestão dos próprios trabalhadores, ninguém procurou desconstituir o Estado para passar suas atribuições a conselhos populares, aprofundando a democracia direta, e nem levou ao extremo necessário a luta pelo igualitarismo econômico e social que permite à todos os sujeitos exercerem sua liberdade sem serem servos da miséria e da espoliação econômica.

Ou seja, a verdadeira latência da sociedade brasileira que poderia emergir em situações de crise como esta é um socialismo real e sem medo de dizer seu nome. A sociedade brasileira tem o direito de conhece-lo, de pensar a seu respeito, de tentar aquilo que ela nunca viu sequer a sombra. Ela tem direito de inventa-lo a partir da crítica e da autocrítica do passado. Mas contra isto é necessário calar todos os que não se contentam com a vida tal como ela nos é imposta por essa associação macabra de militares, pastores, latifundiários, financistas, banqueiros, iluminados por deus, escroques que tomaram de assalto o governo e que sempre estiveram dando as cartas, de forma direta ou indireta.

Assim, quando Jair Messias fala que irá lutar contra o lixo marxista nas escolas, nas artes, nas universidades, entendam que esta luta será a mais importante de seu governo, a única condição de sua sobrevivência. Pois ele sabe de onde pode vir seu fim depois de ficar evidente o tipo de catástrofe econômica e social para a qual ele está nos levando.” (SAFATLE, op cit. Folha de São Paulo / 05 de janeiro de 2019. Leia em https://acasadevidro.com/2019/02/08/nos-o-lixo-marxista-por-vladimir-safatle/)

 


2. PAULO FREIRE: PROFETA DO “INÉDITO VIÁVEL” DA LIBERTAÇÃO COLETIVA – Escrito no exílio, entre 1968 e 1974, “Ação Cultural Para a Liberdade” é uma das obras-primas do pedagogo libertário Paulo Freire. Fiel a suas posições enquanto marxista cristão, camarada tanto de Cristo quanto de Marx, o educador pernambucano ali defende uma educação que seja sempre “um esforço de clarificação do concreto, ao qual educadores-educandos e educandos-educadores devem encontrar-se ligados através de sua presença atuante. É sempre prática desmitificadora”, afirma (p. 210).

O livro contêm críticas de alto calibre ao papel das igrejas tradicionalistas e reacionárias na América Latina, denunciando as autoridades religiosas que não chegaram a “desvencilhar-se de suas marcas intensamente coloniais”: “Missionária no pior sentido da palavra, conquistadora de almas, esta Igreja, dicotomizando mundanidade de transcendência, toma aquela como a ‘sujeira’ na qual os seres humanos devem pagar pelos seus pecados. Por isso mesmo, quanto mais sofram tanto mais se purificam e, assim, alcançam o céu, a paz eterna. O trabalho não é a ação dos homens e das mulheres sobre o mundo, refazendo-o e fazendo-se nele, mas ‘a pena que pagam por ser homens e mulheres’. Esta linha tradicionalista, não importa se protestante ou católico-romana, se constitui no que o sociólogo suíço Christian Lalive chama de ‘refúgio das massas”.” (p. 192)

Defensor das práticas cristãs propostas pela Teologia da Libertação, Paulo Freire foi um crítico ferrenho da instrumentalização da religião para servir à domesticação e à paralisia das massas oprimidas. Freire agia portanto como um agente iluminista, desmitificador. Em sua adesão a um cristianismo que faz sua aliança com a libertação humana, Paulo Freire vê com horror a “consciência fatalista dos oprimidos, em certo momento histórico”, quando encontram nas ideologias religiosas reacionárias, disseminadas por elites interesseiras, “uma espécie de bálsamo para o seu cansaço existencial”: de fato, como disse Marx em sua célebre expressão, a religião funciona então como “ópio do povo”.

“Por isso, quanto mais imersas na cultura do silêncio estejam as massas populares, quanto maior for a violência das classes opressoras, tanto mais tendem aquelas massas a refugiarem-se em tais Igrejas. Mergulhadas na cultura do silêncio, onde a única voz é a das classes dominantes, encontram nesta Igreja uma espécie de ‘útero’ no qual se ‘defendem’ da agressividade da sociedade. Por outro lado, ao desprezarem o mundo, como mundo do pecado, do vício, da impureza, em certo sentido ‘se vingam’ de seus opressores, que são os ‘donos’ deste mundo. É como se dissessem aos opressores: ‘Os senhores são poderosos, mas possuem um mundo feio, que nós recusamos.’ Proibidas de dizer sua palavra, enquanto classe social subordinada, ganham, no ‘refúgio’, a ilusão de que falam, na expressão de suas súplicas de salvação.

Nada disso, contudo, resolve sua situação concreta de oprimidos. A sua catarse, em última análise, as aliena mais, na medida em que se faz em antagonismo com o mundo e não com o sistema socioeconômico que estraga o mundo. Assim, tendo o mundo em si mesmo como antagônico, tentam o impossível, que é renunciar à mediação dele na sua Travessia. Desta forma, querem chegar à transcendência sem passar pela mundanidade; querem a meta história, sem experimentar-se na história; querem a salvação sem a libertação.

A dor que sofrem no processo de sua dominação as faz aceitar esta anestesia histórica, sob cujo efeito buscam fortalecer-se para lutar contra o demônio e o pecado, deixando, porém, em paz, as causas reais de sua opressão. Assim não podem vislumbrar, mais além das situações concretas, o ‘inédito viável’ – o futuro como tarefa de libertação que têm de criar.” (FREIRE, p. 193-194)

A teoria psicossocial Freireana têm um de seus cernes na explicação dos mecanismos de “interiorização” do opressor dentro do oprimido. Sem dúvida, existem “pobres de direita” – por exemplo, favelados que votaram em Bolsonaro. Quando o oprimido vota no opressor, é sinal de que os modelos do dominador colonizaram o dominado. A educação libertária deveria servir para que os oprimidos e dominados, avançando na sua auto-crítica conexa à sua crítica da realidade social que integram, percebessem o quanto o opressor não é apenas o patrão espoliador ou a classe à que este pertence, não é só o pastor embromador e trambiqueiro que ganha dinheiro mercadejando ilusões etc. O inimigo também é interior: trata-se do opressor interiorizado dentro do oprimido e que Timothy Leary chamava, em suas ensinanças enquanto guru do LSD e da contracultura, de policeman in the head, ou o policial dentro da cabeça.

Os dominados praticam a mímesis (imitação) dos modelos impostos pelos dominadores sempre que os dominados não conseguem desenvolver sua consciência crítica – esta, caso se aprofundasse através do processo educativo, caso a criticidade fosse vencendo a ingenuidade, “começariam a perceber que sua aparente imitação dos modelos do dominador é o resultado da introjeção daqueles modelos e, sobretudo, dos mitos sobre a pseudosuperioridade das classes dominantes a que corresponde a pseudoinferioridade dos dominados”, escreve Freire:

“Basicamente, como tentei aclarar em ‘Pedagogia do Oprimido’, quando certos setores das classes dominadas reproduzem o estilo de vida das classes dominantes, é que estas se encontram na ‘intimidade’ do se daquelas. Os oprimidos extrojetam os opressores quando, tomando distância deles, os objetivam. Identificando-os, reconhecem-nos, então, como seus antagonistas. Na medida, porém, em que a introjeção dos valores dominadores não é um fenômeno individual mas social e cultural, sua extrojeção, demandando a transformação revolucionária das bases materiais da sociedade, implica também uma certa forma de ação cultural. Ação cultural através da qual se enfrenta, culturalmente, a cultura dominante. Os oprimidos precisam expulsar os opressores não apenas enquanto presenças físicas, mas também enquanto sombras míticas, introjetadas neles. A ação cultural e a revolução cultural, em diferentes momentos do processo de libertação, que é permanente, facilitam esta extrojeção.” (p. 86)

A educação tradicional e hegemônica é tão criticada pelo educador pernambucano pois funciona de fato como aparato de inculcação, nos oprimidos, de tiranos interiores ou agentes opressores internos. A religião joga aí o seu papel: ensina aos oprimidos que seu Reino é de outro mundo, e que devem suportar a cruz de suas opressões presentes como se fossem uma chance de dar provas de sua meritória resignação. Sendo fatalistas, resignados, pacientes, comprariam assim um tíquete de entrada no Paraíso transcendente após uma vida de desgraça e miséria suportada “com fé”…

Este bálsamo, este ópio, este refúgio ilusório, é o que Paulo Freire rejeita com veemência. Ele diz que estão certos de verdade “os teólogos latino-americanos que, engajando-se historicamente, cada vez mais, com os oprimidos, defendem hoje uma teologia política da libertação” e “começam a responder às inquietações de uma geração que opta pela transformação revolucionária de sua sociedade e não pela conciliação dos inconciliáveis.” (p. 185)

Por tempo demais, as massas oprimidas e espoliadas foram ensinadas que devem suportar tudo como uma provação mundana enviada por um Deus que escreve certo por linhas tortas. No entanto, muitos oprimidos, quando atravessam uma travessia educativa libertária, começam a ver mais claro e a compreender que a Ditadura de Classe imposta por opressores impiedosos e cruéis jamais pode ser considerada legitimidade como “instrumento de Deus” a ser aceito com resignação dócil.

Pelo contrário: caso se creia em Deus de Justiça e de Bondade, como se escaparia da conclusão de que são demoníacos justamente aqueles que impedem às massas sua ascensão concreta a uma vida mundana com casa, pão, saúde, roupa, educação, trabalho livre, dignidade…?

Na companhia de Frei Betto, o autor de “Batismo do Sangue”, romance que relata as relações de frades libertários com a Aliança Nacional Libertadora liderada por Mariguella

O que Paulo Freire pede dos líderes cristãos é que realizem uma Páscoa em que “morram como elitistas para renascerem como revolucionários.” (p. 176)

“Mas uma tal forma de experimentar-se a Páscoa, eminentemente biofílica, não pode ser aceita pela visão burguesa do mundo, essencialmente necrofílica, por isso mesmo estática. A mentalidade burguesa tenta matar o dinamismo histórico e profundo que tem a Passagem. Faz dela uma simples data na folhinha. A ânsia da posse, que é uma das conotações da forma necrofílica de ligação com o mundo, recusa a significação mais profunda da Travessia.

Na verdade, não posso fazer a Travessia se carregado em minhas mãos, como objetos de minha posse, o corpo e a alma destroçados dos oprimidos. Só posso empreender a Travessia com eles, para que possamos juntos renascer como homens e mulheres, libertando-se. Não posso fazer da Travessia um meio de possuir o mundo, porque ela é, irredutivelmente, um meio de transformá-lo.” (p. 177)

Somos revolucionários pois somos biofílicos. Em um mundo cujas classes dominantes são elitistas, segregadoras e necrofílicas, ser revolucionário é estar a serviço da vida, da dignidade desta, reivindicada para aqui e agora ao invés de falsamente prometida para um além de mentira, um outro-mundo que é só o pseudo-refúgio da consciência alienada.

A Pedagogia do Oprimido, exigente para todos os educandos pois exige deles que enterrem muitas de suas ilusões religiosas e quimeras idealistas, quer converter as consciências ingênuas em consciências críticas. E isso só se aprende em uma escola comprometida com a libertação e que ousa se levantar contra as religiões e igrejas instituídas quando as percebe como agentes da perpetuação da opressão e da desumanização.

Na escola libertadora, os oprimidos “aprendem que a consciência não se transforma através de cursos e discursos ou de pregações eloquentes, mas na prática sobre a realidade. Assim, aprendem igualmente a distorção idealista, por exemplo, que faziam da tão incompreendida conscientização quando pretendiam ter nela uma medicina mágica para a cura dos ‘corações’, sem a mudança das estruturas sociais. Ou, noutra versão não menos idealista, quando pretendiam ter na conscientização o instrumento igualmente mágico para fazer a conciliação dos inconciliáveis…” (p. 178)

A insuficiência da conscientização manifesta a necessidade da práxis radical de transformação revolucionária da realidade social. Só a ação conjunta dos homens é capaz de gerar o processo de partejar uma realidade menos sórdida. Se Paulo Freire é tão demonizado pela extrema-direita e pelo fanatismo cristão no Brasil de 2019, talvez seja pois seu cristianismo libertário bebe em grandes goles na tradição revolucionária marxista, decolonial e internacionalista, propondo que é melhor enterrar as religiões que perpetuam a opressão. Só vale a pena uma religião que seja favorável à libertação biofílica de todos, na direção do inédito viável de um Reino de dignidade, justiça e liberdade que, longe de estar prometido para o Além-Túmulo, é nossa tarefa coletiva realizar durante nossa Travessia de vida.

Neste contexto, é crucial a figura do “trabalhador social” comprometido com a libertação das classes oprimidas, que é também a libertação das classes opressoras, uma vez que liberta a todos dos horrores de uma sociedade cindida e condenada à violência. Para Freire, os educadores são trabalhadores sociais e devem, para realizar as tarefas que tornam sua travessia algo digno de figuras nos anais da história libertária, “optam pela mudança, não temem a liberdade, não prescrevem, não manipulam. Mas, rejeitando a prescrição e a manipulação, rejeitam igualmente o espontaneísmo.” (p. 61)

Eis uma oportunidade importante para questionar, no âmbito da Pedagogia do Oprimido, a posição do educador que se vê muitas vezes solicitado a agir como um “guia” ou como uma “vanguarda esclarecida” diante de seus educandos. Há nisso um perigo, que consiste na arrogância de um educador que se pensasse como um líder que só ensina e guia, nunca sendo ensinado e guiado por sua vez. Mas há nisso também promessa e responsabilidade:

“É que ele sabe que todo empenho de transformação radical de uma sociedade implica a organização consciente das massas populares oprimidas e que essa organização demanda a existência de uma vanguarda lúcida. Se esta, de um lado, não pode ser a ‘proprietária’ daquelas, não pode, de outro, deixá-las entregues a si mesmas.

Seria, porém, uma ilusão pensar que o trabalhador social, numa linha como esta, pudesse agir livremente, como se os grupos dominantes não estivessem necessariamente despertos para a defesa de seus interesses. Em função destes é que são admitidas certas mudanças, de caráter obviamente reformistas e, mesmo assim, com a devida cautela.

