Da angústia solitária à revolta solidária: sobre a filosofia de Albert Camus || A Casa de Vidro

por Eduardo Carli de Moraes para A Casa de Vidro

“Se deveras existe um pecado contra a vida, talvez não seja tanto o de desesperar com ela, mas o de esperar por outra vida, furtando-se assim à implacável grandeza desta.”
ALBERT CAMUS em “Núpcias” [1]

CAPÍTULO 1: A Indesejada das Gentes

Confinados na implacável finitude da vida, nós, os mortais, temos acesso a poucas certezas inabaláveis, dignas do estatuto de verdades absolutas. A mais irrecusável das certezas, para cada um e todos, é a de que todos nós um dia vamos morrer – como diz o provérbio: morte certa, hora incerta.

Por ser aquilo que nos é comum, não importa em que latitude e longitude vivamos, nossa finitude nos une. No entanto, sermos finitos não é simplesmente algo aceito e acolhido como um fato bruto, mas sim algo que é “vestido” pela consciência humana com as mais variadas roupas, embalado nas vestes de crenças multiformes. O único bicho que sabe que vai morrer é também o animal simbólico, faminto por sentido. A vivência do perceber- se mortal é de extrema diversidade conforme as crenças (ou ausência destas) que a pessoa nutra (ou que tenha destroçado em si).

Além disso, é variável o grau de realização da morte [2], ou seja, o sujeito considera como real tal condição num gradiente que vai da negação de quem finge que a morte nunca virá, à obsessão mórbida de quem pensa-se como “cadáver adiado” (Fernando Pessoa) [3] a todo momento de todos os dias. As dinâmicas psíquicas do recalque / repressão desta consciência de nossa radical limitação espaço-temporal, socialmente consolidadas em ideologias destinadas ao negacionismo da finitude, são tema do clássico A Negação da Morte (The Denial of Death) de Ernest Becker [4].  

O fato de sermos mortais, ao mesmo tempo que nos une na mesma condição que nos é comum, também nos separa radicalmente: assim como “ninguém vive por mim” (cantou lindamente Sérgio Sampaio) [5], também podemos dizer a qualquer um: ninguém vai morrer no teu lugar, a tua própria morte é algo que você vai ter que encarar, cedo ou tarde, querendo ou não. Cada um encara o processo de morrer num estado onde a solidão se manifesta de modo mais extremo do que em outras vivências humanas. Pode ser que o poeta chileno Nicanor Parra tenha razão ao propor que “a morte é um hábito coletivo” [6], mas cada sujeito a vivencia de maneira singular. E arrasta para o túmulo e seu eterno silêncio o segredo incomunicável do que se passou por dentro naqueles últimos momentos vitais antes do fatal ponto-final.

Pedra irremovível no caminho do desejo de imortalidade que muitas vezes os humanos nutrem, a morte existe sobretudo como horizonte. Está presente por sua iminência. O que nos condena à angústia como parte integrante da condição humana. Costuma-se dizer que somos os únicos animais no planeta Terra que sabem que vão morrer, mas talvez fosse mais preciso dizer que o sentimos mais que sabemos. A angústia é este afeto em nós que atesta a nossa finitude.

Na história da filosofia, a reflexão sobre o futuro estado de esqueleto de cada um de nós já foi alvo de muitas reflexões: a sabedoria Epicurista pretendia curar o medo da morte e dos deuses, causadores de intranquilidades da alma que impedem a sábia ataraxia, com uma argumentação que a Carta a Meneceu (Sobre a Felicidade) sintetiza assim: “Acostuma-te à ideia de que a morte para nós não é nada, visto que todo bem e todo mal residem nas sensações, e a morte é justamente a privação das sensações.” [7] Quase dois milênios depois, Michel de Montaigne, em um de seus mais célebres ensaios, exploraria a noção de que “filosofar é aprender a morrer” [8].

É preciso aprender que, querendo ou não, a morte é nosso quinhão e que dar sentido a uma vida que acaba é nossa perpétua tarefa. A sensação de absurdo que às vezes se espraia pela existência tem a ver com o fato de que a foice às vezes pode arrasar com um vivente em momento inoportuno, em hora precoce, quando ele ou ela ainda estava cheio de sonhos, planos e forças.

Por isso, raros são aqueles que enfrentam a vida sem medo algum: a possibilidade da morte, sobretudo injusta, súbita, dolorida, tira-nos o sossego. Talvez nunca tenha nascido e completado sua trajetória finita entre os vivos nenhum animal humano que possa dizer, do berço ao túmulo: “atravessei o tempo sem nunca temer a morte”. Para o poeta Manuel Bandeira, a morte é “a indesejada das gentes”, a “iniludível” (aquela que não se pode burlar ou enganar) [9]:

Consoada

Quando a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
— Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.

BANDEIRA, M., Libertinagem, 1930.

Pintura de Arnold Boecklin


CAPÍTULO 2: A CLARIVIDÊNCIA, IMPRESCINDÍVEL VIRTUDE CAMUSIANA 

Para Albert Camus (1913 – 1960), não há escapatória: “a angústia é o ambiente perpétuo do homem lúcido” – e a questão das questões, como o príncipe Hamlet sabia, consiste em escolher entre o sim à vida (ainda que angustiada) ou o não à ela (o caminho do suicídio) [10]. Quem vê claro, nesta vida, não escapa de sentir o fardo de afetos angustiantes. O que importa é que a angústia não nos paralise, que possa inclusive servir à nossa ação e ao nosso Combat – nome do jornal com o qual Camus colaborou, crucial na cobertura de eventos históricos como a Resistência à ocupação nazista da França, a Guerra de Independência da Argélia e o Maio de 1968.

Neste livro (Folio, 2013, 784 pgs), estão reunidos 165 artigos publicados por Camus no jornal Combat, onde ele atuou como editor chefe entre agosto de 1944 e junho de 1947. Saiba mais.

Publicado em 1947 pela Editora Gallimard, o romance “A Peste” expressa a atitude existencialista Camusiana diante dos flagelos que parecem querer soterrar a humanidade sob os escombros de um sentido arruinado. Diante da irrupção do absurdo coletivo que é a peste, esta máquina mortífera que ceifa vidas de animais humanos como se estes fossem moscas, o que propõe o artista-filósofo franco-argelino?

Para começo de conversa, o absurdo, para Camus, é um ponto de partida e não de chegada. Não se deve ficar estagnado diante do absurdo, como se ele fosse uma barreira intraponível que deveria nos fazer desistir de qualquer ação, abandonando-nos à passividade. A percepção do absurdo deve conduzir à revolta solidária dos humanos em luta contra os males de seu destino. Se, de fato, a revolta e a solidariedade são valores basilares do ethos camusiano, é preciso destacar ainda o posição de destaque que a virtude da clarividência ocupa no universo temático de Camus.

Isto que a língua francesa chama de clairvoyance tem um sentido próximo ao de lucidez. A lúcida clarividência está fortemente presente em A Peste, como se Camus quisesse ensinar que é preciso ver claro em meio ao horror se não queremos aumentá-lo ou colaborar com ele. Perder a lucidez, deixar ir pelo ralo a clarividência, em nada ajuda a frear a expansão das epidemias, nem auxilia a vencer as infestações do fascismo. O médico Bernard Rieux, narrador do romance, trabalha arduamente em meio à proliferação da doença, ainda que sinta seu cotidiano de combatente anti-peste como um trabalho de Sísifo, repleto de “intermináveis derrotas”.

É preciso compreender que Bernard Rieux é uma espécie de Sísifo em tempos de flagelo coletivo, numa época em que há a irrupção do absurdo em escala massiva. O rochedo que ele tenta arrastar montanha acima é a saúde de seus pacientes. Muitos de seus esforços médicos são em vão: a peste vence frequentemente e o paciente morre. Mas a batalha perdida não finda a guerra. Novos infectados não param de chegar aos hospitais, como novos rochedos a tentar empurrar montanha acima rumo à saúde sempre precária.

Rieux jamais desiste da luta, por mais que seja muitas vezes derrotado em seu intento de curar os adoentados ou de diminuir o sofrimento dos agonizantes. Rieux, apesar do tom afetivo que o domina ser o de um pessimismo de homem ateu, não cai nunca no derrotismo ou na resignação imóvel. Rieux é um trabalhador: não fica de braços cruzados diante dos males concretos que afligem os corpos de seus concidadãos. Não espera ou pede nenhum auxílio divino ou sobrenatural. Por isso, apesar de tantas derrotas diante da peste mortífera, o Doutor Rieux não se torna nunca um derrotado no sentido que dá a esta palavra o ex-presidente uruguaio José Pepe Mujica, para quem “os únicos derrotados são os que baixam a cabeça, que se resignam com a derrota.  A vida é uma luta permanente, com avanços e retrocessos”. [11]

Imaginem se Mujica, em algum momento de angústia extrema, durante o período de 12 anos em que esteve confinado nos cárceres da Ditadura Militar uruguaia, tivesse desistido da luta. Se tivesse gasto até a última fibra de sua coragem e resiliência de tupamaro, se tivesse utilizado a saída do suicídio para escapar dos horrores de estar entre os vivos em tais condições horríficas, aí sim teria sido um derrotado – e não o futuro presidente do Uruguai e um ícone das esquerdas latinoamericanas. Por isso, no poster do filme Uma Noite de 12 Anos, de Alvaro Brechner, que retrata as vivências de Mujica e outros dois prisioneiros, destaca-se a frase: “los únicos derrotados son los que bajan los brazos”. [12]

História semelhante se poderia contar sobre Nelson Mandela, Oscar Wilde, Antonio Gramsci ou Luiz Inácio Lula da Silva: na prisão, eles não abaixaram a cabeça, não se renderam à opressão deixando a resiliência cair estilhaçada ao solo, seguiram determinados em sua luta, clarividentes e revoltados em face de absurdos insultantes. Atravessando a noite que parece interminável. Nunca aderindo à preguiça dos passivos ou à inação dos resignados.


CAPÍTULO 3: A LITERATURA DAS ENCRUZILHADAS

Vários debates filosóficos atravessam o romance de Camus: A Peste é um romance repleto de difíceis encruzilhadas em que os personagens tentam escolher entra as alternativas que o destino lhes impõe. O jornalista Rambert, por exemplo, está separado da mulher que ama, preso na Oran empesteada, de onde as autoridades não permitem que ninguém entre ou saia. Tomando medidas para pagar por uma fuga, Rambert entra em negociações com contrabandistas, mas os acordos não avançam muito bem. Retido na cidade em quarentena, Rambert decide-se a trabalhar junto com o Dr. Rieux enquanto aguarda ocasião mais oportuna de escapar dali para se re-encontrar com sua amada.

