O GRUNGE QUE SE MEDE EM GIGATONS: Pearl Jam mostra vitalidade e sintonia com nossa época em “Gigaton” (2020), seu 11º disco

A música, quando entra em sintonia fina com o tempo histórico e consegue expressar o zeitgeistatinge aquele estado raro em que ultrapassa os modismos e consumismos, transcendendo a condição que tentam lhe impor, a de mercadoria consumível e rapidamente descartável, para transformar-se em obra-de-arte de interesse perene, inclusive para futuras gerações que queiram entrar em contato com uma obra que seja um sign of the times.

Obviamente, nada impede que uma obra musical seja simultaneamente um marco histórico e uma mercadoria altamente lucrativa (é só pensar no fascinante paradoxo da Beatlemania ou nos rios de dinheiro gerados pela cataclísmica eclosão do Nevermind do Nirvana). São raros, mas existem os “queridinhos dos críticos” que são simultaneamente um estouro nas paradas. Na corda-bamba entre a margem da indústria cultural e a margem da aventura artística, as melhores bandas do mainstream mass-mediático são aquelas que, a exemplo do Pearl Jam, não se rendem a serem meros serviçais do sistema a serem achincalhados como sell-outs, prosseguindo sempre com este alvo no horizonte: criar uma arte que esteja à altura de expressar nossa existência coletiva no tempo atual.

Quando a arte tem esta umbilical ligação com a atualidade e esta capacidade de captar o aqui-e-agora, ela é menos evanescente do que o seu banal hit toppin’ the charts (o sucesso que dura pelo verão e depois é semi-esquecido para venham os próximos na fila da fama…). “O dever do artista” é ser um espelho onde se reflete o tempo em que o artista vive, como propunha Nina Simone. Mas a arte serve também, como queria Brecht (citando Maiakóvski), não apenas como um espelho que reflete o mundo (deixando-o subsistir tal qual é) mas muito mais como um “martelo para forjá-lo”. Como um escultor que trabalha a pedra bruta para dê-la extrair O Pensador ou o Laoconteo artista martela sua matéria-prima, dando forma a algo novo ao invés de ser apenas espelho ou prisma.

Na música, às vezes o artista martela canções nos tímpanos dos ouvintes até que elas entrem para um tesouro cultural comum que a coletividade enxerga como seu repositório de clássicos, ou seja, aquilo que merece ser salvo do naufrágio do tempo. Na da sucessão de gerações, os clássicos são aquilo que consideramos digno de ser transmitido pelos contemporâneos aos vindouros. O exemplo mais emblemático que consigo pensar é deste ethos Brechtiano alçando-se à condição de clássico, na história do rock, é o The Clash.

Uma banda tão espetacularmente bem-sucedida em sua capacidade de entrar sintonia com o tempo histórico, tão supimpa em sua expressão entusiasmada de um ímpeto ativista e transformador, que fazia com que todas as outras parecessem desimportantes. O The Clash, para nós seus fãs, é descrito com a hipérbole: A Única Banda Que Importa. Pois Joe Strummer, Mick Jones e cia não faziam apenas a expressão da época do mundo, além disso explodiam nos amplificadores a fúria criativa de quem quer modificar o que há pois descobriu que a realidade social é co-criável por nós. É um pouco deste ethos, crucial por suas ressonâncias posteriores em bandas cruciais como o Fugazi ou o Rancid, que fez de London Calling uma das maiores obras-primas da história da arte (e fodam-se quem, por preconceito acadêmico ou elitismo estético, pré-julga o movimento punk como se fosse incapaz de alçar-se às nuvens elevadas das Belas Artes…).

É que a arte, criando a si mesma, recria o mundo, refaz os outros, no que poderíamos chamar, sob a inspiração de Gênio Gil, de uma refazenda de tudo – a começar pelas nossas percepções de nós mesmos e do próprio mundo. Isto é, a arte é uma criação do engenho criativo humano que entra na História como uma novidade, expressando o que antes não tinha sido expressado, expandindo a paleta de cores, de dramas, de sinfonias etc. do mundo-em-fluxo onde estamos embarcados.

Tendo atravessado toda a Era Grunge, do começo dos anos 1990 até a aurora dos 2020, resilientes como ninguém daquele movimento, o Pearl Jam é hoje uma destas instituições que já virou clássica. O quinteto formado por Eddie Vedder, Jeff Ament, Mike McCready, Stone Gossard e Matt Cameron, nascido em 1990 das trágicas ruínas do Mother Love Bone (banda de Seattle que foi a pique com a overdose fatal que acometeu seu líder Andy Wood, o que deu ensejo para a criação do Temple of the Dog), adentra a década de 2020 com muita vitalidade.

Após o colapso do Nirvana, do Soundgarden, do Stone Temple Pilots, do Hole, dos Screaming Trees, além da reinvenção com novo vocalista do Alice in Chains, alguns se apressaram a decretar a morte do grunge após tantas bandas já terem encerrado suas atividades (muitas vezes de maneira trágica, devido a suicídios e overdoses fatais). Mas o Pearl Jam sobreviveu a tudo, mantendo pulsante o Som de Seattle – e está vivinho para cravar em 2020 um dos álbuns mais significativos desta entrada de década.

Em meio à pandemia de covid-2019, no primeiro semestre de 2020, foi lançado “Gigaton”, novo álbum das lendas vivas do Grunge: Pearl Jam ressurge após um hiato de 7 anos desde “Lightning Bolt” (disco de 2013). A banda de Seattle entrega ao mundo seu 11º álbum de estúdio, com 12 canções inéditas, sem perder o pique mesmo após 3 décadas de carreira (os 20 primeiros deles já celebrados em livro e documentário através do magistral projeto PJ20 de Cameron Crowe).

 

Os caras do Pearl Jam – liderados por um incansável Eddie Vedder, um dos grandes poetas líricos e um dos mais expressivos cantores de nossa geração – encaram o desafio gigatônico de expressar musicalmente os dilemas mais urgentes de nossa época:

“O clima é uma preocupação estimulante [galvanizing] em ‘Gigaton’, com o Pearl Jam estruturando seu décimo álbum em torno da crise climática iminente. Há pouca sutileza a esse respeito: o título se refere à quantidade de gelo perdido nos pólos árticos, a capa do álbum mostra uma geleira derretida, e as letras estão sujas com imagens apocalípticas, ainda que nem todas derivadas do clima.” Stephen Thomas Erlewine, AMG All Music Guide (https://bit.ly/3dDV92m)

Aderindo ao catastrofismo esclarecido, o Pearl Jam evoca a ciência climática atual que mede em gigatons a quantidade de gelo derretido na Antártida ou na Groenlândia em nossa era de Efeito Estufa – segundo um Tweet da banda, 1 gigaton equivale ao peso de 100 milhões de elefantes ou 6 milhões de baleias azuis.

Em uma das obras-primas do álbum, “Retrograde”, a banda utiliza um vídeo-clipe sensacional para evocar grandes metrópoles sendo afundadas debaixo de dilúvios causados pelas mudanças climáticas. Menciona figuras contemporâneas que estão na vanguarda da luta ecológica, como Greta Thunberg e o movimento grevista #FridaysForFuture. Conclama ainda que “será preciso muito mais que amor ordinário” para nos erguer para cima diante deste contexto que ameaça nos submergir (o que lembra do ethos de Neil Young em canções como “Lotta Love”).

Outra das obras-primas do “Gigaton” (2020), novo álbum do Pearl Jam, “Quick Scape” (Fuga Rápida) revela Vedder, um dos melhores letristas vivos, aderindo ao eu lírico de um nômade das catástrofes sócio-ambientais. “Cruzei a fronteira para o Marrocos”, canta a certo ponto. “Quantas distâncias tive que cruzar / Até encontrar um lugar que o Trump ainda não tinha fodido!”.

A vida dura do refugiado, condenado a “levantar pedras por um salário”, evoca a trágica punição imposta por Zeus a Sísifo, na mitologia grega. O que não impede que o eu-lírico seja também o veículo daquela Sabedoria que Vedder expressou na trilha-sonora que compôs para Into The Wild – Na Natureza Selvagem: “Atento a todo pôr-do-sol / Nenhuma noite estrelada desperdiçada…”. Siga a letra na íntegra e aprecie o videoclipe das lendas vivas do grunge:

Reconnaissance on the corner
In the old world not so far
First we took an aeroplane
Then a boat to Zanzibar
Queen cracking on the blaster
And Mercury did rise
Came along where we all belonged
You were yours and I was mineeah, yeah

Had to quick escape
Had to quick escape
Had to quick escape
Had

Crossed the border to Morocco
Kashmir then Marrakech
The lengths we had to go to then
To find a place Trump hadn’t f*cked up yet
Living life on the back porch
Lifting rocks to make a wage
Every sunset paid attention to
Not a starry night went to waste

Had to quick escape
Had to quick escape
Had to quick escape

And here we are, the red planet
Craters across the skyline
A sleep sack in a bivouac
And a Kerouac sense of time
And we think about the old days
Of green grass, sky and red wine
Should’ve known so fragile
And avoided this one-way flight

Had to quick escape…

O Pearl Jam tornou-se uma das bandas atuais que melhor conseguiu, em suas mutações, seguir sintônica com o que rolava de mais urgente no globo. Rebeldes e dissidentes, as canções de Vedder e cia explodem nos amplificadores com a ousadia de tematizar os descaminhos da evolução humana (“Do The Evolution”), as tendências suicidas da civilização capitalista-ocidental (“World Wide Suicide”), a angústia juvenil e as engrenagens de um massacre escolar (“Jeremy”), dentre outros temas cabeludíssimos.


Em 2020, o Pearl Jam segue honrando a sonoridade e a atitude das bandas do passado que mais inspiram a caminhada do mamute grunge: penso no The Who, em Neil Young e Crazy Horse, em Bruce Springsteen, mas também nos Ramones. O processo de amadurecimento de Vedder, que parecia conduzi-lo a se tornar um ícone folk, o Dylan ou Young de sua geração, como mostra sua criação solo mais genial, Into the Wild, e como sugere também sua faceta mais suave e tranquila que se expressa no projeto Ukulele Songs, não foi uma maturação que o tenha feito esquecer suas raízes punk grunge. 

Canções como “Quick Scape”, “Superblood Wolfmoon” ou “Never Destination” revelam um Vedder que nunca cessou de amar os Ramones. Além de uma instituição da história do movimento punk, acredito que os Ramones tem uma significação mais ampla, para o rock’n’roll como um todo, entendido não como estilo musical mas também como subcultura. Em outros termos, tão importantes quanto Chuck Berry, Little Richard, Elvis Presley, Jerry Lee Lewis ou Bo Didley para  história do rock’n’roll, os Ramones são uma espécie de condensação daquilo que o punk propôs: o back to basics, o foco na energia rítmica, na entrega emocional, na eletricidade exuberante, na ausência de firulas para que pudesse melhor brilhar o essencial.

Joey Ramone, enquanto vivia, serviu como uma espécie de mentor para o cantor e compositor do Pearl Jam de muitas maneiras, sobretudo conduzindo o Pearl Jam e seu líder a estarem sempre engajados com os “elementos fundamentais do rock’n’roll”, como o próprio Vedder relata no livro Pearl Jam 20 (p. 314): “Munição extra [para Vedder] veio do falecido Johnny Ramone, que não apenas inspirou a letra de “Life Wasted”, mas desafiou Vedder a estudar os elementos fundamentais do rock’n’roll” – e sabe-se do impacto emocional que a vida e a morte de Joey tiveram sobre Vedder:

– Há essa energia fúnebre, quando você literalmente se senta ali com a morte de seu amigo e percebe como a vida é preciosa – diz Vedder sobre a morte de Joey Ramone. Funerais e casamentos são bons para isso. Você tem essa sensação renovada de viver a vida ao máximo quando você vê como ela evapora rápido. Você não dá o devido valor… ‘Life Wasted’ veio disso: ‘Já passei por isso, uma vida desperdiçada, nunca voltarei’. Viva a vida ao máximo. Eu não ia deixar essa perda profunda passar sem reconhecimento.”