Daí a necessidade que tem o trabalhador social de conhecer a realidade em que atua, o sistema de forças que enfrenta, para conhecer também o seu ‘viável histórico’. Em outras palavras, para conhecer o que pode ser feito, em um momento dado, pois que se faz o que se pode e não que se gostaria de fazer.” (FREIRE, Ação Cultural Para a Liberdade. 15ª ed. Paz e Terra: 2015, p. 61)


3. A FILOSOFIA É UM CAMPO DE BATALHA

De acordo com o pensador franco-argelino Louis Althusser (1918 – 1990), devemos considerar a filosofia como uma longa guerra, que já se estende por mais de 2.600 anos, entre o Idealismo e o Materialismo:

“Os idealistas muitas vezes riram da tese de Friedrich Engels segundo a qual a história da filosofia inteira nada mais é do que a luta perpétua do idealismo contra o materialismo. Na realidade, raramente o idealismo se mostrou com seu próprio nome, ao passo que o materialismo, que não levava a melhor, não avançava mascarado, e sim se declarava… Na realidade, toda filosofia é tão somente a realização, mais ou menos bem-sucedida, de uma das duas tendências antagônicas: a tendência idealista e a tendência materialista. E é em cada filosofia que se realiza não a tendência, e sim a contradição entre as duas tendências.” (ALTHUSSER: 2019, p. 213-214).

Não se trata de afirmar que tenha existido ou possa existir alguma filosofia que seja “pura”, totalmente idealista ou totalmente materialista. Como dizia Hélio Oiticica, repetido por Torquato Neto, “a pureza é um mito” – e em filosofia não é diferente. Na verdade, cada filosofia específica expressaria em seu âmago a contradição entre as duas tendências antagônicas na trincheira de batalha filosófica, pendendo ora para o pólo idealista, ora para o pólo materialista, num confronto sem fim entre estas duas posições fundamentais.

Um exemplo histórico interessante ilustra a tese althusseriana: trata-se da oposição, na Grécia antiga, entre a escola inaugurada por Demócrito e continuada por Epicuro (o atomismo materialista), em oposição à escola de Platão, o mais célebre discípulo de Sócrates e principal ideólogo do Idealismo na filosofia grega antiga.

Ora, nos dias atuais, qualquer um que passeie por uma biblioteca repleta de clássicos filosóficos poderá notar com facilidades que as prateleiras estão repletas de livros escritos por Platão (e por seu pupilo Aristóteles). Platão nos legou milhares de páginas contendo dezenas de diálogos filosóficos (quase sempre protagonizados por Sócrates).

Mas não se encontrará por ali, nesta excursão de pesquisa bibliográfica, a mesma profusão de obras escritas por Demócrito e Epicuro. Porém, não é verdade que estes filósofos materialistas tenham escrito menos do que Platão. Tanto Demócrito quanto Epicuro foram escritores de produção imensa, e hoje se atribui ao primeiro a autoria de cerca de 80 tratados, e ao segundo se atribui centenas de cartas, tratados e livros, sendo 37 tomos epicuristas devotados exclusivamente à física materialista.

Se hoje sabemos em certa minúcia a respeito do epicurismo antigo, boa parte do mérito é devido ao poeta romano do séc. 1 antes de Cristo, Lucrécio, voraz leitor e estudioso de Epicuro. Naquela época em que escreveu Lucrécio, os escritos epicuristas ainda não haviam sido “purgados” da face da Terra pelas censuras e fogueiras das gangues idealistas. O próprio “Jardim” ainda prosseguia com seus trabalhos em Atenas, levando adiante a mensagem de sabedoria de seu fundador.

Tudo indica que ocorreu com a obra dos materialistas originários da Humanidade, Demócrito e Epicuro, uma destruição deliberada imposta a seus livros pelo campo antagônico a eles na guerra filosófica – uma história que os idealistas não gostam de contar, ou melhor, preferem censurar. Assim não precisam admitir que a transformação do Idealismo em ideologia dominante se deve não aos méritos intrínsecos, mas à censura da voz e à queima dos livros de seus antagonistas. Eis a tese exposta por Althusser:

“Nas obras de Platão há uma espécie de fantasma, o do materialista Demócrito, cujos 80 tratados (obra gigantesca!) foram destruídos, e em circunstâncias estranhas, o que faz pensar numa destruição voluntária, numa época em que era difícil multiplicar os exemplares de uma obra.

É possível, portante, que a filosofia tenha começado com Demócrito, ou seja, pelo materialismo… E seria contra essa ameaça que Platão teria construído sua máquina de guerra, explicitamente dirigida contra os ‘amigos da terra’, entre os quais é fácil reconhecer os adeptos de Demócrito. Seja como for, e aqui estamos vendo um exemplo concreto da seleção implacável que a ideologia dominante opera, quem permaneceu não foi Demócrito, e sim Platão, e com ele a filosofia idealista dominou toda a história das sociedades de classes, reprimindo ou destruindo a filosofia materialista (não é por acaso que temos apenas fragmentos de Epicuro, o maldito).” (ALTHUSSER: 2019, p. 226)

A tese de uma duradoura guerra entre Idealismo e Materialismo se fortalece com as pesquisas de Stephen Greenblatt, magistral pesquisador inglês vencedor do Pulitzer. Em seu “A Virada – O Nascimento do Mundo Moderno”, ele fez a crônica do acidentado destino histórico de uma das mais importantes obras-primas materialistas de todos os tempos: o poema “De Rerum Natura” (Da Natureza das Coisas) de Lucrécio. Saiba mais em A Casa de Vidro: https://wp.me/pNVMz-2hR e https://wp.me/pNVMz-1Q2.

A verdade é que os escritos de Lucrécio estiveram também muito perto de desaparecer completamente e sem deixar rastros, o que representaria também um naufrágio catastrófico de toda a doutrina Epicurista. Afinal de contas, foi o belo poema lucreciano que serviu como uma espécie de bote salva-vidas que conduziu a doutrina epicurista, através dos tumultuados mares da história, até nossos dias.

A compreensão da história da filosofia, portanto, jamais pode se fazer a contento caso a gente não atente para elementos exteriores à filosofia – em especial, a História e a Economia Política (âmbitos que, como ensina o materialismo dialéticos, estão sempre marcados pela luta de classes). Seria ingênuo e desonesto acreditar que os filósofos estariam imunes aos conflitos ideológicos de suas épocas, que pudessem pensar numa falaciosa “neutralidade”, indiferentes em relação à luta de classes e aos conflitos de poder. “Em última instância”, opina Althusser, a filosofia é “luta de classe na teoria” (p. 235).

Um outro exemplo histórico do mundo grego é a oposição ferrenha entre o aristocrata e monarquista Platão, que propunha que a pólis ideal fosse governada pelo “filósofo-rei”, e o cínico anarquista Diógenes de Sínope, aquele que tinha tamanho desprezo pela classe dominante que, diante do imperador Alexandre o Grande, que o interpelava, mandou que ele saísse da frente de seu Sol.

Aí não estamos apenas diante de uma diversidade de posturas diante da vida, de valores éticos antagônicos, mas da luta de classes encarnada em dois filósofos que estão em lados opostos da trincheira. Tanto é assim que uma anedota narra que Diógenes um dia invadiu a Academia de Platão, segurando nas mãos uma galinha depenada e gritando “eis aqui o homem para Platão!”. Era uma brincadeira com a definição abstrata de homem que o platonismo se deleitava em seguir – a de “bípede implume”.

A galinha de Diógenes é prova de que, em filosofia, a luta entre teorias pode às vezes levar ao ringue de debates não apenas argumentos expressos em palavras, mas galináceos que são a prova viva da impropriedade da abstração idealista tão idolatrada pela seita platônica.

Depois desta breve excursão pelo passado, é preciso dizer que Althusser está interessado sobretudo pelo futuro da filosofia. Não se trata de apenas fazer uma arqueologia da filosofia pretérita para apontar, aqui e ali, elementos que comprovem o quanto a luta de classes marca o caminhar labiríntico dos debates filosóficos. Althusser, seguindo a tese 11 das “Teses sobre Feuerbach” de Karl Marx, sabe que os pensadores que nos precederam interpretaram o mundo de várias maneiras, mas o que interessa de fato é transformá-lo. E a filosofia pode – e até mesmo deve! – servir como uma arma da revolução que se levanta para romper com os horrores e injustiças produzidos pela sociedade baseada na dominação de classe. Um filósofo não pode ficar apático e indiferente diante de uma sociedade sob o domínio econômico, político e ideológico de uma burguesia capitalista que age como exploradora brutal e impiedosa dos assalariados que espolia.

“Vemos delinear-se o futuro de uma prática da filosofia que, ao mesmo tempo que reconhece a existência do campo conflituoso dela e suas leis, se propõe a transformá-lo para dar à luta de classe proletária, se ainda houver tempo, uma ‘arma para a revolução’. Vemos também que essa tarefa não pode ser obra de um único homem, nem tarefa com tempo limitado, e sim uma tarefa infinita, continuamente renovada pelas transformações das práticas sociais e a ser continuamente retomada, para melhor ajustar a filosofia a seu papel unificador, sempre evitando as armadilhas da ideologia e da filosofia burguesas.

Por fim, vemos que nessa tarefa se afirma continuamente o primado da prática sobre a teoria, visto que a filosofia nunca é mais do que o batalhão da luta de classe na teoria e, portanto, em última instância, ela está subordinada à prática da luta revolucionária proletária, mas também às outras práticas.

Mas reconhecemos na filosofia algo completamente diferente da simples ‘serva da política proletária’: uma forma de existência original da teoria, voltada para a prática, e que poderá possuir uma verdadeira autonomia se sua relação com a prática política for constantemente controlada pelos conhecimentos produzidos pela ciência marxistas das leis da luta de classes e de seus efeitos.” (ALTHUSSER: p. 252 – 253)

Obviamente, os idealistas enxergarão nesta postura Althusseriana uma recriminável “militância” que tornaria o filósofo um servidor da revolução proletária e do marxismo cultural, quando o ideal, segundo os idealistas, seria a do pensador “neutro” que se alça, pela via das abstrações, às verdades eternas e absolutas que a Razão pode acessar e que habitam, segundo a expressão jocosa de Aristófanes, recuperada por Nietzsche, lá em “Cucolândia das Nuvens”.

O que de fato Althusser está dizendo é que não há possibilidade de neutralidade em filosofia e que ele, o ser humano específico Louis, nascido na Argélia, estudioso do marxismo, não quer avançar mascarado nem fazer pose de neutro. Quer mostrar-se explicitamente como pensador a serviço da prática revolucionária que rompe com as injustiças da sociedade de classes. Pois esta ruptura só é possível quando rompe-se, em massa, com a magia horrenda da ideologia da classe dominante, desejosa apenas de uma filosofia que lhe lamba as botas e que não prejudique o avanço da concentração de capitais em suas contas bancárias e bolsas de valores.

Neste belo livro que a editora WMF Martins Fontes publica no Brasil em 2019, Althusser encerra suas preleções de “iniciação à filosofia para os não-filósofos” dizendo algo de muito atual: “numa época em que a burguesia desistiu de produzir até mesmo seus eternos sistemas filosóficos para confiar seu destino ao automatismo dos computadores e dos tecnocratas, numa época em que é incapaz de propor ao mundo um futuro pensável e possível, o proletariado pode aceitar o desafio: devolver vida à filosofia e, para libertar os homens da dominação de classe, fazer da filosofia uma arma para a revolução.” (ALTHUSSER: 2019, p. 254)

 


4. MARX: ATRAVESSANDO A FRONTEIRA ENTRE IDEOLOGIA E CIÊNCIA – Louis Althusser (1918-1990), pensador francês de origem argelina, foi um dos filósofos franceses do século XX que melhor enfatizou e defendeu a importância crucial do marxismo para a nossa compreensão do mundo (e, dentro deste, da história das sociedades reais e concretas): “A fronteira que separava a ideologia da teoria científica foi transposta por Karl Marx“, escreveu Althusser em 1965, e “esse grande feito e essa grande descoberta estão consignados em obras, inscritos no sistema conceitual de um conhecimento cujos efeitos transformaram pouco a pouco a face do mundo e sua história. Não devemos, não podemos um instante sequer renunciar ao benefício dessa insubstituível aquisição, ao benefício de seus recursos teóricos que ultrapassam em riqueza e em potencial o próprio uso que deles foi feito até aqui.” (ALTHUSSER, pg. 207)

Voltando ao início dos anos 1960, a Revista CULT rememora, no artigo “Althusser: Leitor de Marx”, alguns episódios desta aproximação intelectual-prática de Althusser em relação ao marxismo, ou seja, à filosofia materialista histórico-dialética que também tanto interessara, no cenário francês, a Jean-Paul Sartre e Merleau Ponty:

“O ano era 1961. Jovens estudantes da École Normale Supérieure de Paris, intrigados com a leitura de artigos de um então desconhecido professor marxista, decidiram bater à porta de seu gabinete com um pedido de orientação teórica e filosófica. A academia vivia um período de ebulição e expectativa, ao lidar com o trauma aberto na França pela guerra na Argélia e com as notícias vindas da revolução comandada por Fidel Castro em Cuba. O autor dos textos que provocara o grupo de estudantes era Louis Althusser, francês de origem argelina, então com pouco mais de 40 anos, ex-combatente durante a Segunda Guerra e desde 1948 membro do Partido Comunista. Intelectual que até o começo dos anos 1960 voltara suas preocupações ao estudo da interface entre cristianismo e marxismo, e sobretudo à crítica de Hegel no pensamento de Marx, ele então comandava seminários de estudos marxistas no famoso prédio da rua d’Ulm. Professor algo obscuro, Althusser começaria a ingressar naquele momento no panteão histórico das ciências sociais. Com os primeiros artigos de Por Marx, que seriam editados em livro somente em 1965, ele já se desenhava como um dos intérpretes contemporâneos mais influentes do autor de ‘O capital'”. (COSTA, Luis. Revista Cult, Outubro/2017. Link na bibliografia).