Depois de muito refletir, quando enfim se apresenta a ocasião da fuga, Rambert prefere ficar ao invés de partir. Explica que “se partisse sentiria vergonha”. Ao que Rieux responde com firmeza que isto é uma “estupidez” e que “não há vergonha em preferir a felicidade”. Ou seja, em meio à desgraça toda, os personagens debatem sobre o hedonismo enquanto doutrina ética, a noção de que uma prazeirosa felicidade é o fim último (télos) da existência humana.

Rambert, nesta sua encruzilhada ética, sopesa as alternativas: fugir em direção à mulher de quem sente saudades é sua tentação mais forte, sua vontade quase irreprimível, pois é este o caminho que lhe aponta sua ânsia de felicidade, sua fome relacional, seu ímpeto de gozo afetivo, sexual, de estima carnal. Porém, o outro caminho que se desenha na encruzilhada é o de ficar na cidade para trabalhar, junto com os outros, em prol de uma melhoria da condição de todos. Rambert prefere ficar, argumentando, contra Rieux e seu hedonismo, que pode sim ser motivo de vergonha “querer ser feliz sozinho” (être heureux tout seul) [13].

Em contexto de flagelo coletivo, Rambert acaba por concluir que não tem direito à fuga na direção de sua felicidade individual. Terceira voz neste diálogo, Tarrou percebe bem que a natureza da escolha na qual Rambert se debate envolve um desejo de empatia para com os que sofrem durante a peste. Porém, esta empatia pode mergulhar o sujeito numa tal maré de compaixão que ameaça destruir completamente sua possibilidade de vivenciar afetos alegres e vivificantes. Para Tarrou, se Rambert “quisesse partilhar da infelicidade dos homens, não haveria jamais tempo para a felicidade. Era preciso escolher.”

Rambert, apesar do sofrimento da separação, que às vezes o conduz a gritar a plenos pulmões (op cit, item 13, p. 185) em montes desertos da cidade, acaba por decidir-se que não quer suportar a vergonha de fugir tentando ser feliz alhures, argumentando que “essa história nos concerne a todos”. Sua atitude tem pontos de contato com Sócrates tal como descrito no diálogo platônico Crítono filósofo se recusa a fugir da prisão de Atenas onde está condenado a morrer pela cicuta, argumentando que ser vítima de uma injusta é preferível a ser injusto violando as leis da pólis.

O Dr. Rieux, de maneira similar ao jornalista Rambert, está separado de sua esposa, com quem se comunica por cartas e telegramas, mas nunca lhe ocorre a tentação de escapar: ele chega a trabalhar 20 horas por dias nos meses de auge da peste, como heróico médico que vê sua fadiga e exaustão crescerem até os extremos, sem nunca desistir de seus deveres ou “amarelar” diante do fardo de sua responsabilidade.


CAPÍTULO 4: CAMUS E NIETZSCHE: UM DIÁLOGO FECUNDO

Ganhador do Nobel de Literatura de 1957, Camus devotou muitos esforços a um diálogo fecundo e crítico com a obra de Nietzsche (1844-1900): “o filósofo alemão agiu como um álcool forte sobre Camus”, defende Michel Onfray [14].

No Brasil, um livro brilhante de Marcelo Alves, pesquisador graduado em Filosofia e Mestre em Teoria Literária pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), explora com maestria o tema: Camus: Entre o Sim e o Não a Nietzsche (um livro que nasce de sua tese de mestrado disponível na íntegra) [15].

Unidos na “fidelidade à terra”, como dizia Zaratustra, Nietzsche e Camus estão sintonizados no interesse que compartilham pelo amor fati, o amor ao destino. O ethos do espírito livre consiste em amar a vida  exatamente como ela é, sem exclusão de tudo que existe nela de contraditório, problemático, horrendo e assustador. Camus fala assim das “núpcias” do homem com a natureza:

“Aprendo que não existe felicidade sobre-humana, nem eternidade fora da curva dos dias. Esses bens irrisórios e essenciais, essas verdades relativas são as únicas que me comovem. (…) Não encontro sentido na felicidade dos anjos. Só sei que este céu durará mais do que eu. E o que chamaria de eternidade, senão o que continuará após minha morte?

A imortalidade da alma, é verdade, preocupa a muitos bons espíritos. Mas isso porque eles recusam, antes de lhe esgotar a seiva, a única verdade que lhes é oferecida: o corpo. Pois o corpo não lhes coloca problemas ou, ao menos, eles conhecem a única solução que ele propõe: é uma verdade que deve apodrecer e que por isso se reveste de uma amargura e de uma nobreza que eles não ousam encarar de frente.” (CAMUS) [16]

Alves comenta:

“O corpo é a medida do homem lúcido diante da sua condição. Amar a natureza é reconhecê-la, antes de tudo, enquanto limite e possibilidade da vida humana. Amor trágico esse, na medida em que se ama o que por fim nos aniquila. Muitos homens, no entanto, preferem recusar essa sabedoria trágica e transformar o seu medo da morte na esperança de outra vida… Mas custa caro desprezar a verdade do corpo, ser infiel à terra, deixar-se iludir por uma esperança, isto custa o preço da própria vida, ‘porque se há um pecado contra a vida, talvez não seja tanto o de se desesperar com ela, mas o de esperar por uma outra vida e se esquivar da implacável grandeza desta’, como escreve Camus. (…) Fidelidade à terra é justamente o que Zaratustra não cessa de pedir encarecidamente a seus discípulos, alertando-os ao mesmo tempo sobre a ‘enfermidade’ característica dos ‘desprezadores do corpo’, dos ‘transmundanos’ e dos ‘pregadores da morte’.” (M. ALVES) [17]

Esta valorização do corpo, da vida encarnada, das verdades relativas, da sensorialidade palpável, nada tem a ver com uma idealização do corpo que apagasse tudo que há nele de problemático e trágico: Camus chama o corpo de “uma verdade que apodrece” e não cessa de refletir sobre a revolta humana diante da morte, ou seja, da finitude deste corpo matável e adoecível. Camus quer manter-se fiel à Terra e à virtude da lucidez, o que exige vivenciar nossa condição corpórea em tudo que ela comporta de delícia e de tragédia: é com o corpo que se pode entrar no êxtase das núpcias dionisíacas com a natureza, mas é com o corpo que se pode também sofrer os horrores da angústia e as indizíveis dores da agonia.

“Para Camus ser fiel à terra inclui ser fiel aos homens de carne e osso que conosco compartilham, aqui e agora, a experiência de viver. (…) A solidariedade assim praticada é uma chance ao possível, uma chance àquilo que só através dos homens em luta comum contra sua condição pode vir à existência: a liberdade, a justiça, a felicidade e o amor.” (ALVES, op cit., p. 90-91) [18]

Ao analisar “A Peste”, Marcelo Alves destaca que Camus está ali “trabalhando literariamente as críticas formuladas nas Cartas sobre o nazismo” (em especial a Carta a Um Amigo Alemão), de modo que “é preciso tomar o mal como o símbolo maior do romance: o mal que o nazismo produziu e o mal a que o homem está condenado a sofrer por sua própria condição. Trata-se do mal no sentido trágico, do mal que se expressa através do sofrimento físico e moral daquele que vive sob o peso inexorável da mortalidade. É nesse sentido que Camus pode afirmar que a peste é a mais concreta das forças.” (op cit, p. 97) [19]

Escrevendo sobre o tema, o autor português Hélder Ribeiro aponta outras similaridades e sintonias entre Camus e Nietzsche:

“A origem da ética de Albert Camus está na monstruosidade que consiste em sacrificar os corpos às ideias. Encontramos talvez aqui o segredo do laço que une as concepções de Camus e de Nietzsche. Se Nietzsche empreende uma genealogia da moral cristã, para compreender como esta veio a produzir a negação da própria vida, e isto no contexto da sociedade burguesa do século XIX, Camus empreende uma genealogia da moral política do século XX, para compreender como esta veio a produzir a negação hitlerista e estalinista da vida.

Como na Genealogia da Moral, Camus pensa que a cultura e a moral do Ocidente chegaram a um envenenamento inexorável da vida e trata-se de tirar a máscara. (…) Que deve Camus a Nietzsche? Mais do que afirmações, o clima do seu pensamento, e acima de tudo a recusa global da ficção platônico-cristã dos dois mundos. Não há Além que repare a decepção multiforme de cá-de-baixo e que nos conduza ao Uno. Quando Camus suspira pela unidade, não a refere à ideia platônica que supõe o ultrapassar das aparências. As aparências são a única verdade. O Uno deve descobrir-se na própria dispersão do sensível e a tentação mística só pode ser naturalista.

“Todo o meu reino é deste mundo”, escreve Camus. É a fórmula mais flagrante desta convicção. O corolário é a exaltação do corpo e das verdades que o corpo pode tocar. A verdade do corpo ultrapassa a verdade do espírito. Ora, o mais alto poder do corpo é a arte, que opera uma transmutação do sensível sem o recusar.

O niilismo de Nietzsche, procedendo de uma experiência extrema do desespero, quebrando todos os ídolos do progresso com o mesmo cuidado com que recusava a sombra de Deus, chega, no entanto, a um consentimento radioso, dionisíaco, ao Todo do ser real do mundo, na sua totalidade e em cada realidade particular. O consentimento que dorme na revolta de Camus e lhe dá um sentido, esse “amor fati” que no sim à vida inclui a própria morte, de modo que chega a chamá-la de “morte feliz”, provém em parte de Nietzsche…”. (RIBEIRO, H.) [20]


CAPÍTULO 5: RELEVÂNCIA DE CAMUS NA ATUALIDADE PANDÊMICA

Diante da pandemia de covid-2019 que assola o mundo em 2020, “A Peste” teve uma notável re-ascensão e tornou-se um dos livros mais procurados na Europa, como relata a reportagem da BBC Brasil [21]. Seu status de best-seller na conjuntura deste evento traumático do séc. 21 é prova inconteste não só da atualidade da literatura Camusiana, mas também do brilhantismo com que seu autor sobre tratar dos flagelos da doença somados aos horrores da política. Pois se sabe que a obra nasce sob a influência da Ocupação Nazifascista de Paris, onde Camus escrevia no jornal libertário Combat e participava da Resistência contra a extrema-direita alemã.