O reconhecimento que Vedder quis expressar por seu ídolo e amigo passou inclusive por cantar com os Ramones no show de despedida em 1996 (lançado no álbum We’re Outta Here) e pelo papel que ele teve como anfitrião da consagração Ramônica no Rock’n’roll Hall of Fame em 2002. Um bootleg interessante revela Vedder cantando Ramones:

É bem verdade que o Pearl Jam transcendeu aquela simplicidade dos Ramones que alguns confundem com tosquice, mas que não é senão a arte do foco energético concentrado que torna tão pulsante a maquinaria sônica rock’n’roller ramônica. O Pearl Jam se complexificou, explorou muitas sonoridades e afetos, tornou-se capaz de soar às vezes como o Jethro Tull ou o Pink Floyd, bandas nas antípodas dos Ramones. Mas algo de ramônico sempre permaneceu lá, no âmago do Pearl Jam, e ouso afirmar que está aí um dos segredos para a vitalidade do grupo.

É verdade que, como Gigaton mostra, a concepção de álbum que move o Pearl Jam difere bastante daquela que norteava bandas como os Ramones, o AC/DC, o Motörhead ou o Nirvana – para estas bandas, com o perdão de uma generalização que corre o risco de uma certa injustiça, um bom álbum retira sua coerência do fato de que as canções soam parecidas umas com as outras, seguem-se numa acachapante fileira de riffs matadores e refrões-chiclete, gerando um daqueles objetos que os fãs adoram pois está inteiramente repleto de thrills (e nenhum filler). 

O Pearl Jam, em contraste, pensa um álbum como um “épico” onde a diferenciação é valor: o disco deve ter muitos contrastes, mesclando as pedradas pesadas mas também as baladonas mais atmosféricas. Deve ter aquele frio na barriga e aquela taquicardia de uma viagem de montanha-russa, mas pode e deve conter também um momento mais contemplativo, como flutuar num lago sobre um caiaque sob a luz de uma lua cheia enquanto lobos uivam para a lua. Grandes álbuns do Pearl Jam, como Vs, Yield, Binaural, Riot Act, tem esta abordam do álbum multi-colorido e excêntrico, que viaja de momentos punky e explosivos em direção a experimentalismos menos palatáveis, para depois voltar à quebradeira catártica.

O Pearl Jam chegou em 2020 com uma single que mostra a banda querendo brincar com sonoridades meio funky, em “Dance of the Clairvoyants”, que parece uma homenagem a David Byrne e os Talking Heads, mas que também dialoga com as obras-primas do Gang of Four nos anos 1970 e 1980 (Entertainment, Solid Gold…). 

Esta ousada sonoridade, com sabor de excentricidade, que o primeiro single de “Gigaton” traz, mostra não só que o Pearl Jam curte e idolatra os caras que fizeram obras-primas como Fear of Music Remain in Light: é verdade que os Talking Heads re-vivem através do prisma grungy-funky de “Dance of the Clairvoyants”, mas isso se dá sem que o Pearl Jam perca o bonde do contemporâneo. A música dialoga perfeitamente com a obra de algumas das melhores bandas atuais, como o s maravilhosos Dirty Projectors e TV On The Radio.

Já em “Seven O’Clock”, uma power-baladona que honra como heróis os xamãs nativo-ameríndios Sitting Bull e Crazy Horse, o Mr. Trump toma na testa um petardo: é xingado de “Sitting Bullshit”, “our sitting president”. A música é um tratado sobre as ações tresloucadas de húbris dos seres humanos diante da natureza, exemplificada pela atitude de alguém que agarra uma borboleta, quebra suas asas e a põe numa vitrine, desprovida de toda a sua beleza desde o momento em não pôde mais voar livre:

“Caught the butterfly, broke its wings then put it on display
Stripped of all its beauty once it could not fly high away
Oh, still alive like a passerby overdosed on gamma rays
Another god’s creation destined to be thrown away
Sitting Bull and Crazy Horse, they forged the north and west
Then you got Sitting Bullshit as our sitting president
Oh, talking to his mirror, what’s he say, what’s it say back?
A tragedy of errors, who’ll be the last to have a laugh?”

É 2020 e talvez não haja em atividade nos EUA nenhuma banda tão capaz quanto o Pearl Jam de denunciar a “tragédia de erros” que domina um virulento zeitgeist, ao mesmo tempo que prova, por sua própria resiliência, a possibilidade de uma trajetória de acertos. O ethos pearljâmmico, aquilo que segue animando esta lenda viva do rock global, tem ainda muita relevância em nosso mundo, mostrando que as duas visões sobre as funções da arte que mencionamos a pouco – a de Nina Simone, a de Brecht / Maiakóvski – não são mutuamente excludentes mas sim conjugáveis. O artista tem sim o dever de refletir em sua obra o tempo histórico, mas sua obra é também um martelo com o qual forjar o novo. O élan vital que atravessa a obra do Pearl Jam, banda incansável e que não quer ir dormir na auto-satisfação, é um salutar contágio nestes tempos em que viralizam desgraças.

Eduardo Carli de Moraes
Abril de 2020
http://www.acasadevidro.com

 

OUÇA TAMBÉM, DE “GIGATON”:

DISCOGRAFIA DO PEARL JAM:

01. Ten (1991)
02. Vs. (1993)
03. Vitalogy (1994)
04. No Code (1996)
05. Yield (1998)
06. Binaural (2000)
07. Riot Act (2002)
08. Pearl Jam (2006)
09. Backspacer (2009)
10. Lightning Bolt (2013)
11. Gigaton (2020)

 

ACESSE TAMBÉM / COMPARTILHE:

PLAYING THE PAIN AWAY – Sobre a arte prodigiosa de Tash Sultana e sua prática da catarse musicoterápica

Fico impressionado, de queixo caído, com os múltiplos dons musicais da Tash Sultana. Esta multi-instrumentista australiana, nascida em 1995 lá em Melbourne, vem se destacando no cenário cultural global como uma “banda-duma-mina-só” que esbanja inovação e feeling através dum som viajado, complexo, irrotulável. Sobretudo inspirador.

Virtuose da sinergia, Tash revigora como poucas artistas atuais os domínios do Rock Alternativo e da “cultura neo-hippie”. No processo, semeia fascínio em relação aos poderes da juventude humana quando pode deixar florescer sua criatividade e curiosidade. Com seu controle ímpar de instrumentos múltiplos e pedais de loop, ela chegou pra provar que é possível o surgimento de novos “guitar heroes” que não sejam apenas os que repisam nas pegadas de Clapton, Hendrix, Jeff Beck ou Eddie Van Halen.

Esta guitar heroine despontou com a viralização de seu vídeo caseiro da música “Jungle”, há 3 anos atrás (hoje ele possui cerca de 30.000.000 de visualizações no YouTube – assista abaixo). Com uma câmera estática filmando seu processo de “maga” dos sons, ela mostrou ao mundo que o cenário do indie-rock da Austrália ia muito além do Tame Impala. A performance de Tash, adicionando camadas e mais camadas de sons ao seu caldo de bruxa, voodoo child da novíssima generation, estarreceu muita gente com uma espécie de orquestra rock de uma mulher só:

Natasha (vulgo Tash) empilha sons em camadas superpostas sem precisar para isto do recurso de estúdio do overdub. Ela é capaz de criar, ao vivo, as “paredes de som” Phil Spectorianas que muitos pensavam só serem produzíveis em um contexto de estúdio e overdubbing. Ela é mestra na produção de um fluxo sônico onde os primeiros sons que ela produz na canção entram em estado de loop (repetição cíclica), repetindo-se como um eco do passado que segue presente, e os próximos sons adicionam-se a estes sons tocados no passado que seguem ressoando por proeza da tecnologia digital.

Conforme a canção progride, o que temos é uma espécie de câmara de ecos que poderia chafurdar na confusão mais caótica se não houvesse, no controle do processo, uma “regente” genial de si mesma como esta moça é. A revista Rolling Stone publicou uma crítica onde demonstrou toda sua admiração por um disco de estréia descrito como “deeply impressive”, onde sobressai a “guitar wizardry” da moça que é uma faz-tudo (cantora, compositora, multi-instrumentista, produtora, e por aí vai):

This Melbourne-based busker-gone-legit raises the “do it yourself” stakes with her debut, which is a top-to-bottom showcase of her varied virtuosity; she’s the lone musician credited on the album, as well as its producer and songwriter. Given Sultana’s playing-for-tips roots, it’s probably appropriate that Flow State whirls through styles — “Cigarettes” starts as loose-limbed R&B then speeds things up to a near-frantic pace, “Salvation” recalls the marriage of big beats and gossamer voices that dominated indie discos in the late Nineties, and the simmering “Seven” showcases Sultana’s violin skills over plush synth-pop and agitated chase-scene scores. Sultana can play 20 instruments, but her guitar wizardry is the clear star here; the yearning solo on “Pink Moon” yawps and shudders, while the gathering-storm riffage of “Blackbird” stretches out over nearly ten minutes, all thrilling. After years of being a festival and YouTube sensation, Sultana’s thrown down the gauntlet forcefully. (ROLLING STONE)

Parece-me que este é um procedimento estético que, além de dialogar com aquilo que o Radiohead fez de mais vanguardístico em sua carreira (a exploração cada vez mais arrojada de patterns rítmicos e ambiências que rompessem todas as caixinhas fechadas dos dogmas e paradigmas), aproxima Tash da “lógica” dos mantras budistas. Além disso, faz com que ela dialogue com a filosofia do Eterno Retorno Nietzschiana, como se seu imperativo categórico enquanto musicista fosse: “toque cada nota e cante cada frase como se você quisesse que aqueles compassos se repetissem eternamente no futuro da canção”.

Mas ninguém precisa intelectualizar demais a sua “stésis” (ou seja, seu aprendizado a partir da experiência sensorial) pra apreciar esta música: ela é capaz de fazer algo de benigno com nosso cérebro se simplesmente nos abrirmos a ela, sem pensamentos inúteis servindo de barreira para o impacto de seus encantos. Seus dois primeiros álbuns, Notion (2016) e Flow State (2018) – que A Casa de Vidro disponibiliza para dowload gratuito – penetram por nossos sentidos como uma avalanche sensorial complexa e inebriante, uma espécie de hippie-prog-rock do século 21.


“Synergy”, canção que abre o EP de estréia de Tash Sultana, Notion 

A habilidade rítmica da moça faz com que ela seja mestra em nos conduzir ao transe místico. Como uma neo-hippie pilotando a tecnologia da atualidade com maestria poucas vezes vista, Tash Sultana abre novos horizontes para uma percepção mais fluida de mundo e para uma redescoberta da música como mística. Ouvir os álbuns é uma vivência que recomendo, mas antes de ir a eles seria interessante uma imersão nos vídeos, pois neles se explicitam melhor os procedimentos técnicos e performáticos que permitem que uma musicalidade de tamanha complexidade possa nascer, ao vivo, de uma única pessoa, extraordinariamente jovem, que toca todos os instrumentos que se ouvem em seus shows e discos – o que alguns ouvintes vão julgar inacreditável. Tash Sultana toca como se quisesse nos conduzir, pela via dos sons, a alguma espécie nova de iluminação búdica.