Leitura crucial para compreender os debates políticos, econômicos, culturais e ideológicos que envolveram a filosofia marxista francesa nos anos 1960, o livro “Por Marx”, republicado pela editora da Unicamp, marcou época e segue sendo capaz de nos instigar necessárias e urgentes reflexões sobre o legado e a atualidade do marxismo para o século XXI:

POR MARX / A FAVOR DE MARX – “Esta coletânea de artigos, publicada pela primeira vez em 1965 pelas Éditions François Maspero, teve um sucesso excepcional para uma obra teórica. Como notava Élisabeth Badinter no jornal Combat de 25 de abril de 1974: “Os estudantes e os intelectuais marxistas descobriram Althusser e, por seu intermédio, se não um novo Marx, ao menos uma nova maneira de o ler. Desde a ‘Crítica da Razão Dialética’ de Sartre, Althusser é o único filósofo a propor uma interpretação verdadeiramente original das obras de Marx.” A partir da década de 1960, os estudos marxistas não puderam ignorar esta abordagem que estabelecia um “corte epistemológico” na obra marxiana, separando os textos ideológicos do Jovem Marx da obra científica da maturidade. Ela oferecia também outra avaliação do aporte de Hegel a Marx e não hesitava em se inspirar nas reflexões filosóficas de Mao Tsé-Tung para alimentar sua própria filosofia. Raros são os livros tendo suscitado tantas paixões teóricas e provocado tantos debates.” (EDITORA DA UNICAMP, Compre o livro no site oficial: http://www.editoraunicamp.com.br/produto_detalhe.asp?id=901)

Decerto, uma das contribuições maiores de Althusser esteve em suas reflexões sobre a Dialética, em especial pelos esclarecimentos que trouxe sobre as diferenças, neste aspecto, entre Hegel e Marx. Depois de Althusser, tornou-se difícil de sustentar, como diz um clichê vigente, que Marx meramente “inverteu” a dialética Hegeliana, que estava de ponta-cabeça, colocando-a de volta sobre os próprios pés. O buraco é bem mais embaixo.

“A dialética é o estudo da contradição na própria essência das coisas, ou, o que é a mesma coisa, a teoria da identidade dos contrários” – definiu Althusser (p. 156). O conceito remete, em sua fonte primordial, ao pensador pré-socrático Heráclito de Éfeso, que conciliou o “tudo flui” (panta rei) com a noção de que tudo no real estava em fluxo devido a uma guerra eterna entre os contrários – que constituíam uma tensa unidade.

A dialética dos momentos da ideia comanda toda a concepção hegeliana; como disse Karl Marx vinte vezes, Hegel explica a vida material, a história concreta dos povos, pela dialética da consciência (consciência de si de um povo, sua ideologia). Para Marx, ao contrário, é a vida material dos homens que explica sua história: não sendo então sua consciência, suas ideologias senão o fenômeno de sua vida material.” (p. 84)

O pensamento de Marx se forjou na luta, no conflito, na polêmica, no antagonismo, no diálogo crítico, em que ele abriu seu caminho próprio e sem precedentes ao colocar em questão os sistemas idealistas (como o de Hegel) e as revoluções filosóficas materialistas (de Demócrito e Epicuro a Feuerbach e Stirner). Se a luta de classes é o motor da história, pode-se dizer também que, para Marx, a luta das ideias é o motor da filosofia, mas as ideias são sempre epifenômenos de uma totalidade social concreta, historicamente determinada, com suas ideologias batalhando no campo de guerra das representações sociais.

Lendo Althusser, emerge a figura de um Marx heróico, titânico, que em sua juventude batalhou com sucesso contra “uma gigantesca camada de ilusão que ele teve que atravessar antes mesmo de poder percebê-la”:

“A Juventude de Marx conduz ao marxismo, mas ao preço de arrancá-lo prodigiosamente de suas origens, ao preço de um combate heróico contra as ilusões de que foi alimentado pela história da Alemanha onde nasceu, ao preço de uma atenção aguda às realidades sociais que essas ilusões recobriam. Se o caminho de Marx é exemplar, não é por suas origens e seu detalhe, mas por sua vontade indomável de se libertar dos mitos que se faziam passar pela verdade, e pelo papel da experiência da história real que derrubou e varreu esses mitos.” (Althusser, p. 63)

A SER CONTINUADO…

Por Eduardo Carli de Moraes para A Casa de Vidro

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ALTHUSSER, Louis. “Iniciação à Filosofia Para Os Não Filósofos”. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2019.

ALTHUSSER, Louis. “Para Marx”. Ed. UNICAMP, 2015.

FREIRE, Paulo. Ação Cultural Para a Liberdade. Paz& Terra, 2015.

GREENBLATT, Stephen. “A Virada”. Companhia das Letras, 2011.

REVISTAS E JORNAIS DIGITAIS CITADOS:

COSTA, Luís. “Althusser: Leitor de Marx”. Revista Cult, acesse:
https://revistacult.uol.com.br/ho…/althusser-leitor-de-marx/

SAFATLE, Vladimir. Nós, o Lixo Marxista. Folha de S. Paulo.

FLERTANDO COM O APOCALIPSE – Em “Sobre Lutas e Lágrimas”, Mário Magalhães biografa o interminável ano de 2018 no Brasil

SINOPSE DA EDITORA RECORD – Um livro indignado, escrito em um tempo que exige indignação. Com o rigor dos grandes repórteres e a vivacidade dos melhores ensaístas, o premiado jornalista Mário Magalhães – autor de “Marighella: o guerrilheiro que incendiou o mundo” – apresenta um retrato do Brasil de 2018, escrito a quente, no olho do torvelinho. Os protagonistas são Marielle Franco, Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva.

O autor articula de forma magistral acontecimentos e personagens como: a caçada irracional a macacos considerados transmissores da febre amarela, a intervenção militar no Rio de Janeiro, o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, a prisão de Lula, a paralisação dos caminhoneiros, o Dr. Bumbum, a ascensão da censura, a tragédia do feminicídio, a queda de Neymar na Copa, o delírio Ursal, o espectro do nazifascismo, o incêndio no Museu Nacional, a violência no processo das eleições, a facada em Bolsonaro, a ilusão do vira-voto, o triunfo da extrema direita, o “ninguém solta a mão de ninguém”…

E também o clã Bolsonaro e suas ligações perigosas, o ideário obscurantista do novo governo, a pregação do movimento Escola Sem Partido, a luta contra as trevas, entre outros eventos que fizeram de 2018 um ano que tão cedo não vai terminar.

* * * *

FLERTANDO COM O APOCALIPSE
por Eduardo Carli de Moraes para A Casa de Viddro

A vivacidade e urgência de Sobre Lutas e Lágrimas decorre não só do talento literário de seu autor. Com sua prosa ágil e repleta de ironia, Magalhães evoca figuras como García Márquez ou Lima Barreto. O carisma do livro vem sobretudo do fato de ter sido “escrito a quente, no olho do torvelhinho”, como o autor revelou a Fernando Morais em entrevista ao programa Nocaute. Boa parte dos 43 artigos reunidos saiu no The Intercept Brasil (click para ler todos os artigos de Magalhães) – órgão da imprensa que participa intensamente da História em 2019 através da Operação #Vaza Jato.

Mário faz magnífico jornalismo ao reagir à enxurrada de desnorteantes acontecimentos de 2018. Evocando Zuenir Ventura e sua obra sobre 1968, Mário Magalhães lida com 2018 como um “ano-personagem” que “está longe de sedimentar suas tramas e seus traumas”, “mas se sabe que suas consequências influenciarão decisivamente o país por tempo prolongado. Por isso, tão cedo não vai terminar.” (Prólogo)

No fim das contas sua obra não tem nada da descartabilidade dos jornais que, lidos hoje, amanhã embrulham peixes na feira. Mário Magalhães realizou uma obra destinada a se tornar referência para os historiadores do futuro que quiserem se debruçar sobre o labirinto deste ano que deixou muitas sequelas e feridas abertas. E sobretudo pois empoderou a própria Besta do Apocalipse.

Um pouco antes de ser assassinada por milicianos em um crime político ocorrido em Março de 2018 – 50 anos após a PM assassinar o secundarista Edson Luís no Calabouço -, a vereadora Marielle Franco, do PSOL 50, manifestou-se sobre o cerco golpista dos togados contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Marielle apoiava a candidatura de Guilherme Boulos para o Planalto, mas defendeu o direito de Lula concorrer à eleição com fortes palavras: “Aqueles que querem derrotar Lula e lançam mão dos atalhos togados sentem náusea da democracia. Defender a democracia é defender o direito à candidatura de Lula.” (In: MAGALHÃES, Mário. Sobre Lutas e Lágrimas, p. 22).

Os “atalhos togados” dos que “sentem náusea da democracia” foram escancarados, em 2019, pela Operação #VazaJato capitaneada por The Intercept Brasil. Já que todas as pesquisas de intenção de voto prognosticavam a 5ª vitória consecutiva do PT – Partido dos Trabalhadores nas eleições presidenciais, era necessário à Elite do Atraso recorrer a expedientes anti-democráticos para retirar das urnas o nome daquele que se consagraria o vencedor.

Lula cumprimenta a mãe de Marielle Franco em ato no Circo Voador, em Abril de 2018. Foto por Ricardo Borges / Folhapress.


Em abril de 2018, no Circo Voador lotado com mais de 5.000 pessoas, Lula participou de um comovente ato que contou com a presença da mãe de Marielle Franco, sua esposa transformada em viúva Mônica Benício e do hoje deputado federal Marcelo Freixo. Ali, acarinhou com empatia e solidariedade o luto daqueles que choravam a perda brutal de Marielle, e poucos dias antes de ser encarcerado soltou palavras destinadas à História:

– Eles não vão prender meus pensamentos, não vão prender meus sonhos. Se não me deixarem andar, vou andar pelas pernas de vocês. Se meu coração deixar de bater, ele baterá no coração de vocês. (Fonte: Folha de S.Paulo)

Com o assassinato de Marielle e o aprisionamento de Lula, dois fenômenos conectados com a ascensão da extrema-direita Bolsonarista, entrou em colapso acentuado a frágil democracia que havíamos começado a reconstruir em 1988. A historiadora francesa Maud Chirio sugeriu que “nos livros de história, vamos escrever: Nova República, 1985 – 2018”.

A ascensão de Bolsonaro ao poder supremo do Executivo federal enterra quaisquer planos de democracia com inclusão social e horizonte utópico de igualitarismo. Empodera uma figura que, para além de saudosista da ditadura e apologista da tortura, abençoa grupos milicianos e preferiu não se pronunciar sobre a execução de Marielle pois sua fala seria muito “polêmica”. Em 2008, entrevistado pela BBC, o atual ocupante da função de presidente da república disse sobre as milícias que “o governo deveria apoiá-las, já que não consegue combater os traficantes de drogas. E, talvez, no futuro, deveria legalizá-las.” (Magalhães, op cit, p. 24)

O grau de amortecimento de nossa sensibilidade e capacidade de indignação já atingiu tal alturas, dada a enxurrada cotidiana de horrores patrocinados pelo desvario Bolsonarista, que quase não nos surpreende mais que um dos executores do homicídio contra Marielle morasse no mesmo condomínio que a família Bolsonaro e que o Filho Zero Quatro namorasse a filha do assassino. Meras coincidências?

Prestes a ser eleito após ser favorecido pelo “golpe togado” chefiado por Sérgio Moro, depois recompensado com o cargo de Superministro da Justiça e da Segurança Pública, Bolsonaro escancarou de novo sua brutalidade e boçalidade ao se referir a Lula como um “cachaceiro” e ao discursar por telefone para eleitores que rosnavam diante de um telão na Avenida Paulista: “Você, Lula, vai apodrecer na cadeia!”

O Google divulgou que, em 2018, a pergunta mais frequente digitada por internautas brasileiros foi “o que é fascismo?”. Restam poucas dúvidas de que o Brasil de 2018 concede à História Global um dos melhores exemplos recentes da ascensão do fascismo através de episódios emblemáticos como a execução de Marielle, o cárcere de Lula e a vitória eleitoral fraudulenta de Bolsonaro. O fascismo, numa definição talvez simplista mas que não deixa de ser oportuna, é o triunfo do ódio e o empoderamento do sadismo.

O curioso do fascismo à brasileira é a atrofia do senso crítico de milhões de nossos cidadãos, incapazes de perceber a contradição flagrante entre a defesa de valores conectados a “Deus, Família e Tradição” e o apoio ao Bolsonarismo e seu satânico projeto todo calcado em ganância, elitismo, racismo, misoginia, homofobia e privilégios expandidos para os velhos mandões: os homens cis brancos e ricos.

No quesito “Família”, por exemplo, é bastante bizarro que os auto-proclamados “Cidadãos-de-Bem” vejam em Jair um exemplo – ele que está em seu 3º casamento, que foi acusado por ex-esposa de tê-la ameaçado de morte e que trata sua filha caçula como “fraquejada”, lamentando que tenha nascido mulher (aliás, os 4 filhos machos estão sempre no noticiário e dominaram a política institucional através do deslavado nepotismo do Papai… mas alguém já ouviu a voz ou viu a imagem da filha de Bolsonaro?). Os que votaram em Bolsonaro diziam estar defendendo a Família, mas a ascensão desta figura odienta e boçalizante, agente da barbárie e da crueldade desrecalcada, produziu uma enxurrada de catástrofes familiares:

“O ódio devastou vínculos afetivos. Estremeceu a tradição de celebração natalina familiar porque muitos se recusaram a confraternizar com quem se associara à beligerância que Bolsonaro sintetizou, apregoando que ‘as minorias se adéquam ou simplesmente desapareçam’ – a admissão do extermínio. Opositores das almas hidrófobas estabeleceram uma distinção: nem todo parente é família; família é quem cultiva amor e amizade, aceita a diferença e consagra a tolerância.” (MÁRIO MAGALHÃES, op cit, p. 32)

É por isso que, em milhões de nós que fomos pras ruas e militamos nas ruas pelo #EleNão e que hoje aderimos ao espírito solidário do “Ninguém Solta a Mão de Ninguém”, família expandida é algo que envolve a dor alheia dos que derrubam lágrimas pela injustiça: são nossa família Anielle e Mônica Benício em seu luto que compartilhamos pela perda de Marielle, são nossa família o viúvo Lula que teve que chorar a morte de Marisa, de Vavá e de seu neto, são nossa família os parentes de Evaldo dos Santos Rosa, músico de 51 anos que foi metralhado por mais de 70 tiros por soldados do Exército que o “confundiram” com um bandido…

Diante do oceano de sofrimento que o desvario neofascista no Brasil está acarretando, precisamos de famílias estendidas e alternativas, que transcendam os tradicionais “laços de sangue” tão capturáveis por discurseiras racistas e segregadoras. Um conceito de família que possa abarcar em nosso coração expandido um afeto por aqueles que são oprimidos e trucidados pela injustiça. Um país menos sórdido só se construiria caso conseguíssemos sentir, como se fosse a de um familiar, a dor do menino de 7 anos, filho de Evaldo, que estava naquele carro que o Exército metralhou. Um país mais humano só se construiria caso a dor inominável do órfão de Evaldo pudesse se tornar a nossa – e sabemos que afundamos no abismo da desumanidade galopante quando a indiferença e a apatia nos toma diante do sofrimento injusto imposto a outrem só porque este outro não é de nossa família…

“Por cinco dias, o presidente Jair Bolsonaro silenciou sobre o episódio. Então, falou: ‘O Exército não matou ninguém, não…'”

O que nos mata em vida é a indiferença perante o sofrimento injusto imposto a Marielles, Lulas, Evaldos… o que nos mata em vida é a conivência com o neofascismo odiento que aniquila nossa solidariedade enquanto hipocritamente relincha seus clichês sobre Deus e a Família, quando tudo o que o Bolsonarismo faz é destruir vínculos, promover o apartheid e lançar cada vez mais toxicidade no esgarçado tecido nas relações social neste país que, em 2018, flertou com o Apocalipse. E que agora está sendo (des)governado pelos próprios Cavaleiros do Apocalipse e seu séquito de seguidores acríticos que lhe servem como gado, sem saber que estão em um matadouro e que o Chefe da parada toda só os engorda para depois trucidá-los.