O paralelo com o Brasil de 2020 é extremamente possível: a “peste” da covid-19 já é uma lástima terrível por si só, mas a ela se soma o fato de estarmos sob o desgoverno neofascista da seita obscurantista do Bolsonarismo. O chefe da seita, durante toda a pandemia, foi criminosamente irresponsável, acarretando milhares de infecções e mortes ao negar a gravidade do problema, boicotar medidas de isolamento e dar preferência a CNPJs e não a CPFs – ou seja, preferindo agradar empresários, banqueiros e rentistas, aderindo ao “matar ou deixar morrer” no que diz respeito aos trabalhadores empobrecidos pela crise. Além disso, o ocupante do Palácio da Planalto notabilizou-se globalmente por ser o líder do negacionismo do coronavírus, desdenhando de uma doença que em Maio de 2020 já havia ceifado mais de 300.000 vidas, mas que segundo Seu Jair não passa de um “resfriadinho” que não deve preocupar ninguém que tenha “histórico de atleta” e que não deve fazer parar as rodas da economia.

No romance de Camus, o fenômeno do negacionismo da peste, típico do Bolsonarismo na atualidade, também dá as caras. Alves escreve: “A primeira dificuldade dos homens diante da peste é a de reconhecer a sua existência. Por todos os meios procuram negá-la. Muitas vezes simplesmente dando-lhes as costas, outras encarando-a como uma abstração. Primeiro, a administração pública hesita em tomar as providências para não alarmar a população…. Depois, mesmo diante dos sintomas, muitos recusam-se a admiti-la: ‘Mas certamente isso não é contagioso.’, diz um personagem. Por fim, mesmo após o reconhecimento oficial do flagelo e do isolamento importo à cidade, os habitantes ainda resistem a aceitar o fato…” (ALVES, M. p. 98) [22]

A seita necrofílica dos Bolsonaristas tornou-se mundialmente famigerada justamente por este tipo de funesta e macabra irresponsabilidade das ações negacionistas.  Ao seguirem como ovelhas obedientes os ditames do Grande Líder, muitos cidadãos Bolsominions acabaram sabotando medidas de contenção, aglomerando-se para manifestações golpistas, fazendo coro à pregação de Jair de que algumas milhares de mortes eram preferíveis à diminuição dos lucros empresariais. Tudo isso tornou Bolsonaro uma figura internacionalmente repudiada como um dos piores presidentes do mundo em seu trato com a peste, tendo sido denunciado por genocídio e crimes contra a humanidade em tribunais penais internacionais.

Neste contexto, a leitura de Camus torna-se ainda mais relevante ao grifar sempre a importância crucial de transcendermos a angústia solitária e isolada, rumo à solidariedade na revolta:

“A vitória sobre a peste só acontece quando o homem reconhece que se trata de uma tragédia coletiva e, no lugar do isolamento individual, faz da sua cumplicidade trágica com os outros homens um só grito de revolta e lucidamente dá início à sua tarefa de Sísifo: ‘colocar tanta ordem quanto possa em uma condição que não a possui’. É verdade que nesse caso a vitória é sempre provisória, jamais definitiva, mas é a única vitória possível e desejável para aqueles que procuram nada negar nem excluir: nem a condição humana, nem a dor do homem. O médico Rieux, personagem e narrador do romance, encarnará o homem camusiano que vive entre o sim e o não: aquele que não se esquiva da condição humana, mas não se resigna às suas misérias; aquele que aceita o peso da existência, aceita rolar a sua pedra, que é o espelho opaco da sua virtude, mas se recusa a aumentar o mal, tanto através da ação quanto da omissão.” (ALVES, M., op cit, p. 101) [23]

O Dr. Bernard Rieux, encarnação da lucidez e da solidariedade, age em A Peste com um ethos de Zaratustriana fidelidade à terra e a seus viventes. Mesmo que na época em que o romance se passa a cidade argelina de Orã esteja empestada, mergulhada nos flagelos da doença e do sofrimento, Rieux permanece aferrado a este princípio: “O essencial era impedir o maior número possível de mortes e de separações definitivas. E o único meio para isto era combater a peste. Esta verdade não era admirável, era apenas consequente.” (CAMUS, A Peste, I, 1327) [24]

Na verdade, Bernard Rieux não é um Übbermensch super-heróico, mas um médico de carne-e-osso, sujeito à fadiga e ao desespero, mas que decide suportar o peso de sua lucidez e agir incansavelmente com base na sua ética da solidariedade, da empatia e da revolta contra a peste. Esta peste é tanto doença em si quanto, de maneira metafórica, a política fascista, aquilo que chamaríamos hoje, a partir de conceito proposto pelo filósofo camaronês Achille Mbembe, de necropolítica [25].


CAPÍTULO 6: A AGONIA DE UMA CRIANÇA DIANTE DE UM MÉDICO E UM PADRE

No enredo, o médico Rieux também aparece como o antípoda do padre Paneloux. Onde o cristianismo prega oração e resignação, o médico ateu defende a ação coletiva solidária e obstinada contra o mal. Alves comenta: “Rieux combate ídolos, contesta abstrações, não a marteladas, mas através de sua obstinação em cuidar dos corpos… O médico é aquele que sabe dos limites da condição humana, mas não se submete a eles; sabe que não salvará tudo ou a todos, mas decide agir segundo as suas forças para salvar o que pode ser salvo: alguns corpos, por algum tempo.” (Alves, p. 106) [26]

No destino do Padre Paneloux, Camus nos fornece um memorável memento do que significa o desprezo pela Ciência em tempos de peste. Em meio à Orã transtornada pela epidemia, o padre Paneloux fazia sermões pregando que o flagelo era uma punição divina pelos pecados de alguns de seus concidadãos. Daí saltava para a idéia de que a vontade divina utilizava-se da peste como seu instrumento. E daí foi só um passo até que passasse à noção de que seria heresia ir contra a vontade de Deus: a atitude de um autêntico cristão consistiria na aceitação plena dos decretos do Céu.

No capítulo 3 da parte IV, uma cena-chave de A Peste se desenrola: uma criança gravemente enferma será cobaia para um teste de uma vacina (sérum), uma das esperanças de conter a epidemia. O sofrimento horrendo desta criança dá ensejo para que os personagens reflitam a fundo sobre a condição humana, os males do mundo e as injustiças de que nossa situação existencial está repleta. A tentativa de curar a criança não é bem sucedida e após uma longa agonia, extremamente sofrida, o menino morre. Ao redor do leito, Dr. Rieux, padre Paneloux, Tarrou realizam um debate crucial nesta situação excruciante.

O que está em questão, em última análise, é a dor infligida aos inocentes, em todo seu escândalo. A agonia de uma criança parece causar o desmoronamento da argumentação teológica exposta no primeiro sermão do Padre Paneloux (cap. 3, parte II), segundo o qual a infelicidade (malheur) seria sempre merecida, pois toda peste é punição contra pecadores, um purgativo enviado por Deus (p. 91). Caso aceitássemos o argumento do padre, Orã seria similar a Sodoma e Gomorra e “a peste teria origem divina e caráter punitivo” (p. 95). Daí decorre que o padre recomende a seus concidadãos que se ajoelhem, se arrependem e orem aos céus por misericórdia. Com fé, Deus os ouvirá e salvará. Seu discurso traz o dedo em riste, acusatório, lançando sobre os pecadores a culpa pelo flagelo vivido pela cidade. Assim, inventa-se um sentido como antídoto para o absurdo num procedimento que Slavoj Zizek chama de “the temptation of meaning” [27].

Esta cena d’A Peste em que a agonia da criança é sentida diferencialmente pelo médico e pelo padre está entre as obras-primas da dramaturgia Camusiana e aí também se jogam os lances decisivos para a apreciação plena do que pensa o autor sobre a fé. O sofrimento horrendo de uma criança que agoniza põe em crise o discurso do padre Paneloux, sua noção de que os afligidos pela peste eram pecadores: para manter tal ideologia, seria preciso dizer que a criança era culpada, ou mesmo que nasceu com a culpa provinda do princípio dos tempos, ou seja, do Pecado Original de Adão e Eva. É assim que a fé judaico-cristã pretende nos convencer que é merecido o sofrimento na infância?

O Dr. Rieux opõe-se a esta ideologia religiosa que culpabiliza para que possa manter a fé, ainda que num Deus abjeto e que se sirva da agonia infantil como um de seus perversos instrumentos de vingança contra os pecadores. O Dr. Rieux é muito mais ateu e a vivência da peste só aprofunda seu ateísmo. O suplício e a agonia de uma criança lhe parecem um escândalo injustificável, uma absurdidade que estilhaça a possibilidade de crer em Deus.  Porta-voz do ateísmo Camusiano, o Dr. Rieux se recusa em amar uma criação onde crianças são torturadas, ou seja, recusa a própria noção de um Criador que pudesse ter aceito, como parte do mundo criado, a agonia injusta de pequenas pessoas que vieram ao mundo recentemente e que acabam por ser expulsas dele em meio a um absurdo sofrer.

Na história da filosofia contemporânea, o filósofo Marcel Conche inspirou-se em argumentos muito próximos aos Camusianos para formular suas provas da inexistência de Deus com que abre sua obra Orientação Filosófica. [28]

O ateísmo, em Camus, parece ser a decorrência necessária da lucidez daqueles que não escamoteiam o absurdo da existência e que, através da revolta, alçam-se do “eu sou” ao “nós somos”: superando o racionalismo idealista de René Descartes e seu cogito (“penso, logo existo”), Albert Camus propôs o cogito existencialista-ateu, digno de virar bandeira de todos nós que nos solidarizamos na revolta contra os males de que o mundo terrestre está repleto: “eu me revolto, logo somos”.

Ao adoecer, o padre Paneloux recusa-se terminantemente a chamar um médico – ainda que soubesse que o Doutor Rieux estaria a postos, prestativo, para atendê-lo, sem poupar esforços para salvá-lo. Para o padre Paneloux, há uma contradição insolúvel entre a fé e a ciência: para manter-se crente, ele precisa recusar a medicina. No extremo do delírio desta fé auto-destrutiva, prefere fechar as portas ao socorro que poderia lhe vir dos terráqueos, permanecendo aberto apenas ao socorro que lhe viria do divino. Agarra-se ao crucifixo, recusando hospitais e remédios.