FAÇA O DOWNLOAD DA DISCOGRAFIA DE TASH SULTANA EM MP3 – Notion EP (2016) e Flow State LP (2018)

Pra se ter uma noção do que são Notion e Flow State, são necessárias repetidas imersões em seus complexos sons. As explorações de territórios novos no indie rock, como Velvet Underground, Talking Heads ou Pixies fizeram no passado, convivem na obra de Sultana com influências culturais orientais, vibes meio rasta, flertes com o dub e o trance, tudo impregnado de uma espiritualidade meio búdica. Uma neo-hippie no perfeito comando da tecnologia a seu dispor, ela é também capaz de explorações existenciais e mergulhos psicológicos que expressam sua subjetividade conturbada. Uma de minhas prediletas fala sobre tudo aquilo que nos oprime por dentro, nos confunde a subjetividade, nos esmaga invisivelmente – tudo que é “assassinato pra mente” (“murder to the mind”):



“I was only screaming out for help
It was murder to the mind
It was blood on my hands
Fire in my soul…”

“Murder to the Mind” é uma das músicas que mais impressionam em Flow State, um dos álbuns de estréia mais ambiciosos do século 21. O videoclipe é primoroso e revela ao espectador toda a densidade da experiência sensorial envolvida em Tash Sultana. Ela, em operação, é um corpo pulsando intensamente com a música, com seu organismo inteiro movimentado pelo estado-de-fluxo que a música propicia quando se é capaz de cometer, com ela e através dela, “abraço místico”, tema de outra das lindas canções do disco, “Mystic”, que evoca Van Morrison e sua música que nos conduz a “velejar into the mystic” em obras-primas da história da música como Moondance e Astral Weeks:


“There’s a natural mystic in the air…”

Na guitarra de Tash, repercutem os ritmos do dub, do ska, do reggae, do R&B, enfim: da diversidade abraçada, celebrada, praticada. Ela vai criando riffs onde também se manifestam toda a maestria Sultânica para a arte do loop. E acima de tudo isso, evidências de sobra de que ela sabe rockear: sua atitude nos palcos e na vida é de alguém que sabe também ser confrontacional. Outro de seus méritos enquanto musicista é que, não importa quão experimental seu som se torne, ela é sempre groovy em seu processo de ir experimentando… Não se trata apenas duma geek privilegiada que está com tempo livre de sobra pra aprender uns gimmicks com pedais-de-guitarra e softwares de sequenciamento de beats. Em Tash Sultana, estes instrumentos estão a serviço da maestria expressiva e interpretativa:


Estamos em uma era, na música, onde se agigantam de novo as teens fenomenais, dando uma nova versão da angústia adolescente através de uma Billie Eilish, mas igualmente através da imensa sabedoria que Tash Sultana já manifestava aos 21 anos de vida. Isso se evidencia na TED Talk em que ela, em clima confessional (similar àquela linda sessão TED com Flaira Ferro), relembra de certos episódios de sua vida pregressa em que lidou com a “psicose”, a confusão mental, a insociabilidade, a incapacidade de funcionar corretamente em meio à sociedade careta. Toda aquela dor, ela diz, foi sendo trabalhada através do tocar música, até que ela tenha alcançado um pouco de “clareza” [clarity] sobre os afetos [passions].

Aí, parece-me, está se exprimindo algo que também marcou a trajetória de Kurt Cobain, aquele irônico e icônico ídolo juvenil suicidado aos 27 e que cravou versos inesquecíveis como aquele que agora acorre à memória: “teenage angst has paid off well” (de “Serve the Servants”, magistral faixa de abertura do “In Utero”). Talvez Sultana possa dizer que conheceu a teenage angst cobainiana, que esteve tentada a auto-destruir-se devido a suas suicidal tendencies, mas que conseguiu, ao contrário do líder do Nirvana, encontrar saúde e clareza através da catarse musicoterápica. O que a aproxima também de Laura Jane Grace, mulher-trans à frente de uma das mais importantes bandas punk do mundo, o Against Me, que também fala no processo de “buscar claridade” em meio ao caos, através de sua arte, em álbuns incríveis como Searching For a Former Clarity e Transgender Disphoria Blues.

Ela não buscou esta catarse através da expressão por vontade de se conformar aos padrões e paradigmas da sociedade careta, mas ao contrário foi “playing the pain away” em sessões de performance-de-rua [streetperforming] que ela foi burilando seu estilo e aprendendo a comandar a impressionante aparelhagem que ela opera. Multi-instrumentista capaz de tocar mais de 10 instrumentos diferentes, ela é prova da vivacidade extasiante da capacidade de aprender humana manifestando-se na flor da juventude. Skateira, pouco conformada aos padrões de gênero que propõe à mulher que seja dócil e comportada, sempre de trejeitos “femininos” (ou seja, delicados…), ela traz na pele tatuada os signos de uma ânsia por sentido, diante da morte, construída com arte.

Aquela TED Talk, neste contexto, ensina uma imensidão: uma mente humana, há 21 anos no mundo, é uma das coisas mais complexas e fascinantes do cosmos – e pobres dos velhos que, prepotentes e arrogantes, ousam desprezar a juventude e supõe que ela é sempre mais tola e estúpida do que a geração que está a mais tempo no mundo. Na verdade, pode ser que o apego às velharias conhecido pelo nome de conservadorismo seja uma esclerose senil e que as forças da renovação da existência encarnam-se na geração juvenil. Isto é tão óbvio e evidente mas precisa ser reafirmado diante de uma faceta que nos esfaqueia no fascismo da atualidade: os fascistas são quase sempre velhos, opressores da juventude, apegados ao dogma de que os mais velhos devem mandar, numa espécie de gerontocracia. 

A música e a pessoa de Tash Sultana é pra dar um pontapé nesses arrogantes gerontocratas. A juventude pode muito e ainda vai poder mais: Rimbaud já tinha marcado para sempre a história da poesia francesa com 17 anos de idade, e eu afirmaria sem medo de errar que a música “pop” nos EUA poucas vezes foi marcada por uma obra prima artística tão primorosa quanto foi pelo lançamento de Tidal, disco de estréia gravado por uma Fiona Apple  que havia criado aquilo após apenas 16 giros de seu corpo ao redor do Sol.

Na esteira dos Beatles e do mantra “Can’t Buy Me Love”, ela realizou “Can’t Buy Happiness” (Não Se Pode Comprar Felicidade), sugerindo que só se é feliz, nesta vida, quando utilizamos a criatividade para lidar com os sofrimentos inevitáveis que a vida comporta.

A salvação não precisa ser privilégio dos crentes, nem ser necessariamente post mortem: pra salvar-se em vida de uma morte travestida de existência, de uma meia-viva apagadinha e meia-boca, é preciso que a arte seja convocada para infundir beleza e sentido ao que de outro modo poderia chafurdar no nonsense e na insignificância confusa. Para além de ser uma wizard dos instrumentos musicais, de ser brilhante no controle dos aparatos tecnológicos, Tash Sultana é também alguém que vivencia a arte como espiritualidade – o que é laico, secular, acessível a qualquer ateu. A beleza é um deus terreno que não exige de nós crença na transcendência sobrenatural, nem sacrifícios ascéticos em louvor a esta. Salvação, aqui e agora, através da criação, pela arte, de um mundo mais belo e mais habitável, de uma vida mais fascinante e envolvente.

É claro que, de um viés crítico, há o que se dizer sobre esta hipérbole do protagonismo que é o método do-it-yourself de Sultana levado ao extremo de um do-it-alone (with no one else). Alguns podem ler excesso de individualismo nesta estratégia artística de alguém que quer fazer tudo, estar no controle de todos os elementos, levando a questão da expressão individual à elefantíase. Avessa à especialização de funções, Tash não quis chamar uns brothers ou sisters para tocarem baixo, batera, trompete com ela. Ela toca consigo. Será isso solipsismo? Mesmo numa artista que, em “Mystic”, nos fala de uma sabedoria que consiste em botar o ego pra dormir?

“I guess I laid my ego to rest.” (“Mystic”)

Ela corre o risco de se embrenhar numa jornada egóica, como muito guitar hero já fez, fazendo a ostentação de seus feats técnicos para platéias embasbacadas. Ela é prodigiosa e sabe disso, mas isto coloca o perigo de um ego que cresça como um balão que se enche de ar e se desprega do chão. De todo modo, como o clipe de “Cigarettes” indica, Tash é um exemplo vivo do que pode acontecer com alguém que tem sua iniciação musical bem cedo, que tem seus dons expressivos incentivados desde o berço, e que ademais consegue trilhar como estudante os caminhos do aprendizado auto-didata (ela se diz self-taught):

Em seu pertinente e provocante documentário The Century of the Self, Adam Curtis sugeriu que vivemos no “século do self” no último centênio. Tash Sultana é expressão isso, de uma self made woman que conseguiu tornar-se “sozinha” um fenômeno transnacional da música. Só que este self é nela questionado pelos tropismos que ela manifesta pelas vertentes da sabedoria oriental que colocam a felicidade justamente na transcendência do ego e numa mística da re-união. Búdica religião do re-ligare, que através da arte faz o eu transbordar de si e encontrar-se com outros na mística profana e maravilhosa da comunicação estética. Através de sua arte, como uma blueswoman tecnizada, ela segue a caminhada da vida playing the blues away, na descoberta de uma catarse musicoterápica.

 

Por Eduardo Carli de Moraes
Goiânia, 20/12/2019

Acessar todos os escritos sobre música

Conheça o videoclipe da canção “Morro Abaixo”, de Luiza Camilo e Iná Avessa, uma produção d’A Casa de Vidro Ponto de Cultura

Presente em Nascência, álbum de estréia da artista goiana Luiza Camilo, a canção “Morro Abaixo” conta com participação especial de Inà Avessa, MC em ascensão no cenário Hip Hop de Goiânia.

O video-clipe é uma produção do ponto de cultura A Casa de Vidro (www.acasadevidro.com), com filmagem e montagem por Eduardo Carli de Moraes, assistência e making of por Naihara Moraes.

O lançamento oficial aconteceu na Festa da Resistência Latinoamericana com shows de Adriel & Iná, n’A Casa de Vidro, durante a 3ª Jornada Goiana de Direitos Humanos, organizada pelo Comitê Goiano de Direitos Humanos ‘Dom Tomás Balduino’, em 14 de Dezembro de 2019.

O lirismo e a musicalidade ímpares da Camilo já lhe renderam o reconhecimento em festivais como Canta Cerrado, Canto da Primavera e Juriti – Festival de Música e Poesia Encenada. Neste último, por exemplo, Camilo foi a vencedora do 1º lugar, na terceira edição do Juriti no ano de 2013, por sua interpretação da obra de poesia encenada “Amanheçamos” (Fonte: https://bit.ly/2RZrgS6). Ela também integrou a banda Bandita Codá (assista, desta, ao clipe da canção “Destino”, também presente em Nascência). 

Convidamos a todos para que apreciem e disseminem o vídeoclipe oficial de “Morro Abaixo”, uma das mais belas canções do disco “Nascência”. A confluência entre Luiza Camilo e Iná Avessa, nesta canção emblemática do que de melhor tem nascido na cultura goiana, está em sintonia com outros trabalhos de protagonismo feminino que vem despontando e florescendo no cenário: AveEva (da dupla Paula de Paula e Flávia Carolina), Cocada CoralBanda MadáIngrid Lobo, Lorranna Santos, Coró Mulher, Retalha Vento, Luciana Clímaco, Nina Soldera e Banda Mundhumano e Meimundo, M’Bandi, dentre outros.

Este é o terceiro videoclipe produzido e publicado pel’A Casa de Vidro: antes vieram “Marginal Latina”, de Vitor Hugo Lemes (VH, O Escrivão) e Bergkamp Magalhães (acesse: https://www.youtube.com/watch?v=s2svqzGlXew), e “Peles Negras Máscaras Brancas”, de VH e Jordana Luz Negra (https://youtu.be/pwx-qGRtE_M).

“Morro Abaixo” nasceu da colaboração de muita gente que somou forças para atingir este resultado e que estão reconhecidas abaixo:

CRÉDITOS DA PRODUÇÃO MUSICAL:
Arranjo, bateria e guitarra – Ricardo de Pina
Trombone – André Luiz
Percussão – Diego Amaral
Trompete – Wellington Santana
Composição, voz e contra-baixo elétrico – Luiza Camilo
Voz e composição – Iná Avessa

CRÉDITOS DA PRODUÇÃO AUDIOVISUAL:

Câmera e Montagem – Eduardo Carli de Moraes
Fotografia e Making Of – Naihara de Moraes
Figuração e Assistência – Guilherme Eurípides, Afrodite Flow
“Performers” / Atrizes – Luiza Camilo e Iná Avessa

CRÉDITOS DA COMPOSIÇÃO:
Camilo / Iná

MORRO ABAIXO [Letra]:

É, ‘tá difícil respirar aqui
Tanta gente que não vê
o dia florir, a sorrir.

