PUNINDO OS POBRES PELA PANDEMIA: Esqueçam a falácia do “estamos todos no mesmo barco” || A Casa de Vidro

Diante da crise que definirá nossa geração (como escreveu Jamil Chade no El País Brasil), temos ouvido muito que “estamos todos no mesmo barco”, como reza um velho clichê. Que barco é este em que estamos todos embarcados senão o planeta? Embarcados na Espaçonave Terra, de fato podemos nos considerar – nós, os mais de 7 bilhões e 700 milhões exemplares atuais do homo sapiens – como unidos em nossa humana condição.

Porém, um barco tão complexo a ponto de abrigar tanta gente assim jamais poderia ser descrito como algo similar a uma canoa de madeira repleta de náufragos igualmente desprovidos de recursos além de seus corpos, ou seja, munidos apenas de suas vidas nuas.

O nosso é um barco cheio de subdivisões. Para mencionar apenas uma, com o perdão do dualismo um pouco reducionista: neste barco planetário, há áreas VIP de difícil acesso aos reles mortais desprovidos de capitais e propriedades – e estas áreas para very important people estão brutalmente apartadas dos favelões e cortiços onde padecem, em péssimas condições de salubridade, um imenso número dos humanos.

O necroliberalismo hoje vigente – resultado da fusão do neoliberalismo com o neofascismo – explicita hoje, através das ações de figuras execráveis como Bolsonaro, que certas vidas valem menos que outras, e podem ser tranquilamente sacrificadas no altar do Deus Mercado para que a economia capitalista prossiga em sua normalidade. Obscena normalidade!

Pode parecer, à primeira vista e na falta de mais reflexão, que o coronavírus, nesta pandemia global (2019 –  2020), “age” de maneira “democrática” (dizê-lo desta maneira é cair na prosopopéia… peço a todos que não levem a mal esta “licença-poética”). Estes micro-organismos que nem mesmo são considerados organismos e que são obrigatoriamente parasitas de células, afinal de contas,não possuem nada parecido com uma mente, e disso decorre que não têm capacidade de discriminação. Não escolhem quem infectar baseados em preconceito de classe, gênero ou cor.

A cadeia de transmissão não é restringível a partir de parâmetros raciais impostos por humanos: as hordas de vírus não enxergam cor de pele, não poderiam se importar menos com os níveis de melanina na pele dos sujeitos humanos que estão disponíveis no ambiente. O que os vírus “querem” é entrar no motel de uma célula humana, para ali produzirem em ritmo frenético as cópias de si mesmos, os viruzinhos-filhos, numa louca orgia reprodutiva. A pulsão de vida em sua forma mais básica e selvagem.

Assim, nesta perspectiva, estamos de fato todos juntos nisso. Os corpos de ricos e pobres, presidentes e mendigos, proprietários e precarizados, machões e gays, pessoas cis e trans etc., estão todos vulneráveis diante desta ameaça. We’re all in this together. O que supostamente nos solidariza, nos une, gerando a noção de que diante dum problemática global precisamos de uma solucionática também global.

Porém, esta leitura do “todos no mesmo barco”, isto é, a noção de uma suposta igualdade de todos os humanos diante do flagelo, cai por terra quando consideramos os efeitos das pandemias ou das catástrofes sócio-ambientais sobre diferentes classes sociais. Não, não estamos todos no mesmo barco! Como compartilhou Gunther Zibell, “estamos todos nos mesmo mar, mas uns em iates e outros agarrados a um tronco.”

Torna-se claro para qualquer um que estude as questões sociais seriamente que os efeitos catastróficos das pandemias são sofridos muito mais pelas vítimas das injustiças sociais. O sistema que hoje impera está programado para punir os pobres, para emprestar a expressão que nomeia a obra de Löic Wacquant.

Quem soube expressar isto muito bem foi o cineasta sul-coreano Bong Joon-Ho (que marcou época nas premiações cinematográficas com Parasita em 2019 e 2020), em seu filme Snowpiercer – Expresso do Amanhã.  Ali, em cenário pós-apocalíptico, toda a pequena parcela da Humanidade que conseguiu sobreviver à catástrofe ambiental planetária está reunida em um único trem.

O que poderia nos conduzir à repetir, com outro meio de transporte que não o barco, a mesma lenga-lenga igualitária: “agora estamos todos no mesmo trem”. Porém o cineasta expressa com força em sua obra que este trem é altamente segregado, cada um dos vagões servindo, em micro-escala, como um estamento duma sociedade piramidal. Quem fala que estamos todos no mesmo barco deve fazer o adendo: e neste barco está vigente o mais brutal apartheid. É o que a filósofa Judith Butler soube expressar muito bem em seu texto sobre a epidemia de covid-19:

“A desigualdade social e econômica garantirá a discriminação do vírus. O vírus por si só não discrimina, mas nós humanos certamente o fazem, moldados e movidos como somos pelos poderes casados do nacionalismo, do racismo, da xenofobia e do capitalismo. Parece provável que passaremos a ver no próximo ano um cenário doloroso no qual algumas criaturas humanas afirmam seu direito de viver ao custo de outras, reinscrevendo a distinção espúria entre vidas passíveis e não passíveis de luto, isto é, entre aqueles que devem ser protegidos contra a morte a qualquer custo e aqueles cujas vidas são consideradas não valerem o bastante para serem salvaguardadas contra a doença e a morte.” – Judith Butler na Boitempo

Quando Butler fala de “distinção espúria”, pode-se sentir a indignação que motiva a filósofa-ativista: ela está fazendo a crítica da tendência em discriminar entre vidas passíveis de luto e aquelas dos que podem morrer sem que ninguém se lamente. Apesar de sermos todos mortais, ou seja, finitos no tempo e no espaço, vulneráveis a ataques de outros organismos, destrutíveis por elementos naturais que superam nossas forças, ou seja, apesar de compartilharmos esta condição ontológica de precariedade, não seria verdadeira dizer que “somos todos precários”. Alguns são socialmente construídos como mais precários que outros, algumas vidas são construídas como sendo passíveis de luto na hora da morte, e outras como mortes que não passam de “danos colaterais” que não merecem nossas lágrimas.

Por isso soa, infelizmente, tão autêntico este prognóstico: Favelas serão as grandes vítimas do coronavírus no Brasil”, diz líder de Paraisópolis à BBC. Carol Proner, em um texto poderoso, soube descrever bem os abismos que há entre as vivências do vírus entre classes tão apartadas quanto Os Ricos e Famosos VS As Comunidades Carentes:

“É claro que o vírus acéfalo, que veio de avião e frequentou as colunas sociais nas festas e casamentos de famosos, já se espalhou nas comunidades carentes. E não foi por acaso que uma das primeiras mortes tenha sido a da empregada de 63 anos que cuidava dos patrões em quarentena na zona sul do Rio de Janeiro, um casal recém chegado da Itália e que passa bem.

Zizek, um dos primeiros intelectuais a opinar em meio à crise, tem insistido no argumento de que “estamos todos no mesmo barco”, de que saídas individuais não resolverão e que estamos diante da oportunidade de um “novo comum”, uma mudança ética que possa resgatar a racionalidade humana para salvar vidas. Mas talvez o filósofo esloveno, comovido pela solidariedade de outros países à Itália, mude de ideia ao conhecer a evolução do coronavírus no Brasil, onde a concentração de renda e de privilégios é extrema e que, por força dos golpes e das guerras híbridas, vem sendo governado por um bando de loucos violentos.

No Brasil das mentes planas, o governo e também a mídia classista, devidamente higienizada com álcool gel, ignoram a escala discriminatória dos efeitos desta guerra. Talvez achem que a circulação no barco de que fala Zizek possa ser feita com as pulseiras fosforescentes de acesso privilegiado, como estas que são usadas nos cruzeiros de luxo e festas de bacanas, evitando a entrada do vírus nos andares superiores. Nos porões do Brasil, mesmo com um programa de assistência única de saúde que pode ser considerado um exemplo para o mundo, estarão as vítimas mais numerosas, como já previnem os especialistas. No porão também está a multidão prisional, que já é grandemente formada por mortos-vivos, mas isso também faz parte da guerra. (PRONER, Carol. In: Brasil de Fato)

A extensão da tragédia coletiva que a pandemia representará na História do Brasil ainda é desconhecida, e aqui não se trata de tentar quaisquer exercícios de futurologia. O que já é claro, desde o presente, a partir da leitura de suas tendências e fluxos, é que haverá uma distribuição diferencial do sofrimento e que os favelados, os prisioneiros, os refugiados, os que não tem teto nem terra, os mais pobres e desvalidos, vão sofrer bem mais do que a classe média que pode pagar plano de saúde e tem uma poupança, que por sua vez vai sofrer mais do que os banqueiros capazes de se fechar num bunker com um Disneilândia dentro.

Lelê Teles soube expressar isso bem em sua provocativa crônica publicada em Geledés:

“as pessoas devem ficar em casa”, grita o guarda municipal, com o apito na mão, numa praça em são paulo.

aí surgem as perguntas, tipicamente brasileiras: “onde é a minha casa?”, indaga o sem-teto.

“o que é uma pessoa?”, pergunta o “menino de rua”.

questões enigmáticas.

(…) nada é mais didático do que aquelas fotografias em preto e branco dos pretos estadunidenses marchando pelas ruas com um cartaz no pescoço onde se lia: “i’m a man.”

O autor tira a conclusão de que “no Brasil tem as pessoas, as não-não pessoas e as superpessoas; estas, são aquelas dos camarotes vips.” Por isso, é impossível des-politizar a pandemia, tratá-la “apenas” a partir do viés da ciência, por exemplo clamando para um trabalho comum em prol do desenvolvimento de vacinas e remédios.

É evidente que o trabalho científico conjugado, internacionalista, solidário, é a nossa melhor chance para amainar o impacto mortífero das pandemias, porém nosso maior problema também seja outro: o Sistema que produz, em seu bojo, as pandemias, as catástrofes sócio-ambientais, as mudanças climáticas antropogênicas etc.

Rosana Pinheiro-Machado escreveu no The Intercept Brasil sobre o tema que aqui estamos explorando:

O vírus, em princípio, não escolhe classe, raça e gênero. Ele simplesmente se espalha, entre partículas e superfícies, de um corpo para o outro. Mas sabemos que a maneira como corpos, partículas e superfícies estão dispostas no mundo variam de acordo com marcadores sociais de desigualdade.

(…) Na última semana, assistimos muitos vídeos de como lavar as mãos em 20 segundos. Aprendemos a abrir a porta com o cotovelo e realinhamos nossa distância física nos afetos e cumprimentos da vida. Enquanto passamos o sabonete no pulso, palma da mão e punho muitas vezes ao dia, as consequências extremadas de um mundo distópico pandêmico seguem seu curso, demarcando um apartheid sanitário. Bilionários pegam seus jatinhos particulares e vão para bunkers de luxo isolados em países não infectados. Enquanto isso, 736 milhões de pessoas vivem em extrema pobreza no mundo e consideram o sabonete um objeto de luxo.

Tudo isso indica a dimensão catastrófica da pandemia quando esta penetra em favelas, bantustões, presídios, campos de refugiados e comunidades desprovidas de recursos médicos e sanitários. Vijay Prashad, em artigo publicado pela Tricontinental, relembrou um episódio em que a História ilumina nosso presente sombrio:

“Pouco se sabe que a gripe espanhola de 1918-1919 teve seu pior impacto no oeste da Índia; dos milhões que morreram nessa pandemia, 60% eram desta parte do país e os que morreram já estavam enfraquecidos pela desnutrição imposta pela política colonial britânica. Hoje, os famintos vivem nesses cinturões de favelas que até agora não foram dramaticamente atingidos pelo vírus. Se a morte começar a assolar essas áreas, onde os cuidados médicos foram severamente esgotados, o número daqueles que morrerão será alarmante, a miséria da estrutura de classes ficará evidente nos necrotérios.”