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A Casa de Vidro

 

LEIA ARTIGOS E ENTREVISTAS DE MÁRIO MAGALHÃES:

Diálogos Contemporâneos – Tema: Biografias do Brasil

Trilha de Letras – TV Brasil

Conversa Afiada com P. H. Amorim

“Lula, amigo tão querido, você é nossa rocha contra a tirania. E nós, seus amigos, não vamos esmorecer.” – Marilena Chauí

Querido amigo Lula,

Eu gostaria de lhe enviar palavras de conforto, esperança e luta. Por isso, vou contar a você sobre um jovem de 17 anos, chamado La Boétie, que se ergueu contra a tirania existente na França, governada por um rei despótico.

Esse jovem perguntava: como explicar que milhares de pessoas possam aceitar que um só mande em todos? E respondia: porque cada um serve ao tirano esperando ser servido pelos demais, cada um é um pequeno tirano que serve os de cima para ser servido pelos de baixo. Por isso, dizia esse jovem, o tirano tem mil olhos e mil ouvidos para nos espionar, mil mãos para nos esganar, mil pés para nos esmagar porque somos nós, tiranetes, que lhe damos nossas vidas para que ele tenha poder para nos oprimir. Como derrubar um tirano? Respondeu La Boétie: não lhe dando o que quer de nós, não lhe dando nossos olhos e ouvidos, nossas mãos e nossos pés, nossos filhos, nossa honra, nosso corpo e nossa alma, nossa vida. Somente o desejo de liberdade, igualdade e justiça pode derrubar a tirania. Recusar servir é recusar oprimir.

Quem está nos palácios ao lado do tirano e o rodeia com servilismo? Os bandidos. Quando bandidos se juntam, há conspiração e não companhia, e, temendo uns aos outros, não são amigos e sim comparsas e cúmplices. O que se opõe à bandidagem? Dizia o jovem La Boétie: a amizade. A amizade é coisa santa porque nasce do que há de melhor em nós, pois nela nos reconhecemos livres e iguais no bem querer e no bem fazer, partilhando e compartilhando nossas vidas, desejando aos outros o que desejamos para nós mesmos na ajuda mútua e desinteressada.

Lula, amigo tão querido, você é nossa rocha contra a tirania. E nós, seus amigos, não vamos esmorecer. Estamos na luta por você e pela felicidade do Brasil.

Abraço carinhoso da

Marilena Chaui

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A PORTA PARA O DESASTRE – Três anos depois de ser banida do poder, Dilma Rousseff rememora o Golpe de 2016 e o caminho que traçamos desde então

Faz três anos, hoje, que a Câmara dos Deputados, comandada por um deputado condenado por corrupção, aprovou a abertura de um processo de impeachment contra mim, sem que houvesse crime de responsabilidade que justificasse tal decisão. Aquela votação em plenário foi um dos momentos mais infames da história brasileira. Envergonhou o Brasil diante de si mesmo e perante o mundo.

A sistemática sabotagem do meu governo foi determinante para o rompimento da normalidade institucional. Foi iniciada com pedidos de recontagem de votos, dias após a eleição de 2014, e com um pedido de impeachment, já em março, com apenas três meses de governo.

A construção do golpe se deu no Congresso, na mídia, em segmentos do Judiciário e no mercado financeiro. Compartilhavam os interesses dos derrotados nas urnas e agiam em sincronia para inviabilizar o governo.

O principal objetivo do golpe foi o enquadramento do Brasil na agenda neoliberal, que, por quatro eleições presidenciais consecutivas havia sido derrotada nas urnas. Para tanto, uma das primeiras ações dos interessados no golpe foi a formação de uma oposição selvagem no Congresso. Seu objetivo era impedir o governo recém-reeleito de governar, criando uma grave crise fiscal. Para isto, lançaram mão de pautas-bomba que aumentavam gastos e reduziam receitas. Impediam também, de forma sistemática, a aprovação de projetos cruciais para a estabilidade econômica do país. E, nos primeiros seis meses de governo, apresentaram 15 pedidos de impeachment.

O ano de 2015 foi aquele em que ganhou corpo essa oposição que atuava na base do “quanto pior, melhor”, e que, insensível para as graves consequências da sua ação para com o povo e o país, inviabilizava a própria realização de novos investimentos privados e públicos, ao impor a instabilidade como norma. Uma crise política desta dimensão paralisou e lançou o país na recessão.

Foi essa verdadeira sabotagem interna que tornou praticamente impossível, naquele momento, atenuar sobre o Brasil os efeitos da crise mundial caracterizada pela queda do preço das commodities, pela redução do crescimento da China, pela disparada do dólar devido ao fim da expansão monetária praticada pelos EUA e, aqui dentro, pelos efeitos da seca sobre o custo da energia.


TCHAU, QUERIDA – Documentário dos Jornalistas Livres

O golpe foi o episódio inaugural de um processo devastador que já dura três anos. Teve, para seu desenlace e os atos subsequentes, a estratégica contribuição do sistema punitivista de justiça, a Lava Jato, que sob o argumento de alvejar a corrupção, feriu a Constituição de 1988, atingiu o Estado Democrático de Direito e impôs a justiça do inimigo como regra.

A relação mídia-Lava Jato permitiu que a imprensa se transformasse na 4ª instância do Judiciário, só tratando de condenar sem direito de defesa. A lógica política dessa relação está focada na destruição e criminalização do PT – em especial de Lula – e, para isso, utilizaram vazamentos às vésperas das eleições, delações sem provas, desrespeito ao devido processo legal e ao direito de defesa.

O efeito colateral dessa trama foi a destruição dos partidos do centro e da centro-direita, que se curvaram à tentação golpista. Foi isso que permitiu a limpeza do terreno partidário tão necessária para que vicejasse a ultradireita bolsonarista, como uma planta solitária, na eleição de 2018. No entanto, a arma final e decisiva foi a condenação, a prisão e a interdição da candidatura de Lula à presidência a fim de garantir a eleição de Bolsonaro. A ida do juiz Sérgio Moro para o Ministério da Justiça é a constrangedora prova desse dispositivo.

Por isso, o que aconteceu há três anos explica e é causa do que está acontecendo hoje. Há razões mais do que suficientes para que a história registre o 17 de abril de 2016 como o dia da infâmia. Foi quando o desastre se desencadeou; se desencadeou ao barrar os projetos dos governos do PT que tinham elevado dezenas de milhões de pessoas pobres à condição de cidadãos, com direitos e com acesso a serviços públicos, ao trabalho formal, à renda, à educação para os filhos, a médico, casa própria e remédios. Interromperam  programas estratégicos para a  defesa da soberania e para o desenvolvimento nacional, projetos que colocaram o Brasil entre as seis nações mais ricas do mundo e retiraram o país do vergonhoso mapa da fome da ONU.

O golpe resultou numa calamidade econômica e social sem precedentes para o Brasil e, em seguida, na eleição de Bolsonaro. Direitos históricos do povo estão sendo aniquilados. Avanços civilizatórios alcançados no período democrático que sucedeu à ditadura militar vão sendo dilapidados. Conquistas fundamentais obtidas nos governos do PT passaram a ser revogadas. Este processo radicalizou-se com um governo agressivamente neoliberal na economia e perversamente ultraconservador nos costumes. Um governo com uma inequívoca índole neofascista.

O governo Bolsonaro continua se apoiando na grande mentira midiática fundamento do golpe: a de que o Brasil estava quebrado quando os golpistas de Temer assumiram o governo. Esta falsificação dos fatos continua sendo brandida pela mídia e usada maliciosamente para justificar a recuperação que nunca veio e os empregos que não voltaram. Nem vão vir, enquanto durar a agenda neoliberal. A verdade é que o Brasil nunca esteve sequer perto de quebrar, durante o meu governo.

Um país só está quebrado quando não pode pagar seus débitos internacionais. Isto, por exemplo, aconteceu no governo FHC, quando o Brasil teve de apelar ao FMI para fazer frente ao seu endividamento externo e sua  falta de reservas. Em 2005, o presidente Lula quitou inteiramente a nossa dívida com o FMI e, depois disso, nossas reservas cresceram, atingindo 380 bilhões de dólares e tornando-nos credores internacionais.

Situação muito diferente do que acontece hoje, infelizmente, na Argentina de Macri, submetida mais uma vez às absurdas exigências do FMI

A mídia, por sua vez, não parou de construir a lenda de que o governo federal  estava quebrado e os gastos públicos descontrolados. Só faria sentido dizer que o governo federal estava quebrado se não conseguisse pagar suas próprias contas com tributos ou com a contratação de dívidas. Isso não ocorreu no meu governo. O Brasil continuou a arrecadar tributos e a emitir dívida, mantendo a capacidade de pagar suas próprias contas.

É bom lembrar que a dívida pública permaneceu em queda todos os anos, desde 2003, e atingiu o menor patamar  histórico, no início de 2014, antes do “quanto pior, melhor” dos tucanos e dos demais golpistas. Mas, em 2015, a dívida pública subiu. Ainda assim, mesmo com o aumento, a dívida permaneceu abaixo da registrada nas maiores economias desenvolvidas e em desenvolvimento. O problema nunca foi  o tamanho da dívida. Mas, sim, o seu custo, que permanece entre os mais altos do mundo, em razão das taxas de juros e dos spreads abusivos praticados no Brasil, pelo sistema financeiro nacional. O que, aliás, explica seus lucros estratosféricos, mesmo quando o país passa por uma crise.

A ex-presidente Dilma Rousseff visitou Fidel Castro em Havana em 27 de janeiro de 2014. Na ocasião, a imprensa oficial cubana disse que o encontro “foi uma expressão do afeto e da admiração entre Fidel e Dilma”.

A mídia insiste, até hoje, em dizer que o meu governo perdeu o controle sobre os gastos, o que também não é verdade. O fato é que que a arrecadação caiu mais rápido do que os gastos. Os gastos cresceram, mas não em função do aumento da folha de salário dos funcionários, que permaneceu constante. É importante ressaltar que o que cresceu foi o valor das transferências sociais – como Bolsa Família e aposentadorias –, o que cresceu foi a oferta de serviços aos cidadãos – em especial saúde e educação. Todos esses dispêndios são fundamentais para resgatar injustiças históricas, reduzir desigualdades sociais e desenvolver o país.

A verdade é que os gastos do governo nunca estiveram descontrolados. Ao contrário, até caíram em termos reais. O que houve foi uma rápida redução das receitas, devido à paralisia que um processo de impeachment provoca nos investidores, que passaram a não ter segurança para criar novos negócios, abrir novas plantas e ampliar investimentos, deprimindo assim a economia e a arrecadação.

O governo Bolsonaro está ampliando um legado de retrocessos do governo Temer, mantendo e até aprofundando a absurda emenda do teto dos gastos, que reduz os investimentos em educação e na saúde; a reforma trabalhista, que abriu portas para a exploração mais brutal e para a leniência com o trabalho análogo à escravidão; a venda de blocos do pré-sal; a redução do Bolsa Família; a extinção para os mais pobres do Minha Casa Minha Vida e do Aqui Tem Farmácia Popular e a redução do Mais Médicos; a destruição dos principais programas educacionais e a dilapidação da Amazônia e do meio ambiente.

Culmina, agora, com a tentativa de  privatização (capitalização individual) da previdência social, com a emenda 06, artigo 201—A, e a retirada das regras da  previdência da Constituição, com o artigo 201, o que permitiria mudanças legais, que não exigem três quintos do Congresso para aprovação.  As mudanças que o governo quer fazer reforçam privilégios de uns poucos e sacrificam os aposentados de baixa renda, as mulheres, os trabalhadores rurais e urbanos, bem como aqueles que recebem o BPC.

Do “quanto pior, melhor” à prisão de Lula, do dia 17 de abril de 2016 – dia da  aceitação do impeachment pela Câmara, ao dia 7 de abril de 2018 – dia da prisão de Lula, o caminho para o Estado de exceção foi sendo pavimentado e as mentiras e falsidades da mídia tiveram um papel fundamental.

Mesmo os que se opõem a Lula mas prezam a democracia se constrangem com o escândalo da sua prisão e condenação ilegal, e já perceberam que ele é um prisioneiro político. Um inocente condenado sem crime, e por isso sem provas.

Lula sintetiza a luta pela democracia em nosso país. Lutar por sua liberdade plena significa enfrentar o aparato neofascista – militar, judicial e midiático – que está destruindo a democracia. Lula é a voz da resistência e carrega o  estandarte da luta democrática. Mesmo preso, é o maior inimigo do neofascismo que nos ameaça.