A desastrosa escolha de Paneloux o conduz a uma agonia horrorosa, sem analgésicos nem morfina, em que ele decide imolar a saúde num altar imaginário onde pensava estar encontrando a salvação. Encontrou apenas a morte absurda dos que desdenham daquilo que o ser humano pôde inventar, neste mundo, em prol do auxílio mútuo e da solidariedade concreta.

No livro de George Minois sobre A História do Ateísmo, Camus aparece como um artista-pensador que jamais recomenda que percamos tempo de vida com a ânsia de ascensão a um Paraíso transcendente, prometido aos “eleitos”, aos que tenham sido dóceis e obedientes nesta vida. Camus convoca para que trabalhemos juntos neste mundo para torná-lo menos opressivo e mais amável, o que exige que possamos assumir nossas responsabilidades. Não aquela responsabilidade de “servir a um ser imortal”, mas sim a de livrar-se desta subserviência para assim “assumir todas as consequências de uma dolorosa independência”. (MINOIS: p. 671) [29]

Como diz Marcelo Alves, na obra A Peste está ilustrado que “o pessimismo de Camus, longe de ser resignado ou valorar negativamente a vida, pretende, através da revolta diante da peste, culminar num lúcido sim à vida.” (ALVES, M. Pg 98) [30] De modo que a lucidez é uma das virtudes que Camus celebra entre as supremas. Não a lucidez derrotista, resignada ou solitária, mas a lucidez clarividente, a capacidade de enxergar com clareza, inclusive e sobretudo os males concretos que nos afligem e aos quais só a solidariedade das revoltas pode fazer frente.


 

CAPÍTULO 7: A CONCRETUDE EM CARNE-E-OSSO DE NOSSA CONDIÇÃO

A tarefa de ver claro torna-se mais difícil diante dos flagelos da peste, da pandemia, da guerra, pois enxergá-los em toda sua horrífica realidade é perturbador para a psiquê humana, que vê-se em apuros para “digerir” tais experiências. Preferimos então recusar a concretude dos sofrimentos das pessoas de carne-e-osso para olhar o problema através do prisma de pálidas abstrações e estatísticas. Pode-se ler em livros de História que umas 30 pestes que o mundo conheceu fizeram cerca de 100 milhões de mortos, mas quem nunca viu nem conheceu sequer um desses vivos transformados em cadáveres pode se ver tentado a deixar-se esse número torna-se uma fumaça na imaginação, sem carne e sem sangue.

Por isso a literatura é tão crucial e imprescindível: ao ler uma obra como A Morte de Ivan Ilítch, de Tolstói, podemos ter acesso a uma morte concreta e individualiza, que nos comove pelo que tem tanto de idiossincrática quanto de expressiva da condição humana geral. A Peste de Camus também funciona maravilhosamente como um dispositivo literário de concretização, um livro destinado a nos ensinar como os seres humanos de carne-e-osso lidam com o flagelo pestífero. A certo ponto, o Doutor Rieux relembra da peste de Constantinopla, que em seu pico fazia 10.000 vítimas fatais por dia, e pede que imaginemos o público de 5 grandes cinemas sendo assassinado na saída do filme (pg. 42).

Dar concretude às estatísticas, fornecer carnalidade aos números, fazer-nos sentir visceralmente aquilo que se esconde por trás de relatórios burocráticos ou meditações abstratas, é uma das funções essenciais da literatura. Rieux está impedido por seu ofício de médico de “abstrair” em meio à peste pois é obrigado a lidar com a concretude de doentes e mortos, de tosses e catarros, de agonias e cadáveres. Sua lucidez é trágica! E a única salvação que concebe é a união solidária de pessoas que trabalham juntas contra o flagelo. Pois isolar-se, fechar-se na mônada e no monólogo, não é nenhuma solução contra o absurdo. Separação e isolamento nunca serão panacéias.

O ator William Hurt, que interpreta o médico Rieux na adaptação cinematográfica do romance de Camus realizada por L. Puenzo em 1992

Rieux recusa a resignação, a prece, a passividade. Tampouco deseja fazer pose de herói. Sua humildade lúcida está em saber que não salvará todo mundo, apenas alguns corpos por algum tempo. Este médico sabe que suas vitórias são sempre provisórias mas que esta não é uma razão para cessar de lutar. Trata-se sempre de adiar a morte para mais tarde, pois restabelecer a saúde de alguém jamais significa livrá-lo da incontornável finitude.

– Já que a ordem do mundo é regrada pela morte, talvez convenha a Deus que não se creia nele e que se lute com todas as forças contra a morte, sem levantar os olhos para o céu onde ele se esconde. (ALVES, op cit, p. 106) [31]

Este ateísmo Camusiano, que se manifesta em Rieux, tem a ver com uma crítica que o autor de O Homem Revoltado faz ao processo de sacrifício de pessoas concretas em nome de um ideal, um valor absoluto, uma abstração descarnada. Até mesmo Marx e Nietzsche são denunciados por Camus por terem instituído uma espécie nova de idealismo em que a sociedade sem classes do futuro comunismo ou os espíritos livres e Übermensch do porvir serviriam como ideais laicizados. Assim, substituem a noção religiosa de outra vida, acessível pela morte, por uma outra vida a ser construída e concretizada mais tarde – trocam o além pelo mais tarde. Chamo isto de uma oposição entre uma transcendência vertical (as pessoas que crêem numa ascensão ao céu, após a vida terrena) e a transcendência horizontal (as pessoas que crêem numa transfiguração desta vida terrena nos amanhãs cantantes de um futuro que está no horizonte). 

Se o entendo bem, Camus propõe uma imersão na imanência em que possamos celebrar as núpcias com a vida e a natureza, nas quais devemos amorosamente nadar como peixes deleitando-se na imensidão do mar. É óbvio que este mar está repleto de tubarões, que há predação e peste, sofrimento e finitude, injustiça e opressão, mas também extremas belezas e deleites, uma grandeza implacável que devemos aceitar e abraçar com toda lucidez e clarividência que pudermos. Viver é mergulhar no absurdo mas não deixar-se afogar aí. Este banho de absurdo só pode ser redimido pela cumplicidade revoltado dos solidários, dos justos, dos que trabalham juntos em prol de uma realidade menos absurda. A medicina, para Rieux, é um trabalho de Sísifo ateu – e é preciso imaginá-lo feliz, empurrando pedregulhos montanha acima, no aprendizado perene com todos os esforços e tombos.

Em O Mito de Sísifo, Camus escreveu: “Se Deus existe, tudo depende dele e nada podemos contra sua vontade. Se ele não existe, tudo depende de nós.” [32] A fé em Deus desempodera o ser humano, coloca-nos na dependência de uma vontade alheia e de uma autoridade transcendente, condenando-nos à “minoridade” tutelada de uma criança que não ousa fazer uso pleno da força de sua razão [33]. Já o ateísmo nos liberta para as difíceis tarefas da responsabilidade, da solidariedade, das construções coletivas de sentido que façam frente aos absurdos que sempre ameaçam nos submergir.

Confinados na finitude de uma vida que fatalmente terminará, condenados à angústia que é o ambiente perene do ser humano lúcido, temos somente esta vida, este mundo, este espaço, este tempo, para celebrar nossas fenecíveis núpcias com o real. Quem não se revolta contra as injustiças e opressões que impedem estas núpcias, quem não se solidariza diante dos males que nos afligem em comum, este é um semi-vivo ou um zumbi, sempre necessitado de ser despertado pelas amargas mas salutares verdades que a arte e a filosofia podem conceder.

Sem além nem deus, espíritos livres Camusianos plenamente fiéis à terra, sejamos Sísifos felizes! Estejamos aqui-e-agora solidários, lúcidos, clarividentes e reunidos na revolta. Somando forças, alentos, beijos, amplexos, vozes e obras que permitem nossas núpcias com a vida, a natureza e os outros. Sem nunca esquecer que a angústia solitária precisa ser transcendida por uma revolta solidária que seja o emblema em ação de nossa “insurreição humana” – aquela que, como escreve Camus em O Homem Revoltado, “em suas formas elevadas e trágicas não é nem pode ser senão um longo protesto contra a morte, uma acusação veemente a esta condição regida pela pena de morte generalizada.” [34]

Por Eduardo Carli de Moraes
A Casa de Vidro [www.acasadevidro.com]
Goiânia, Maio de 2020

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REFERÊNCIAS E NOTAS BIBLIOGRÁFICAS, CINEMATOGRÁFICAS E FONOGRÁFICAS

[1] CAMUS, Albert. Núpcias  / O Verão. Editora Círculo do Livro, 1985.

[2] THE FLAMING LIPS. Ao usar a expressão “grau de realização da mortalidade”, penso sobretudo nos versos de uma canção da banda estadunidense de rock alternativo The Flaming Lips, chamada “Do You Realize?” (também interpretada por Sharon Von Etten), presente no álbum Yoshimi Battles The Pink Robots, em que o ouvinte é interpelado pela questão: “você realmente percebe que todo mundo que você conhece um dia vai morrer?” The Fearless Freaks é um excelente documentário sobre a trajetória da banda.

“Do you realize that everyone you know someday will die?
And instead of saying all of your goodbyes, let them know
You realize that life goes fast
It’s hard to make the good things last
You realize the sun doesn’t go down
It’s just an illusion caused by the world spinning round…”

[3] PESSOA, Fernando. Mensagem. O trecho completo diz: “Sem a loucura que é o homem / Mais que a besta sadia, / Cadáver adiado que procria?”. A mesma expressão aparece nas Odes de Ricardo Reis:

NADA FICA de nada. Nada somos.
Um pouco ao sol e ao ar nos atrasamos
Da irrespirável treva que nos pese
Da humilde terra imposta,
Cadáveres adiados que procriam.
Leis feitas, estátuas feitas, odes findas —
Tudo tem cova sua. Se nós, carnes
A quem um íntimo sol dá sangue, temos
Poente, por que não elas?
Somos contos contando contos, nada.

— Ricardo Reis (heterônimo de Fernando Pessoa), in “Odes”.