Para aqueles que chegaram a pensar um dia que a segregação do apartheid havia sido extinta, para figurar somente em museus sobre a história da África do Sul ou do III Reich nazifascista, outra má notícia é que “a desumanidade terá um longo futuro”, como vaticinou o poeta Paul Válery. Como escreveu Eliane Brum em El País, também ela destacando que “não estamos todos no mesmo barco”, estamos diante de uma década que nasce marcada pelo conceito de apartheid climático:

“Não estamos todos no mesmo barco. Nem para o coronavírus nem para a crise climática. Mais uma vez, a comparação entre coronavírus e crise do clima faz todo o sentido. A ONU criou o conceito de apartheid climático, um reconhecimento de que as desigualdades de raça, sexo, gênero e classe social são determinantes também para a mudança do clima, que as reproduz e as amplia. Aqueles que serão os mais atingidos pelo superaquecimento global —negros e indígenas, mulheres e pobres —foram os que menos contribuíram para provocar a emergência climática. E aqueles que produziram a crise climática ao consumir o planeta em grandes porções e proporções —os brancos ricos de países ricos, os brancos ricos de países pobres, os homens, que nos últimos milênios centralizaram as decisões, nos trazendo até aqui— são os que serão menos afetados por ela. São esses que já passaram a erguer muros e a fechar as fronteiras muito antes do coronavírus porque temem os refugiados climáticos que criaram e que serão cada vez mais numerosos no futuro bem próximo.

Na pandemia de coronavírus há o mesmo apartheid. É bem explícito qual é a população que tem o direito a não ser contaminada e qual é a população que aparentemente pode ser contaminada. Não é coincidência que a primeira morte por coronavírus no Rio de Janeiro foi uma mulher, empregada doméstica, a quem a “patroa” nem reconheceu o direito à dispensa remunerada do trabalho, para fazer o necessário isolamento, nem achou necessário contar que poderia estar contaminada por coronavírus, cujos sintomas já sentia depois de voltar de um Carnaval na Itália. Essa primeira morte no Rio é o retrato do Brasil e das relações entre raça e classe no país, expostas em toda a sua brutalidade criminosa pela radicalidade de uma pandemia.

(…) Muitas das ações da direita e da extrema direita no Brasil dos últimos anos tiveram como objetivo neutralizar e sepultar uma insurreição das periferias, no sentido mais amplo, que começava a questionar, de forma muito contundente, os privilégios de raça e de classe. Começava a reivindicar sua justa centralidade. Marielle Franco era um exemplo icônico destes Brasis insurgentes que já não aceitavam o lugar subalterno e mortífero ao qual haviam sido condenados. A pandemia mostrou explicitamente que a rebelião continua viva. O Brasil das elites boçais, aliado à nova boçalidade representada pelos mercadores da fé alheia, não conseguiu matar a insurreição. O “Manifesto das Filhas e dos Filhos das Empregadas Domésticas e das Diaristas”, afirmando que não permitiriam que os patrões deixassem suas mães morrer pelo coronavírus, foi talvez o grito mais potente deste momento, impensável apenas alguns anos atrás. (BRUM, Eliane)

O vírus não tem cérebro, nem moral, é incapaz de discriminação e malevolência. Está aqui por resultado das ações humanas no seio da Natureza – marcadas por uma destrutividade que beira a insanidade. Seus efeitos catastróficos são devidos a um sistema pré-existente onde proliferam os apartheids, as zonas de sacrifício, as injustiças sociais baseadas em distinções de raça, gênero e classe. Por isso, no perturbador e salutar texto Monólogo do Vírus, publicado por Lundi Matin, a prosopopéia humana atribui a ele uma função pedagógica (saibamos ser aprendizes!): “Eu vim parar a máquina cujo freio de emergência vocês não estavam encontrando. Eu vim suspender a operação da qual vocês são reféns. Eu vim expor a aberração da ’normalidade’.”

 

Por Eduardo Carli de Moraes
Goiânia, Brasil – 23/03/2020

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRUM, Eliane. O vírus somos nós (ou uma parte de nós). El País Brasil, 25 de Março de 2020.
BUTLER, Judith. O capitalismo tem seus limites. Blog da Boitempo, 20 de Março de 2020.
CHADE, Jamil. A crise que definirá nossa geração. El País, 17 de Março de 2020.
LUNDI MATIN. O Monólogo do Vírus. 24 de Março de 2020.
PINHEIRO-MACHADO, Rosana. Coronavírus não é democrático: pobres, precarizados e mulheres vão sofrer mais. The Intercept, 17 de Março de 2020.
PRASHAD, Vijay. Profissionais da saúde movem um mundo mutilado. Tricontinental, 19 de Março de 2020.
PRONER, Carol. Nesta guerra, Bolsonaro é um aliado do coronavírus. Brasil de Fato, 21 de Março de 2020.
TELES, Lelê. Coronavírus, uma abordagem antropológica. Geledés, 18 de Março de 2020.


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A FRATERNIDADE DOS REFUGIADOS – Sobre o filme “Era o Hotel Cambridge”, de Eliane Caffé

A FRATERNIDADE DOS REFUGIADOS
por Eduardo Carli de Moraes​

“Nós somos todos refugiados”, dispara Carmem Silva, uma ativista da Frente de Luta por Moradia (FLM) de São Paulo. “Somos refugiados da falta dos nossos direitos.”

Carmem, esta mulher da vida real que interpretou a si mesma em “Era o Hotel Cambridge”, fusão de ficção e documentário, talvez seja a responsável pela frase mais emblemática deste memorável, contundente e relevantíssimo filme dirigido por Eliane Caffé.

O filme é espetacular por sua capacidade de transcender o cinema e tornar-se um evento cívico, um acontecimento político, uma “experiência de cinema colaborativo em São Paulo que aproxima artistas e intelectuais de movimentos de sem-teto e refugiados. E explica o direito à cidade, na prática.” (Rede Brasil Atual)

Eliane Brum​, em artigo magistral para EL PAÍS Brasil​, disse que o desembarque entre nós deste OVNI cinematográfico equivale a “um acontecimento político-cultural capaz de expressar as tensões e a potência do Brasil atual”:

“O Hotel Cambridge, personagem central do filme, foi na vida real de São Paulo um hotel de luxo construído no final anos 50 com evocações hollywoodianas. Com o crescimento da cidade e o abandono da região central pelos mais ricos, ele testemunhou sua própria decadência. Em 2004, cerrou suas portas e tornou-se mais um esqueleto do centro, um morto insepulto, abandonado ao vazio. Em 2012, foi ocupado pelo movimento dos sem-teto, uma das forças de maior potência da maior cidade do Brasil.

O hotel foi ocupado por cerca de 140 famílias, mais de 240 crianças. A quantidade de meninos e meninas fica explícita em cuidados como um surpreendente e bem organizado estacionamento de carrinhos de bebê. Na dinâmica da especulação imobiliária, que se impõe como uma lógica questionada por poucos, o fato de o Cambridge ter ficado abandonado por oito anos, juntando lixo e empoçando água, tornando-se um criadouro de mosquitos numa época de dengue, zika e chikungunya, não parece ser um problema para a população.

Já quando o velho hotel foi ocupado para a moradia de quem não tem, os ocupantes são tachados de “invasores” – e a urgência de sua denúncia é apagada pelo processo perverso da criminalização.”

(ELIANE BRUM – Leia na íntegra em http://brasil.elpais.com/brasil/2017/03/20/opinion/1490015804_432739.html)

Em “Era o Hotel Cambridge”, baseado em livro de Carla Caffé, o cinema brasileiro alça-se às alturas artísticas que dele se espera por sua gloriosa história pregressa (de Glauber e Sganzerla, a Meirelles e Coutinho, com incontáveis outros gênios que poderiam ser lembrados). É uma obra coloca-nos algumas questões cruciais para o século 21, época em que vivenciamos a pior crise de refugiados no pós-2ª Guerra Mundial (1939-1945) (sobre o tema, leia: Vladimir Safatle) e em que as utopias urbanas têm insistido em sonhar e construir outros mundos possíveis baseados em ideários como “se a cidade fosse nossa….”.

“Ocupar está em voga na cidade de São Paulo. Secundaristas, massa crítica, hortelões comunitários, Ministério da Cultura (MinC), fábricas de cultura, Minhocão, jornadas de junho, ­rolezinhos foram e são fenômenos que apontaram para movimentos de apropriação e ressignificação dos espaços públicos e da vida pública. São insurgências distintas, na maioria um pontapé da juventude. E que, apesar de separadas no mapa, possuem pontos comuns: resistência, prática autônoma e discurso apartidário. Uma experiência chama especial atenção nesse fluxo, principalmente pelo cruzamento entre diferentes tribos urbanas – militantes, artistas, jornalistas, psicanalistas, arquitetos, médicos e refugiados: a Ocupação Cambridge, fruto de um movimento não tão novo, mas importante na história das lutas sociais da cidade, pela moradia digna.” – CAROLINA CAFFÉ em REDE BRASIL ATUAL – Click e leia o artigo na íntegra

Refugiados e imigrantes provenientes do Congo, da Palestina e da Colômbia estão entre os personagens principais desta obra polifônica, rica em diversidade humana, em que Eliane Caffé inscreveu de vez seu nome nos anais da 7ª arte em nosso país. Desde já, a obra merece ser estudada nas aulas de sociologia, já que torna explícita a práxis deste conceito, às vezes compreendido de modo demasiado teórico ou abstrato do  Direito à Cidade, tão essencial na obra da cientistas sociais como Henri Lefebvre e David Harvey (autor de Cidades Rebeldes), e que possui no Brasil um de seus principais pensadores e praticantes na figura do Guilherme Boulos, filósofo e líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto).

Eliane Caffé já havia realizado um filmaço com “Narradores de Javé” (2003), onde um banquete linguístico de deixar contente qualquer fã de Guimarães Rosa, José Cabral de Melo Neto ou Ariano Suassuna somava-se à descrição de um drama social que retorna ao foco, ainda em que transformado e em outras condições, em “Era o Hotel Cambridge”.

Ambos filmes falam sobre aqueles que são refugiados no Brasil, apesar de serem brasileiros; são gente que poderia figurar no tratado “Os Excluídos da História”, da historiadora francesa Michelle Perrot (Ed. Paz & Terra); são aqueles que foram expulsos de seu direito constitucional à moradia, ao território tradicional/originário, ao usufruto da terra que nos é comum.

São gente como a gente, da qual subtraem-se direitos a fórceps. São gente que sofre na carne as incontáveis desumanidades institucionalizadas que em toda parte vem maculando esta Terra que hoje encontra-se toda conspurcada pelas cercas, arames farpados e muros altos edificados pelas elites dos privilégios.

Em “Narradores de Javé”, os refugiados são os moradores do vilarejo de Javé, que está sob ameaça de desaparecer debaixo d’água devido à construção de uma gigantesca hidrelétrica. É surpreendente notar que um filme realizado no ano de 2003 pode hoje soar profético, emblemático de uma era do nosso Brasil que prossegue vigente 15 anos depois. É como se Eliane Caffé tivesse previsto com uma quase miraculosa clarividência, desde o começo do século, que vivenciaríamos os conflitos e antagonismos que hoje nos atravessam com os projetos à la Belo Monte e os fluxos migratórios desordenados e caóticos que hoje ocorrem pelo globo afora, piorados após as desastrosas campanhas da chamada Guerra Contra o Terror no Oriente Médio.