Lula mostrou ao povo brasileiro, em cada gesto seu que se tornou público, que é possível resistir mesmo nas piores condições. A sua força moral nos fortalece, a sua garra nos anima, a sua integridade nos faz lutar por sua liberdade, que representa também as liberdades democráticas para todos os brasileiros.

Lula está do lado certo da história.  #LulaLivre.

(*) Artigo enviado com exclusividade para o Brasil de Fato e publicado em 17/04/2019.

Um ano atrás, o aprisionamento injusto de Lula consumava o Golpe de Estado de 2016 e a Fraude Eleitoral de 2018

“Não adianta tentar parar o meu sonho, porque quando eu parar de sonhar eu sonharei pela cabeça de vocês.”
Lula Livre

Fratura exposta no corpo da golpeada e achincalhada democracia brasileira, a prisão injusta do ex-presidente Lula completa um ano. Em 07 de Abril de 2018, no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, ele fazia sua última aparição pública antes de ser capturado pelos tentáculos golpistas que o encerraram em uma solitária na PF de Curitiba – eventos que ganharam uma pungente homenagem no livro Luiz Inácio Luta da Silva – Nós Vimos Uma Prisão Impossível.

Vítima de um “impeachment preventivo”, para emprestar a expressão do filósofo Renato Lessa, Lula foi o presidente da república melhor avaliado de toda a história quando encerrou seus dois mandatos. Se vivêssemos em um país de elites civilizadas e respeitadoras do processo democrático, teria sido o Ministro da Casa Civil de Dilma Rousseff em 2016, cargo que foi impedido de assumir, e em 2018 teria sido eleito para voltar a trabalhar em prol do povo no Palácio do Planalto.

Como vivemos sob a batuta nojenta de uma elite que rasga sua máscara liberal-burguesa e mostra seus dentes raivosos de fascista-ditatorial, Lula  é um preso político que evoca similaridades com figuras históricas como Mandela, Martin Luther King ou Gandhi (que também amargaram tempos sombrios em cárceres).

Criticada pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU, sua exclusão das Eleições de 2018, num cenário em que era favorito à vitória, envolveu uma grotesca campanha de Lawfare (guerra judírica) encabeçada pelo Sr. Moro e seus cúmplices-no-crime (como Dallagnol e seu famoso power-point). Faltaram provas, mas sobraram convicções. Já vimos isso em outras Inquisições… 

Ferindo de morte a legitimidade do processo eleitoral de 2018, que terminou com a usurpação do poder por parte da extrema-direita racista, misógina, elitista e miliciana, encabeçada pela gangue de brutamontes Bolsonarista, a prisão de Lula é a principal das muitas razões pelas quais “não há razão para reconhecer ou obedecer” ao desgoverno atual, como argumenta Vladimir Safatle.

O aprisionamento do líder petista consuma o processo golpista que começou com a derrubada ilegal de Dilma Rousseff (deposta sem ter cometido nenhum crime). Em 2016, um golpe parlamentar, jurídico e midiático, apoiado por hordas de “coxinhas” e bozominions, acarretou a queda da presidenta legítima e o desrespeito à vontade de mais de 54 milhões de eleitorxs que a re-elegeram em 2014.

Em 2018 consumou-se a tomada de poder pela Elite do Atraso (de que nos fala o sociólogo Jessé de Souza): uma fraude eleitoral, financiada com muito caixa 2 investido em campanhas de fake news, difamação e propaganda fascista, fez com que penetrasse nas massas a ideologia do opressor. A barbárie neo-fascista, após o impedimento da candidatura Lula e a derrota da chapa Haddad – Manu, triunfou provisoriamente sobre os destroços dos direitos sociais e humanos mais básicos.


Torna-se claro que houve um processo de coup d’État que se estendeu de 2016 a 2018 e conduziu ao poder a desgraceira deste desgoverno de extrema-direita, aqui cognominado de Bozo-Nazista, tragicômico ataque em avalanche à soberania nacional e aos direitos civis da população brasileira.

Lamentavelmente, o TSE e o STF passaram pano pra candidatura fascista e deixaram um deputado do baixo clero, que em 27 anos de carreira não havia feito nada que prestasse em prol de ninguém (a não ser o enriquecimento de sua família), famoso apenas por declarações racistas, misóginas, homofóbicas e elitistas, tomar o leme do Executivo Federal. Urrando “Ustra vive” e outros horrores.

Depois da fraude do impeachment sem crime de responsabilidade, houve a fraude da eleição onde eles não deixaram concorrer quem iria ganhar… Agora, o ilegítimo, incompetente, violento e ditatorial governo nascido do Golpe de Estado de 2016-2018 pretende nos convencer que Lula merece morrer na prisão. Enquanto apologistas da tortura, defensores de grupos de extermínio, amigões de milícias, vizinhos do assassino de Marielle Franco (coincidência?), permanecem impunes e nos conduzindo ao abismo coletivo.

Libertem o preso político Luiz Inácio!

Em EL PAÍS Brasil, veja 10 fotos de Lula que foram vendidas em leilão que arrecadou para o Instituto Lula mais de 600.000 reais. Saiba mais em Revista Fórum.

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Luiz Inácio Lula da Silva publica em Folha de S.Paulo (07/04/2019):

Faz um ano que estou preso injustamente, acusado e condenado por um crime que nunca existiu. Cada dia que passei aqui fez aumentar minha indignação, mas mantenho a fé num julgamento justo em que a verdade vai prevalecer. Posso dormir com a consciência tranquila de minha inocência. Duvido que tenham sono leve os que me condenaram numa farsa judicial.

O que mais me angustia, no entanto, é o que se passa com o Brasil e o sofrimento do nosso povo. Para me impor um juízo de exceção, romperam os limites da lei e da Constituição, fragilizando a democracia. Os direitos do povo e da cidadania vêm sendo revogados, enquanto impõem o arrocho dos salários, a precarização do emprego e a alta do custo de vida. Entregam a soberania nacional, nossas riquezas, nossas empresas e até o nosso território para satisfazer interesses estrangeiros.

Hoje está claro que a minha condenação foi parte de um movimento político a partir da reeleição da presidenta Dilma Rousseff, em 2014. Derrotada nas urnas pela quarta vez consecutiva, a oposição escolheu o caminho do golpe para voltar ao poder, retomando o vício autoritário das classes dominantes brasileiras.

O golpe do impeachment sem crime de responsabilidade foi contra o modelo de desenvolvimento com inclusão social que o país vinha construindo desde 2003. Em 12 anos, criamos 20 milhões de empregos, tiramos 32 milhões de pessoas da miséria, multiplicamos o PIB por cinco. Abrimos a universidade para milhões de excluídos. Vencemos a fome.

Aquele modelo era e é intolerável para uma camada privilegiada e preconceituosa da sociedade. Feriu poderosos interesses econômicos fora do país. Enquanto o pré-sal despertou a cobiça das petrolíferas estrangeiras, empresas brasileiras passaram a disputar mercados com exportadores tradicionais de outros países.

O impeachment veio para trazer de volta o neoliberalismo, em versão ainda mais radical. Para tanto, sabotaram os esforços do governo Dilma para enfrentar a crise econômica e corrigir seus próprios erros. Afundaram o país num colapso fiscal e numa recessão que ainda perdura. Prometeram que bastava tirar o PT do governo que os problemas do país acabariam.

O povo logo percebeu que havia sido enganado. O desemprego aumentou, os programas sociais foram esvaziados, escolas e hospitais perderam verbas. Uma política suicida implantada pela Petrobras tornou o preço do gás de cozinha proibitivo para os pobres e levou à paralisação dos caminhoneiros. Querem acabar com a aposentadoria dos idosos e dos trabalhadores rurais.

Nas caravanas pelo país, vi nos olhos de nossa gente a esperança e o desejo de retomar aquele modelo que começou a corrigir as desigualdades e deu oportunidades a quem nunca as teve. Já no início de 2018 as pesquisas apontavam que eu venceria as eleições em primeiro turno.

Era preciso impedir minha candidatura a qualquer custo. A Lava Jato, que foi pano de fundo no golpe do impeachment, atropelou prazos e prerrogativas da defesa para me condenar antes das eleições. Haviam grampeado ilegalmente minhas conversas, os telefones de meus advogados e até a presidenta da República. Fui alvo de uma condução coercitiva ilegal, verdadeiro sequestro. Vasculharam minha casa, reviraram meu colchão, tomaram celulares e até tablets de meus netos.

Nada encontraram para me incriminar: nem conversas de bandidos, nem malas de dinheiro, nem contas no exterior. Mesmo assim fui condenado em prazo recorde, por Sergio Moro e pelo TRF-4, por “atos indeterminados” sem que achassem qualquer conexão entre o apartamento que nunca foi meu e supostos desvios da Petrobras. O Supremo negou-me um justo pedido de habeas corpus, sob pressão da mídia, do mercado e até das Forças Armadas, como confirmou recentemente Jair Bolsonaro, o maior beneficiário daquela perseguição.

Minha candidatura foi proibida contrariando a lei eleitoral, a jurisprudência e uma determinação do Comitê de Direitos Humanos da ONU para garantir os meus direitos políticos. E, mesmo assim, nosso candidato Fernando Haddad teve expressivas votações e só foi derrotado pela indústria de mentiras de Bolsonaro nas redes sociais, financiada por caixa 2 até com dinheiro estrangeiro, segundo a imprensa.

Os mais renomados juristas do Brasil e de outros países consideram absurda minha condenação e apontam a parcialidade de Sergio Moro, confirmada na prática quando aceitou ser ministro da Justiça do presidente que ele ajudou a eleger com minha condenação. Tudo o que quero é que apontem uma prova sequer contra mim.

Por que têm tanto medo de Lula livre, se já alcançaram o objetivo que era impedir minha eleição, se não há nada que sustente essa prisão? Na verdade, o que eles temem é a organização do povo que se identifica com nosso projeto de país. Temem ter de reconhecer as arbitrariedades que cometeram para eleger um presidente incapaz e que nos enche de vergonha.

Eles sabem que minha libertação é parte importante da retomada da democracia no Brasil. Mas são incapazes de conviver com o processo democrático.

Luiz Inácio Lula da Silva
Ex-presidente da República (2003-2010)

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Comentários a uma Sentença Anunciada: o Processo Lula
Organizado por Carol Proner, Gisele Cittadino, Gisele Ricobom, João Ricardo Dornelles

O mais importante documento jurídico publicado no Brasil nos últimos anos. “Comentários a uma Sentença Anunciada: O processo Lula” surgiu de um movimento de juristas brasileiros que examinaram cuidadosamente a sentença proferida pelo juíz Sérgio Moro ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na qual o condena a 9 anos e 6 meses de prisão pelo caso do tríplex do Guarujá.

Resistentes ao veredito, advogados, professores e intelectuais que acompanharam de perto o processo mobilizaram-se ao constatarem, segundo eles, os extravagantes argumentos empregados pelo juiz criminal na decisão. O resultado é este: 103 artigos assinados por 122 autores que demonstram a preocupação do universo jurídico e acadêmico perante a situação política em que o país vive atualmente.

Entre os autores presentes na coletânea estão nomes como o do ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, do professor titular da Unisinos (de São Leopoldo-RS) e Unesa (Estácio de Sá) Lênio Streck, do livre-docente em Direito Processual pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Afrânio Silva Jardim, além de Carol Proner, docente do curso de direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, organizadora da coletânea e integrante da Frente Brasil de Juristas pela Democracia.

Click na capa abaixo para baixar o livro em epub.

HADDAD & MANU SÃO LULA – Consumado o Golpe Supremo, a Esperança Equilibrista Ainda Dança na Noite do Brasil

 

Dando sequência ao enredo macabro que depôs a presidenta Dilma Rousseff em 2016 (“com o Supremo, com tudo”), naquele processo de impeachment farsesco e kafkiano, a Aliança Golpista perpetrou mais uma violência contra o Estado Democrático de Direito através da exclusão da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva.

Mas ninguém vai aprisionar a vontade do povo! A coligação “O Povo Feliz De Novo” lança agora Fernando Haddad (presidente), do PT – Partido dos Trabalhadores, e Manuela D’Ávila (vice-presidenta), do PCdoB – Partido Comunista do Brasil, como os legítimos herdeiros do projeto de país que venceu as 4 últimas eleições presidenciais e que agora se encaminha para o desafio do “Penta”.

Somos milhões de Lulas e seguiremos indignados diante da prisão injusta do ex-presidente. Seguimos determinados na missão de derrotar nas urnas a ameaça fascista de extrema-direita, representada pela chapa truculenta e boçal de Bolsonazi / Mourão. Seguimos também vigilantes e ativos contra aqueles “50 Tons de Temer”, como bem alcunhou Guilherme Boulos do PSOL 50, que são as candidaturas do establishment (Alckmin, Meirelles, Amoêdo etc.)

Tudo indica que teremos um cenário em que, no segundo turno da eleição, o candidato do autoritarismo armamentista, do patriarcado falocrático, do racismo desabrido, da apologia à tortura e ao genocídio, ou seja, a chapa sádica e desumana dos “profissionais da violência” que são Bolsoasno e seu milico-escudeiro, irão disputar os votos do eleitor contra um destes três candidatos: Haddad, Ciro ou Marina (estou descrente na capacidade do picolé-de-chuchu do Tucanato, com sua total falta de carisma, após a prisão de Beto Richa, tretado com Temer, ter algum vigor para chegar lá…). 

Dada a imensa capacidade de transposição de votos que está concentrada na figura de Lula, é bem provável (apesar dos riscos de todo exercício de futurologia em política) que estejamos diante de uma polarização PT vs PSL na decisão do pleito. E diante disso não é possível desviar da impressão de que se trata de uma escolha entre Civilização e Barbárie. As Luzes esclarecidas de Haddad e Manu, contra a barbárie trevosa e relinchante da extrema-direita xenófoba, racista, homofóbica, que promete fuzilamentos e chacinas assim que estiver no poder. De que lado você escolherá estar?