É, tanta tragédia acontece aqui
Muita gente foi embora.
E na TV ainda tem um tal de besteirol
Enganando a cabeça de quem acha
Que tudo vai bem.
‘Tá na hora de pensarmos mais além.

Os dias passam,
Tudo continua o mesmo.
Pessoas morrem,
Tudo continua o mesmo.
O lixo só aumenta
E continua igual. Continua igual.

(RAP – Iná Avessa MC)

O tempo do plantio é diferente do tempo da colheita. Sobrevoam duvidas suspeitas, espreitam, e vezes ganham atenção que desejam. Então não pense que eu estou parada. Isso não é um simulador, a vida é um tiro, eu ‘tô engatilhada, ando pensando, conhecendo a escola do caminho, algo que agora beira o não espera nada. Nada melhor que o não visto, nada melhor que o não quisto. O horizonte com firmeza é bem maior que o objetivo, a alma calma, o indivíduo o coletivo e o subjetivo. Então não pense que eu estou parada. Poesia marginal contra toda alienação, guerrilha verbal no país da alegria, onde impera a covardia, liberdade é utopia e no momento é ilusão. P’ros parça força nessa caminhada. Não deixe não.

E no jornal uma reportagem sensacional,
Acomoda a cabeça
De quem acha a norma normal,

Basta olhar e ver
Que o mundo vai bem mal.

Os anos passam,
Tudo continua o mesmo
Pessoas matam, mentem,
Tudo continua o mesmo.
O lixo só aumenta e continua igual.
Continua igual.

É hora de atenção, muito mais ação
Porque se não,
Felicidade vai virar ilusão.
Felicidade vai virar ilusão.
Felicidade vai virar ilusão.
Não deixe não.

* * * *

CLIPE DISPONÍVEL EM:
YouTube – https://youtu.be/VeLJb8die4E
Facebookhttps://www.facebook.com/blogacasadevidro/videos/759319991215726
Vimeo – https://vimeo.com/332085237
IGTV / Instagramhttps://www.instagram.com/tv/B6LpC9KnwNE/

SAIBA MAIS:

Site oficial: www.acasadevidro.com
Instagram: @acasadevidro_pontodecultura
Facebook: www.facebook.com/blogacasadevidro

* * * * *

ÁLBUM DE FOTOS – MAKING OF e SCREENSHOTS

Adriel Vinícius lança o álbum “Vivo Aqui e Agora” (2019), gravado em A Casa de Vidro Ponto de Cultura em parceria com Bern Studio Live

A Casa de Vidro Ponto de Cultura, em parceria com Bern Studio Live, apresentam o álbum ao vivo de Adriel Vinícius, Vivo Aqui e Agora (2019), contendo 10 canções autorais (ouça na íntegra em YouTube: http://bit.ly/33wXg2i). O show contou com participação especial do rapper Vitor Hugo Lemes (VH – O Escrivão) nas músicas “Ande” e “Preto”. Faça o download gratuito do disco: http://bit.ly/2IUgg2R (MP3 de 320kps).

TRACKS:

01 – Ande (Feat. VH) (0:17)
02 – Areia Vermelha (8:59)
03 – De Rolê (12:15)
04 – Buquê de Plástico (16:18)
05 – Netflix (19:33)
06 – Esferográfica (23:02)
07 – Casa de Ferro (26:05)
08 – Vida Rara (29:28)
09 – Força Flor (30:52)
10 – Preto (Feat. VH) (37:27)

Gravado em 28 de Setembro de 2019, em Goiânia, no ponto de cultura A Casa de Vidro em 1ª Av. 974 (St. Leste Universitário). Técnico de som e gravação: Bern Silva. Produção cultural e audiovisual: Eduardo Carli de Moraes. Ilustração da capa (em transparência): Rafael Brito. Poster por Gustavo Lopes Assis.

Todas as letras são inéditas, com exceção de “Preto”, que encerra a mixtape “Pele Negra Máscaras Brancas” de VH (https://www.youtube.com/watch?v=DBUyh…), e “Areia Vermelha” e “Netflix”, presentes no EP de Adriel lançado em 2019 (https://www.youtube.com/watch?v=ICP_D…).

VÍDEOS:

“Preto”

“A rede social é um Buquê de Plástico…”

A Cultura Não Se Cala – Crônicas das Trincheiras da Resistência: Moa do Katendê sai da vida pra ser semente; Roger Waters, do Pink Floyd, na turnê do #EleNão; “O Moço Lindo do Badauê” e o novo doc de Pronzato

A Cultura não se cala. Uma das evidências recentes mais impressionantes foi a transfiguração de Moa do Katendê em mártir, emblema, semente. Fundador da lendária banda inglesa Pink Floyd, o músico Roger Waters, no seu show em Salvador (BA), no 17 de Outubro de 2018, em plena efervescência eleitoral, fez uma imensa homenagem a Moa do Katendê – o compositor e mestre de capoeira, de 63 anos de idade, que foi assassinado com 12 facadas nas costas por discordar de um eleitor de Bolsonaro (Fonte: https://bit.ly/2VIQRO9, Pragmatismo Político).

Na Arena Fonte Nova, diante de 28 mil pessoas, muitas delas entoando “Ele Não!”, um telão de 70 metros de largura evocou a potência reativável dos ausentes e dos tombados, como os Moas e as Marielles. Mortos, mas nunca esquecidos, agora participam do destino das sementes. É assim que, recusando as mordaças, a Arte ergue suas trincheiras simbólicas para a resistência ao neofascismo reinante – e relinchante.

Fundador, nos anos 1970, do Afoxé Badauê, Moa foi um mestre da cultura popular brasileira que teve sua enraizada existência brutalmente interrompida pelo ódio sectário disseminado pela extrema-direita Bolsonarista. Recentemente, a memória de Moa do Katendê foi celebrada e documentada no filme “A Primeira Vítima”, do sempre-pertinente documentarista Carlos Pronzato ( assista ao filme completo – Brasil, 2018, 46 min):


A Folha de S.Paulo também lançou um importante testemunho: em entrevista inédita, Moa do Katendê fala sobre democracia e seu colapso, colonialidade e racismo, ataque à liberdade de expressão dos artistas populares, origens do Badauê, raízes das formas culturais como o afoxé, dentre outros temas – assista já: 


Já no videoclipe cypher da canção “Moço Lindo do Badauê”, que reúne os artistas Opanijé, Nelson Maca, Wall, Aspri RBF e Xarope MC, faz-se uma comovente homenagem a Moa que despertou os seguintes comentários do Danilo no site Oganzapan:

“A morte de mestre Moa gerou uma comoção e se tornou símbolo da tristeza e do caos politico que hoje se abateu de modo total sobre nós. Mas não só, o fato de sua morte gerou também outros movimentos e essa obra de arte a que estamos nos referindo é um dos mais bonitos.

A sensação da perda de um ancião negro, morador dos mais importantes do bairro em que eu moro, se transformou na perda de tudo aquilo que eu procuro aprender desde que tomei consciência da minha negritude.

Um corpo, uma existência que reunia todas as capacidades negras, fruto de uma excelência que transbordava a arte, passava pela técnica, atravessava a performance e se fazia pleno em tudo. Da politica à dança, do social à confecção de instrumentos, da moda negra à toda ancestralidade do candomblé, luta, moda, religião e tudo mais que você pensar.

Uma perda sentida por tudo que não poderei mais apreciar, aprender e passar a diante. Tudo isso exaurido por facadas desferidas pelas costas, no ato mais vil que o ódio pode exercer: a traição. Diante desse quadro bizarro, passei a refletir sobre meu lugar, sobre minha história, sobre a nossa arte e nossos conhecimentos que vão se perdendo sem valorizarmos adequadamente.

Quando vi o clipe da música Moço Lindo do Badauê, todo esse turbilhão de impressões e pensamentos se multiplicaram, pois ali reuniram-se outros tantos jovens mestres que estão se fazendo ou já são guardiões de partes fundamentais da nossa cultura. Que em seus trabalhos, por mais excelência que ofereçam, não conseguem a visibilidade necessária aos nossos.” – Oganzapan


* * * *
Acompanhe A Casa de Vidro – www.acasadevidro.com
SIGA EXPLORANDO:

 

O PUNK ROCK AINDA GRITA “LIBERDADE & AUTONOMIA!” – The Interrupters: muito mais que o ska-punk mais chiclete do pedaço

Caí violentamente fissurado numa droga sônica bombando no pedaço: The Interrupters, banda da Califórnia que grava pela Hellcat Records, braço da Epitaph. Justo quando as veias pediam uma dose cavalar de punkadaria política e poesia flamejante, descobri nos Interrupters uma banda que é muito mais que o ska-punk com as canções mais “chiclete” do pedaço. 

Além de mestra em grudar melodias em nossas memórias, Aimee Allen é também querosene. Seus bandmates, vestindo terninhos à la The Hives, são uns carequinhas com TDAH, que em seu hiperativo transe puxam ao extremo o andamento e a pulsação rítmica das canções. Querem ser serelepes como foram um dia Little Richard e Chuck Berry, dois dos Pais da Matéria: rock and roll, um das artforms of the 20th century. Secundada pela trupe, Aimee parece antenadíssima com os músicos que lhe fornecem às mancheias as fagulhas e faíscas que fazem-na explodir como incendiária vocalista:

Para além do bubblegum, da máquina de rhythm’n’blues apunkalhado que o quarteto realiza com seu impetuoso senso rítmico, evocando grandes bandas de outrora como Richard Hell, Television ou Blondie, há conteúdo subversivo explosivo. Desde a denúncia da indústria midiática de celebridades em “Media Sensation” até a conclamação à insurreição e à rebeldia em “Take Back The Power”.

MEDIA SENSATION

“Land of the free, home of the slave
The uniformed are digging their own grave
Pacified with the mainstream media
What’s it gonna take? mass hysteria!
And that’s fine ‘cause i’m not blind
I’m ready for a fight of any kind
And we’re forming, trust me the drones are swarming
Take this as a global warning!
 
Don’t watch their T.V. stations!
It’s all a fabrication!
And don’t march in their formation!
A media sensation…

They’ll keep you suspended in fear
Until your freedoms disappear
I said it once, but you’re not hearing me.
You’re giving up liberty for security
And that’s fine, the sheep are blind
shepherds indoctrinate the minds of the masses,
Poor and middle classes
all parading like a bunch of fascists.
 
Don’t watch their T.V. stations!
It’s all a fabrication!
And don’t march in their formation!
A media sensation…
(I’m not buying, I’m not buying)
a media sensation
(I’m not buying, I’m not buying)
a media sensation
(I’m not buying, I’m not buying)
a media sensation!”

 

A discografia se limita, por hora, a três álbuns estupendos onde convocam, em alta dosagem de decibéis, a “lutar a boa luta”: The Interrupters, de 2014, o álbum de estréia; “Say It Loud”, de 2016; “Fight the Good Fight”, de 2018.

É verdade que, escutando os Interrupters, vocês se arriscam a ser fisgados pela iscas melodias infectious e o contágio será profundo – e a cura, repetidas doses da drug-of-choice. Assim como faziam outrora Green Day, Offspring, Undertones ou Ramones, os Interrupters são propulsionados pela forte melodiosidade das linhas vocais de sua fenomenal cantora-líder, Aimee Allen. Mas por trás de todo, um senso de performatividade de quem acredita que a música mobiliza. Canções são forças mobilizatórias, e o punk é movimento-de-movimentação.