A resistência rural à redução do cidadão ao estado de refugiado interno tinge “Narradores de Javé” de um teor contestatório latente, transformando o filme, que poderia ser visto apenas como excelente entretenimento, a um só tempo humorístico e pedagógico, ao patamar mais alto das obras-de-arte que são também documentos históricos e sócio-culturais. É uma obra que permite-nos, por exemplo, avançar uma compreensão mais cheia de empatia e de entendimento dos dramas atuais como a luta do povo Munduruku contra as hidrelétricas no Rio Tapajós.

Em “Era O Hotel Cambridge”, os refugiados são os moradores da megalópolis paulista que têm negados pelos gestores palacianos da sociedade a chance, constitucionalmente garantida, à casa própria e digna. São aqueles que, obrigados por circunstâncias adversas a ocuparem imóveis abandonados, dão suor e sangue a prédios abandonados com a nova vida que lhe infundem através da ocupação.

A ocupa, força vivificante, resistente, que contesta o império atualmente vigente da especulação imobiliária e da gentrificação, serve como laboratório de outros mundos possíveis. Um mundo onde a propriedade de privilégios que privam concidadãos do mais básico para a existência digna seja reconhecida pelo que é: privilégio é só propriedade abusiva, ilegítima, reconhecível apenas como “roubo”, como dizia Proudhon. O privilégio é um roubo.

Em uma resenha escrita por Isabel Wittmann, ela pontuou muito bem o potencial do filme em pôr em questão o abismo existente entre a Constituição de 1988, em sua dimensão igualitária e em suas pretensões de instaurar justiça social, com nossa realidade atual, tão marcada por direitos que nos são violentamente subtraídos, em especial com a avalanche de retrocessos patrocinada pelas forças sociais e políticas responsáveis pelo Golpe parlamentar-jurídico-midiático de 2016-2017.

“O artigo sexto de nossa Constituição Federal estipula que “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”. O Estado tem a obrigação de garantir que sua população tenha moradia, mas o que fazer quando os governos não só se recusam a fazê-lo, como reagem no sentido de silenciar movimentos que tentar garantir seus direitos? Essa é uma das muitas questões levantadas em Era o Hotel Cambridge, da diretora Eliane Caffé.

Trabalhando nos limites entre o ficcional e o documental, Caffé registra o cotidiano dos moradores do Hotel Cambridge, edifício abandonado no centro da cidade de São Paulo, destacando as vivências caleidoscópicas de alguns personagens que dão corpo à experiência coletiva. A rotina, as reuniões as tarefas e momentos de engajamentos são retratados com fluidez. Dentre as personagens, o destaque é Carmem, líder real da Frente de Luta por Moradia (FLM), que aqui tem sua força coordenadora descortinada para o público. Mas a narrativa é polifônica: não só se pauta em muitas vozes, como é perceptível a colaboração dos participantes com suas experiências reais nas falas de seus personagens. Em certo momento, Apolo (José Dumont), que organiza um espécie de vlog da ocupação, pergunta “Cadê o foco narrativo?“. Não há um foco pois o protagonista é a luta, sendo cada um apenas uma faceta dela.” (WITTMANN, Isabel)

(http://estantedasala.com/era-o-hotel-cambridge/)

Se o filme oferece-nos motivos para indignação, em especial quando desponta toda a truculência das Tropas de Choque, sob comando do Tucanistão, trata-se de um filme bem mais esperançoso do que, digamos, “Riocorrente” de Paulo Sacramento. A São Paulo focalizada por ambos os filmes é semelhante: é a cidade suja, abandonada, fervilhante de contradições, vista de cima pra baixo, sob a perspectiva dos mais humilhados e ofendidos pelo Sistema; em suma, não é Sampa vista de uma heliponto na Avenida Paulista ou de uma cobertura de 5 milhões no Morumbi, é a Sampa tal como ela é vivenciada nas Crackolândias, favelas e cortiços da maior cidade da América Latina.

“Riocorrente” parece evocar uma Sampa distópica, mais dark que Blade Runner 2049​, onde um dia o Tietê virará nada menos que um rio de fogo – e os protagonistas não vão economizar nas fagulhas e faíscas que tem a fornecer pra que tudo pegue fogo.

“Era o Hotel Cambridge” acredita mais na empatia humana e na força telúrica do amor sob sua encarnação social, expandida para além da cela individual e familiar – aquilo que chama-se comumente de “solidariedade” ou “fraternidade”. O bicho pode estar pegando – a Tucanalha fardada está prestes a chegar, com toda a grosseria brucutu de herdeiros da Ditadura Militar, para cumprir mandato judicial de reintegração de posse com a delicadeza e o respeito humano que viu-se no Pinheirinho (São José dos Campos) – mas o povo, unido, pode até ser vencido, mas luta com união, fortalece-se no esforço de superação das opressões vigentes, reergue-se como Fênix de cada derrota.

Se o Brasil não é um pesadelo totalmente desesperador, é pois existem fortes focos de resistência contra a mercantilização e canalhização completa de nossas vidas. No campo e nas cidades, MSTs e MTSTs, Levantes Populares de Todas as Juventudes, resistências enraizadas dos povos indígenas e quilombolas, artistas com consciência crítica, intelectuais orgânicos atentos aos horrores galopantes, midiativistas e artivistas, dentre outras forças, fazem desta pátria pluritétnica algo muito mais interessante e amável do que a pálida e pútrida propaganda pra patriotário que é a “Ordem e Progresso” do regime Michel Temer​.

Após o golpe de Estado de 2016, “Era o Hotel Cambridge” levanta-se como uma das mais preciosas respostas da Arte Brasileira ao cenário de devastação que está sendo gestado pelos arquitetos da Ponte Para o Futuro (“imaginem quantos milhões de pobres vão morar debaixo dela”, como provoca a tirinha de André Dahmer – malvados​). Este filme pode inclusive ensinar-nos um bocado sobre solidariedade internacionalista, este pilar básico do movimento socialista, que jamais acreditou em emancipação paroquial, mas sim na união de várias emancipações coordenadas, pois onde quer que haja opressão, há resistência e ímpeto de revolução, algo a tecer em união numa grande Internacional Comunista. Com o perdão deste arroubo Trotskysta, voltemos aos refugiados…

Zygmunt Bauman, o finado sociólogo polônes que tanto nos ensina sobre o mundo atual e o drama global dos refugiados, talvez diria, assistindo ao filme de Eliane Caffé, que ele exemplifica perfeitamente o conceito de “sub-classe”, ou de “sub-gente”, que com tanta frequência é mobilizado por nossas elites que tratam vastos contingentes populacionais como simplesmente “matáveis”.

Em “Danos Colaterais – Desigualdades Sociais Numa Era Global” (Ed. Zahar), ele escreveu:

“A condição de subclasse é a de emigrados internos, ou imigrantes ilegais, ‘estranhos de dentro’ – destituídos dos direitos de que gozam os membros reconhecidos e aprovados da sociedade; em suma, um corpo estranho que não se conta entre as partes ‘naturais’ e indispensáveis do corpo social. Algo não diferente de um tumor cancerígeno, cujo tratamento mais sensato é a extirpação…” (BAUMAN, 2011, p. 10)

Esta é a ideologia do nosso inimigo: o fascismo das elites que elegem certos povos, etnias ou territórios como “zonas de sacrifício” (Naomi Klein​), lidando com gente como se fosse sub-gente, meros bichos a serem mandados para matadouros, danos colaterais a aparecerem nos gráficos dos senhores da guerra reunidos em um bunker do FMI…

Como Eliane Brum bem percebeu, “Era o Hotel Cambridge”, sem nenhum panfletarismo explícito – quero dizer, sem nunca ficar parecendo com um discurso de Guilherme Boulos – trabalhou com uma noção crucial para nós no mundo contemporâneo: a fraternidade dos refugiados.

“Esta ideia está explícita na síntese produzida por Carmen Silva, ao abrigar estrangeiros de diversas origens com brasileiros de diversas origens sob o teto da mesma palavra-casa: refugiados”. Ela sinaliza que a identidade só pode existir como atravessamento de múltiplos.

Este é o amálgama que une todos aqueles homens e mulheres, adultos e crianças que se dedicam ao absurdo da vida nos corredores do Hotel Cambridge. O amálgama que coloca os brasileiros como um “fora” mesmo dentro do seu próprio país, os estrangeiros como um “fora” de suas pátrias de origem. Mas todos eles sem refúgio de fato, exceto o do provisório, do efêmero, que constroem num antigo hotel de luxo abandonado. O único refúgio permanente é o desta identidade atravessada que permite que se movam e que confrontem o sistema por “dentro”, eles que são aqueles que foram colocados “fora”. O refúgio permanente é justamente o improvável de sua existência coletiva.

E assim, “Era o Hotel Cambridge” (…) converte-se em uma das obras culturais mais criativas e criadoras dos últimos muitos anos. E uma obra que incorpora a política, na sua expressão mais profunda, como a própria carne do seu fazer. Vida e obra se entrelaçam de tal maneira que o filme está nos cinemas e nas ruas ao mesmo tempo. Para Carmen Silva e moradores do Cambridge, a obra se tornou um instrumento de luta na medida em que se converteu em um meio para se fazer conhecer.” (BRUM)

No ano em que “Eu, Daniel Blake” (de Ken Loach) faturou a Palma de Ouro em Cannes, colocando no epicentro do debate cinematográfico global o tema das desumanidades cometidas pelo neoliberalismo reinante, e em que iniciou de modo tenso a Era Trump na Casa Branca, com ameaças palpáveis de um recrudescimento das guerras imperialistas e de uma piora tanto da crise dos refugiados quanto da insana caminhada para catastróficas mudanças climáticas, o Brasil ergue-se à altura do tempo histórico com um filme que têm algo a dizer a todo o Globo.

EXTRAS


Reportagem TVT


No estúdio TVT, entrevista com Carmem Silva, uma das líderes do Frente de Luta por Moradia (FLM)



Trailer oficial



Metrópolis – TV Cultura


Depoimento de Camila Pitanga
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PROMETEU DESACORRENTADO – A responsabilidade pelos viventes vindouros na filosofia de Hans Jonas (1903 – 1993)

PROMETEU DESACORRENTADO

A responsabilidade pelos viventes vindouros na filosofia de Hans Jonas (1903 – 1993). Comentários sobre “O Princípio Responsabilidade – Ensaio de uma Ética para a Civilização Tecnológica” [Wikipedia]

por Eduardo Carli de Moraes / A Casa de Vidro.com

Conta a lenda que Prometeu, após ter roubado o fogo do Olimpo para presenteá-lo aos mortais, foi punido por um Zeus furibundo e vingativo. Os suplícios que Zeus aplica a seus desafetos são um manual prático de crueldade e sadismo – que o digam Sísifo, Tântalo, Íxion e as Danaides – e com Prometeu, o ladrão do fogo, a fúria divina também se manifesta em todo o esplendor de sua violência. O titã transgressor é acorrentado por Hefesto a uma rocha, para em seguida ser submetido a uma tortura infinda: uma águia almoça todos os dias o seu fígado, em carne viva, e a cada novo dia o fígado se regenera, sendo novamente devorado. Este mito grego é um daqueles que teve mais profundas repercussões na história da cultura – tendo sido material inspirador da dramaturgia grega clássica (a Prometeu era dedicada uma trilogia trágica de Ésquilo, apenas parcialmente conservada), da poesia (com destaque pros versos de Percy Shelley e Goethe), da pintura (inesquecíveis as imagens de Peter Paul Rubens e Dirck van Baburen) etc.