Nunca vão conseguir deter dentro de uma cela os ideais e as práticas que fizeram, apesar de suas limitações e seus equívocos, do Lulismo esta força transformadora que renovou os horizontes do possível e do desejável a partir de 2002. Éramos, na primeira década do séc. XXI, um país onde tantos de nós estávamos engajados na construção conjunta de mais justiça social, de educação pública ampliada, de sistema de saúde de gratuita e universalizada, de programas sociais que expressam valores como solidariedade, empatia, liberdade. Avançávamos na valorização do trabalhador, com incremento do salário mínimo, com inclusão no mercado de trabalho que chegou ao nível de pleno emprego, com mobilidade social ascensional dos mais miseráveis como nunca dantes havia sido vivenciada por aqui.

Agora, precisamos retomar o rumo de um Brasil onde possa se expressar toda a nossa pluridiversa multiplicidade humana, sem o tacanho e boçal Ódio e Segregação propagados por nossas direitas. Caminhando juntos na direção de uma sociedade menos violenta, desigual e fraturada. Haddad, não há dúvida, já provou como Ministro da Educação e como Prefeito de São Paulo que é uma pessoa altamente capacitada para o cargo, e que possui todo o brilhantismo intelectual e a coragem volitiva para ser um excelente Presidente-Professor. E é Manu no Jaburu!

Nada nos fará esquecer que as Eleições de 2018 estão maculadas com o processo golpista que se estende de 2016 até nossos dias, e continuaremos denunciando que o pleito foi ferido gravemente em sua legitimidade através da facada que enfiaram na Candidatura Lula. O conluio entre a Lava Jato transformada em instrumento de perseguição partidária, a Mídia corporativa especialista em fake news consumíveis pelas imensas massas, as altas cúpulas do Judiciário gozando de altos privilégios, as entidades patronais e escravocratas como a Fiesp, partidos tradicionalmente retrógrados como PSDB e MDB, dentre outros agentes da plutocracia que hoje nos oprime com sua tirania, conseguiram seu intento: praticaram o “impeachment preventivo” contra o candidato que lidera as pesquisas de intenção de voto com mais de 35% da preferência do eleitorado. 

A História dirá se os responsáveis por esta fraude jurídica-midiática, por esta grotesca perseguição a um líder político reconhecido internacionalmente por seus dons como gestor público (não à toa, deixou o governo, após os 8 anos na presidência, entre 2002 e 2010, com mais de 80% de aprovação), vão conseguir manter a máscara da honra e da probidade como juízes, jornalistas e políticos, ou serão inscritos na História como algozes e tiranos. Como sórdidos golpistas que atentaram contra o princípio básico de uma república democrática: a soberania está na vontade geral expressa pelos cidadãos nas urnas. Por duas vezes, em 2016 e 2018, roubaram-nos este direito elementar. 

Como expressou o jurista Pedro Serrano, vivemos em um período histórico em que os Golpes de Estado não estão mais sendo perpetrados com a força militar, mas sim através da guerra judicial (lawfare): “o que parece estar ocorrendo na América Latina é a substituição da farda pela toga.” Se o Diabo veste prada, o Golpe veste toga.

Puderam pegar um apartamento no Guarujá, de propriedade da construtora OAS, atribuído a Lula em um processo cheio de “convicções” mas sem provas, fundamentado com pés de argila na delação premiada de um empresário criminoso, defendido através da inacreditável sentença de Moro que condena devido a “atos indeterminados” e “ocultação de propriedade”, transformado numa ópera-bufa para consumo dos otários crédulos que se prestam a ser massa de manobra dos golpes de Estado das “Elites do Atraso”, como bem as apelidou o sociólogo Jessé Souza.

Assim como as “pedaladas”, o triplex foi usado como pretexto para desferir um duro golpe na soberania do voto popular, já destroçada pela deposição golpista de Dilma Rousseff.

Tratorando duas vezes o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, o conluio jurídico-midiático-empresarial levou ao seu termo o processo de perseguição àquele que já é um dos mais célebres presos políticos do mundo contemporâneo. 

Eles não tiveram sequer a dignidade de enfrentar Lula nas urnas. Quiseram ganhar no tapetão, na pilantragem, na falcatrua. Preso injustamente há mais de 5 meses, Lula prossegue sendo a peça-chave na determinação do futuro do país, e agora passa o bastão (sem demissão, sem resignação, ainda cheio de justa indignação!) a Haddad e Manu.

Em frente, hasta la victoria siempre! 

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CARTA DE LULA AO POVO BRASILEIRO – 11 DE SETEMBRO DE 2018

Sem dúvida, nenhum presidente na história da República fez mais pela Educação do que Luiz Inácio Lula da Silva – a avaliação é do ex-Ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad. SAIBA MAIS

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* “PRA TER SIDO PRESO, COISA BOA NÃO É!” – Breve crítica de argumentos toscos daqueles que não querem #LulaLivrehttps://acasadevidro.com/2018/08/20/pra-ter-sido-preso-coisa-boa-nao-e-breve-critica-de-argumentos-toscos-daqueles-que-nao-querem-lulalivre/

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O GOLPE VESTE TOGA – Guerra Jurídica nas Eleições de 2018 perpetua o Golpe de Estado de 2016 e nos encaminha para futuro turbulento

Marcha em direção ao TSE de Brasília para o registro da candidatura de Lula à Presidência da República. Foto: Gustavo Bezerra. Data: 15/agosto/2018.

“Não sei se eles vão passar para a história como juízes ou como algozes.”
Luiz Inácio Lula da Silva, preso político e candidato a presidente pelo Partido dos Trabalhadores

Se o Diabo veste prada, o Golpe veste toga. Como disse Pedro Serrano: “o que parece estar ocorrendo na América Latina é a substituição da farda pela toga.”

O golpismo que derrubou Lugo no Paraguai e Dilma no Brasil, que atentou contra Chávez e Maduro na Venezuela, que segue tentando desestabilizar o governo Evo Morales na Bolívia, que celebra a chegada de neoliberais como Macrí na Argentina e Piñera no Chile, não opera mais com tanques de guerra, soldados e escopetas.

Hoje, um Golpe de Estado é dado nos tribunais. Seu maquiavélico xadrez é jurídico. Sua guerra é jogada em conluio com as mídias, com altas comemorações no topo (estreitíssimo) da pirâmide social quando se consegue substituir um governo de soberania popular por um outro que seja fantoche dos interesses da elite, ou que seja a elite tirânica ela mesma, exercendo sua supremacia sem intermediários.

“É o segundo golpe de Estado que enfrento na vida. O primeiro, o golpe militar, apoiado na truculência das armas, da repressão e da tortura, me atingiu quando era uma jovem militante. O segundo, o golpe parlamentar desfechado em 2016 por meio de uma farsa jurídica, me derruba do cargo para o qual fui eleita pelo povo” – Dilma Rousseff, presidenta do Brasil entre 2010 e 2016. In: SINGER, André. O Lulismo em Crise. Pg. 14. Companhia das Letras, 2018.

Sempre que a elite, já privilegiada ao excesso, puxa o tapete do adversário para manter-se em sua palaciana posição, não faltam os aplausos dos idiotas úteis que, na classe média, preferem a solidariedade com as elites opressoras à empatia com os oprimidos. Eis um breve retrato do Brasil…

O grande “beneficiário” do coup d’état de 2016 é a maré montante de fascismo, que ameaça colocar o Brasil na rota dos países decaídos no autoritarismo, no genocídio racista, no terrorismo de Estado. Como se fôssemos incuráveis amnésicos, que não só reduzem a cinzas o Museu Nacional do RJ, mas recusam-se a aprender com lições do passado, vítimas do que um de nossos melhores escritores e pensadores, Bernardo Kucinski, chama de “mal de Alzheimer nacional”.

São milhões teleguiados pela rede Globo, e só um punhado de leitores de K – Relato de Uma BuscaTriste povo que não aprende com a sabedoria de sua própria literatura. Que não se informa com Kucinski, mas sim com os Marinho. Um povo que não lamenta a morte da revista Caros Amigos, pois julga que sua fonte confiável de informação está semanalmente na Veja (mesmo com o colapso generalizado do grupo empresarial Abril…).

É como se não quiséssemos aprender com as lições da Ditadura inaugurada pelo golpe militar de 1964 e que nos lançou a bem mais que 21 anos de trevas políticas: estamos até hoje atolados no “entulho autoritário”, nos legados tenebrosos daquela época, e ao invés de tirar sabedoria desta História, nós… incineramos nosso passado. Nossos museus estão virando cinzas, e nossa sanidade coletiva também.

Vamos rumo ao caos da guerra civil caso a democracia termine seu processo de auto-destruição com a tomada de poder pela extrema-direita Bolsonazista. Digo tomada de poder pois não existirá, jamais, nunca, em nenhuma hipótese, um “regime Bolsonaro” que seja legítimo. Das eleições de 2018, com a exclusão via guerra jurídica da candidatura do Lula, não existe possibilidade de nascer um governo legítimo. Muito menos um que busque se basear em inaceitáveis práticas de genocídio, limpeza étnica, tortura, fuzilamentos, como prega o candidato.

https://www.facebook.com/Alysonfr/videos/1780439285404081/

O sintoma mais grave da psicopatologia coletiva que nos acomete – e que mereceria ser decifrada na companhia de Wilhelm Reich, Erich Fromm e Hannah Arendt – é o tamanho do eleitorado da chapa presidencial do PSL: Bolsonaro/Mourão.

Aquela excelente video-reportagem da Vice já escancarou o tamanho do nosso buraco. Pois nosso buraco deixou de ser a presença entre nós de um partido fascista, o nosso problema é um fascismo social, o fato de que uma parte significativa da nossa população realizou já uma espécie de conversão ao campo do fascismo. De onde, aliás, talvez nunca tenha de fato saído, dada à pregnância e disseminação, entre nós, da “personalidade autoritária”, que faz de nossas elites políticas, tão frequentemente, estes mandões escrotos e tirânicos que carregam a mão na opressão truculenta contra o povo, enquanto gozam de iguarias e privilégios defendidos com base na força militar escancarada e na imposição terrorista do Medo intimidador.

Quando um candidato é capaz de falar no Jornal Nacional que um policial militar que entrasse na favela metralhando, e que matasse 15 pessoas, deveria ser “condecorado”, e quando as intenções de voto para esta figura boçal e truculenta atingem mais de 20% dos eleitores, sentimos que o Brasil é um país que fracassou. A nossa “polarização política” já não pode ser vista com um sintoma normal de uma pujante sociedade democrática que experimenta os riscos e aventuras do pluralismo e do pluripartidarismo. A nossa polarização é bélica e violenta, e o Mito do Brasileiro Cordial vai se esboroando cada vez mais. Querem-nos brutos e brutais como os Bolsonazistas. Nós insistiremos na senda difícil da solidariedade com os injustiçados, endurecendo pero sin perder la ternura jamás, como o Che.

O que a extrema-direita faz com o debate público é puxá-lo para o nível (boçal e truculento) deles, convidando-nos a compartilhar da psicopatia deles. Pois Bolsonaro não é nada menos que um psicopata (diferente do normopata Alckmin, o picolé-de-chuchu da mediocridade burguesa, mas que em período de crise se mostra, como se fez no Pinheirinho em São José dos Campos, como burguesia-fascista também… Como Brecht ensinava: nada mais parecido com um fascista que um burguês assustado).

Bolsonaro, em sua psicopatia, em sua personalidade repleta de fobias, em seu temperamento de genocida, é a pior pessoa do mundo a quem confiar poder em excesso, dado a alta probabilidade de abuso em larga escala desse poder, e subsequente crise humanitária. Com Bolsonaro no poder, estamos falando da banalização ainda piorada dos crimes contra a humanidade que já ocorrem tanto no Brasil.

Um país “do futuro” (que nunca chega), o Brasil é tanto a pátria das róseas esperanças do judeu perseguido Stefan Zweig e a pátria onde o mesmo naufragou com os destroços de suas ilusões (suicidou-se com a esposa em Petrópolis). Um país desencaminhado, como de praxe, por suas elites, responsáveis por tantos de nossos atrasos. Vamos afundando no lodaçal que aprofunda o estado de guerra civil latente. É guerra de classe, e os ricos estão vencendo. Eles não vencem mais com tanques, vencem com PECs. Eles não impedem as eleições, mas eles nos proíbem de votar em quem eles não querem que vença. E assim vamos, caminhando e cantando…

Com Bolsonaro no poder, porém, esqueçam o papo hippie de flores contra canhões. Preparem-se para novas guerrilhas, para uma nova onda de novos Marighellas, pois aqueles que querem impor tamanha violência militarizada aos governados podem esperar uma reação também violenta por parte dos violentados.

Não haverá governo Bolsonaro sem uma clandestina efervescência de movimentos que serão obrigados à tomar a via insurrecional e revolucionária, já que a democrática foi travada pela apropriação indevida das elites golpistas, transmutadas em Estado fascista.

A catástrofe que foi o governo Temer, nascido da aliança golpista entre PMDB e PSDB, entre ruralistas e velha mídia corporativa, pôs no poder elites lambe-botas de gringos endinheirados. Elites que cagam em cima da soberania nacional e são totalmente entreguistas, dando de mão beijada nossas riquezas para as corporations: nosso petróleo da camada do pré-sal já não é nosso: é da Shell… e o Aquífero Guarani, encaminha-se para ser da Nestlé? A Amazônia um dia será um parque privado gerido pela Walt Disney Corporation?

“A atual eleição é incompreensível sem o golpe de 2016”, afirma o sociólogo Jessé Souza em Carta Capital. É significativo, por exemplo, que exatos 2 anos após a deposição final de Dilma Rousseff, o TSE recusou a legitimidade da candidatura de Lula, contrariando um imenso movimento de massas que está fervilhando nas ruas e nas redes (vide Festival Lula Livre nos Arcos da Lapa), e desrespeitando inclusive uma recomendação do Comitê de Direitos Humanos da ONU. Segundo Jessé:

“O cheiro é de coisa podre e todos o sentem. A grande dificuldade do conluio golpista comandado pela mídia venal e pela “casta jurídica” do Estado, ansiosa por mesquinhos dividendos corporativos de curto prazo, é o fato de serem lacaios de um capitalismo rentista não só improdutivo como abertamente fraudulento e destrutivo.

O País é literalmente assaltado pela pirataria rentista e o povo empobrece a olhos vistos. Este é o real pano de fundo das eleições.

Lula cresce a cada dia posto que é a memória viva de quando as coisas eram diferentes e melhores. Ainda que não tenha havido uma reconstrução coletiva consciente dos motivos inconfessáveis do golpe, essa lembrança basta como esperança para muita gente.