Na primeira das mais de trocentas repetições do álbum Fight the Good Fight que por aqui rolou, o impacto das paredes-de-som do Interrupters serviu de background para que explodisse um vulcão de lirismo em flor. Foi só ouvir aquela voz e todo um panteão de musas se levantou: Brody Dalle no auge dos Distillers, Mia Zapata cantando no The Gits até ser brutalmente silenciada-assassinada, Patti Smith encarnando aqueles orixás brilhantes que ajudaram a parir obras-primas como Horses e Easter.

Os Interrupters são mais uma prova inconteste do poderio feminino no punk rock, um estilo musical que conta entre seus greatest chick-artists um time deste nível: Patti Smith, Blondie, Sleater-Kinney, Elastica, Breeders, X-Ray Spex, Hole, The Gits, Bellrays, Bikini Kill…

Uma canção como “Jenny Drinks” é um exemplo do quão foda o Interrupters consegue ser: sobre uma máquina de groove que evoca o The Clash ou o Gang of Four, a banda descreve a mina vida lôka Jenny, uma junkie a quem se dá voz no refrão da canção para que ela enuncie, em desespero altissonante:

“The world just ain’t ready for a spirit like me!
I never been so frustrated with humanity!
And I suppose that I’m the one who seems crazy!
But the world just ain’t ready for a spirit like me!”

Um certo espírito nietzschiano está aí manifesto: a sensação de ser “extemporâneo”, de ter “nascido póstumo”, como Nietzsche dizia de si mesmo.

A Jenny, eu-lírico da canção, provável alterego de Aimee Allen, sabe que gentileza não é fraqueza. Seu senso apurado de inadequação provêm de seu inconformismo: ela não se conforma em abaixar-se até a mediocridade que reina no tempo contemporânea.

E assim grita à rosa dos ventos para que todos ouçam: “o mundo não está preparado para um espírito como eu / nunca estive tão frustrada com a humana / e eu suponho que sou quem parece louca / mas o mundo não tá pronto pr’um espírito como eu!”

O aspecto político deste desespero inconformista fica mais explícito em “Take Back The Power” e “Babylon”. A primeira reativa afetos insurrecionais presentes no Rage Against the Machine, no System of a Down, e mete no trilho de um delicioso punkpop TheClash-esco. A segunda, adere a um tom imperativo e tenta afetar nas massas a rebelião: “Rebel against the kings of Babylon!”

BABYLON
God made man and man made kings
And the kings rule man and they bring the suffering
When the people rise up they see it as a riot
They wanna have control so you can’t be self-reliant
They make your world and don’t make an alliance
They sell your soul, they will buy it for a dime
They sell it for a dollar, so they can turn a profit
It’s a vicious cycle and the only way to stop it:
Rebel against the kings of babylon!

Yeah: they got the swords and the spears
and the bows and the knives
But we’ll fight it with our brothers
And our sisters for our lives.
Rebel against the kings of babylon!

A extraordinária cantora que encabeça o quarteto, Aimee Allen, tem alguns trampos pré-Interrupters que vale a pena conhecer, a começar por “I’d Start a Revolution If I Could Get Up in the Morning”, canção título do álbum homônimo e que tornou-se famosa na trilha sonora da série Birds of Prey:

Batizando a nossa era como The Age of Outrage, o Interrupters denuncia os poderosos e suas máscaras, trazendo abaixo o engodo e a fraude por trás das media sensations. Realizam assim um trampo de importância social ao tirar um sarro e lançarem um alerta aos que ficam pagando micos ao tratarem imbecis psicopatas e fascistas monstruosos (como Trump ou Bolsonaro) como se fossem Mitos:

Aimee Allen, em toda sua versatilidade, é uma artista imensamente colaborativa. As parcerias são notáveis: com o Sublime, gravou “Safe and Sound”; com Tim Armstrong do Rancid, “Phantom City” e “Got Each Other”; com um tal de Scott, um álbum inteiro (ao vivo e em clipe abaixo:).

Para além dos memoráveis e cantaroláveis refrões, a banda vem para interromper a caretice de um cenário que parece ter esquecido a lição do The Clash, a de que o único sentido de uma banda existir é tentar ser a “única banda que importa”.

A ponte Rancid – Interrupters aparece na atualidade histórica do punk-rock-em-movimento como uma reativação daquele espírito salutar que animava Joe Strummer, Mick Jones e Cia. Os Interrupters sabem-se enraizados em uma história linda e cujo legado tem que ser berrado para as próximas gerações – e é o que acontece no hino-de-empoderamento “11th Hour”, um emblema do poderio do punk como forma estética e ruptura comportamental. Tudo isso cabe em 2 minutos e meio de pura dinamite estética:

Neste esplêndido tributo (dê o play acima) prestado a uma das melhores bandas punk da história, o Rancid, quem homenageia os mestres é o quarteto ska-punk mais quente da atualidade, The Interrupters.

Honrando o legado do Rancid, os Interrupters replicam e reativam todo aquele ímpeto indomável, aquele entusiasmo afetivo, aquela salutar idolatria pela “Única Banda Que Importa” (o The Clash), toda a lírica subversiva e rançosa desses punkrappers do gueto, todo o espírito de equipe-em-plena sintonia que ajudam a consagrar …And Out Come The Wolves (1995, Epitaph Records) como um dos melhores álbuns já paridos na história deste treco ruidoso, rebelde e rude que se chama rock’n’roll.

A poesia questiona onde começa e termina o Poder:

THE 11TH HOUR

“Hey little sister,
Do you know what time it was
When you finally seen
All your broken dreams
Come crashing down your door?

They demand an answer
And they demand it quick
Or the questions fade
And then the wasted days
Come crawling back for more

Do you know where the power lies?
And who pulls the strings?
Do you know where the power lies?
It starts and ends with you!

The face of isolation
Well that’s one you recognize
Well you can’t get straight
It’s a lonely place
And one you do despise

Boredom is for sale now
And helplessness you feel
It’s a wounded dove
And the hawks are above
Blood splattered in a reel to reel

Do you know where the power lies?
And who pulls the strings?
Do you know where the power lies?
It starts and ends with you!

I was almost over
And my world was almost gone
And in a sudden rush
I could almost touch
The things that I’d done wrong

My jungle’s made of concrete
Although the silence I could feel
My aim is true
And I will walk on through
These mountains made of steel

Do you know where the power lies
And who pulls the strings
Do you know where the power lies
It starts and ends with you
Ohh, I say: it starts and ends with you!
I say: it starts and ends with you!”

Nestes tempos tenebrosos em que somos submergidos por uma enxurrada de retrocessos civilizatórios e agressões fascistas, em que estar antenado à mídia é como estar alerta a um constante pesadelo de péssimas notícias, há pelo menos uma boa nova: o punk rock ainda grita “Liberdade & Autonomia!”

Emblema de uma época, a peça “Roda Viva” (1968) de Chico Buarque renasce em 2019 no templo dionisíaco do Teatro Oficina

Em 1967, a canção “Roda Viva”, de Chico Buarque, pousou no cenário cultural causando estrondo. Sem ser panfletária, esta música atravessou os tempos da ditadura, entrou na era democrática e transformou-se, junto com “Cálice” e “Apesar de Você”, num dos emblemas da época.

Com ela o jovem cantor-compositor conquistou o 3º lugar no III Festival da TV Record, consagrando-se ainda mais no cenário cultural no qual já havia faturado, com “A Banda”, reconhecimento prévio significativo no fervilhante front dos festivais. 

Hoje é cada vez mais evidente que a canção ganharia este caráter emblemático, esta característica de canção que encapsula toda uma época, só após os episódios polêmicos e explosivos envolvendo a encenação da peça teatral homônima pelo Teatro Oficina, com Zé Celso Martinez Côrrea e sua trupe agindo de modo altamente irreverente e provocativo.

Endiabrados nas suas travessuras em louvor a Dionísio, em suas antropofagias à la Oswald de Andrade, em suas invenciones inspiradas por Artaud, Brecht ou Meyerhold, o pessoal do Oficina lançou Roda Viva para as trincheiras da vanguarda do desbunde. 

Quando foi, diante das câmeras de TV, interpretada por Chico Buarque na companhia do coro poderoso do MPB-4, a canção decerto rendeu uma performance antológica, digna de figurar no documentário Uma Noite de 67 (lançado em 2010), ótimo retrato dos agitos da Era dos Festivais (também esmiuçada no livro de Zuza Homem de Melo).

Porém, Chico lá esteve com sua performance de bom moço, sem arroubos selvagens (como havia sido aquela de Sérgio Ricardo destruindo seu violão). A “Roda Viva” que foi transmitida pela TV ainda não havia se alçado a seu destino maior: os anseios de liberdade que esta canção continha em seu centro pulsante só foram amplamente libertadas no teatro, no terreiro dionisíaco do Oficina.

Coro da peça em 1968, com nomes como Zezé Motta e Pedro Paulo Rangel.

“A gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar!” Versos assim empolgavam a juventude libertária daqueles tempos de trevas e de chumbo. Diante da opressão institucionalizada desde o advento da Ditadura com o golpe de 1964, muitos jovens artistas e intelectuais debatiam intensamente os caminhos possíveis diante da tirania militarizada, e os dois principais caminhos constituíam aquela encruzilhada fundamental: guerrilha ou desbunde?

 Os anseios de liberdade reprimidos, que vinham sendo sistematicamente pisoteados pelo regime opressor, tinham que se manifestar por vias menos explícitas, por vias mais sutis. Uma arte de que Chico Buarque era, na poesia musicada, incontestável mestre, driblando a tesoura dos censores com sua inteligência lírica ímpar.

Segundo Franklin Martins, a música tinha um subtexto poderoso que remetia a essa gente que queria ter voz ativa e em seu destino mandar estava sendo amordaçada pela tirania ditatorial: “a roda-viva, aquela que ‘carrega o destino pra lá’, poderia ser vista como um símbolo da máquina repressiva que asfixiava a sociedade.” (MARTINS, Franklin: Quem foi que inventou o Brasil – Volume 2 (1964 a 1985) – Ed. Nova Fronteira, 2005, pg. 95)

Ao coletar 50 curiosidade sobre a peça, Miguel Arcanjo Prado enfatizou com justiça que Roda Viva, a canção que originaria a peça, não existiria sem o impacto causado sobre Chico Buarque de sua experiência diante de O Rei da Vela, oswaldiana experiência antropofágico-dionisíaca que marcou a trajetória do Oficina nos anos 1960.

Em Roda Viva, a peça, Chico Buarque elege como protagonista

“um cantor popular chamado Benedito Silva, logo transformado em Ben Silver, que era obrigado a mudar constantemente de personalidade para sobreviver na selva dos espetáculos. A montagem inovadora do diretor Zé Celso, que já trazia em seu currículo a revolucionária encenação de O Rei da Vela de Oswald de Andrade, provocou muita polêmica.

Na noite de 27 de julho de 1967, o Teatro Ruth Escobar, onde a peça era encenada, foi invadido pelo Comando de Caça aos Comunistas (CCC), organização terrorista de extrema-direita. Os agressores destruíram cenários e espancaram atores e técnicos.” (Martins, op cit, p. 95)

Roda Viva em montagem de 1968, dirigida por José Celso Martinez Corrêa

Uma espécie de jocosa e absurdista denúncia da sociedade do espétaculo, Roda Viva não era obra de alguém que estivesse de fora da engrenagem. Chico Buarque estava no processo de não se deixar moer pela maquinaria do show biz.

Roda Viva, vale lembrar, era uma criação teatral nascida das inquietações e provocações dum pop star brasileiro de apenas 24 anos, alçado subitamente ao posto de celebridade após seu hit “A Banda” – que catapultou o filho de Sérgio Buarque de Hollanda (autor de Raízes do Brasil) para os píncaros da fama.

Na figura de Ben Silver, Chico Buarque exercita, de modo esperto e sarcástico, seu pleno direito de crítica à máquina-de-moer-gente usualmente conhecida como showbusiness. 