Hefesto acorrentando Prometeu (1623) em tela de Dirck van Baburen

Hefesto acorrentando Prometeu (1623) em tela de Dirck van Baburen

Também é Prometeu quem Hans Jonas invoca ao iniciar esta obra crucial da filosofia do século XX, O Princípio Responsabilidade: “O Prometeu definitivamente desacorrentado, ao qual a ciência confere forças antes inimagináveis e a economia o impulso infatigável, clama por uma ética que, por meio de freios voluntários, impeça o poder dos homens de se transformar em uma desgraça para eles mesmos. A tese de partida desse livro é que a promessa da tecnologia moderna se converteu em ameaça…” [1]

O fogo serve aqui como símbolo para aquilo que possibilita que a humanidade desenvolva sua tecnologia, uma espécie de estágio inicial no processo científico e criador de técnicas de intervenção e modificação da realidade natural: a domesticação do fogo seria o marco zero da tecnê (o termo grego para “saber fazer”, para todas as vertentes do conhecimento técnico). Ora, Hans Jonas, fiel neste sentido à tradição de Heidegger (desconsiderados os imensos abismos que os separam em política), reflete fundamentalmente sobre o efeito da tecnologia sobre as civilizações e com a imagem do Prometeu desacorrentado põe em evidência o perigo, o risco, a ameaça, de um poder titânico, desenfreado, que pode exagerar na dose de seu intervencionismo dominador e transfigurador. 

O filho do Prometeu desacorrentado é o Antropoceno, e Hans Jonas, ainda que mencione o efeito estufa e o aquecimento global apenas en passant, sem estar exatamente consciente do peso e da gravidade que hoje adquiriram as mudanças climáticas e as catástrofes delas decorrentes, construiu uma filosofia que tem muito a nos ensinar sobre os tempos em que vivemos – e os tempos que virão.

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O problema da humanidade atual não é a falta do fogo, isto é, a primitividade tecnológica, mas sim o fogo em excesso, ou seja, o planeta transformado em demasia pela intervenção humana, a ponto de termos entrado em uma nova era geológica, o Antropoceno. O mito antigo, que trazia Prometeu privado da liberdade, tem que ser atualizado para o contexto contemporâneo: o de Prometeu sem freios, devastando um planeta com o consumismo, o produtivismo, a queima de energias fósseis, num “poluicionismo” insano e titânico. Na wasteland do real, Prometeu passa por símbolo de uma tecnologia que saiu dos trilhos e encaminha-nos para distopias sci-fi à la Matrix, Children of Men, Snowpiercer, The Road… (Sobre as conexões múltiplas entre o cinema de ficção científica atual e a especulação sobre os efeitos da tecnociência sobre a biosfera, conferir o ótimo livro de Viveiros de Castro e Danowski, Há Mundo Por Vir?)

Exemplo contemporâneo melhor da titânica desmesura  não há do que este: sabe-se há décadas que a queima de combustíveis fósseis gera como subprodutos tóxicos a emissão de gases de efeito estufa, que tornam nossa atmosfera uma sauna com temperaturas em ascensão (as previsões do IPCC, Intergovernamental Panel on Climate Change, são de um incremento de 2º a 6º graus Celsius na temperatura da Terra ao fim do século XIX).

A era em que entramos, o Antropoceno, não deve ser comemorada acefalamente como se provasse a supremacia humana, nossa posição de domínio – pois alguns humanos narcisistas talvez sintam vontade de comemorar o Antropocen como se fosse uma vitória esportiva ou uma medalha de ouro olímpica! Na real, o Antropoceno é vivenciado como uma desgraça pela a teia da vida (cito aqui o Chief Seattle em seu discurso the web of life): para a diversidade dos viventes,  o ser humano – um dentre esta miríade de viventes – tornou-se um tão mortífero extintor-de-espécies que age hoje com o poder de um cataclismo geofísico. Deixo ao leitor a tarefa de julgar do que sofre este escriba: paranóia catastrofista ou excessiva lucidez?…

“We did not weave the web of life, we are merely strands in it. Whatever we do to the web we do to ourselves.” ― Chief Seattle

O que urge é termos “a coragem de ter medo” [2], como já recomendava Günther Anders, em 1959, diante da ameaça de uma guerra nuclear (leia, na revista Sopro, as Teses Para A Era Atômica, de 1962). Hoje, tanto as mudanças climáticas quanto a guerra nuclear devem nos pôr em estado de medo construtivo – um outro nome para a boa e velha virtude da prudência? – como argumentam tantos climatologistas, antropólogos, cientistas e outros humanos que, quanto mais esclarecidos se tornam, mais aterrorizados parecem ficar com os rumos planetários catastróficos. Essa coragem de temer é também sublinhada por Hans Jonas que, num arroubo de ironia, subverteu a tradição filosófica da dúvida cartesiana, demandando que é preciso duvidar de tudo, menos do pior.

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Parece-me que o pensamento e o ativismo ecológicos da atualidade possuem uma forte tendência ao catastrofismo esclarecido, vertente que talvez se aplique a autores como Naomi Klein, George Monbiot, Eduardo Viveiros de Castro, entre outros. Trata-se sempre de estar com a mente clara e lúcida quanto às consequências de longo prazo de nossas ações presentes que, analisadas com profundidade, revelam-se de uma irracionalidade e de uma destrutividade preocupantes. De onde diabos saiu o tal do “catastrofismo esclarecido”? Até onde sei, o termo vem de Jean-Pierre Dupuy, discípulo de Ivan Illich e René Girard, que publicou no começo do século XXI seu livro Pour Un Catastrophisme Éclairé. Dupuy parece defender a tese (bastante discutível) de que “a ação política deve atualmente pensar menos na perspectiva da revolução a conseguir e mais na catástrofe que é preciso barrar se ainda houver tempo.” [3]

Segundo os catastrofistas esclarecidos – que estão no pólo oposto dos “negacionistas”, estes otimistas muito bem-pagos que recusam-se a admitir que temos um problema… (vejam o artigo de Deborah Danowski) – a ação política hoje deve estar focada numa ação de frenagem (que pode, é claro, incluir vastas ações de sabotagem do atual sistema). Devemos nos mobilizar para frear a loucura suicida do atual sistema de produção e consumo, caso contrário a biosfera sofrerá um colapso ainda mais grave do que este que já está em curso e que já vem gerando imensa devastação socioambiental, extinção de inúmeras espécies, com prognósticos de aquecimento global galopante e crise de refugiados de proporções épicas. Um cenário que o deputado federal brasileiro Chico Alencar (PSOL) descreveu em sucintas palavras: “Cada vez mais somos tripulantes de uma nave comum ameaçada que é a mãe Terra. O desastre ambiental vai nos afetar a todos, sem exceção, embora comece tirando a vida dos mais pobres por causa de nossa desordem injusta estabelecida.” [4] (Assista o vídeo em http://bit.ly/1tGGnIu)

No caso de Hans Jonas, o que está em jogo é a criação de uma nova ética, de um novo paradigma de relacionamento, de modo a agirmos com uma precaução,uma prudência, a generosidade atenta (à la Simone Weil), não somente no nosso trato uns com os outros, mas também em relação aos vivos que ainda estão por nascer. As futuras gerações, destacará Hans Jonas, devem ser levadas em consideração desde já. A ética do presente não pode ignorar o futuro, sob o risco de legar aos que viverão amanhã um mundo muito mais terrível do que aquele em que nascemos. A ecologia, a economia, a ética, não podem ser desvinculadas. É nossa responsabilidade legar aos viventes vindouros um planeta habitável, com água bebível, ar respirável.

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O filósofo Hans Jonas, que foi aluno de Heidegger e amigo de Hannah Arendt

HeideggerO filósofo Hans Jonas, nascido em 1903 na Alemanha, é muitas vezes classificado como um dos pensadores do círculo de Martin Heidegger, na companhia de Hannah Arendt, Herbert Marcuse, Karl Löwith, dentre outros (vejam Heidegger’s Children, de Richard Wolin). Em 1934, com a ascensão do III Reich hitlerista, vê-se obrigado a deixar a Alemanha. Nos anos 1960, publica uma obra marcante de seu percurso intelectual, O Fenômeno Da Vida, um livro que pode ser sintetizado pelas seguintes palavras de seu epílogo: “com a continuidade da mente com o organismo, do organismo com a natureza, a ética torna-se parte da filosofia da natureza. (…) Somente uma ética fundada na amplitude do Ser pode ter significado.” [5] Em 1979, é publicada em alemão sua obra clássica, O Princípio Responsabilidade, que aqui propomos analisar mais detidamente.

Pensemos em um organismo biológico como um gato. Não qualquer gato, mas um gato arisco que foge em busca de abrigo ao menor sinal de perigo. Este gatinho arisco, que alguns podem xingar de covarde, exemplifica uma conduta baseada nos perigos do futuro; sua ação é guiada pelo medo legítimo de sofrer algum mal. O gato sabe-se ferível e dribla como pode, com a ligeireza de suas lépidas patas, os perigos do ambiente, incluindo prevendo, ainda que num horizonte temporal menos amplo do que aquele atingível pelo cérebro humano, os focos futuros de perigo.

Ora, a tecnologia humana transformou (e segue transformando) de modo tão radical o mundo natural, e talvez de modo irreversível, que hoje não somos apenas nós, os humanos, que vivemos na artificialidade de um mundo tecnologizado. A “tecnologização” tem tentado engolir a Terra por inteiro, mandar Gaia para a barriga cibernética, emblogando todos os viventes em uma teia tecnológica tecida por mãos humanas. Bem-vindos ao Antropoceno e àquilo que venho chamando, em textos que seguem as pegadas de Michel Serres, de A Nova Condição Humana. Uma era geológica onde o auto-proclamado homo sapiens, o animal racional, deixou ir até o exagero delirante (àquilo que os gregos chamavam de hýbris ou húbris e que vinculavam com o desencadeamento de tragédias) o seu lado homo faber. E agora tem milhões de revólveres apontados para as cabeças de bilhões de organismos vivos – e não pára de apertar os gatilhos. Não tem razão de estar apavorado o gato arisco, que foge de todo e qualquer ser humano, na visceral intuição de seu catastrofismo esclarecido de felino?

O que devem estar pensando de nós os castores, dada a grotesca mercantilização das árvores e das nozes? Fariam os castores o mesmo, caso tivessem nossos poderes? A civilização ocidental fabrica mitos otimistas e kitsch, como sorridentes Mickey Mouses, enquanto na prática conduz sua economia e sua gestão do meio-ambiente de maneira ecocida-genocida. O capitalismo atual pratica o assassinato em massa em vasta escala, não só de humanos mas de bilhões de viventes não-humanos, por exemplo aqueles que são massacrados em abatedouros para que tenhamos nossos hamburguers e salsichas.

hansjonasJá no fim dos anos 1970, Hans Jonas já percebia a gravidade da situação e deu à luz um livro assombrado pela expectativa do pior. Em um tratado de ética que permanece de alta relevância meio século depois de publicado, Jonas pretende fundamentar uma nova ética para o futuro. O desafio: que leve-se em conta a pluralidade de existências e consciências, esculpidas pela evolução da matéria viva, que estão ameaçadas na base ontológica radical de seus corpos físicos pelo Prometeu desacorrentado da tecnê humana. É preciso construir uma ética que considere dignos de respeito e consideração os interesses das futuras gerações, dos ainda não nascidos. Por isso alguns ecologistas chegarão a dizer que, na obra de autores como Hans Jonas, “fala-se pelas árvores” – o que significa dizer que filósofos assim demandam de nós que sejamos éticos não só entre humanos, mas éticos entre os vivos, vivendo de modo a legar dignas condições de existência aos viventes vindouros.