Preso, seu prestígio só aumenta, pois seu ordálio é concomitante e tem o condão de representar o sofrimento da imensa maioria da população. Ele é, portanto, o “profeta exemplar” do crime cometido contra todo o povo brasileiro. Isso é algo que os pigmeus intelectuais da “casta jurídica”, que comanda a estratégia golpista na dimensão conjuntural e concreta, têm enorme dificuldade de compreender.

Exceto a eficiente rapina de todos os ativos importantes do País, articulada de fora para dentro, a estratégia interna dos pigmeus jurídicos e midiáticos é burra e, por conta disso, obviamente ineficiente.

A condenação pela ONU da perseguição política a Lula só faz agravar o processo. A “casta jurídica” golpista, embora não confesse, foi atingida no coração e posta na defensiva. O “ônus da prova” foi simplesmente invertido. O Brasil tende a perder qualquer credibilidade e respeitabilidade internacional, cujo reflexo interno, ainda mais em um país “vira-lata” que idealiza as “culturas superiores”, não é pequeno.

Como a “casta jurídica” não vai ficar mais inteligente de um dia para o outro, o preço no médio prazo será altíssimo em termos de perda de respeitabilidade institucional das corporações jurídicas.”

Para incremento das tensões e incertezas, em Setembro de 2018 a temperatura, literalmente, esquentou até a ebulição. Os ânimos estão em incêndio. Bolsonaro, enquanto o Museu Nacional do RJ ardia em chamas, estava no Acre fazendo o que ele sabe fazer de melhor: cagar pela boca para entreter os idiotas desumanizados que não se envergonham de apoiar um homem sádico e boçal.

O candidato fascista prometeu “fuzilar a petralhada”, assim como dias antes tinha dito que ia tratar o MST como “grupo terrorista”. Em pleno Jornal Nacional, falou em cadeia nacional que deveriam ser “condecorados” os policiais militares que entrassem na favela para perpetrar chacinas. Em um país que desceu a tal grau de barbárie, nem nos surpreende mais que o Bozonazi possa andar solto pelo país, fazendo apologia da tortura e do genocídio, vomitando discurso de ódio, propagando misoginia e racismo, expressando a mais truculenta e acéfala “receita” para tudo: resolver no tiro.

A existência de um crápula fascista de mentalidade retardada como Bolsonaro já seria em si mesma uma lástima, mas o pior de tudo é o tamanho de seu fã-clube. Ou, pior ainda, de seu eleitorado. A mente custa a compreender que existam tantos milhões de cidadãos brasileiros que são estúpidos a esse ponto – tão estúpidos que sequer enxergam a sua própria estupidez – e que seguem celebrando uma figura tão execrável.

Enquanto isso, um ser humano da estatura histórica e da excelência ética que é Luiz Inácio Lula da Silva continua padecendo nas masmorras de Curitiba um cárcere político pré-eleitoral que nos envergonha diante do mundo.

Um cara que deixou seu cargo na presidência com mais de 80% de aprovação do povo (e não foi à toa); que liderou o governo que mais fez pela inclusão social e pelo combate à miséria em toda nossa história republicana (mesmo a oposição mais ferrenha não nega a ascensão social de mais de 30 milhões de cidadãos); que realizou a maior expansão das universidades públicas e institutos federais que alguém já realizou como chefe de Estado (escudado por Fernando Haddad como Ministro da Educação); que pôs Gilberto Gil no MinC para fazer florescer a Cultura Viva naquela que foi talvez a melhor gestão de todos os tempos no Ministério da Cultura; que atentou para as necessidades dos milhões de desvalidos com programas como Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, o Luz Para Todos etc.; que “fez o sertão virar mar” com a transposição do Velho Chico; que forjou solidariedades internacionais do Brasil com o Mercosul, a África, os BRICS, e mesmo contestando a subserviência brasileira aos EUA retirou de Obama o elogio de que era “O Cara”; que fez a economia seguir pujante por muitos anos, em que o salário mínimo não parou de subir, a inflação manteve-se sobre controle, o emprego era quase pleno, e até os tubarões do capitalismo não tiveram motivo para reclamações; que como democrata impecável costurou um jogo de conciliações e governabilidades que o tornam um verdadeiro gênio do xadrez político dentre aqueles que escolhem a via institucional do reformismo ao invés da via revolucionária; bem… esse “cara” hoje está impedido pelas elites de disputar as eleições devido à fraude jurídica do triplex que o Judiciário vergonhosamente está secundando com sua criminosa cumplicidade.

Presidente do Sindicato dos Seringueiros de Xapuri.

No vídeo a seguir, antídoto necessário contra o avanço da amnésia no país que reduz seus museus a cinzas e que permite que os golpistas aniquilem investimentos em educação, saúde e ciência, Luiz Inácio Lula da Silva fala no enterro de Chico Mendes, herói e mártir da defesa do meio ambiente, brutalmente assassinado pelas elites plutocráticas que desgovernam esta nação há tanto tempo.

Diante da trajetória de vida do Lula, do seu caráter de entusiástico defensor da justiça social, do seu ethos de indignação diante daqueles que impõe uma existência indigna àqueles que pisoteiam, não há como ficar em cima do muro: Lula é a civilização que resiste a duras penas, Bostossauro e sua manada de seguidores retardados é a Barbárie que avança. De que lado vocês vão ficar?

Nós aqui jamais estaremos junto aos desumanos, mas sim entre aqueles que labutam, dia e noite, no pensamento e na ação, para que possamos juntos nos humanizar mais e mais. Esta Humanidade como valor, espezinhada pelo fascismo desumano, ainda pulsa em nossas utopias, em nossas indignações, em nossas revoltas, em nossos poemas e canções, em nossos filmes e reportagens, e eles podem até matar-nos e enterrar-nos, mas sempre ressurgiremos das cinzas para provar a eles que éramos, somos, seremos Sementes.

Eduardo Carli de Moraes – A Casa de Vidro – Setembro de 2018

ROMPENDO A CERCA DO APARTHEID – A função social da terra VS O sagrado direito à propriedade (Reflexões sobre a Guerra de Classes)

Há esses períodos turbulentos da História em que falar em “luta de classes” parece demasiado suave para a virulência das discórdias. Somos então tentados a falar que há, em incandescência, uma autêntica Guerra de Classes.

Com seus mais de 60.000 homicídios anuais (como indica o Atlas da Violência de 2018), o Brasil não consegue mais sustentar a auto-imagem falsária de “país cordial” – esta fantasia não cola mais.

Somos, ao contrário, o território dos massacres, das chacinas, da violência estrutural institucionalizada. Terrinha do terrorismo de Estado: da aniquilação violenta da oposição armada ao regime militar (vide o caso da Guerrilha do Araguaia entre 1972 e 1974) aos mais recentes horrores em Eldorado dos Carajás (Pará, 1996) ou no Presídio do Carandiru (SP, 1992).

LEITURA SUGERIDA:  ONU afirma que anulação dos julgamentos que condenaram 74 policiais militares pelo Massacre do Carandiru ‘manda uma mensagem preocupante de impunidade’ (Setembro de 2016, Governo Michel Temer)

A impunidade reina também para os poderosos proprietários de latifúndios que são mandantes de massacres que milícias mercenárias executam.

É só lembrar que em 17 de Abril de 2000, em Belém do Pará, uma significativa marcha dos ativistas do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra) denunciava, 4 anos após a PM assassinar 19 pessoas do movimento, a completa impunidade dos funcionários e dos ordenadores da Carnificina de Eldorado dos Carajás:

Fotografia por Sebastião Salgado

CPT (Comissão Pastoral da Terra) – “Eldorado dos Carajás, 17/04/1996 – Maior e mais conhecido massacre registrado na luta pela terra, o caso de Eldorado dos Carajás se refere ao assassinato de dezenove sem-terras mortos pela Polícia Militar do Estado do Pará, no dia 17 de abril de 1996. O massacre ocorreu quando 1500 sem-terra acampados na região realizavam uma marcha obstruindo a BR-155 em protesto contra a demora da reforma agrária no local.

Sob o aval do secretário de segurança pública estadual (Paulo Sette Câmara), o coronel responsável pela operação (Mário Colares Pantoja) empreendeu atos de repressão e violência que culminaram nas mortes a queima roupa e por cortes. Apesar da grande repercussão nacional, a apuração não prendeu ou identificou os policiais que atiraram. Propina teria sido paga por fazendeiros da região, especialmente o dono da fazenda Macaxeira, para que os policiais matassem as lideranças sem-terra.”

No Brasil, na ativa desde 1984, o MST é um movimento social conhecido mundialmente por estar permanentemente em luta para transformar o atual estado de coisas, este nosso status quo do apartheid e da nova escravidão militarizada.

As ocupações de terras improdutivas realizadas por militantes do MST – tão demonizadas por certas empresas da mídia burguesa como “invasões” realizadas por “vagabundos” e “baderneiros” – são, na real, uma mobilização legítima e constitucional. São mais: pressionam-nos para irmos coletivamente no rumo de um processo civilizador que nos arranque das garras desta imensa barbárie patrocinada e imposta pela Casa Grande escravocrata.

Que o MST seja legítimo e constitucional se prova não só pelos seus frutos (o movimento já é o maior produtor de arroz orgânico no mundo, mundialmente reconhecido também pelas inovações em suas escolas e no impulso à agroecologia), mas também pelo fato de que a Constituição Federal de 1988 institui que a terra deve ter uma “função social”, o que faz do MST um imprescindível defensor da Constituição.

Um latifúndio improdutivo, que descumpre a Constituição, deve ser desapropriado e distribuído para a população privada de terra, espoliada de seu direito legítimo em virtude da manutenção de privilégios injustos, decorrentes de desarmonias históricas legadas pela velha sociedade escravocrata, ainda tão mal enterrada.

O MST atua como movimento social que demanda do poder público o cumprimento das leis do país, mas choca-se nisso com a oposição tenaz de um dogma, com seus truculentos escudeiros: o direito “sagrado” à propriedade privada.

CONHEÇA MAIS SOBRE A CONSTITUIÇÃO DE 1988:

“Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo a sua função social mediante prévia e justa indenização…” (Constituição Federal, Tìtulo VII, Capítulo III, artigo 184)

Tanto o discurso dos generais do governo militar (1964 a 1985), quanto a ideologia dos atuais lordes do agrobiz baseia-se neste direito, absolutizado, à propriedade privada. Não se põe em questão, na lábia hipócrita dos ricos e dos terratenientes, que pode haver injustiça social condenável na propriedade excessiva de capitais e terras.

A nossa Elite do Atraso, como a apelidou Jessé Souza, defende ferrenhamente, com toda a fúria e violência, usando inclusive como subterfúgios os golpes de Estado e outras medidas de estado de exceção, este baluarte sacralizado: o direito à propriedade pessoal, do tamanho que essa propriedade for, e ainda que essa propriedade-de-um acabe por privar do digno e do necessário uma multidão de milhares de seus miseráveis irmãos. O advogado Avanilson Alves Araújo explica qual é o tom típico dos proprietários de terra:

“São retrógrados, tanto em termos econômicos quando políticos… Acreditam no direito absoluto à propriedade, exatamente como os latifundiários da França, antes da Revolução. Não aceitam a Constituição de 1988, que estabelece que a terra deve cumprir uma função social. E rejeitam a idéia de que trabalhadores – e camponeses sem-terra – tenham direitos básicos como seres humanos.” (In: Rompendo a Cerca, p. 209)

A Guerra de Classes brasileira, que se expressa nos conflitos violentos entre latifundiários e movimentos populares campesinos, teve uma contundente crônica cinematográfica realizada no documentário O Voo da Primavera, de Dagmar Talga.

O filme realiza uma homenagem à vida e às lutas de Dom Tomás Balduíno, figura chave na fundação da CPT e do CIMI (Conselho Indigenista Missionário), movimentos que prenunciam e preparam o terreno para a emergência do MST. O cinedebate rolou durante o V JURA (Jornadas Universitárias Pela Reforma Agrária) no IFG Anápolis.

A frase de Balduíno – “direitos humanos não se pedem de joelhos, exigem-se de pé!” – parece-me em total sintonia com o lema do MST: “Terra não se ganha, terra se conquista!”

São noções que demonstram lucidez e realismo na percepção de que, no conflito de classes, a justiça não cairá dos céus nem dos palácios, que os injustiçados tem que conquistar esta justiça em virtude do movimento de massas, cuja coesão solidária é a condição necessária de sua eficácia.

Pois não basta demandar direitos, é preciso ganhá-los. É preciso ter a força de vencer e depois de barrar todos os retrocessos, ou seja, todos os avanços da barbárie de elites e seitas que jogam no lixo tanto a Constituição do País quanto aquilo que chamam de “Direitos dos Manos”…

Neste contexto, O Voo da Primavera é um filme importante também por propor ao debate público uma reconsideração da Teologia da Libertação, movimento iniciado por Gustavo Gutiérrez no Peru e que tem no Brasil, entre seus mais célebres defensores, figuras como Leonardo Boff, Frei Betto, Hélder Câmara, além do próprio Tomás Balduíno. Entre os estudiosos do tema, destacam-se os grandes sociólogos e educadores José de Souza Martins, Carlos Rodrigues Brandão e Michael Löwy.

O próprio Paulo Freire, que se dizia um marxista cristão e que tanto inspirou os ideais sócio-políticos e pedagógicos do MST, também tem uma vida e obra profundamente imbuída na Teologia da Libertação.

No cinema, obras importantes já haviam sido realizadas debatendo o tema, tanto entre os documentários – caso de Igreja dos Oprimidos, de Jorge Bodansky – quanto entre os longas-metragem de ficção – caso de Batismo de Sangue, filme inspirado na obra de Frei Betto.

É a este cânone que O Voo da Primavera vem se somar, propondo à nossa consideração os rumos e horizontes propostos por aqueles da “esquerda clerical”, também imensamente determinantes na gênese do PT (Partido dos Trabalhadores), partido que emergiu também com o concurso de forças das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base).

Em um tempo histórico em que o próprio Vaticano deu uma guinada rumo a uma teologia mais libertária, com o Papa Francisco (o argentino Jorge Bergoglio), o debate público volta a se inflamar com temáticas exploradas pela Teologia da Libertação enquanto o cárcere de Lula se prolonga – injustiça que a muitos olhos será lida como símile de martírio.