Roda Viva representa uma espécie de ethos punk que toma conta de Chico, com ele mandando às favas o bom-mocismo, como escreveu Bruno Hoffman:

“Garotas de classe média – e de cabelos impecáveis – lotaram o auditório do Teatro Princesa Isabel, no Rio de Janeiro. Afinal, era a estréia da peça Roda Viva, escrita pelo genro ideal de seus pais, Chico Buarque. As meninas suspiravam ao imaginar o que o ‘cantor dos olhos de ardósia’ e símbolo do bom-mocismo havia criado. Quando as cortinas se abriram, entretanto, todas ficaram espantadas. A peça era extremamente provocativa, quase violenta.”

Sabemos que Chico acabou indo pro exílio em Roma quando o chumbo esquentou demais no período de vigência do AI-5 (1968 a 1978).

Mesmo de maneira cifrada, como em “Cálice”, suas críticas ao regime dos milicos rendiam-lhe dissabores e conflitos, inclusive com tentativas de sabotagem de seus shows.

O documentário Phono 73 revela um pouco de como eram altamente iconoclastas e perturbadoras as performances buarquianas sobre os palcos por volta de 1973. Revela também que, para além da tesoura e da mordaça impostas pelos censores, por vezes nos shows, misteriosamente, sumia o som do microfone de Chico:

Roda Viva é um ataque a todo o star system, mas sem aquela seriedade Frankfurtiana de Adorno e Horkheimer. Perdendo sua autenticidade e autonomia, Benedito Silva é transformado à força em mercadoria: Ben Silver, um peão no xadrez (only a pawn in their game, para lembrar do folkster Dylan) manuseado pelos empresários da mídia e da indústria fonográfica!

Em excelente artigo para a Revista Cult, Marcelo Sotello Felipe destacou os nexos entre a vivência de Chico Buarque, sob o risco de ser “mercantilizado” e vendido às massas como sabão em pó, e a reação criativa e subversiva que Chico realiza com a obra Roda Viva:

“O cantor se torna Ben Silver. Produzido, vestido, maquiado. Embalado. Tal qual uma marca de sabão em pó ou uma geladeira. A troco de 20% para o “anjo” (o empresário), a mercadoria é posta no mercado e a massa aprende a consumi-la. Mas um dia Ben Silver já não rende tanta grana. Desaparece para surgir Benedito Lampião, produzido, vestido e maquiado novamente, outra mercadoria. Que também um dia precisa desaparecer para que outro produto garanta o tamanho dos 20%. É a roda viva que carrega pra lá o destino de Ben Silver e Benedito Lampião.”

Roda Viva faz parte das efervescências daqueles anos seminais e prenhes de consequências, 1967 a 1969, quando explode no Brasil a renovação estético-cultural-política, altamente subversiva, do Tropicalismo. A novidade tinha a potência de um movimento que, ainda que profundamente inovador, estava bem enraizado no passado: a Antropofagia de Oswald de Andrade, que remetia ao caldeirão do Modernismo dos anos 1920, inspirava ativamente o trampo dos tropicalistas.

Mas era um Oswald que os tropicalistas não respeitavam como um ente sagrado, que não faziam de ídolo intocável: era um Oswald devorado e vomitado pelo Teatro Oficina, onde Zé Celso Martinez Côrrea e sua trupe encenavam O Rei da Vela em meio aos transtornos sócio-políticos daqueles anos danados, de chumbo-grosso e mordaças impostas a todas as canções de protesto contra o regime ilegítimo nascido da derrubada militar do governo João Goulart.

Neste contexto é que surgem algumas das mais emblemáticas canções de Caetano Veloso – que admitiu sentir-se profundamente transtornado pela experiência estética que teve com a ressurreição de Oswald através do Teatro Oficina.

Presente no disco-manifesto Tropicália ou Panis e Circensis (1968), “Enquanto Seu Lobo Não Vem” é um retrato daquele país que havia entrado em erupção após a morte de Edson Luís, com comícios-relâmpago e protestos estudantis, culminando com grandes manifestações cívicas como a Passeata dos Cem Mil, em Junho. Era uma época em que o movimento estudantil e os trabalhadores organizados puderam sentir muitos artistas e intelectuais aliando-se à luta contra a ditadura.

Que lobo seria este que está para vir, na canção de Caetano? Hoje, com nosso olhar retrospectivo, a canção pode soar profética, como se previsse a chegada do AI-5 e da fase mais brutal do terrorismo de estado:

“A canção misturava símbolos da guerrilha – florestas, veredas, cordilheiras – com o dia a dia das manifestações estudantis – passeatas, desfiles, ruas, avenidas, bombas, botas e bandeiras. O lobo, claro, era a repressão policial, com suas garras cada vez mais afiadas e ameaçadoras.

Em breve, advertia Caetano, seria necessário esconder-se debaixo da cama para não ser comido por ele. Para deixar claro de onde vinha o perigo, em boa parte da canção Gal Costa repetia em contraponto o estribilho “os clarins da banda militar”. (MARTINS, pg. 86)

Nos palcos do Brasil, em 1968, o regime dos milicos não só mandava proibir, mas fazia vista grossa ou apoio implícito a grupos paramilitares que utilizavam-se da força bruta para silenciar artistas. A canção Roda Viva, de Chico Buarque, composta em 1967,

“ganhou nova conotação política ao subir aos palcos em 1968 na peça homônima. O protagonista – um cantor popular chamado Benedito Silva, logo transformado em Ben Silver – era obrigado a mudar constantemente de personalidade para sobreviver na selva dos espetáculos.

A montagem inovadora de Zé Celso provocou muita polêmica. A peça estreou no início de 1968 no Rio. Meses depois chegou a São Paulo. Na noite de 17 de Julho, o Teatro Ruth Escobar, onde a peça era encenada, foi invadido pelo CCC, organização terrorista de extrema-direita. Os agressores destruíram cenários e espancaram atores e técnicos. Chico Buarque, mais tarde, levantou a hipótese de que o CCC, ao atacar Roda Viva, teria errado de alvo. Seu objetivo seria atingir o espetáculo Feira Paulista de Opinião, dirigido por Augusto Boal, apresentado em outra sala do mesmo teatro. Numa das cenas, um capacete militar era usado como penico, o que teria despertado a ira dos terroristas.

Se o CCC errou de alvo em São Paulo, insistiu no erro em Porto Alegre. No início de outubro, o grupo de extrema-direita atacou o Teatro Leopoldina, onde a peça estava sendo apresentada na capital do Rio Grande do Sul. Atores e atrizes foram agredidos e depois enfiados num ônibus, com ordens expressas para não voltar a pisar em terras gaúchas. O espetáculo, é claro, saiu imediatamente de cartaz.

A violência contra Roda Viva não era um fato isolado – e sim mais um episódio na escalada de violência protagonizada pelo CCC contra estudantes, artistas e intelectuais de oposição. Bombas foram jogadas no Teatro Opinião, na Associação Brasileira de Imprensa, no Correio da Manhã e na editora Civilização Brasileira.

Também em outubro, membros do CCC, infiltrados entre os estudantes de direita da Universidade Mackenzie, atacaram a tiros a Faculdade de Filosofia da USP, onde funcionava a União Estadual de Estudantes. Na chamada Batalha da (Rua) Maria Antônia, foi morto com um tiro na cabeça o secundarista José Guimarães, de 20 anos, que defendia a Filosofia.

Atuando em estreita dobradinha com os órgãos de repressão e multiplicando suas ações, o CCC ajudou a preparar o clima para a instauração da ditadura terrorista aberta que viria ao mundo com a edição do AI-5, em 13 de Dezembro de 1968. Mas o CCC não passava de uma linha auxiliar, um grupo de paus-mandados. Era no núcleo do regime militar, cada dia mais dominado pela linha-dura, que o coração da violência batia forte e marcava o ritmo da radicalização.

No segundo semestre, o país assistiu a uma escalada de arbitrariedades e provocações, que desembocaria no AI-5. Em agosto, a UnB foi invadida por tropas. Em outubro, a polícia prendeu cerca de 700 líderes estudantis no XXX Congresso da UNE, em Ibiúna (SP). Em todo o país, os estudantes saíram às ruas pedindo a libertação de seus dirigentes. No Rio, uma manifestação em frente à Faculdade de Ciências Médicas foi dissolvida à bala. Na ação da polícia, o estudante de medicina Luiz Paulo Nunes morreu com um tiro na cabeça.” (MARTINS, p. 96)

Não há dúvida de que no turbilhão de 1968, artistas fizeram história com sua participação política e com suas canções engajadas (acima, Chico Buarque e Gilberto Gil marcam presença na Passeata dos 100 Mil… 50 anos depois, estariam novamente reunidos no showmício Lula Livre, nos Arcos da Lapa/RJ, que reuniu mais de 50 mil pessoas).

Muito antes do AI-5 ser promulgado em Dezembro, a brutalidade dos milicos já havia se tornado explícita – e o mês de Junho não nos deixa mentir. Na chamada Sexta-Feira Sangrenta, 28 estudantes e trabalhadores foram assassinados nos conflitos de rua entre manifestantes e policiais; centenas de pessoas ficaram feridas; pelo menos 15 viaturas foram incendiadas. Foi esse massacre perpetrado pelos militares que gerou a onda de comoção que culminaria na Passeata dos 100 Mil, quando a maré de participação cívica intimidou a repressão, que permitiu a manifestação sem dissolvê-la no porrete e na escopeta como era de praxe.


Eis que, passados 50 anos, em 2019, nesta época de fascistas estúpidos e empoderados, o assassinato da liberdade se faz novamente presente.

Em 1968, quando a ditadura militar instaurada com o golpe de 1964 preparava-se para entrar em seus anos de chumbo, a peça Roda Viva fez história pela fúria que despertou no regime dos generais e nas milícias que o escudava (como o CCC).

É portanto altamente significativo e explosivo que Zé Celso e sua trupe re-encenem a peça escrita por Chico Buarque de Hollanda nestes nossos tempos de tenebrosas transações que culminaram com a tomada do poder pelo Bozonazismo.

Obviamente, o desgoverno Bozoasnal é o alvo principal da sátira impiedosa dos artistas no Roda Viva 2019 que o Teatro Oficina encenou em seu antológico espaço no Bixiga/SP. Eles não poupam artilharia contra figuras-de-proa da corja de Bozo: de Olavo de Carvalho a Sergio Moro, aos ministros e ao chanceler, não faltam poéticos bofetes que o Oficina distribui com seu radicalismo e irreverência de praxe…

Entrar naquele estranho edifício, com projeto arquitetônico de Lina Bo Bardi, sempre torna explícita pra mim a sensação de não estar exatamente em um teatro, ou melhor, de não ter adentrado nada que se assemelhe a um teatro tradicional ou canônico: eis um espaço de desconforto, ou melhor, um lócus que visa incrementar nosso inconformismo. Um espaço de liberdade, cheio de convites à nossa libertação, coletivamente forjada no improviso de mênades e sátiros que juntos, dançando e tocando-se, tornam-se uma coisa só. “Todos juntos numa pessoa só”, como cantava a utopia d’Os Mutantes.

Zé Celso, antes da peça se iniciar “de verdade”, sendo o MC deste terreiro hightech, pede que o público se encoste, se toque, se mescle, se molhe com o suor uns dos outros, num rito de superação do eu separador. Quer que nos tornemos uma coisa só, uma centopéia de diversidade, envolvida num rito dionisíaco que celebra a renovação do mundo através da arte.

Benedito Silva, alçado ao status de pop star como Ben Silver, depois recauchutado como Lampião, serve como emblema do ídolo diante do qual as massas alienadas se prostram, subservientes, boquiabertas, demitindo-se de sua autonomia. A idolatria é uma face de uma moeda que do outro lado possui a face horrenda do poder pastoral. O pastorado, para reinar sobre nós impondo suas nefastas e desnecessárias opressões e mortificações, necessita, como de oxigênio, da idolatria. Quem idolatra é subserviente. 