Mais que isso: Jonas tenta construir com urgência uma ética que não ponha em risco tudo aquilo que a vida necessita para a continuação de seu peregrinar evolutivo. É preciso preservar um mundo ameaçado de cair no caótico desequilíbrio causado por uma tecnologia caída em húbris, de uma economia que consome e polui em escala trágica, que em sua insânia predatória e sanha transformadora, sufoca a natureza e acarreta a crise climática que hoje já anuncia-se como um problema global de imensa gravidade e sem precedentes. Nisto, a História não poderá guiar-nos tanto, já que não há no passado tanto a aprender sobre os eventos que “vem do futuro”, de modo que precisamos, neste caso, de uma ética e de uma política, umbilicalmente conectadas, onde os labores da evolução, que deram como frutos esta profusão prodigiosa de espécies viventes, sejam salvos da destruição e escapem do pior.

Pois é preciso duvidar de tudo, salvo do pior.

Jonas é um pessimista incurável? Se for, é de maneira bem diversa de Schopenhauer ou Cioran. Acredita em um “estado de coisas metafísico” que “nos impõe o mais alto dever de conservá-lo” (capítulo II, p. 80) [6]. Nenhum niilista tem tais tendências ao “conservacionismo”, nem tais clamores pelo respeito a algo de “metafísico”. De modo a conservarmos o que é valioso, dirá Jonas, é preciso levar a sério os prognósticos de catástrofe que ameaçam-nos com a morte de valores inestimáveis. “Em assuntos de certa magnitude – aqueles com potencial apocalíptico – deve-se dar mais peso ao prognóstico do desastre do que ao prognóstico da felicidade.” (capítulo III, p. 83)

Já que pesa sobre nós, que vivemos na época do Prometeu desacorrentado, a “ameaça de um futuro terrível” (p. 85) [7], devemos ser prudentes e assumir o dever irrecusável de responsabilidade diante do futuro da vida. Um dos maiores problemas, porém, é que “aquilo que não existe não faz reivindicações”, como escreve Jonas pensando nas futuras gerações, cuja voz ainda não ouvimos mas que nossa conduta presente pode estar lesando. Em nossas escolhas e ações, individuais e coletivas, devemos respeitar o “direito daqueles que virão e cuja existência podemos desde já antecipar” (p. 91) [8]. Devemos ouvir, desde já, as vozes daqueles que ainda estão por nascer. A ética, como formulada por Hans Jonas, precisa considerar “a possível acusação de nossas vítimas futuras” (p. 92) [9].

“Convoque seu Buda, o clima tá tenso.” (Criolo)

O problema filosófico que se coloca claramente no livro é o de nossas relações com o tempo futuro, dada a nossa incontornável necessidade de agir no presente com conhecimentos limitados, prognósticos falhos e miríades de incertezas. Um argumento que se lança frequentemente à cara dos “ecochatos” é o de que é prepotência dos ecologista achar que eles vêem o futuro melhor do que os outros, “sabichões” que pensam descrever qual será o futuro real quando apenas projetam suas fantasias catastrofistas… Pascal Bruckner escreveeu um livro polêmico, O Fanatismo do Apocalipse, que ataca várias vertentes do discurso “verde”, vegan, ecológico, pró-indígena, grass-roots, acusando ativistas de todas as estirpes de serem uns fanáticos pelo apocalipse, imaginando desgraças que o futuro, de fato, não nos reserva. Os manifestos de Bruckner parecem uma acusação en bloc da ecologia por disseminar o medo, sendo que essa história de apocalipse iminente é papagaiada mais velha que a Bíblia… E mesmo os materialistas às vezes não escapam de crer em mitos apocalípticos, como alguns marxistas que têm fé no futuro pois o funeral iminente do capitalismo irá desaguar na ressurreição beatífica de uma sociedade sem classes.

Bruckner sugere que façamos uma distinção entre dois tipos de medo: “um, salutar e que mobiliza; o outro, deletério e que enfraquece.” (p. 76) [10] O que motiva a crítica de Bruckner àqueles que xinga de “neo-puritanos verdes” é uma recaída no ascetismo auto-mortificante, que ele já atacara em livros anteriores como A Tirania da Penitência. Ele despeja seu desprezo em cachoeiras sobre as virtudes da frugalidade e da simplicidade – valores de que foram arautos figuras como Gandhi, Thoreau ou Pepe Mujica (o ex-presidente do Uruguai). Em ecologia, Bruckner parece mais próximo da vertente dos “aceleracionistas” (sobre estes, recomenda-se a leitura de Benjamin Noys), e todos os discursos de apologia ao freio (temos que frear a queima de combustíveis fósseis, o consumo de carne, a derrubada das florestas!) aparecem a Bruckner como babaquices de hippies repressores querendo “reciclar o velho ideal da penitência” (p. 238) [11]. No fundo, fica-se com a péssima impressão que Bruckner é como um bully que ataca, com seu taco de baseball retórico, aqueles que ele desdenha como ecochatos moralistas que só querem estragar a festa do consumo, a folia da hedonê desacorrentada…

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Não quero aqui me alongar em atacar as posições de Bruckner, mas sim aproveitar o ensejo para ir mais a fundo na questão, considerando o problema: podemos realmente prever o futuro e fazer prognósticos seguros sobre catástrofes vindouras? É possível encontrar soluções atuais para problemas futuros que, a rigor, ainda não começaram a se manifestar em toda a sua fúria? Para sondar estes abismos, parece-me bem interessante a filosofia do tempo, vinculada à doutrina ética, que está exposta no O Princípio Responsabilidade de Jonas. O ímpeto polêmico e bélico do livro de Bruckner prejudica aquele livro com uma certa rasidão na consideração de fatias de tempo amplas; em contraste, é espantosa a profundidade com que Jonas aborda a questão do tempo, da “duração” Bergsoniana. Diz, se o entendi bem, que o futuro distante não está acessível ao nosso saber e isto nos obriga a agir na penumbra. Não é que estejamos na escuridão total e absoluta sobre o futuro, mas quanto mais distante é o futuro considerado, mais incertos são os prognósticos, mais na penumbra agimos.

Daí a tese de Jonas de que “a incerteza dos prognósticos de longo prazo deve ser considerada um fato”. A existência humana aparece então como que regida por um onipresente desconhecido, o futuro distante. Donde o “aspecto de jogo de azar ou de aposta contido em todo agir humano, concernente ao seu resultado e aos efeitos colaterais, e quando nos interrogamos sobre que lances poderíamos fazer, falando em termos éticos.” (p. 83) [12]

A condição humana não pode ser dissociada da condição vivente, que por sua vez não é dissociável de um planeta, e este, por sua vez, conectado umbilicalmente ao sistema cósmico completo, de modo que há um “entrelaçamento indissolúvel”, dirá Jonas, no qual “não se pode evitar que o meu agir afete o destino de outros.” (p. 84) [13] Responsabilidade é algo que decorre deste nosso entrelaçamento, desta nossa comum pertença à teia da vida e ao tecido cósmico. O contrário da responsabilidade é a inconsequência, o agir cego ao amanhã. E pode ser profundamente irresponsável a omissão quietista dos que nada fazem, lavam as mãos, não querem saber. A apatia pode ser sintoma de indiferença aos outros, de incapacidade de enxergar o fluxo vital que faz com que, numa corrente ininterrupta, misturem-se no mundo os últimos gemidos dos moribundos com os primeiros choros dos recém-nascidos, na sempiterna renovação da existência.

Uma das características mais marcantes da obra de Jonas é essa ênfase nos viventes vindouros, nas futuras gerações, entes esses que muitas vezes são desconsiderados pelas doutrinas éticas. É possível dizer inclusive que uma filosofia como a de Hans Jonas só pôde nascer em certo momento histórico – a 2ª metade do século XX d.C. – em que a aniquilação da humanidade passou a estar entre os possíveis, entre os feitos realizáveis, por cortesia da bomba atômica. A era atômica trouxe-nos a um estado de risco sem precedentes – e vivemos hoje em um globo marcado pelos desastres de Chernobyl, de Fukushima, de Hiroshima e Nagasaki… Neste contexto, Hans Jonas formula a diferença entre a política do passado – em que o líder político jamais tinha suficiente poder de aniquilação para pôr em risco a vida da humanidade como um todo – e a política que surge no novo contexto criado pelas bombas-H:

“Quando, na hora fatídica, o líder político arrisca a existência inteira de seu clã, de sua cidade e de sua nação, ele sabe que mesmo após a eventual derrocada continuará existindo uma humanidade e um mundo da vida aqui na Terra. Só nos marcos desse pressuposto abrangente torna-se moralmente defensável, em casos extremos, o grande risco ímpar… Mas, agora, entre as possíveis obras da tecnologia, há algumas que, por seus efeitos cumulativos, têm precisamente essa abrangência e penetração globais, ou seja, têm o poder de pôr em perigo quer a existência inteira ou a essência inteira dos homens no futuro. (…) Não seria possível supor que a humanidade que ainda está por vir possa concordar com sua própria inexistência ou desumanização… existe (como ainda deve ser demonstrado) uma obrigação incondicional de existir, por parte da humanidade, que não pode ser confundida com a obrigação condicional de existir, por parte de cada indivíduo. Pode-se discutir a respeito do direito individual ao suicídio, mas não a respeito do direito de suicídio por parte da humanidade.” (JONAS, Hans. O Princípio Responsabilidade, p. 86) [14]

A humanidade, segundo Jonas, não tem direito de auto-aniquilar-se, o suicídio só é justificável para casos individuais e nunca para o conjunto do humano, e daí decorre o princípio já citado, o de que “no processo decisório deve-se conceder preferência aos prognósticos de desastre em face dos prognósticos de felicidade. O princípio ético fundamental, do qual o preceito extrai sua validade, é o seguinte: a existência ou a essência do homem, em sua totalidade, nunca podem ser transformadas em apostas do agir.” (p. 86) [15] Não é ético brincar de roleta russa com a cabeça da humanidade.

E o que fazem hoje em dia esses bambambans do mercado financeiro, nas bolsas de valores do cassino global cognominado capitalismo, do que apostar com a cabeça da humanidade toda, nos altares da acumulação de capital, mesmo que este tenha como subproduto as catástrofes sócio-ambientais? Um banqueiro, um especulador financeiro, um CEO corporativo, um rei do agronegócio, estes tipos fazem o quê senão, através de sua irresponsabilidade, desprezar completamente os viventes vindouros e as condições ecológicas da dignidade para os seres que ainda estão por nascer?

O elemento subversivo na obra de Hans Jonas se manifesta em sua “inversão do princípio cartesiano da dúvida” e em sua objeção ao argumento da aposta de Pascal. É o que ele mesmo esclarece no trecho seguinte:

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Retrato de Descartes, por Frans Hals

“Segundo Descartes, para que possamos estabelecer o que é indubitavelmente verdadeiro, deveríamos equiparar tudo o que for duvidoso, de uma forma ou de outra, ao que é comprovadamente falso. Aqui, ao contrário, para tomarmos uma decisão, deveríamos tratar como certo aquilo que é duvidoso, embora possível, desde que estejamos tratando de um determinado tipo de consequência. Seria também uma variante da aposta pascaliana, descontado o seu caráter egoisticamente eudemônico e, em última instância, aético. Segundo Pascal, na aposta entre os prazeres breves e questionáveis da vida mundana, de um lado, e a possibilidade da eterna felicidade ou da eterna danação no além, de outro, o puro cálculo obrigaria a apostar nesta última possibilidade. (…) A esse tipo de aposta de tudo ou nada se pode objetar, entre outras coisas, que, em comparação com o nada, que aqui é assumido entre outros riscos, qualquer coisa – mesmo a vida fugidia e passageira – torna-se uma grandeza infinita… a aposta na eternidade possível com o sacrifício da temporalidade dada significa a possibilidade de perda infinita. (…) Já o nosso princípio ético da aposta, em suma, proíbe a aposta do tudo ou nada nos assuntos da humanidade.” [16]

Não quero aqui entrar em detalhes sobre a dúvida fajuta de Descartes, que deságua no dogmatismo de uma “alma pensante” indubitável, nem sobre as minúcias da aposta de Pascal, que já discuti em outro texto. Mais do que elucidar o pensamento de Hans Jonas, situando-o em relação a estes paradigmas que são Descartes e Pascal, o interessante da argumentação do trecho destacado acima é uma concepção ética que tem uma atenção ao futuro que é rara de encontrar na filosofia. Ler Jonas estimula a enxerga o futuro sob várias perspectivas: o futuro envolto numa rósea névoa do idealismo e suas utopias de amanhãs cantantes, de futuros radiosos de felicidade perfeita; o futuro do fatalista, do resignado, do desistente de si e da vida, propõe que fiquemos de braços cruzados, deixando o futuro acontecer; o futuro do ativista, do humano de ação e práxis, que crê que o futuro devemos obrar para construí-lo; o futuro da catástrofe ecológica (seja por fervências climáticas ou hecatombes nucleares) que nos ronda como um espectro que ganha peso e realidade maiores a cada dia…

“Toda vida reivindica vida”, escreve Jonas, e mesmo os que não nasceram, podemos ter certeza, quando estiverem vivos irão estar animados, como nós estamos, por um ímpeto vital que demanda vida – e vida digna. Olhar o mundo sob o viés dos viventes vindouros é um dos benefícios que se pode tirar da leitura “mergulhante” da obra de Jonas, que convida-nos a pensar que aqueles que ainda não existem, tem direitos a serem respeitados e podem estar sendo, hoje, severamente lesados. A questão “que mundo legaremos aos de amanhã?” passa a ganhar um peso inaudito no campo da ética e da política.