[4] BECKER, Ernest. A Negação da Morte (The Denial Of Death). Vencedor do prêmio Pulitzer, o livro também inspira o documentário The Flight From Death (2005), que compartilhamos na íntegra a seguir:



[5] SAMPAIO, Sérgio. Canção “Ninguém Vive Por Mim”. Em: Tem Que Acontecer. Saiba mais neste artigo em A Casa de Vidro.
[6] PARRA, Nicanor. O poeta chileno que viveu 103 anos (1914 – 2018), irmão da lendária cantora, compositora e folclorista Violeta Parra, escreveu muitas profundas reflexões sobre a morte.
[7] EPICURO. Carta Sobre a Felicidade (a Meneceu). Sobre o tema, acesse em A Razão Inadequada o artigo Epicuro e a Morte da Morte.
[8] MONTAIGNE, Michel. Ensaios. Capítulo XX. Em: Os Pensadores, Abril Cultural.
[9] BANDEIRA, Manuel. Libertinagem. Publicado originalmente em 1930.
[10] CAMUS, AlbertO Mito de Sísifo. Ed Record, 2004.
[11] MUJICA, José. Em: Rede Brasil Atual.
[12] BRECHNER, Alvaro. La Noche de 12 Años (2018), filme uruguaio que retrata ações do militantes Tupamaros, que lutavam contra a ditadura militar, e suas vivências na cadeia.
[13] CAMUS, ALa Peste. Folio: 1999, Pg. 191.
[14] ONFRAY, Michel. A Ordem Libertária – A Vida Filosófica de Albert Camus. Flammarion, 595 págs. Citado a partir de artigo na Revista Cult.
[15] ALVES, MarceloCamus: Entre o Sim e o Não a Nietzsche. Florianópolis, 2001, Ed. Letras Contemporâneas.
[16] CAMUS. Essais, Paris: Gallirmard, 1993, 75 – 80.
[17] [18] [19] ALVES, M. op cit, idem nota 15.
[20] RIBEIRO, Hélder. Do Absurdo à Solidariedade: A Visão de Mundo de Albert Camus. Lisboa: Editorial Estampa, 1996. Pg. 89-90.
[21] BBC News Brasil. ‘A Peste’, de Albert Camus, vira best-seller em meio à pandemia de coronavírus.
[22] [23] ALVES, M. op cit, idem nota 15.
[24] CAMUS, A. La Peste. Op cit.
[25] MBEMBE, AchilleNecropolítica. Saiba mais em A Casa de Vidro.
[26] ALVES, M. op cit, idem nota 15.
[27] SLAVOJ ZIZEK fala em “the temptation of meaning” ao responder as questões de Astra Taylor, realizadora do filme documental Examined Life: “Meaning allows us to create fantasies which defend ourselves from the awful truth that we’re bags of meat who can never escape death. That is, the turn towards subjectivity is itself a defense mechanism against the fact that the universe doesn’t care. God, whether He be loving or vengeful, is a way of turning this utter indifference into a fantasy of mattering.”

[28] CONCHE, Marcel. Orientação Filosófica. Ed. Martins Fontes. Coleção Mesmo Que O Céu Não Exista.
[29] MINOIS, George. História do Ateísmo. Ed. Unesp, pg. 671.
[30] [31] ALVES, M. op cit, idem nota 15.
[32] CAMUS, A. O Mito de Sísifo. Citado em: MINOIS, op cit, idem item 29.
[33] A conclusão atéia não condiz com as apostas kantianas na necessidade de Deus como “apêndice” da razão prática, mas aqui penso no auxílio salutar que o ateísmo concede ao sapere aude tal como descrito por Immanuel Kant em seu texto sobre o Iluminismo / Esclarecimento.
[34] CAMUS, A. O Homem Revoltado. Capítulo: “Niilismo e História”. Ed. Record, 2003, p. 125.

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Um combate contra o Absurdo | Albert Camus (documentário completo e legendado)

A EDUCAÇÃO PELO CÁRCERE: A sabedoria sofrida de Oscar Wilde após passar pelas profundezas do aprisionamento

por Eduardo Carli de Moraes para A Casa de Vidro

“For he who lives more lives than one
More deaths than one must die.”
OSCAR WILDE, The Ballad of Reading Gaol

Escrita na prisão, em 1895, De Profundis é a longa carta que Oscar Wilde (1854 – 1900) endereça a seu ex-amigo / ex-amante Lord Alfred Douglas, mais conhecido por seu apelido Bosie, revelando tudo o que aprendeu no cárcere. Poucas obras literárias são tão impressionantes e comovedoras ao retratarem a transfiguração de um sujeito que atravessa o inferno prisional. e pôde, utilizando-se da arte como instrumento alquímico, transfigurar o sofrimento em sabedoria. “Wilde não admite nenhuma culpa perante às leis injustas que o colocaram no cárcere”, escreve Anne Varty no prefácio da Wordsworth Classics, e deseja instruir o leitor “à luz da sabedoria que ganhou através de experiências de dor e privação.” [1]

Mas longe de ser um escrito repleto de retórica jurídica em que o acusado tentaria defender-se da acusação errônea que lhe lançam, De Profundis revela um artista, ciente de sua posição como vanguarda da cultura britânica do fim do século XIX, quer ensinar a Humanidade sobre a sofrida sabedoria que conquistou. Após o Sofrimento [Sorrow] ter raptado todos os seus dias e aprisionado Wilde a sua roda de Íxion (para lembrar num célebre torturado da mitologia grega), Oscar Wilde faz-se educador. Sobretudo de seu ex-amante, Bosie, a quem endereça diretamente suas palavras, mas também de todos os outros humanos, que o autor certamente imaginou que leriam esta “carta aberta” que enviou a Bosie e ao resto de nós todos.

Pintura de Giovanni Battista Langetti, “A Tortura de Íxion” (Século XVII)

Frei Betto gosta de citar uma frase de Shakespeare: “O ódio é um veneno que se toma esperando que o outro morra.” Wilde, ao escrever De Profundis, tenta fazer a catarse de sua amargura, numa terapia anti-ressentimento: “Não escrevo esta carta para encher seu coração de amargura, mas para esvaziar o meu. Por meu próprio bem devo perdoá-lo. A pessoa não pode ficar a vida toda com uma víbora para alimentar junto ao peito, não pode acordar dia após dia e semear espinhos no jardim da própria alma.” (p. 92)

A conclusão moral que Wilde tira dos episódios deste seu relacionamento que o conduziu ao cárcere é esta: “o vício supremo é a superficialidade.” Ele se refere, na verdade, ao vício de uma imaginação débil, incapaz de se colocar no lugar do outro, para sentir com empatia ou compaixão aquilo que o outro sente. Bosie teria agido cegado pelo ódio, pela vaidade, pela ganância, pela ânsia dos luxos supérfluos, pela inconsequência imprudente da irresponsabilidade etc.

Alfred Douglas, o Bosie, a quem Wilde endereça “De Profundis”

No contexto da exortação pedagógica de Wilde a Bosie, ser “superficial” significa não ser capaz de perceber e atentar à complexidade e profundidade do outro. Este colapso da empatia é outro nome para o egotismo. Só a abertura à Outridade, como diz Octavio Paz, é capaz de nos tornar mais “profundos”, alargando nossas teias relacionais e assim aprofundando a qualidade e diversidade de nossas vivências. Alargamos nossos horizontes também no contato com os abismos – sinais de pontes a construir, ou de uma lamentação por um abismo inponteável – que nos separam e nos unem aos outros.

A intenção pedagógica da carta fica clara na frase que a encerra: “talvez eu tenha sido escolhido para lhe ensinar”, escreve Wilde a Bosie, “o significado da Tristeza e sua beleza.” (p. 188) Wilde está triste, é evidente, por estar no cárcere, mas sobretudo pelo desamparo em que Bosie lhe largou. Na prisão, Wilde não recebeu uma carta sequer de seu ex-amigo. A comunicação foi totalmente cortada. A carta está repleta de recriminações que o prisioneiro Wilde faz a Bosie, já que este seria a encarnação da Insensibilidade, da Irresponsabilidade, da Imaginação Empática atrofiada. Já Wilde, bem à la Narciso, trata-se como “gênio”.

“Você não foi capaz de encontrar nada melhor para fazer com minha vida”, lamenta-se Oscar, “do que parti-la em pedaços. Se a pessoa dá à criança um brinquedo maravilhoso demais para sua jovem mente, ou belo demais para seus olhos ainda semidespertos, ela o quebra, se for teimosa; se fica desinteressada, ela o deixa cair no chão e se afasta para ficar com as outras crianças.” (p. 175)

Fica claro, portanto, que De Profundis pode ser classificado como uma obra em que seu autor teve intenção pedagógica no sentido de contribuir para um grau superior de maturidade emocional. É neste contexto que retorna o refrão do moralista Wilde: “o vício supremo é a superficialidade.” Só a Tristeza, ensina Wilde, torna alguém profundo.

 

“A religião não me é de ajuda. A fé que outros depositam no que não podem ver, eu a deposito no que a pessoa pode tocar e enxergar. Meus deuses habitam templos construídos com as mãos; e dentro do círculo da experiência real está meu credo tornado perfeito e completo: talvez completo demais, até, pois, como muitos ou todos que situaram seu paraíso na terra, nela eu encontrei não meramente a beleza do paraíso, mas também o horror do inferno.

Nas raríssimas ocasiões em que penso na religião, sinto como se quisesse encontrar uma ordem para aqueles que não podem acreditar: a Confraria dos Descrentes, onde, sobre um altar, no qual vela alguma ardesse, um sacerdote, em cujo coração a paz não tivesse morada, poderia celebrar com o pão não consagrado e um cálice vazio de vinho.”

OSCAR WILDE, De Profundis, p. 99

O aprendizado com as vivências do cárcere leva Wilde a compreender algo só acessível a quem esteve triste na sarjeta. Após beijar o pó, ir à falência e ver seu nome célebre arrastado na lama, ele descobre que perder tudo ensina a virtude da Humildade [Humility] e da Piedade [Pity]. A Humildade, como Wilde mesmo admite, faltou-lhe enquanto ele foi um dândi narcisista, gastando muita grana com prazeres supérfluos e refinados na companhia interesseira de Bosie. A Humildade, após a prisão, aparece-lhe como uma virtude que a vivência do sofrimento é capaz de ensinar a uma pessoa: “não se pode dá-la a ninguém e ninguém pode dá-la ao outro. Não se pode adquiri-la a não ser abrindo mão de todas as coisas que se tem. Apenas quando a pessoa perdeu tudo ela sabe que a possui.”