Fazer de Ben Silver, ou de Boçalnaro, figuras míticas e pessoas idolatráveis, é desvelado em Roda Viva em todo o seu ridículo. Quem não é mané nem otário sai do teatro sabendo: paga o maior mico todo e qualquer sujeito que trate esses boçais como mitos.

Não lambamos as botas de ídolos de barro, ou pior: as botas daqueles que querem pisotear a dignidade humana e que focalizam a sua própria idolatria na direção mais sórdida (Bolsonaro, idólatra, idolatra sabe quem? Ustra e o “exército de Caxias”!).

Neste início da desgovernança Bozoasnal, já começam a pipocar os Youtubbers que, motivados por um desejo de se portarem como homens e mulheres “de bem”, denunciam o Teatro Oficina como sendo, basicamente, um antro do demônio, onde a platéia é agredida e os atores praticam assédio sexual contra pessoas que estão ali querendo assistir uma peça de boa (exemplo).

A verdade, acessada por aqueles que estão de corpo e alma dentro do Teatro Oficina, deixando-se afetar e transformar pela experiência, consiste na descoberta: viver é tão melhor fora dos cárceres do conformismo! É assim que a trupe mobiliza todo o seu arsenal de sarcasmos e de corpos nus, todo o seu repertório de canções e batuques, para afrontar o mau-gosto petit bourgeois e partir para a porrada com seu teatro de desmistificação e de escárnio com os atuais usurpadores do poder.

O Oficina segue sendo nosso farol-guia cultural que aponta rumos melhores para que o Brasil prospere espiritualmente para fora do pântano e lodaçal do autoritarismo e da ditadura, por aqui tão recorrentes.  Tragédias e farsas repetindo-se sem cessar, sendo o Bolsoasnismo apenas a mais recente máscara de um velho monstro.

O Oficina está antenadíssimo com o contemporâneo. Insere no cast de canções coisas como “Caravanas”, canção da safra recente de Chico, obra-prima da poética (uma letra que fica linda impressa num livro de poesia!).

O Oficina também faz de Roda Viva algo em sintonia com o antológico Desfile de Carnaval da Tuiuti no Rio de Janeiro em 2018. O drama sanguinolento e sofrido da escravidão e da diáspora africana marcam a criação cultural coletiva dessa trupe indomável.

À pergunta “existe uma cultura dionisíaca, subversiva, transgressora, hoje em atividade no Brasil?”, teríamos necessariamente que respondem que sim!

 Vejam a obra de Ângela Carneosso, por exemplo, ou alguns clipes calientes e hedonistas do Francisco El Hombre; confiram as ousadias que se permitem mulheres como Ava Rocha, Salma Jô, Larissa Luz; notem quão desbocada e subversiva é uma obra como “Gasolina” do Teto Preto ou como é explode-limites o álbum e filme Bluesman de Baco Exu do Blues.

Assistam aos clipes deliciosamente provocadores, repletos de explosão libidinal, da Flaira Ferro em seu “Coisa Mais Bonita” e em seu “Revólver” de frevo frenético libertário; ou deliciem-se com o sexoralismo desinibido de Karol Conka e sua língua quase tão pansexual quanto a de Janelle Monae. Notem quão bacântica é a estética de Juliana Perdigão em uma música como essa:

HINO DA ALCOVA LIBERTINA

Sim, o Brasil ainda é o palco onde a utopia antropofágica oswaldiana se expressa em meio à tirania sinistra dos caretas e dos milicos.

Neste contexto, Zé Celso e a trupe do Teatro Oficina continuam na vanguarda do desbunde, na barricada do dionisíaco, na trincheira libertária, como um bando de cabras desgarradas dos rebanhos, maravilhosos hippies que são ovelhas nuas pintando-se de preto, ébrias sob a Lua e os bilhões de sóis, bacantes sempre pentelhando o reinado sombrio de Penteu.

Com “Roda Viva”, Zé Celso reconquista a proeza histórica já alcançada ano passado em “O Rei da Vela”: poder dirigir 50 anos depois uma nova versão para um espetáculo que o consagrou na história do teatro brasileiro e mundial. Qual outro diretor teve tamanho privilégio em vida? E, ao fazê-lo com vigor e o mesmo atrevimento artístico de sua juventude, Zé Celso prova que está mais vivo e forte do que nunca, pronto para a batalha em prol de sua arte livre da qual jamais abriu mão, custe o que custar. Assim, ele faz de “Roda Viva” um espetáculo altamente emocionante, performativo e, obviamente, obrigatório de se ver e de se aplaudir de pé. (ARCANJO)

Se fosse para escolher uma cena emblemática, eu lembraria daquela que, em Roda Viva 2019, opõem dois grupos de brasileiros que chegam às vias de fato, às beiras à guerra civil: o exército dos agroboys financiados pela Bancada da Bala e da Bíblia e do Boi, todos com seus rifles em punho e berrando “Bolsonaro é mito!”, diante dos aguerridos guerreiros herdeiros do Quilombo de Palmares e de Canudos, que hoje entoam em coro: “Quem não pode com a formiga não atiça o formigueiro! Aqui está o povo sem medo… sem medo de lutar!”

Zé Celso e sua trupe não fogem do ringue. Ao invés de armas, levam à batalha uma tempestade de poesia, relâmpagos radicais de sarcasmo e uma baita disposição para a polêmica. Encaram o trago e assumem a responsa, tentando ensinar ao Brasil os caminhos dificultosos e selvagens que levam ao Reino da Liberdade: onde tudo é criação e recriação infindável fora do cárcere estreito e injusto em que querem nos encerrar tacanhos milicos e fanáticos caretas, idolatradores de torturadores e que cagam bolsas de colostomia sobre o legado de Marx e Gramsci, de Paulo Freire e Florestan Fernandes, de Voltaire e de Jesus, de Darwin e de D2, de Marielle e de Jean Wyllys. 

Nestes tempos que nos condenam às trincheiras culturais, que nos convocam às batalhas ideológicas, o Teatro Oficina segue berrando suas luzes em tempos de obscurantismo. Dizendo-nos verdades cruéis que não podem ser silenciados. Abrindo nossos olhos à força. Quebrando nossas couraças e nossas porcupine skins a golpes de poesias e de canções. Berrando em nossos ouvidos, com vozes diversas e sintônicas, em lindo coro que comove até os ossos, para que ouçamos:

“A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira pra lá…
Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração…”

Eduardo Carli de Moraes, São Paulo / Goiânia, Fevereiro de 2019.

LEIA TAMBÉM:

DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA 2018 NO TEATRO OFICINA:

ÂNGELA CARNEOSSO E A PESTE:


TEATRO OFICINA – FEVEREIRO DE 2019

RODA VIVA DA TV CULTURA COM ZÉ CELSO

 

OS MELHORES ÁLBUNS DA MÚSICA BRASILEIRA EM 2018: Ouça a todos na íntegra [Seleção A Casa de Vidro]

“Eles querem um preto com arma pra cima
Num clipe na favela, gritando cocaína
Querem que nossa pele seja a pele do crime
Que Pantera Negra só seja um filme
Eu sou a porra do Mississipi em chamas
Eles têm medo pra caralho de um próximo Obama
Racista filha da puta, aqui ninguém te ama
Jerusalém que se foda, eu tô a procura de Wakanda.”
BACO EXU DO BLUES

Tudo junto e misturado, compartilhamos aqui um apanhado geral com alguns dos grandes discos da MPB (sigla considerada no sentido o mais amplo possível) que consideramos os mais significativos da safra 2018. Um ano em que tivemos o retorno de divas e gênios consagrados, como Elza Soares, Gilberto Gil e Gal Costa; tivemos bandas veteranas do cenário manguebeat pernambucano de volta com lançamentos, como Mundo Livre S.A., Eddie e Cordel do Fogo Encantado; tivemos a revelação e consolidação de novos talentos do hip hop (Baco Exu do Blues, Edgar) e no folk-rock (Joe Silhueta, The Baggios, Bemti) etc.

As mulheres arrasaram com discos de alta qualidade: Mulamba, Luiza Lian, Anelis Assumpção, Ava Rocha, Iza, Ceumar, Ana Cañas, Mahmundi, todas marcaram um ano que teve em Deus É Mulher uma de suas obras mais emblemáticas, reafirmando Elza como lenda viva.

Em específico no cenário goiano, que acompanho mais de perto, tivemos a consolidação do Carne Doce com seu terceiro álbum Tônus, o retorno do Cambriana com Manaus Vidaloka e o primoroso álbum de estréia do Ave Eva. Além disso, fortaleceram-se muito no cenário figuras como Adriel Vinícius, Vitor Hugo Lemes (assista ao video-clipe abaixo), Diego Mascate, Pó De Ser – que prometem excelentes lançamentos para 2019.

Além disso, o documentário Novos Goianos (de Isaac Brum) foi lançado, conquistando o prêmio de melhor curta nacional no Lobo Fest de Brasília, uma relevante premiação para um filme dedicado ao novo cenário musical autoral goianiense, encabeçado pelo sucesso de Boogarins, Carne Doce e Diego de Moraes.

Na sequência, aprecie os bons sons destes álbuns magistrais – uma seleção que A Casa de Vidro realizou baseada nas seleções e listas de melhores do ano de Tenho Mais Discos Que Amigos, Rolling Stone Brasil, Multimodo, Miojo Indie, Eu Escuto, dentre outras fontes. Suba o volume pro talo e boa fruição!

Vale mencionar, entre os eventos memoráveis de 2018, também a conturbada turnê brasileira do Roger Waters @ Pink Floyd, que marcou época em seus protestos contra Bolsonaro. Waters pediu resistência, ironizou a censura e aderiu ao movimento#EleNão, a principal mobilização cidadã ocorrida no Brasil em 2018.

Ao mandar no telão frases como Resist The Unholy Alliance of Church and State – Resistam Contra a Ímpia Aliança da Igreja e do Estado – o tiozão tornou-se um emblema de artista engajado na luta contra o fascismo. De lambuja foi entrevistado por Caetano Veloso em um excelente programa da Mídia Ninja (assista abaixo) e estes episódios renderam um dos melhores artigos de reflexão na crítica musical neste ano: Para o duplipensar brasileiro, Roger Waters é uma ameaçade Maurício Angelo na Revista Movin’ Up.

– Por Eduardo Carli de Moraes

ELZA SOARES – Deus é Mulher


GILBERTO GIL – Ok Ok Ok


BACO EXU DO BLUES – Bluesman


ANDRÉ ABUJAMRA – Omindá


MULAMBA


ANELIS ASSUMPÇÃO – Taurina


IZA – Dona de Mim


THE BAGGIOS – Vulcão [DOWNLOAD]


CAMBRIANA – Manaus Vidaloka


TUYO – Pra Curar


MATEUS TORREÃO


EL EFECTO – Memórias do Fogo


BIG PACHA – 11:11 [DOWNLOAD]


ILLY  – Vôo Longe


EDDIE – Mundo Engano


EDGAR – Ultrasom


JOE SILHUETA – Trilhas do Sol


DISASTER CITIES – Lowa


BLACK PANTERA – Agressão


MENORES ATOS – Lapso


CARNE DOCE – Tônus


AVE EVA


MARIA BERALDO – Cavala


LUIZA LIAN – Azul Moderno [DOWNLOAD]


WADO – Precariado [DOWNLOAD]


GAL COSTA – A Pele do Futuro [DOWNLOAD]


PENSE – Realidade, Vida e Fé


DINGO BELLS – Todo Mundo Vai Mudar


ANA CAÑAS – Todxs


MAHMUNDI – Pra Dias Ruins


HAMILTON DE HOLANDA TOCA JACOB DO BANDOLIM


MAURÍCIO PEREIRA – Outono no Sudeste


MUNDO LIVRE S/A – A Dança dos Não Famosos


AVA ROCHA – Trança


VIOLINS – A Era do Vacilo


TATÁ AEROPLANO – Alma de Gato [DOWNLOAD]


JOSYARA – Mansa Fúria [DOWNLOAD]


FELIPE RET – Audaz


INQUÉRITO – Tungstênio


NEGRA LI – Raízes


RODRIGO CAMPOS – 9 Sambas


E A TERRA NUNCA ME PARECEU TÃO DISTANTE – Fundação


ADORÁVEL CLICHÊ – O Que Existe Dentro De Mim


CATAVENTO – Ansiedade na Cidade


BEMTI – Era Dois


MARCELO CAMELO – Sinfonia Número 1


MARRAKESH – Cold as a Kitchen Floor


CEUMAR, LUI COIMBRA E PAULO FREIRE – Viola Perfumosa
https://open.spotify.com/embed/album/3QngmgwnfNw5sQhvZ7iW5X


A SER CONTINUADO…
Sugira outros álbuns nos comentários

O TEMPLO DO TEMPO – Sobre um dos grandes álbuns da música brasileira contemporânea: “Cordões Umbilicais”, de Flaira Ferro

“Eu sou o templo do tempo, o tempo acontece em mim”, canta Flaira Ferro em uma das mais belas canções de seu vigoroso álbum de estréia, Cordões Umbilicais (click para ouvir na íntegra o disco de 11 faixas que se estendem por 35 min; se preferir, faça o download).