Pergunto-me, lendo O Princípio Responsabilidade, se a leitura e o estudo de obras como a de Hans Jonas não sejam uma condição necessária para que nós, os contemporâneos, possamos ter um amanhã menos sombrio do que este que se delineia. Enquanto as calotas polares derretem, os combustíveis fósseis são queimados e a chapa planetária esquenta ao ponto da fervura, talvez um tratado de ética como este merecesse tornar-se best seller (futuro improvável, é claro…). De todo modo, parecem-me possíveis muitas articulações entre a filosofia de Jonas e algumas vozes ressonantes que já clamam: “ecossocialismo ou barbárie!” 

Sobre o ecossocialismo, o elucidativo livro de Michael Löwy, “O Que É O Ecossocialismo” (Ed. Cortez), revela inclusive que o próprio Karl Marx “parece aceitar o Princípio Responsabilidade caro a Hans Jonas, a obrigação de cada geração de respeitar o meio ambiente – condição de existência das próximas gerações.” [17] (p. 35)

“Mesmo uma sociedade inteira, uma nação, enfim, todas as sociedades contemporâneas tomadas em conjunto, não são proprietárias da terra. Elas são apenas ocupantes, usufrutuárias (Nutzniesser), e devem, como bons paters familias, deixá-la em melhor estado para as futuras gerações.” KARL MARX, O Capital, Volume III [18]

Rainbow Mermaid

O imperativo de não aniquilar a natureza vincula-se ao imperativo humano de não cometer suicídio coletivo, já que é na Natureza que estamos enraizados e atacando-a atacamos a nós mesmos. Hans Jonas reflete detidamente sobre o que chama de “processo evolutivo”, tentando compreender como a subjetividade, a consciência, emerge da Natureza, tornando-se um de seus dados ontológicos. A subjetividade é algo que emerge da Natureza conforme organismos mais complexos vão evoluindo, diferenciando-se do ambiente (ao qual permanecem umbilicalmente conectados). E caímos no risco da irresponsabilidade ética caso esqueçamos de ouvir àquilo que Jonas chama de “o testemunho da vida”, esta coisa tão maior do que “ponta do iceberg” que são as subjetividades dos viventes:

“A subjetividade é, em certo sentido, uma manifestação superficial da natureza – a ponta visível de um iceberg muito maior -, ela fala também em nome do seu interior mudo. Ou: o fruto revela algo da raiz e do caule dos quais ele proveio. (…) A ciência natural não nos diz tudo sobre a natureza: disso é testemunha mais cabal a sua incapacidade de dar conta do caso mais elementar do sentir (e, portanto, do fenômeno mais bem comprovado de todo o universo!) – exatamente a ponta do iceberg. Essa é uma incapacidade essencial, e não provisória. Um efeito colateral e paradoxal dessa incapacidade é o fato de que a própria ciência natural, como um evento no universo a ser explicado, permanece eternamente excluída daquilo que ela pode explicar.

De todo modo, repetimos, da mesma forma como a subjetividade manifesta (que também é sempre particular) é algo assim como um fenômeno que emerge na superfície da natureza, ela se encontra enraizada nessa natureza e em continuidade essencial com ela, de modo que ambas participam do ‘fim’. À luz do testemunho da vida (que nós, rebentos que nos tornamos capazes de compreender a nós mesmos, deveríamos ser os últimos a negar), afirmamos, portanto, que o fim, de modo geral, tem domicílio na natureza. E podemos dizer algo mais quanto ao conteúdo: ao gerar a vida, a natureza manifesta pelo menos um determinado fim, exatamente a própria vida… Evitamos dizer que a vida seja ‘o’ fim, ou mesmo o principal fim da natureza, pois não temos elementos para fazer tal tipo de suposição; basta dizer: um fim.” [19]

Que a vida exista, ainda que seja neste cantinho do universo que chamamos de casa, prova ao menos que a Natureza é capaz de produzi-la, que a vida está dentre os realizáveis. O valor da vida, na obra de Hans Jonas, não irá fundamentar-se numa durabilidade infinita: não é por ser necessariamente eterna e imorredoura que a vida é um valor. Pois a vida pode ser vista como algo que emergiu da Natureza e que poderia revelar-se como precária e extinguível. Refletindo sob o impacto da radiação tremenda das bombas atômicas, Hans Jonas escreve tendo em mente o memento inolvidável da terra devastada. E não custa lembrar que a mãe do filósofo morreu em Auschwitz! Diante disso, é inegável que o homo sapiens converteu-se em uma entidade de tal poderio que põe sob ameaça toda a biosfera, todo o planeta e seus vivos.

Reencontramos o mito de Prometeu, do qual partimos, no capítulo V – “A Responsabilidade Hoje: O Futuro Ameaçado e a Ideia de Progresso”, no qual Hans Jonas está longe de ignorar ou fazer pouco caso da tecnologia (ele não é um hippie cantando pelado pelos jardins do amor um hino em louvor à bucólica Arcádia primaveril). Jonas reconhece a imensa ambiguidade da tecnologia, seu potencial que pode ser atualizado de modo tão maléfico (a bomba H) e tão benéfico (o avião, a informática). Não se trata de julgar se a tecnologia é boa ou má, mas sim de mostrar toda a complexidade de seus efeitos sociais, alguns péssimos, outros repletos de potencial libertador. Resumo da ópera hi-tech que vivemos e em que tanto ouvimos ser celebrado o “êxito” da tecnologia:

“Na técnica, o êxito, com sua visibilidade pública estonteante, abarcando todos os domínios da vida – um verdadeiro cortejo triunfal -, faz com que a aventura prometeica se desloque, diante da consciência comum, do papel de um simples meio (o que toda técnica é em si mesma) para o de finalidade, mostrando-se a ‘conquista da natureza’ como a vocação da humanidade: o Homo faber ergue-se diante do Homo sapiens…” [20]

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Sobre este tema, um dos filmes contemporâneos mais relevantes, me parece, é o documentário canadense Manufactured Landscapes, dirigido por Jennifer Baichwal e inspirado na obra do artista e fotógrafo Edward Burtynsky. Todo o impacto do ser humano, como força coletiva e global, sobre o planeta, é exposto de modo impressionante pela arte de Burtynsky, que esforça-se também por sublinhar as paisagens onde o lixo eletrônico vai parar, contaminando lençóis freáticos e tornando a água tóxica e imbebível para as populações locais (por exemplo na China ou em Bangladesh…).  Uma resenha publicada no site Dwell sintetiza bem o valor de Paisagens Manufaturadas para a nossa compreensão de mundo (e é um excelente manancial de evidências empíricas a ser utilizado por educadores que queiram discutir Hans Jonas, Philip K. Dick, Terence McKenna…)

Manu2The film shifts between photography and video almost seamlessly, portraying Burtynsky’s experiences in both China and Bangladesh to capture the visceral nature of large-scale infrastructure, quarries, mines, landfills, and specifically China’s Three Gorges Dam. In another scene, focusing on the concept of e-waste recycling, Burtynsky depicts mountains of motherboards, wires, smashed monitors in the town of Seguo in Zhejiang Province, and interviews the people affected. Due to this massive influx of poisons, Zhejiang now has a contaminated watertable, and must ship water into the province for its residents.

While many praise the film for presenting the evidence of industrialization in such a powerful, yet non-didactic way, Burtynsky’s message has, undoubtedly, a pretty directed agenda. “Maybe the landscape of our time is the one that we can change,” Burtynsky muses, as the videocamera flies across an harrowing ocean of discarded phone dials. [21]

O projeto de dominação da natureza, que podemos descrever miticamente como o êxito de Prometeu desacorrentado, modificou a face da Terra por inteiro e fez com que embarcássemos no Antropoceno, esta era em que estamos ameaçados de conhecer, muito em breve, a extensão dos danos que causamos ao ambiente natural. Os impactos cumulativos destes séculos de industrialização, de desmatamentos, de fertilizantes artificiais, de uso de pesticidas em escala industrial, de extinção de espécies, deveria deixar-nos mais temerosos do que otimistas quanto ao futuro – eis, parece-me, o mood da obra de Hans Jonas. Ele já sabia muito bem, aliás, do quão problemático era, para a humanidade, a dependência energética de fontes não-renováveis:

Fossil

“Os combustíveis fósseis – carvão, petróleo e gás natural -, resultado da sedimentação de milhões de anos de síntese orgânica e atualmente a fonte predominante do consumo energético do planeta, não são renováveis. Dada a magnitude do seu consumo (que beneficia apenas uma pequena fração da população mundial, os países industrializados), caminham a passos gigantes para esgotar-se. O que o Sol armazenou no curso de milhões de anos no mundo vegetal terrestre os homens estão consumindo em alguns séculos. Desses combustíveis fósseis dependem também os fertilizantes químicos… A queima dos combustíveis fósseis, além do problema da poluição local do ar, traz o problema do aquecimento global, o efeito estufa, que ocorre quando o dióxido de carbono formado pela combustão se acumula na atmosfera e funciona como a cobertura de vidro de uma estufa, permitindo que os raios de Sol penetrem, mas impedindo que a radiação térmica escape da Terra.

wpid-fossil-clipart-oil-hh3O aumento da temperatura global, que provocamos e mantemos desse modo (e que, a partir de certo grau de saturação, será capaz de continuar mesmo na ausência de combustão suplementar), pode ter consequências duradouras e indesejáveis para o clima e a vida, até a catástrofe extrema do derretimento das calotas polares, da elevação do nível dos oceanos, da inundação de enormes extensões de planícies… Assim, a frívola e alegre festa humana de alguns séculos industriais seria paga talvez com a alteração por milênios da feição do planeta – o que não seria injusto do ponto de vista cósmico, já que durantes aqueles séculos se teria dilapidado uma herança de milhões de anos passados.” [22]

Promotional photograph to be used only in conjunction with the film MANUFACTURED LANDSCAPES, a Zeitgeist Films release.

Cena de “MANUFACTURED LANDSCAPES” (a Zeitgeist Films release).

TRABALHO EM ANDAMENTO.
ESTE ARTIGO SERÁ CONTINUADO EM BREVE…

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] JONAS, Hans. O Princípio Responsabilidade – Ensaio de uma Ética para a Civilização Tecnológica  (Das Prinzip Verantwortung – Versuch einer Ethic für die Technologische Zivisilation). Publicado em alemão em 1979 e em inglês em 1984. Prefácio. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2006. p. 21.