Paradoxalmente, Wilde pretende ter aprendido a Humildade e quer ensiná-la a Bosie, ou ao menos conclamá-lo para que faça uma jornada de auto-transformação que só ocorreria caso Bosie soubesse ser mais humilde e empático. Propõe, na carta: “melhor faria você em descer aqui ao pó e aprendê-la [a Humildade] ao meu lado. Ainda assim, Wilde prossegue convicto na adesão ao Individualismo: “Nada me parece ser do menor valor, exceto aquilo que a pessoa extrai de si mesma. Minha natureza está buscando um modo novo de autorealização. (…) Estou sem um tostão, e não tenho onde morar. Mas na vida há coisas piores que isto. (…) Os que têm muito são em geral gananciosos; quem tem pouco sempre compartilha.” (p. 97)

A lápide de Oscar Wilde no Cemitério Père Lachaise em Paris hoje celebra um outcast que soube lamentar-se pelo destino de outros outcasts. No poema A Balada de Reading, outro texto que, assim como De Profundis, nasce da experiência do autor de O Retrato de Dorian Gray na prisão, ele descreve o impacto de testemunhar a execução de um outro preso: em 7 de julho de 1896, após ser condenado à morte pela forca, Charles Thomas Woolridge, ex-soldado da Cavalaria Real, foi morto na prisão por ter matado sua esposa.

blues que Wilde entoa busca de certo modo dar voz a um canto coletivo: é como se todos os prisioneiros daquele complexo carcerário se expressassem através dos versos wildeanos. Todo o terror dos prisioneiros que sabem que vão sobreviver à execução do colega de cárcere ali se manifestam. Os últimos dias do condenado também são narrados, todo seu élan vital: ele “bebia o Sol como se fosse vinho”, canta Wilde, e adorava observar as nuvens peregrinas fluindo pelo céu sempre que os carcereiros o permitiam o luxo de uma contemplação entre grades da Natureza gloriosa. O lamento de Wilde também se deve ao fato de que “um homem deve morrer antes que carregue frutos” [A man must die / Before he bears its fruit].

O tom, o mood, a ambiência emocional do poema não deixam de evocar o blues que, do outro lado do Atlântico, impulsionado pelo banzo de afroamericanos que haviam sido no passado desenraizados de sua África-mãe. A denúncia contra o regime da Supremacia Branca [white supremacy] nos EUA que ressoa em “Strange Fruit”, clássica na voz de Billie Holliday, expressa um pouco deste blues diante da injustiça que também marca a Balada de Wilde.

O testemunho que Wilde nos deixa de suas reações diante da execução do outro não traz argumentos jurídicos ou humanitários contra a pena-de-morte. WIlde tenta nos convencer pelo sentimento de que a Piedade, neste caso, é bem-vinda, que não deveríamos nos misturar aos carrascos, colaborar com os assassinos oficiais, os gestores dos “massacres administrativos” de que nos fala Hannah Arendt. Wilde, com sua arrogância prévia bastante machucada pelas humilhações sofridas, ainda assim ergue uma cabeça determinada para manifestar, com todo o fogo de seu verbo, uma fraternidade entre outcasts. Um tema que interessará também enormemente a grandes autores posteriores que sofreram a influência de WIlde – a exemplo de Paul Auster.

Ao assistir, detrás das grades, ao homicídio estatal de um ser humano que é morto “como uma besta”, sem que ninguém lhe toque “um réquiem que poderia trazer algum alívio à sua alma conturbada”, e que depois de enforcado é rapidamente “escondido num buraco”, sem jamais merecer sepultura com lápide ou homenagem, Wilde sente-se compelido à empatia. O condenado à morte, a quem as autoridades do mundo recusaram a misericórdia, tratado sem nenhuma piedade por carrascos e seus mandantes, inspira os versos de Wilde que depois estariam em sua própria lápide:

Tumba de Oscar Wilde em Paris

“And alien tears will fill for him
Pity’s long-broken urn, 
For his mourners will be outcast men, 
And outcasts always mourn.”

Pg. 134

A famosa frase de Wilde que diz “estamos todos na sarjeta, mas alguns de nós olham para as estrelas” pode ser enganadora: caso lida como uma espécie de convite à alienação, ou seja, um chamado para esquecermos tudo que se passa na sarjeta do mundo terreno para nos concentrarmos nas alturas cósmicas e celestes, o que não está entre as intenções do Wilde que surge da experiência prisional. Ele torna-se, nesta ocasião, um educador das emoções, um moralizador através da estética, que conclama a termos uma fraternidade dos seres da sarjeta, uma brotherhood of outcasts. 

O aprendizado pelo cárcere, a cruel pedagogia do estar-preso, conduziram Wilde a uma sabedoria conquistada no sofrimento. No pain, no gain – slogan de algumas academias de ginásticas, lema de algums marombados, esta expressão também poderia significar algo mais profundo e de um ethos mais trágico: a dor é uma escola. Ao menos para quem sabe ser bom estudante e deixar-se transformas pelas vivências do confinamento violento (pois imposto pela mão férrea de outrem). O individualista que Wilde permaneceu sendo entre outcasts emerge da prisão rebelde e comovido, cheio de empatia e certa humildade, denunciando as normas insanas (sobretudo as homofóbicas, ou seja, o nomos do macho tóxico) que o expulsaram do convívio normal no seio da autoproclamada Sociedade Civilizada.

Wilde propõe-se a chorar num belíssimo blues a morte de um destes que o Sistema lança ao moedor de carne como uma besta, classificado previamente como “matável”. Assim, Wilde alça-se ao nível daqueles raros humanos que agem pela palavra, através da função performativa da linguagem, muito depois de sua presença física ter desaparecido do mundo: quem fez escola nos escritos de cárcere de Wilde aprende que “todo santo tem um passado e todo pecador tem um futuro” e que “aquele que vive mais vidas do que uma, mais mortes do que uma deve morrer.”

Eduardo Carli de Moraes
Goiânia, Abril de 2020


OUÇA BEM / VEJA TAMBÉM:

:: A Estética de Schopenhauer ::


O CLARO ESPELHO DO MUNDO

Reflexões sobre a estética de Schopenhauer

– Por Eduardo Carli de Moraes –


PRIMAZIA DA VONTADE SOBRE O CONHECIMENTO

Clément Rosset, em sua obra Schopenhauer: Filósofo do Absurdo, considera Schopenhauer como um “precursor” de grandes correntes de pensamento posteriores a ele, como a psicanálise freudiana, o procedimento “genealógico” nietzschiano, o existencialismo camusiano, citando ainda suas reverberações nas obras de pensadores e literatos como Marcel Proust, Henri Bergson e Jorge Luis Borges. Rosset destaca que Schopenhauer é um “filósofo in-atual”, “estrangeiro a seu tempo”, uma vez que rompe com um certo “racionalismo” então vigente.

Schopenhauer est un philosophe inactuel, étranger à son temps. (…) La philosophie de Schopenhauer surgit à une époque òu la foi en une raison directrice et ordonnatrice de toutes choses, loin de s’affaiblir, s’est presque exacerbée au travers du grand espoir que le XVIIIe siècle avait attaché au développement du rationalisme, pour abourtir aux constructions de Hegel qui voit dans le devenir du monde la réalisation progressive de l’Esprit absolut, au point d’assimiler réalité et rationalité.”1

Prenunciando o que dirá Freud, Schopenhauer sublinha com recorrência que os conceitos racionais possuem uma existência secundária, derivada, dependente da Vontade. “Em regra geral, o conhecimento permanece sempre a serviço da vontade, do mesmo modo que ele nasceu para este destino e está, por assim dizer, implantado sobre a vontade como a cabeça está sobre o tronco”.2

É o que Jair Barboza também destaca, ao dizer que “é chegada a vez do sentimento ganhar um inédito estatuto, selando aquilo que pode ser considerado como um mérito de Schopenhauer na história da filosofia e que tanta influência exerceu sobre a psicanálise: o primado da vontade sobre o intelecto.” 3 É o que Ferenczi também aponta: “As verdades da psicanálise são inteiramente compatíveis com uma filosofia que vê a essência e origem do universo num ímpeto cego [Vontade], não inteligente e não moral, como Schopenhauer o concebe.”4

“O conhecimento, em geral, tanto racional como puramente intuitivo, procede, pois, da vontade e pertence à essência dos graus mais altos da sua objetivação”, lê-se ao fim do 2º Livro de O Mundo Como Vontade e Representação. “Originariamente ligado ao serviço da vontade e ao cumprimento dos seus desígnios, ele permanece quase continuamente pronto a servi-la; é assim em todos os animais e em quase todos os homens.”

Como também frisa Anatol Rosenfeld, que prefaciou o excerto dos Parerga e Parelipomena publicado no brasil como “Metafísica do Amor, Metafísica da Morte”:

“Freud sempre negou ter lido Schopenhauer, mas a influência indireta, através de múltiplos canais subterrâneos, é tão evidente que não é preciso insistir nisso. É a obra de Schopenhauer que pela primeira vez focalizou sistematicamente a atenção nos fenômenos sexuais, inspirando com isso um exército de pensadores e autores, de Freud a Weininger, de Forel a D. H. Lawrence. (…) Toda a teoria freudiana de que o impulso sexual é a raiz inconsciente do nosso comportamento – representando o consciente uma crosta superficial – é de origem schopenhaueriana. A suposição freudiana da preponderância do irracional e inconsciente sobre o racional e consciente – base da metafísica de Schopenhauer – tornou-se, desde então, um lugar comum e pode-se dizer que o nosso tempo, no seu pessimismo quanto à capacidade do “homo sapiens” de guiar-se pelo intelecto e pela razão, é tributário direto ou indireto da concepção de Schopenhauer, e o comportamento atual da humanidade parece ser um único, gigantesco esforço destinado a provar a metafísica do grande pessimista.”5

VONTADE: A ESSÊNCIA DE TODOS OS FENÔMENOS

Uma dificuldade comum que o leitor leigo de Schopenhauer tende a enfrentar frente a seu conceito de Vontade é o fato deste transcender a esfera humana. Esta Vontade de que fala Schopenhauer não só não é privilégio humano, nem mesmo está presente exclusivamente nos animais, mas é vista como a essência de todos os fenômenos, inclusive os vegetais, minerais e quaisquer outras forças e energias presentes na natureza. É o que Aramayo explica, frisando que ao utilizar o termo “Vontade” Schopenhauer

utilise seulement la meilleure des dénominations possibles, puisque notre vouloir [le vouloir humaine] n’embrasse pas tout le domaine de la volonté au sens large du terme. La volonté recouvre em effet non seulement les volitions humaines, mais en outre les appétits animaux et toutes les forces ou énergies qui animent l’ensemble de la nature.”6

Portanto, é essencial que nos desembaracemos da noção comum de vontade que possuímos, ou seja, a concepção do senso comum que vê na vontade uma espécie de motivo consciente que impele para a ação, ou, em outras palavras, um desejo humano do qual nos apercebemos e que pode, se não for contraposto por um interdito ou outro desejo mais forte, conduzir-nos à busca por sua satisfação. A Vontade que Schopenhauer têm em mente não possui como um de seus atributos essenciais a consciência, de modo que esta Vontade pode operar (e de fato opera) de modo “cego” e “inconsciente” em várias de suas manifestações. Deste modo, haveria uma espécie de “Inconsciente Cósmico” (no sentido de um Cosmos Inconscientemente Desejante), do qual a vontade consciente e inconsciente dos seres humanos não passaria de um exemplar.