O tema mítico da Terra Prometida, mobilizado por tantas religiões proféticas, costuma dar de comer aos famintos apenas um símbolo, uma descarnada esperança. A Terra Prometida, toda repleta de leite e mel, o Éden do amor e da concórdia, a Terra Sem Males, onde não há doença, velhice ou morte, é com frequência projetada num além-túmulo, numa dimensão transcendente. É uma utopia religiosa, um não-lugar no qual alguns botam fé, mas que todos sabemos que aqui embaixo não há.

Já a Teologia da Libertação, fiel nisto ao espírito do marxismo, passa a demandar a Terra Prometida para já, ou seja, justiça, igualdade, fraternidade, para este mundo, aqui e agora! Não se trata mais de cair de joelhos e rezar por uma intervenção divina, trata-se de arregaçar as mangas para fazermos juntos uma intervenção humana.

Este espírito “mundano”, mas animado pela chama de uma mística, pulsou firme no coração das células que constituíram, através de suas histórias, esses organismos coletivos como a CPT, o MST, o PT, dentre outros. Agora, estes são convocados a novamente agirem de modo intenso e transformador nos processos históricos atuais, que são tão brutais contra os humilhados e ofendidos.

Sendo o Brasil o que é – lembremos da Guerra de Canudos, de todo o sangue vertido sobre Os Sertões (cujas crônicas Euclides da Cunha e Vargas Lllosa, dentre tantos outros, nos legaram) -, é quase certeza que a religiosidade vai se meter com política de modo aterrador nos próximos capítulos de nossa tragicomédia nacional. Precisamos escolher bem nossa mística. Os messianismos em choque expressam-se nas próprias urnas, em 2018, com a disputa pelos nossos votos para a presidência sendo convocados nas direções mais antagônicas: Lula, Bolsonaro, Marina, Ciro, Boulos, Meirelles…

No contexto de um colapso parcial da crença na democracia representativa burguesa, crescem também os que recusam qualquer messianismo, ascendem os ateus e agnósticos em política, ou mesmo crescem os niilistas práticos que buscam isolar-se no apoliticismo. Ou seja, os votos brancos e nulos são a escolha de dezenas de milhões – que nem iriam às urnas se o voto não fosse obrigatório.

Essa negação da política parece-me perigosa, e nefastos podem ser os que se pretendem neutros: diante da persistência de inúmeras injustiças e com o rolo compressor de direitos que hoje nos esmaga, se escolhermos a negação da participação social, a noção de que a política é só engodo e lodaçal, não estaremos fazendo o jogo dos opressores, que querem que permaneçamos na idiotia de nossos cuidados com a vida privada, deixando a eles todo o domínio público a ser abocanhado?

Em um momento de exacerbamento da Guerra de Classes, temos que escolher nosso lado na trincheira – e a oposição básica segue sendo entre os que lucram com a opressão e os que resistem e rugem suas discórdias em prol da construção de uma sociedade com menos opressão.

O antagonismo não será jamais transcendido de todo – desde os pré-socráticos, ou mesmo antes deles, já havíamos sido alertados, por exemplo pelo Heráclito de Éfeso, que o conflito é o pai de todas as coisas e que a vida é basicamente luta. Viver é lutar contra a morte, a doença, a aniquilação de si mesma, é perdurar no esforço de existir, é conatus e libido em estado de temporária incandescência. Mas não se vive sozinho, por isso cada vida tem que assumir lutas coletivas:

“A luta pela terra e pelo território representam um capítulo longo e violento da história brasileira. Essa história, que passa pelo avanço do capitalismo no campo, esteve permeada pela expropriação material e simbólica dos povos indígenas, das populações tradicionais e comunidades camponesas, além de ter resultado em milhares de assassinatos durante os conflitos no campo. Em contrapartida, o povo organizado em movimentos sociais, com apoio de diferentes organizações, tem construído dialeticamente uma base sólida de luta e resistência.” – Flyer do doc “O Voo Da Primavera”

Sebastião Salgado, um de nossos mais brilhantes artistas, deu preciosas lições ao Brasil sobre este tema. É comovedora em excesso, dentre tantas fotos magistrais, aquela em que ele retrata uma multidão de gente atravessando a porteira de um latifúndio para ocupá-lo. Transcorria o ano de 1986, no Paraná, quando o MST decidiu pela ocupação da fazenda Giacometti. Salgado decidiu participar de tudo como testemunha ocular e aliado-partícipe – suas fotos, publicadas no livro Terra, fizeram repercutir o evento por toda a globosfera.

“Era impressionante a coluna dos sem-terra, formada por mais de 12 mil pessoas, ou seja, 3 mil famílias, em marcha na noite fria daquele início de inverno no Paraná. O exército de camponeses avançava em silêncio quase completo. Escutava-se apenas o arfar regular de peitos acostumados a grandes esforços e o ruído surdo dos pés que tocavam o asfalto. Corretamente utilizados, os 83 mil hectares da Fazenda Giacometi poderiam proporcionar uma vida digna aos 12 mil seres que marchavam naquele momento em sua direção.

O rio de camponeses que correu pelo asfalto noite adentro, ao desembocar defronte da porteira da fazenda, pára e se espalha como as águas de uma barragem. As crianças e as mulheres são logo afastadas para o fundo da represa humana, enquanto os homens tomam posição bem na frente da linha imaginária para o eventual confronto com os jagunços da fazenda.

Ante a inexistência de reação por parte do pequeno exército do latifúndio, os homens da vanguarda arrebentam o cadeado e a porteira se escancara; entram; atrás, o rio de camponeses se põe novamente em movimento; foices, enxadas e bandeiras se erguem na avalanche incontida das esperanças nesse reencontro com a vida – e o grito reprimido do povo sem-terra ecoa uníssono na claridade do novo dia: REFORMA AGRÁRIA, UMA LUTA DE TODOS!”

SEBASTIÃO SALGADO – Paraná, 1996
In: BRANDORD/ROCHA, Rompendo a Cerca, p. 207

Por Eduardo Carli de Moraes – IFG/Anápolis – Junho de 2018

JAMAIS PODERÃO APRISIONAR NOSSOS SONHOS – Sobre o imperativo da união em torno da bandeira #LulaLivre

EDITORIAL A CASA DE VIDRO – “Acho que a coisa mais gostosa da nossa passagem pela Terra é a convivência fraternal na diversidade”, diz Lula em seu livro “A Verdade Vencerá” (Boitempo, 2018, p. 105). O elogio da democracia, por parte de um dos estadistas mais populares da terra, é também a apologia da Política, antídoto contra a guerra, campo de diálogos e deliberações no espaço público, polvilhado de contradições:

“Em vez de ter um sem-terra e um ruralista se matando no campo de batalha, é muito mais bonito vê-los digladiando no Congresso Nacional, argumentando, provando tudo, votando… E vença aquele que tem melhor argumento. Eu acredito nisso. Acho que no Brasil, lamentavelmente, a democracia não é a regra, é exceção.

E isso é triste, porque eu jamais imaginei, depois de 1988, que a gente teria outro golpe. Eles civilizaram o golpe, agora não precisa ter guerra civil. Não precisa de golpe militar. Você faz dentro da lei: constrói a maioria, consegue ganhar a opinião pública, tem a imprensa para prestar o serviço. A imprensa presta o serviço, você então cria uma maioria da sociedade contra o governo, cria uma maioria dos parlamentares contra o governo e dá legalidade a tudo. E acontece o que estamos vendo no Brasil.”

O Golpe de Estado que se processa no Brasil desde 2016 teve no impeachment sem crime de responsabilidade, perpetrado contra Dilma Rousseff, apenas o seu primeiro episódio: naquela ocasião, os mais de 54 milhões de votos da presidenta re-eleita foram jogados no lixo, com o pretexto espúrio das “pedaladas fiscais” (que nunca foram nem nunca serão motivo para considerar um governante como criminosamente irresponsável).

A Aliança Golpista, sem precisar de tanques, pôde congregar ao seu redor uma maioria parlamentar (essencialmente ligada à Bancada BBB), um respaldo midiático fornecido pelo empresariado da comunicação de massas (com especial protagonismo daquele ovo da serpente que a Ditadura chochou e protegeu em seu ninho, a Rede Globo), além do apoio de setores da sociedade civil que foram cooptados por movimentos como MBL e Vem Pra Rua, servindo de úteis manifestoches da intentona putschista.

Mas ninguém dá um Golpe de Estado para simplesmente realizar novas eleições democráticas e justas, com o risco explícito da 5ª vitória consecutiva do PT – Partido dos Trabalhadores para a presidência da República – donde a necessidade do aprisionamento de Lula, nova fase do velho golpe que pôs Michel Temer no comando de um país que, ao invés de construir uma Ponte Para o Futuro, só está despencando no abismo.

“O mais grave, diz Lula, é a falta de capacidade de indignação da sociedade. Mas não é só com a democracia. É a falta de indignação com gente que está dormindo na rua. É a falta de indignação da sociedade quando eles acabam com investimento em ciência e tecnologia, quando querem acabar com o Fies, quando querem acabar com o Prouni, quando acham que fazer doutorado no estrangeiro é gasto desnecessário. E não é gente pobre, ão. Cadê a academia se manifestando contra a retirada de dinheiro de ciência e tecnologia?” (p. 105)

Este sentimento de indignação que inflama Lula e que o motiva à ação hoje se soma à revolta sentida pelo ex-presidente pela enxurrada de calúnias e pela perversa perseguição de que ele é alvo. O sentimento de um cara injustiçado está impregnado em todas as páginas do livro: “o sentimento de injustiça, de canalhice, da mentira mais escabrosa que se inventou neste país”, queima no peito de Lula contra esta “Elite do Atraso” de que nos fala Jessé Souza. “Eles não aceitaram a ascensão social dos oprimidos neste país.” (p. 79)

O cárcere que fez de Lula um preso político do regime nascido do golpeachment não diz respeito a um triplex no Guarujá, tem a ver com o futuro político de Lula, que trata-se de aniquilar, até mesmo porque a candidatura lulista para as Eleições de Outubro de 2018 provavelmente incluirá a proposta de uma nova Assembléia Constituinte, além de um referendo revogatório que cancele todos os atos do governo ilegítimo nascido do golpe, a começar pela Reforma Trabalhista e pela Emenda Constitucional do Congelamento de Investimentos Públicos em Saúde e Educação por 20 anos. Lula diz:

“Eu sempre tento me colocar do lado dos adversários. Eles devem ficar pensando assim: ‘A gente inventou uma fraude para dar o golpe e a gente conseguiu dar o golpe, tiramos a Dilma. E dizemos tudo isso pro Lula voltar? Correndo o risco de ele levar a Dilma de volta pro governo?’ Porque eu de fato levaria, para ela fazer coisas que sabe fazer como ninguém. Eles correriam o risco de eu montar um ministério ainda mais forte que o da primeira vez? Porra [bate na mesa], se tem uma coisa que o povo gosta é de viver bem. Ninguém se conforma de ganhar pouco, ninguém se conforma de comer mal. As pessoas gostam tanto de viver bem que o Sérgio Moro, quando acha que não ganha o que precisa, pede auxílio-moradia [risos].” (p. 69)

A crítica que se faz às práticas lulistas, ao PT no poder, de ter propiciado a inclusão de mais de 50 milhões de pessoas na economia, através de seus programas sociais, mas que o fez através de uma perspectiva que pensa o ser humano mais como consumidor do que como cidadão, Lula responde: “Eu pensei no cidadão. Porque o cidadão que não pode consumir não é porra nenhuma. O cidadão que não pode comer, não pode vestir e não pode beber é pária, não é cidadão.”

Bertolt Brecht aplaudiria.

Nos dias lendários que precederam sua prisão, Lula tornou-se um ícone histórico de estatura e magnitude similar à de um Martin Luther King, Jr. – cujo discurso “I Have a Dream” inspirou o seu próprio discurso emocionado com várias frases começando com “Eu Sonhei…”. Lula também recuperou o espírito de Che Guevara, citou Pablo Neruda, disse que “podem cortar todas as flores e não vão parar a primavera”. Lula quis nos dar um alento de esperança nestes tempos distópicos e desesperadores onde nossos direitos mais básicos estão sendo lançados no lixo da história pelo elitismo plutocrático que assaltou o poder. Lula nos disse que o problema do poder não é ele, um homem de carne-e-osso, mas o ideal que ele representa e que defendeu com sua vida. O ideal que sua morte não irá matar.

O problema do golpe não é Lula, o problema do golpe somos nós. Pois somos milhões de Lulas e não se pode encarcerar sonhos. Somos milhões de Lulas e não se pode deixar as idéias presas detrás de grades. Ainda que as forças golpistas o mantenham numa cela, incomunicável, torturado pela solidão, impedido de participar da eleição, nós aqui fora seremos Lula Livre. Ele respirará por nossos pulmões, andará por nossas pernas, gritará por nossas bocas, chorará por nossos olhos, lutará com nossos punhos. Pode ser que a gente vá perder, mas Darcy Ribeiro já disse tudo: há muitas lutas em que nós odiaríamos estar do lado dos vencedores, em especial quando eles são uma gangue perversa como esta que tem nos golpeado dia a dia.

É um tempo histórico que não nos permite o luxo da isenção. Há 3 lições de 3 grandes mestres que falam sobre isso com clareza. Desmond Tutu diz que “se você é neutro em situações de opressão, você escolheu o lado do opressor.” Florestan Fernamdes diz que “não existe neutralidade possível e o intelectual deve optar entre o compromisso com os exploradores ou com os explorados.” Paulo Freire diz que não existe neutralidade ideológica e que todos tem ideologia, resta saber: “a sua base ideológica é inclusiva ou excludente?” Por isto, diante das injustiças históricas, não vejo possibilidade de estar ao lado dos “isentões”, já que a justiça é construção coletiva que demanda nosso engajamento.

“Querem me prender? Eu falarei pela voz de vocês. Eu andarei pela perna de vocês. Eu pensarei pela cabeça de vocês.”

Agora o problema deles não é Lula, o problema deles somos nós.

#LulaLivre!

* * * * *

Eduardo Carli de Moraes para A Casa de Vidro
www.acasadevidro.com || 11 de Abril de 2018

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