[2] ANDERS, Günther. La Menace Nucléaire. Apud BRUCKNER, P, Le Fanatisme De L’Apocalypse, p. 43. Leia, na revista Sopro, as Teses Para A Era Atômica, de 1962.

[3] DUPUY, Jean-Pierre. Le Débat, 2010, p. 228.

[4] ALENCAR, Chico. Depoimento ao filme O Petróleo Tem Que Ser Nosso, 2009. Assista: http://bit.ly/1tGGnIu.

[5] JONAS, Hans. The Phenomenon of Life, Toward a Philosophical Biology. Citado na introdução da obra referida na nota [1], p. 17.

[6] a [9] JONAS, Hans. O Princípio Responsabilidade. Op cit.

[10] e [11] BRUCKNER, Pascal. Le Fanatisme De L’Apocalypse. 

[12] e [16] JONAS. Op cit.

[17] LÖWY, MichaelO Que É O Ecossocialismo? Ed. Cortez, 2014. Coleção Questões de nossa época, v. 54.

[18] KARL MARX, O Capital, Volume III. Apud Löwy, op cit, p. 35.

[19] JONAS. Op Cit. P. 136-139.

[20] Ibid. P. 272.

[21] Site Dwell.com: http://www.dwell.com/travel-reports/article/manufactured-landscapes.

[22] JONAS. Op cit, p. 303-304.

“CRISE IMIGRATÓRIA – PERGUNTAS E RESPOSTAS” – Reproduzido da Carta Capital

Imagens: acima, em uma praia do Marrocos, uma manifestação presta tributo ao menino sírio Aylan Kurdi, pequeno refugiado da guerra civil cujo corpo humano foi “washed ashore” (shame, shame, shame), como escreveu nas areias um outro manifestante (abaixo). Fonte: The Mirror.UK.

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CRISE IMIGRATÓRIA – PERGUNTAS E RESPOSTAS
Reproduzido da CartaCapital

O mundo vive a maior crise de migratória de refugiados, por motivos de guerra ou perseguição política e étnica, desde a Segunda Guerra Mundial. Segundo a ONU, em 2014, 59,5 milhões de pessoas foram forçadas a abandonar seus países devido à violência. Neste ano, a expectativa é de um número ainda maior.

Países com histórico recente de guerras lideram a lista dos que mais exportam refugiados. Em primeiro lugar vêm o Afeganistão, seguido pela Síria, Somália e Sudão, com o Iraque em sexto lugar. Nas últimas semanas, os refugiados têm se deslocado para a Europa, continente que apoiou intervenções militares no Afeganistão, Iraque e Síria. Leia, abaixo, algumas perguntas e respostas sobre o tema.

PERGUNTA: Por que muitos sírios estão deixando a Síria?

A imensa maioria dos sírios que se dirige à Europa para escapar da guerra civil em seu país, iniciada em 2011, com a repressão imposta pelo ditador Bashar al-Assad às manifestações da chamada Primavera Árabe. Atualmente, diversas cidades sírias estão destruídas e o país se encontra dividido entre grupos pró-Assad, rebeldes anti-governo, forças curdas, o Estado Islâmico e outras facções jihadistas, entre elas a Frente al-Nusra, ligada à Al-Qaeda.

PERGUNTA: A família do menino Aylan Kurdi, encontrado morto em uma praia turca, vinha de onde?

Desde 2011, mais de 4 milhões de pessoas deixaram a Síria, cerca de um quarto da população. Aylan Kurdi, o menino cuja fotografia comoveu o mundo, havia fugido com sua família de Kobane, cidade síria palco de violentos confrontos entre militantes do Estado Islâmico e forças curdas no início do ano.

FILE - In this Sept. 2, 2015 file photo, a paramilitary police officer investigates the scene before carrying the lifeless body of Aylan Kurdi, 3, after a number of migrants died and others were reported missing when boats carrying them to the Greek island of Kos capsized near the Turkish resort of Bodrum. The tides also washed up the bodies of the boy's 5-year-old brother Ghalib and their mother Rehan on Turkey's Bodrum peninsula. Their father, Abdullah, survived the tragedy. (AP Photo/DHA, File) TURKEY OUT

Sept. 2, 2015. A paramilitary police officer investigates the scene before carrying the lifeless body of Aylan Kurdi, 3, after a number of migrants died and others were reported missing when boats carrying them to the Greek island of Kos capsized near the Turkish resort of Bodrum. The tides also washed up the bodies of the boy’s 5-year-old brother Ghalib and their mother Rehan on Turkey’s Bodrum peninsula. Their father, Abdullah, survived the tragedy. (AP Photo/DHA, File) TURKEY OUT

PERGUNTA: (…) Por que pessoas que procuram asilo na Europa estão sendo impedidas de embarcar em trens na Hungria?

Diante da chegada de um grande número de refugiados, o governo húngaro optou por impedi-los de acessar a estação central de trem de Budapeste, uma das vias para a Alemanha. O bloqueio era restrito apenas a refugiados. O governo húngaro se justificou dizendo que tentava cumprir as regras da União Europeia, que só permite o livre fluxo entre os países-membros para quem possuir passaporte europeu e visto de entrada…

PERGUNTA: Como os governos europeus estão reagindo à questão?

Não existe uma resposta unificada dos governos. Alemanha e Suécia, por exemplo, têm se mostrado receptivas aos refugiados. Por outro lado, Hungria e Reino Unido defendem um número limite de refugiados e políticas de deportação. Outros têm alertado refugiados que não estão preparados para recebê-los. Este é o caso do governo da Dinamarca, que publicou anúncios em três jornais libaneses pedindo para que eles não se dirijam para o país.

PERGUNTA: O bloco busca um entendimento sobre esta questão?

Sim. O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, pediu na quarta-feira 9 aos países da UE que recebam 160 mil refugiados e adotem ações “corajosas” para responder à mais grave crise migratória em décadas na Europa. Diante do Parlamento Europeu, Juncker disse que vai avançar com uma proposta que prevê a distribuição com “urgência” e com carácter “obrigatório” de mais 120 mil refugiados, além dos 40 mil já propostos, que hoje estão espalhados pela Hungria, Itália e Grécia. Conforme adiantou o jornal inglês Financial Times, a proposta irá prever multas para os países que rejeitem a sua quota. Segundo a ONU, a Europa deveria receber 200 mil refugiados.

PERGUNTA: Como resolver este problema?

Por definição, um refugiado é alguém que teve de deixar seu país natal por causa de sua etnia, religião, nacionalidade, convicção política ou pertencimento a certo grupo social, segundo a convenção de Genebra sobre refugiados. No caso dos refugiados sírios, por exemplo, a guerra civil é o principal motor da migração. Na Eritreia, por outro lado, a repressão e a perseguição política por parte do governo são as causas. Por isso, uma solução para a crise humanitária dos refugiados passa obrigatoriamente pela paz e estabilidade democrática nos países de origem.

Conflitos armados decorrentes da invasão do Iraque e Afeganistão, em países africanos ou pós Primavera Árabe respondem, em grande medida, pelo maior número de refugiados no mundo desde a Segunda Guerra Mundial. Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), o número de deslocados e refugiados alcançou, em 2014, um recorde de 59,5 milhões de pessoas. Há uma década o número era de 37,5 milhões.

Como o Brasil tem se colocado diante da crise migratória?

Na segunda-feira 7, Dilma Rousseff disse que o Brasil está de “braços abertos para acolher refugiados”, apesar dos “momentos de dificuldade como o que estamos passando”. Desde o início da guerra civil até agosto deste ano, o Brasil já concedeu asilo a 2.077 sírios, segundo dados do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), órgão ligado ao Ministério da Justiça. Com isso, os sírios já representam 25% do total de refugiados no Brasil.

Este número é superior ao pedido de asilo de sírios aceitos por Estados Unidos (1.243) e países no sul da Europa, que recebem sírios vindos pelo Mediterrâneo. Segundo a Eurostat, entre os países europeus banhados pelo Mediterrâneo, a Espanha é a que mais aprovou solicitações de asilo, acolhendo 1.335 sírios. Em seguida, vêm a Grécia (1.275), Itália (1.005) e Portugal (15). Apesar de acolher um grande número de refugiados, o Brasil é criticado por oferecer poucas oportunidades para que eles consigam subsistir. “Eles têm grandes desafios para conseguir uma colocação profissional, moradia, mesmo que provisória, e ter acesso aos serviços públicos”, afirma Manuel Furriela, presidente da Comissão da OAB-SP para os Direitos dos Refugiados.

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OUÇA: MANU CHAO, “CLANDESTINO” (FULL ALBUM)

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Não Há Planeta B: A Aldeia Global Mobiliza-se Em Prol De Um “Futuro Verde”

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por Eduardo Carli de Moraes || Especial para a Mídia Ninja

Cerca de 400 mil pessoas tomaram conta das ruas de Nova York no domingo, 21 de Setembro, para a People’s Climate March, a maior manifestação global já realizada para demandar ações concretas de combate às causas do aquecimento global. A sociedade civil do planeta azul mobilizou-se em 166 países, que realizaram juntos um total de 2808 eventos (segundo o site oficial).

Este tsunami de participação popular demanda um fim às práticas ecocidas que nos trouxeram ao limiar do colapso ecológico: as polifônicas vozes das ruas, mundo afora, exigem medidas drásticas em prol da redução das emissões dos gases de efeito estufa (em especial CO2 e metano), pedem o fim do desflorestamento e do extrativismo predatórios, enfatizam a necessidade de confrontar o poderio das mega-corporações poluidoras (como as empresas de petróleo e carvão), dentre outras reivindicações.

A jornalista e ativista canadense Naomi Klein, que acaba de lançar seu novo livro Isso Muda Tudo – O Capitalismo Contra o Clima,  oferece uma preciosa contextualização da crise ecológica que assola o planeta e enfatiza a urgência das ações coletivas para evitar que o fogo se alastre por nossa casa coletiva planetária:

“Nós sabemos que se continuarmos no mesmo rumo, permitindo que as emissões aumentem ano após ano, o aquecimento global vai mudar tudo em nosso mundo”, escreve Klein na introdução de sua recém-lançada obra. “Grandes cidades irão para baixo d’água, civilizações ancestrais serão engolidas pelo oceano, e há uma grande chance de que nossos filhos irão passar boa parte de suas vidas fugindo ou recuperando-se de terríveis tempestades e secas extremas. Tudo o que precisamos fazer para que este futuro aconteça é nada.”

Neste Setembro de 2014, um mês histórico para as mobilizações em prol de um “futuro verde”, a Aldeia Global botou a boca no trombone para dizer que um outro mundo não só é possível, ele é imprescindível e inadiável. Uma boa ilustração da crise que vivenciamos é o fato de que, no ano de 2013, catástrofes climáticas expulsaram mais de 22 milhões de pessoas de seus lares, segundo a Reuters [http://reut.rs/XS6JPB]. A tendência é que esse quadro piore com o aumento da temperatura do planeta: no século 20, os termômetros registraram um aumento geral de 0.6º C;  ao fim do século 21, caso não mudemos de rumo, a temperatura deve aumentar entre 1.3 e 5.8º C, de acordo com as previsões do Intergovernmental Panel on Climate Change.