…a Vontade Cósmica tem o hábito de abandonar a eterna noite da inconsciência e despertar para a vida como uma vontade individual, para retornar mais tarde à sua inconsciência originária depois de ter sonhado o pesadelo da vida.”7

De modo que Schopenhauer concede o conceito de Vontade como a “chave” para a decifração de todos os enigmas do mundo, comparando sua filosofia à cidade de Tebas, cujas mil portas conduziam ao mesmo centro.


ÉTICA DA COMPAIXÃO

O reconhecimento da essência comum compartilhada por todos os fenômenos do Universo conduz à uma noção ética baseada na “unidade da vida” por detrás de suas diferentes manifestações. De modo que, segundo uma célebre e eloquente imagem de Schopenhauer, o carrasco que faz mal à sua vítima está fazendo mal a si mesmo, já que fere no outro a mesma essência que carrega em si.

“Les différences entre la victime et son bourreau n’existent que sous le principe d’individuation, c’est-à-dire dans le temps. Mais lorque se dissipe ce que la sagesse indienne apelle le voile de Maya, la vision de ces apparences s’évanouit et on reconnaît alors que tous les phénomènes du monde sont la manifestation d’une seule et unique essence comunne dont tous identiquement procèdent.”8

O apelo à noção de véu de Maya, uma espécie de correlato hindu da Caverna de Platão, é constante em Schopenhauer. Quando o sujeito vence a ilusão de se considerar como um indivíduo separado de todo o resto, e supera as considerações ditadas pelo princípio de razão, mergulhando numa intuição imediata que o constitui como “espelho do mundo”, adquire um “conhecimento direto da identidade do querer em todos os seus fenômenos”. E isto possui consequências éticas muito importantes, tornando o sujeito capaz de “fazer sua a miséria do mundo inteiro”, como explica o filósofo no seguinte trecho:

“Quando o véu de Maya, o princípio de individuação, se levanta diante dos olhos de um homem, a ponto de este homem já não fazer uma distinção egoísta entre a sua pessoa e a de um outro, quando ele participa tanto nas dores do outro como se fossem suas, e assim chega a ser, não só muito caridoso, mas completamente pronto a sacrificar a sua pessoa, se pode com isso salvar a de muitos outros, então é evidente que este homem, que em cada ser reconhece a si mesmo no que tem de mais íntimo e mais verdadeiro, considera também as dores infinitas de tudo aquilo que vive como sendo as suas próprias dores, e assim faz sua a miséria do mundo inteiro. Daí em diante, nenhum sofrimento lhe é estranho. Todas as dores dos outros (…) pesam sobre o seu coração como se fossem suas.”9

O filósofo romeno Cioran (1911-1995), cuja obra possui uma alta carga de influência de Schopenhauer, enxergou muito bem o quanto sofreria descomunalmente um homem que possuísse uma “sensibilidade ao sofrimento” e uma “aptidão para a piedade” extraordinárias. Mas destaca muito bem o estado de exceção que representa uma tal capacidade de empatia, destacando o quanto o egoísmo e a tirania do princípio de individuação representam regras raramente superadas:

Quem chegasse, por uma imaginação transbordante de piedade, a registrar todos os sofrimentos, a ser contemporâneo de todas as penas e de todas as angústias de um instante qualquer, esse – supondo que tal ser pudesse existir – seria um monstro de amor e a maior vítima da história do sentimento. Mas é inútil imaginarmos tal impossibilidade. Basta-nos proceder ao exame de nós mesmos, praticar a arqueologia de nossos temores. Se avançamos no suplício dos dias, é porque nada detém esta marcha, exceto nossas dores; as dos outros nos parecem explicáveis e suscetíveis de ser superadas: acreditamos que sofrem porque não têm suficiente vontade, coragem ou lucidez. Cada sofrimento, salvo o nosso, nos parece legítimo ou ridiculamente inteligível; sem o que, o luto seria a única constante na versatilidade de nossos sentimentos. Mas só estamos de luto por nós mesmos. Se pudéssemos compreender e amar a infinidade de agonias que se arrastam em torno de nós, todas as vidas que são mortes ocultas, precisaríamos de tantos corações quanto os seres que sofrem. E se tivéssemos uma memória milagrosamente atual que conservasse presente a totalidade de nossas penas passadas, sucumbiríamos sob tal fardo. A vida só é possível pelas deficiências de nossa imaginação e de nossa memória.”10


DESEJO E SOFRIMENTO

Ecoando a mensagem de Buda, Schopenhauer, após constatar a onipresença da Vontade como coisa-em-si de todos os fenômenos, irá constatar o caráter cego e sem fundamento desta Vontade, chegando à conclusão de que o sofrimento humano em todas as suas formas é decorrente de nossa submissão de Íxions e Sísifos à procissão infindável de desejos, cujas satisfações particulares não conduzem jamais à nenhuma felicidade duradoura.

Chegando às raias da misantropia, de um desprezo quase generalizado pelas “massas” e seus modos de pensar, proceder e existir, diz o filósofo:

“Na verdade, custa a crer a que ponto é insignificante, vazia de sentido, aos olhos do espectador estranho, a que ponto é estúpida e irrefletida, para o próprio ator, a existência que a maior parte dos homens leva: uma espera tola, sofrimentos estúpidos, uma marcha titubeante através das quatro idades da vida, até esse termo, a morte, na companhia de uma procissão de idéias triviais. Eis os homens: relógios; uma vez montados, funcionam sem saber por quê.” (op cit, pg. 338)

De modo que Schopenhauer, levando ao ápice seu “pessimismo”, chega a sugerir que a existência da maioria dos humanos não passa de um pêndulo oscilando entre o sofrimento e o tédio. O seguinte trecho do Mundo… é uma boa síntese destas idéias:

“Todo querer procede de uma necessidade, isto é, de uma privação, isto é, de um sofrimento. A satisfação põe-lhe um fim; mas, para cada desejo que é satisfeito, dez pelo menos são contrariados; além disso, o desejo é demorado, e as suas exigências tendem para o infinito; a satisfação é curta, parcimoniosamente medida. Mas este contentamento supremo é apenas aparente: o desejo satisfeito cede lugar em breve a um novo desejo; o primeiro é uma decepção ainda não reconhecida. A satisfação de nenhum desejo pode conseguir contentamento durável e inalterável. É como a esmola que se lança a um mendigo: ela salva-lhe hoje a vida para prolongar a sua miséria até amanhã. – Enquanto a nossa consciência está preenchida pela nossa vontade, enquanto estamos subjugados pelo impulso do desejo, pelas esperanças e pelos temores contínuos que ele faz nascer, enquanto somos súditos do querer, não existe para nós nem felicidade duradoura, nem repouso.” (op cit, pg. 206)

Porém, o pessimismo schopenhauriano não é absoluto, nem o labirinto que ele pinta com tintas tão sombrias é irremediável e sem saída. Novamente ecoando os ensinamentos orientais que tanto apreciava, o filósofo sugere que há sim um modo de se libertar do jugo do desejo e seu séquito de sofrimentos e aborrecimentos. A dissolução do eu, de que tão frequentemente falam muitas escolas do budismo, por exemplo, re-aparece em Schopenhauer, que concebe a “salvação” ou o Nirvana nos termos de uma superação do “princípio de individuação”, que funcionaria como um véu de Maia separando o homem da percepção da unidade de essência entre todos os fenômenos cósmicos. Portanto, para o “Samsara” da dor e do tédio que Schopenhauer descreve como sendo consubstanciais à ditadura do desejo, haveria um “Nirvana” de quietude e repouso, estado em que o desejo se cala e o sujeito se faz contemplação cristalina do cosmos.

“…a supressão espontânea e total, a negação do querer, o verdadeiro nada de toda vontade, em resumo, esse estado único em que o desejo se detém e se cala, em que se encontra o único contentamento que não se arrisca a passar, esse único estado que liberta de tudo… eis o que chamamos o bem absoluto… eis onde vemos o remédio radical e único para a doença, enquanto que todos os outros bens são puros paliativos, simples calmantes.” (op cit, pg. 380)

Bruegel

O PAPEL DA ARTE EM RELAÇÃO À VONTADE

A constatação da quase universal submissão do conhecimento aos interesses e impulsos da Vontade, de que tratamos há pouco, não impede que o filósofo considere a possibilidade de uma “libertação” deste jugo: “em alguns homens o conhecimento pode subtrair-se desta escravidão, rejeitar este jugo e permanecer puramente ele mesmo, independente de todo alvo voluntário, como puro e claro espelho do mundo: é daí que procede a arte”.11

A arte possui para Schopenhauer o poder de suprimir, ainda que por um tempo limitado, esta submissão do conhecimento à vontade. Na experiência estética consumada, absorvido em contemplação profunda, várias “modificações” são notáveis: o sujeito, antes dominado pelo querer, torna-se “sujeito puro do conhecer”, isento de vontade; e o princípio de individuação, que causa a ilusão da individualidade, torna-se inoperante, de modo que “nos esquecemos de nossa individualidade, da nossa vontade e só subsistimos como puro sujeito, como claro espelho do objeto, de tal modo que tudo se passa como se só o objeto existisse, sem ninguém que o percebesse, que fosse impossível distinguir o sujeito da própria intuição e que ambos se confundissem no mesmo ser” (LIII, #34, p. 187).