Eis uma das obras mais magistrais da MPB nos últimos anos. Um disco que podemos habitar por meses e anos, como quem adentra um templo do tempo onde lá dentro podemos vivenciar o incrível poder da arte: ela transfigura a nossa consciência cotidiana, expandindo-a através das magias de todas as suas dinâmicas e fluxos:

“A gente não vê
Mas o ar está cheio de ondas
Um mundo invisível se mexe
E a gente nem se dá conta…

Por isso que olho pra dentro de mim
Buscando a força que existe no amor
Newton já disse em lei universal
Toda ação tem uma reação…”

Lacrando no desrecalque, Flaira segue o conselho de Gonzaguinha e vive a “cantar e cantar e cantar a beleza de ser uma eterna aprendiz”, criando ousadas expressões de empoderamento (individual e coletivo) através de motes como:

“Não tem coisa mais bonita
Nem coisa mais poderosa
Do que uma mulher que brilha
Do que uma mulher que goza…

Toda mulher que deseja
Acende a força erótica que excita a criação
Dê suporte à mulher forte
Quem sabe a gente muda a nossa sorte

Toda mulher que se toca
Instiga a auto estima
Estimula o botão
Mesmo que o mundo se choque
O clitóris é antídoto pra morte

Não me vem com tarja preta
Deixa livre a minha teta!

Cê tá maluco
Ou entorpecido
Pela falsa ideia
De dominação

Cê tá esquecido
Mulher sem libido
Não tem natureza
Vira papelão

Homem de armadura
Constrói prisão bélica
De postura fálica
Perde o coração

Homem de verdade
Enxerga beleza
Na mulher que é dona
Do próprio tesão
Na mulher que é dona
Do próprio não!”

Em sintonia fina com a complexidade da vida social contemporânea, Flaira Ferro também é uma mulher enraizada na ancestralidade. Uma visionária que põe o frevo em sinergia com a era da internet, que faz do folk uma ferramenta de demolição do palavrório do patriarcado, que bota de novo o mangue e seus beats no epicentro do cosmos.

Ela inunda de poesia e filosofia a nossa sempre inventiva e reinventiva MPB. Soma-se a Anelis Assumpção, Larissa Luz, Sara Não Tem Nome, Liniker, Maria Gadu, Tássia Reis, Bia Ferreira, Doralyce, Elza Soares, dentre outras musas, no epicentro deste fenômeno cultural de intensa maravilhosidade – a musicalidade das manas e minas brasileiras.

A Música Popular Brasileira renova-se através da práxis cultural desta cantora, compositora e dançarina que é Flaira Ferro. Ela compõe como quem compartilha sabedoria e com aconselha-se à superação de si. Trolla, delicado, com o ser humano, “bicho homem” que é esquisito, “armadilha de si mesmo”.

Avessa às açucaradas e lucrativas canções clichezentas de amor romântico banal, movidas a fórmulas vendáveis, Flaira sabe expressar melancolias, temores, fúrias, indignações. O colorido dos afetos que animam essas músicas é o que mais torna a arte de Flaira algo de tão impressionante potência.

Em uma comovente participação no TEDx Pernambuco, Flaira rememorou aspectos de sua trajetória biográfica e cantou sua linda canção “Me Curar de Mim” a capella. Quem não se comover com essa cantoria (e essa poesia de lirismo sofisticado) pode pegar na porta-de-saída o seu certificado de coração-de-pedra.

Essa mulher criativa e expressiva, repleta de promessa, maga das belezas múltiplas, falou assim sobre essa obra-prima do neocancioneiro: “Acredito que essa música ‘Me Curar de Mim’ não é mais minha. Ela não pertence mais a uma pessoa só. Eu me vejo muito mais como uma facilitadora de um sentimento que estava no inconsciente coletivo. Porque vivemos uma crise moral e espiritual muito grande. Há guerras por conta de religião, intolerâncias dentro do nosso próprio país. Acho que essa música é uma mensagem para que faça a gente olhar além do nosso umbigo, do alto da nossa responsabilidade” (Correio Brasiliense).

Na canção, esta jovem e sábia artista que floresce no cenário cultural de Pernambuco dá a lição, preciosa escola: “Para me encher do que importa/ Preciso me esvaziar/ Minhas feras encarar/ Me reconhecer hipócrita/ (…) Mas se eu não tiver coragem/ Pra enfrentar os meus defeitos/ De que forma, de que jeito,/ Eu vou me curar de mim?”

SIGA VIAGEM – EXPERENCIE FLAIRA FERRO:

ME CURAR DE MIMPor Flaira Ferro

“Sou a maldade em crise
Tendo que reconhecer
As fraquezas de um lado
Que nem todo mundo vê

Fiz em mim uma faxina e
Encontrei no meu umbigo
O meu próprio inimigo
Que adoece na rotina

Eu quero me curar de mim

O ser humano é esquisito
Armadilha de si mesmo
Fala de amor bonito
E aponta o erro alheio

Vim ao mundo em um só corpo
Esse de um metro e sessenta
Devo a ele estar atenta
Não posso mudar o outro

Eu quero me curar de mim

Vou pequena e pianinho
Fazer minhas orações
Eu me rendo da vaidade
Que destrói as relações

Pra me encher do que importa
Preciso me esvaziar
Minhas feras encarar
Me reconhecer hipócrita

Sou má, sou mentirosa
Vaidosa e invejosa
Sou mesquinha, grão de areia
Boba e preconceituosa

Sou carente, amostrada
Dou sorrisos, sou corrupta
Malandra, fofoqueira
Moralista, interesseira

E dói, dói, dói me expor assim
Dói, dói, dói, despir-se assim

Mas se eu não tiver coragem
Pra enfrentar os meus defeitos
De que forma, de que jeito
Eu vou me curar de mim?

Se é que essa cura há de existir
Não sei… só sei que a busco em mim
Só sei que a busco…
Me curar de mim.”

Flaira Ferro


Do álbum “Cordões Umbilicais”

VEJA TAMBÉM:

“Tristeza mora comigo
Por causa da solidão
Eu pareço andorinha
Querendo fazer verão
Uma gota de água doce
Querendo ser ribeirão
Uma semente caída
Querendo ser plantação
Mas olhando pro deserto
Eu sou apenas um grão de areia…
 
Eu sou um peixe do cardume
No mar da imensidão
Eu sou uma flor do Cerrado
Que nasceu fora da estação
Quero ser bom capoeira
E jogar com o coração
Mas olhando pro deserto
Eu sou apenas um grão de areia…
 
Queria ser o luar
Iluminando o meu sertão
Ou então ser uma estrela
De qualquer constelação
Vou levando minha vida
Com o meu pandeiro na mão
Mas olhando pro deserto

Eu sou apenas um grão…”

OS TINCOÃS COM MATEUS ALELUIA – Baixe a Discografia Completa – 1973 a 1977


DISCOGRAFIAS @ A Casa de Vidro

Badu, Dadinho e Mateus Aleluia dos Tincoãs

Os Tincoãs

Download gratuito dos álbuns completos:
Os Tincoãs (1973).zip [CLICK PARA BAIXAR]

Os Tincoãs (1977).zip [CLICK PARA BAIXAR]


BIOGRAFIA por AFREAKA: Não é de hoje que a Bahia é conhecida por oferecer o melhor da produção musical do Brasil. Os grupos e cantores vindos de lá carregam no peito os encantos de África, que aliados com a vivência do lado de cá do Atlântico, dão identidade e um tempero que só a música baiana tem. Entre os inúmeros conjuntos e artistas oriundos da terrinha boa está um grupo musical chamado Os Tincoãs.

Com nome inspirado em uma ave do cerrado, o Tincoã, o grupo foi formado entre o fim dos anos 1950 e o início da década de 1960. No início eram Erivaldo, Heraldo e Dadinho, todos nascidos no município de Cachoeira, que fcia às margens do Rio Paraguaçu, na região do Recôncavo Baiano. Cerca de 100 km distante da capital Salvador, a cidade muito contribuiu para a criação e preservação da identidade cultural da Bahia. O fato se deve pelo hábito de seus moradores de preservar costumes vindos de África, como o cuidado com a natureza e o saber popular.

No começo o trio interpretava boleros e outros tipos de canções do momento. O sucesso não aconteceu. Com a saída de Erivaldo que decidiu permanecer em Cachoeira e a chegada de Mateus Aleluia, o conjunto renovou seu repertório e revolucionou a música brasileira ao criar harmonias vocais para cantos de religiões afro e sambas de roda. A partir desta experiência o trio renovou seu repertório e mergulhou na cultura do Candomblé e seus terreiros, rodas de capoeira e de samba e tudo mais que fizesse alusão aos antepassados e raízes africanas. Nascia ali mais uma expressão musical que daria novos contornos para a música religiosa afro-brasileira e consequentemente para a música popular brasileira.

Contrariando muitos dos críticos que teimavam em dizer que após a chamada era dos festivais a MPB estava fadada ao fracasso, Os Tincoãs lançaram em 1973 um disco homônimo que chamou a atenção de todos. Com arranjos delicados, um violão, instrumentos de percussão e uma harmonia vocal repleta de doçura, o trio cantou para os Orixás: Iansã, Obaluaê, Iemanjá, todos eles estavam reunidos em um álbum que marcou época para a MPB.

“Meu Pai Veio da Aruanda
E nossa Mãe é Iansã
Ô Gira, deixa a gira girar.”

Para a produção do LP Os Tincoãs, Mateus Aleluia, Dadinho e Eraldo fizeram uma profunda pesquisa de cantos de Candomblé, o que colocou a cantiga de Orixás em um outro patamar na música brasileira. Figura fundamental nesse processo é Dona Ledinha, que de acordo com os integrantes vez ou outra cantava assim: ‘Sou de Nanã, ê uá’, entre outros cantos que integraram o repertório do disco.

Depois do imenso sucesso do álbum Os Tincoãs, o grupo sofreu um grande baque, a morte de Heraldo, substituído por Morais e posteriormente por Badu. Depois de as coisas se ajeitarem, o conjunto embarcou em 1983 para a África, precisamente para Angola, onde ficaram até o fim do grupo no ano 2000. Com a morte de Dadinho, autor do clássico Cordeiro de Nanã, Os Tincoãs resolveram encerrar de vez suas atividades.

Fiel retrato da negritude que pulsa nas veias do Brasil, Os Tincoãs são figuras fundamentais na música brasieira e principalmente na afirmação da cultura negra e todos os seus costumes, como o Candomblé e o samba de roda, por exemplo. Além disso, o conjunto deixou para a música do Brasil uma importante contribuição, a harmorinzação vocal com cânticos de religiões afro-brasileiras.”


OUÇA TAMBÉM: MATEUS ALELUIA – CARREIRA SOLO

* * *

COMPARTILHE CULTURA (E COMBATA O BESTEIROL)