As evidências empíricas de que o clima no planeta Terra está cada vez mais selvagem e fora de controle são inúmeras: segundo Naomi Klein, na década de 1970 as catástrofes climáticas registradas foram 660; na primeira década do novo século, o número quintuplicou e atingiu 3.322. Exemplos da exacerbação da fúria dos elementos não faltam: é só lembrar da devastação causada pelos furacões Mitch (que atingiu a América Central em 1998, causando mais de 18.000 mortes e um dano estimado em mais de 7 bilhões de dólares), Katrina (que em 2005 atacou com ferocidade os estados de Mississipi e Louisiana e causou imensa destruição em New Orleans) e Sandy (cujo custo para New York e New Jersey foi estimado em 65 bilhões de dólares).

Além da fúria dos ventos e das águas, estamos testemunhando também ondas de calor, seca e escassez de água em vários pontos do planeta: os reservatórios de água nunca estiveram tão baixos em toda a história do estado da Califórnia, nos EUA; já no Brasil, o reservatório da Cantareira, em São Paulo, também vivencia uma das mais graves baixas já registradas. Nem a Europa está imune: durante a onda de calor de 2003, “estima-se que 14 802 pessoas, a maioria idosos, morreram somente na França, segundo o maior serviço funerário do país.” (Wikipédia)

 Se nada for feito, o derretimento das geleiras e o aumento do nível dos mares irá em breve inundar inúmeras cidades costeiras e terras férteis, destruindo a economia de países inteiros (como Bangladesh, um dos mais visceralmente afetados) e gerando gigantes fluxos migratórios de “refugiados do clima”. Há grandes chances de um aumento das tensões de fronteira e guerras territoriais, além de um ascenso das ideologias xenófobas anti-imigração expostas tão bem no filme Children of Men, de Alfonso Cuáron.

Em Setembro de 2014, os cidadãos do mundo que estão conscientes da situação emergencial em que o planeta encontra-se provaram, nas ruas e nas redes, que nunca esteve tão forte a convergência de esforços em prol de um futuro verde e sustentável. Unidos nesta luta estão grupos como o 350.org, o Greenpeace, o Avaazo Idle No More, o System Change Not Climate Change, entre inúmeros outros.

A histórica mobilização que culminou com a People’s Climate March foi programada para coincidir com a Cúpula do Clima das Nações Unidas (United Nations Climate Summit). Desde Copenhagen, em 2009, que a ONU não realizava um encontro internacional desta magnitude, que conta em 2014 com a presença de 120 chefes de Estado e promete catalisar novos pactos internacionais que coloquem um freio na devastação ambiental e nas atividades econômicas que agravam o aquecimento global.

Encontros internacionais destinados a definir reduções das emissões de poluentes ocorrem desde a década de 1980: em 1988, em Toronto, ocorreu a Conferência Mundial Sobre Mudanças Na Atmosfera, que reuniu mais de 300 cientistas, além de líderes políticos de 46 países. O primeiro encontro da ONU sobre o tema, conhecido como Earth Summit, ocorreu no Rio de Janeiro em 1992, onde foram definidas as diretrizes que serviriam de base para todas as negociações subsequentes sobre a questão climática. Cinco anos depois, no Japão, quando foi firmado o Protocolo de Kyoto, a situação parecia encaminhar-se para um consenso internacional em prol da redução das emissões.

Infelizmente, o acordo gorou e Kyoto transformou-se em um fiasco: os EUA, por exemplo, que tem apenas um vigésimo da população total do globo mas é responsável por cerca de um quarto de toda a queima de combustíveis fósseis, pulou fora do acordo com o pretexto de que respeitá-lo faria mal à sua economia.  Outros países produtores de petróleo, como Arábia Saudita e Kuwait, também recusaram-se a respeitar o protocolo de Kyoto.  Não faltam evidências de que muitos líderes políticos e corporativos estão dispostos a sacrificar a vida no no altar dos lucros, desdenhar da ecologia em prol da economia, desconsiderar o commons  planetário em prol do enriquecimento da elite confortavelmente sentada no topo da pirâmide financeira global.

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Como enfatiza Naomi Klein, a encarnação atual do capitalismo, baseado na desregulação do setor privado e na austeridade aplicada à esfera pública, está em guerra contra a vida na Terra: o sistema econômico hegemônico  insiste em perseguir a falácia do crescimento infinito e do consumismo desenfreado, cego ao fato de que os recursos naturais e a capacidade de regeneração do planeta são finitos.

 Diante deste cenário distópico e assustador, não surpreende que são cada vez são mais numerosos os ativistas que percebem que as modificações essenciais para garantir um futuro sustentável entram em choque com a ortodoxia econômica e política hoje reinante. O fato da People’s Climate March ter desaguado no protesto Flood Wall Street é um indício que muita gente já acordou para o fato de que não é possível resolver o problema do aquecimento global sem mexer no vespeiro do fundamentalismo de mercado.

Para nos limitarmos a apenas um exemplo, vejam o quão vantajoso é para a indústria do petróleo prosseguir com suas práticas de devastação ecológica: os lucros das corporações envolvidas na exploração e comércio de combustíveis fósseis prosseguem estratosféricos, sendo que as 5 maiores empresas do ramo, entre 2001 e 2010, registraram somadas um lucro de 900 bilhões de dólares. Apesar do crash de 2008, que gerou uma das piores crises financeiras desde a Grande Depressão dos anos 1930, a gigante do óleo ExxxonMobil ganhou 41 bilhões em 2011 e 45 bilhões em 2012 (o CEO da empresa, Rex Tillerson, fatura cerca de 100.000 dólares por dia).

Do mesmo modo que é do interesse da indústria do tabaco negar que cigarros causam câncer de pulmão, também é do interesse da indústria dos combustíveis espalhar a lorota de que o efeito estufa causado por excesso de emissões de CO2 não existe – e que o consenso de 97% dos cientistas do mundo não passa de um complô de lunáticos e eco-chatos.

Estas corporações sabem muito bem que suas práticas estão contribuindo para o aquecimento global, mas fazem de tudo para impedir mudanças na legislação e desinformar a sociedade civil: subornam políticos, compram eleições, investem milhões em lobby negacionista, ordenam que a mídia corporativa minta para o grande público, dentre outras práticas bem distantes do fair play.  Em suma, os gigantes do petróleo fazem de tudo para negar sua responsabilidade pelo Efeito Estufa e para manter-nos alienados sobre as reais consequências de termos uma civilização tão dependente desta fonte de energia não-renovável e altamente poluente.

Como Naomi Klein demonstra tão bem em seus livros, foi justamente quando o fundamentalismo de mercado atingiu o seu auge (nos anos 1970 e 1980, através de figuras como Pinochet, Suharto, Tatcher e Reagan), que a crise ecológica planetária manifestou-se em toda a sua fúria – o que está longe ser mera coincidência. Agora, o consenso científico de 97% dos pesquisadores soa os alarmes e nos garante: se permitirmos a extração e queima de todo o petróleo, carvão e gás natural do planeta, iremos de encontro a uma série interminável de catástrofes climáticas.

Já que o capitalismo de vista-curta, viciado em lucros imediatos, indiferente às futuras gerações, não parece se importar com o fato de que está legando aos que ainda não nasceram um planeta devastado, de atmosfera irrespirável, é mais do que urgente que os terráqueos humanos, certos de que não há planeta B, levantem-se em defesa de Gaia.

Mother Jones

Para confrontar a crise climática será preciso, entre muitas outras ações, repensar nossos meios de transporte, em especial superando nossa fixação ao automóvel com motor de combustão interna. Somente nos EUA, por exemplo, são mais de 200 milhões de veículos, que no ano de 2001 atravessaram um total de 2,7 trilhões de milhas, emitindo 314 milhões de toneladas de CO2 (LYNAS, Mark. High Tide – The Truth About Our Climate Crisis. Preface, XXI. New York, Picador, 2004) . Um dos passos mais essenciais que hoje são necessários é o aumento dos investimentos em ciclovias e campanhas públicas de incentivo ao uso de bicicletas, além de melhorias no sistema de transporte público movido a energia limpa, o que já é uma realidade em metrópoles como Amsterdam ou Montréal, por exemplo.

 Outro setor que necessita ser urgentemente repensado e modificado é o da produção e consumo de alimentos, em especial pelo devastador efeito ecológico da agropecuária industrial, acusada por muitos pesquisadores de ser responsável por mais de 50% do total de emissões (saiba mais assistindo aos documentários CowspiracyMeat The Truth). É preocupante que seja tão minúsculo o número de consumidores que tem consciência, ao comer um lanche carnívoro em um McDonald’s ou Burger King, do sistema que está por detrás da produção daquela mercadoria. A devastação das florestas na Amazônia, por exemplo, está em larga medida relacionada com a necessidade de “abrir espaço” para os animais destinados a virarem bife: o Brasil é o principal exportador mundial de carne e estima-se que 70% do desflorestamento do “Pulmão do Mundo” deve-se às ações das corporações do mercado carnívoro (leia a reportagem do One Green Planet). O vegetarianismo, portanto, longe de ser uma mera escolha individual, é um dos caminhos coletivos mais promissores se quisermos uma sociedade sustentável.

A crise climática também pode servir como ótima ocasião para uma vasta coalização de movimentos sociais unirem-se em uma luta comum. Nos últimos anos, as resistências à lógica ecocida do mercado manifestaram-se com força em toda parte: em Istambul, a ameaça de demolição de um parque, para pôr em seu lugar um shopping center, fez eclodir um levante na Turquia; na Índia, os mega-projetos desenvolvimentistas e extrativistas, incluindo dúzias de projetos semelhantes ao da usina de Belo Monte, estão sendo confrontados pela guerrilha armada maoísta; em Chiapas, México, há mais de duas décadas os Zapatistas resistem contra o neo-imperialismo liberal (mais feroz do que nunca desde a entrada em vigência do NAFTA em 1994) e prosseguem na defesa da autonomia das populações indígenas e campesinas.

 O Brasil tem tudo para desempenhar um papel de relevância nas lutas globais por um outro mundo possível e por um futuro verde, sustentável, inclusivo. Caso nossas forças coletivas sejam mobilizadas de modo eficaz para a defesa da Amazônia, incluindo suas populações indígenas e sua riquíssima diversidade animal e vegetal, já que estaremos fazendo nossa parte para um mundo melhor. Tudo irá por água abaixo caso fracassemos em contestar a hegemonia do agronegócio depredatório, da bancada ruralista ecocida e do desenvolvimentismo “Belo Montista”.

Para terminar, vale mencionar que nas jornadas de Junho de 2013, quando ocorreu o levante brasileiro contra o aumento das tarifas do transporte público, ficou evidente um descontentamento massivo com o que Marilena Chauí chama de “caos urbano”, o resultado de nossas cidades estarem entregues em larga medida à lógica do capital sem freios. As manifestações no Brasil, que Naomi Klein também analisa em seu novo livro, aparecem-lhe como dignas de serem vinculadas a uma luta global contra as várias manifestações do “caos climático” iminente. Diante desta crise global, que impacta a todos os mais de 7 bilhões de humanos neste planeta, e que também afeta todas as espécies que constituem a Teia da Vida, torna-se cada vez mais necessário que a Aldeia Global levante-se para defender Gaia – e demandar transporte público com passe livre, com energia limpa, além de amplas ciclovias, certamente faz parte do processo.

A cada dia que passa torna-se mais explícito que o “business as usual” é uma rota para o suicídio coletivo e que não vai ser a confiança na Mão Invisível do Mercado, esta versão capitalista da Providência divina, que vai nos salvar dessa enrascada.

Confira também:

Documentário completo
Documentário completo “Disruption” (2014), lançado dias antes da People’s Climate March

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Documentário de 15 minutos sobre a People's Climate March em Toronto, no Canadá

Documentário de 15 minutos sobre a People’s Climate March em Toronto, no Canadá

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Saiba mais:

Climate Action Network
Intergovernmental Panel on Climate Change
Coalização Eco-socialista “System Change Not Climate Change”
Friends of the Earth
Rising Tide UK
Worldwatch Institute
Grist Magazine