Schopenhauer procura descrever o modo como através da arte é possível uma superação da dualidade sujeito-objeto, característica do mundo como representação. Quando atinge o estado de contemplação profunda que caracteriza a experiência estética, o sujeito, que antes “enxergava” uma clara distinção entre si mesmo e os objetos representados, passa a “confundir-se” com eles, constituir com eles uma unidade, espécie de eco da unidade de essência que os une: a essência comum que compartilham, a vontade.

“A vontade é uma só e idêntica no objeto contemplado e no indivíduo que ao elevar-se a esta contemplação toma consciência de si mesmo como puro sujeito; ambos, por conseguinte, se confundem, visto que eles são, em si, apenas a vontade que se conhece a si mesma” (L3, 34, p 189).

É o que Jair Barboza expõe nos seguintes termos:

“Doravante não se trata mais do conhecimento individual, comum, cotidiano, brotando do intelecto-lanterna, correlato do princípio de razão em conluio com a vontade individual, mas sim do conhecimento estético, independente do princípio de razão, ocupado com aquilo que sempre é e nunca vem-a-ser. (…) O conhecimento, que originariamente era mekané, servidor da vontade, passa a ser desinteressado e a vontade é negada, já que com a supressão da individualidade a vontade renuncia aos fins desejáveis de serem atingidos, logo, os motivos não têm mais eficácia sobre ela.” “Resta tão-só uma unidade entre contemplador e contemplado, a ser considerada como mais um dentre os reflexos da unidade cósmica.”12

A experiência estética, pois, é um momento beatífico, de iluminação, em que um eu antes carregado de desejos e interesses pessoas torna-se um “neutro” e límpido “sujeito puro do conhecer”. É o que Barboza exprime de modo belamente poético quando diz: “Indiferente é se se está num paço real ou num calabouço, se quem olha é um rei ou um prisioneiro. A impessoalidade do instante é total. O olho que vê não é de um particular, mas o ‘claro olho cósmico’…” (op cit, pg. 62) E frisa ainda que este “estado estético” é “plenamente reconfortante”. “Ao contemplar uma árvore, o claro olho cósmico não procura sua explicação, deixa-a tranquilamente diante de si, perde-se na sua imagem, fruindo-a…” (op cit, 63)

Não seria despropositado, tendo isto em mente, sugerir que um poeta como Alberto Caeiro, alter-ego de Fernando Pessoa, seja uma espécie de eu-lírico que encarna em algumas poesias a vivência estética descrita por Schopenhauer. Em um poema clássico como “O Guardados de Rebanhos”, de 1911-1912, Caeiro enfatiza sua libertação do jugo da Vontade (“não tenho ambições nem desejos / ser poeta não é uma ambição minha…), manifesta desprezo pela “racionalidade” (“pensar incomoda como andar à chuva”; “pensar é estar doente dos olhos”), e descreve um “olhar nítido como um girassol” só alcançável por aquele que atinge um “pasmo essencial”.

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás…
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…

Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo…

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender…

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos…
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a demais por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar…

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar…

ALBERTO CAEIRO13

TODA COISA PODE SER BELA

O conceito de “belo”, para Schopenhauer, engloba tudo aquilo, seja na arte ou na natureza, capaz de causar em seu espectador um estado contemplativo que escape à ditadura do querer. Por esta razão, como aponta Clément Rosset, pode “tornar-se belo” “qualquer objeto, assim que deserta o domínio daquilo que interessa à vontade para unir-se aos objetos da pura contemplação, dos quais se desinteressa a vontade”14.

“Encontramos na contemplação estética dois elementos inseparáveis: o conhecimento do objeto considerado, não como coisa particular, mas como idéia platônica, isto é, como forma permanente de toda uma espécie de coisas; depois a consciência, aquele que conhece, não como indivíduo, mas como puro sujeito que conhece, isento de vontade” (MVR, L3, 38, 205).

Aí está a chave para compreendermos a idéia de Schopenhauer de que “toda coisa é bela”, ao menos de direito: “tout objet est beau dès lors que le regard qu’on porte sur lui est affranchi de tout intérêt désirant et personnel. Selon Schopenhauer une chose est belle, non parce qu’elle se distingue par sa beauté du reste des choses, mais parce qu’elle peut se prêter à un regard non faussé par les intérêts du désir (ou de la volonté).” (Rosset, op cit).

A admiração de Schopenhauer pelos pintores flamengos de naturezas mortas, que frequentemente representavam cenas domésticas “banais” em seus quadros, explicita que o filósofo acreditava que até mesmo os objetos mais “insignificantes” de nosso cotidiano poderiam se tornar belos caso um gênio soubesse enxergar neles suas Idéias e fixá-las em sua obra, tornando-as acessíveis aos demais humanos.

Além disso, o sereno estado de ânimo que foi imprescindível a estes pintores para que pudessem retratar em tantas minúcias e com tamanho cuidado os objetos que pintaram é testemunho de um proeminência do intelecto sobre a vontade que Schopenhauer considera admirável. Talvez não haja tanta distância entre esta noção schopenhauriana e aquilo que sugeriu Merleau-Ponty quando refletiu sobre Cézanne: “artista é aquele que fixa e torna acessível aos demais humanos o espetáculo de que participam sem saber”15.

Vale notar que esta definição da beleza parte muito mais dos efeitos gerados no espectador do que nas qualidades inerentes ao objeto. Pode ser julgado “belo” todo objeto, artístico ou natural, capaz de “despertar” naquele que o observa um estado contemplativo, de intuição pura, durante o qual se calam temores e esperanças, ânsias e preocupações.

Rosset sugere até mesmo que algo criado com funções meramente utilitárias, e que é utilizado em nosso cotidiano por seu valor de uso, sem ter sido concebido como portador de um “valor estético”, possui uma certa “potencialidade” para gerar este estado contemplativo que Schopenhauer vincula ao objeto belo. Deste modo, seria possível enxergar na obra de um artista como Marcel Duchamp (1887-1968) um preceito schopenhauriano posto em prática. É o que Rosset aponta:

Il n’y a donc pas de différence fondamentale entre un objet conçu em fonction d’une finalité esthétique et un objet fabriqué em fonction d’une finalité utilitaire ou comerciale. Quand il expose un séchoir à bouteilles, une roue de bicyclette ou un urinoir, Marcel Duchamp ne se doute certainement pas qu’il met ainsi em pratique un précepte de l’esthétique de Schopenhauer.”16

A arte funcionaria, pois, como um calmante da vontade, uma Maracujina do desejo, estando aí o maior de seus méritos. Clément Rosset diz:

“l’art agit comme un calmant: il possède, à la manière d’une potion magique, telle celle mise au point par le druide Panoramix dans les aventures d’Astérix, le pouvoir de rendre l’homme invincible, capable de triompher un moment des tortures psychologiques qui jallonent son existence d’être vivant et soufrrant.”17

O apelo à poção de Panoramix, por parte de Rosset, pode parecer despropositada, mas indica bem outra característica essencial deste calmativo ou anestesiante que é a arte: seu caráter efêmero, já que seu efeito, tal qual o da poção, logo se desfaz — e logo recomeça o Samsara da vida comum. A arte representaria, pois, um “oubli momentané des peines”, na expressão de Rosset (op cit, p. 143).

Em suma: uma obra-de-arte seria admirável em proporção de sua capacidade de nos fazer escapar às garras tiranas do interesse pessoal e da vontade individualizada, por assim dizer. O gênio, pois, aquele capaz de criar as mais potentes das obras-de-arte, não deixa de ser, para Schopenhauer, um professor de resignação, um mestre a guiar a humanidade no caminho do conhecimento e da renúncia à vontade tirânica. Por isso Jair Barboza sugere que “o gênio é o correlato do asceta, como toda genuína vivência do belo é um momento beatífico, de iluminação”.18

Cabe fazer a ressalva de que para um pensador como Nietzsche, em sua crítica ao que considerava como uma postura “niilista” de Schopenhauer, a arte não será concebida em função de suas capacidades de “acalmar a vontade”, mas muito mais pelo seu potencial de exaltar a vontade de potência, para Nieztsche um “valor” positivo e digno de ser afirmado.

Ludwig Van!

A FIGURA DO GÊNIO

Estabelecendo uma cisão entre o conhecimento racional e o conhecimento “intuitivo”, Schopenhauer descreve através de vivas metáforas as diferenças entre estes:

“O primeiro [o conhecimento racional] assemelha-se a uma violenta tempestade que passa, sem que se lhe conheça nem a origem nem o fim, e que curva, agita, arranca tudo no seu caminho; a segunda [a contemplação] é o calmo raio de sol que fura as trevas e desafia a violência da tempestade. O primeiro é como a queda das gotas inumeráveis e impotentes que numa cascata mudam sem cessar e não têm um instante de repouso; a segunda é o arco-íris que paira tranquilo acima deste tumulto desenfreado” (L3, 36, 195-96).

O homem que Schopenhauer concebe como “gênio” não possuiria um talento especial para o raciocínio lógico e as inferências racionais, mas sim para a contemplação das idéias eternas:

“É apenas através desta contemplação pura e completamente absorvida no objeto que se concebem as idéias; a essência do gênio consiste em uma preeminente aptidão para esta contemplação; ela exige um esquecimento completo da personalidade e das suas relações; assim, a genialidade é apenas a objetidade mais perfeita, isto é, a direção objetiva do espírito, oposta à direção subjetiva que termina na personalidade, isto é, na vontade. Por conseguinte, a genialidade consiste em uma aptidão para se manter na intuição pura e aí se perder, para libertar da sujeição da vontade o conhecimento que lhe estava originariamente submetido; o que se resume em perder completamente de vista os nossos interesses, a nossa vontade, os nossos fins: devemos, durante um tempo, sair inteiramente da nossa personalidade, ser apenas o puro sujeito que conhece, olhar límpido do universo inteiro…” (L3, 36, 195)

Nesta capacidade extraordinária de se furtar aos desiderata da vontade pessoal se encontra uma das características principais do gênio, capaz de uma “intuição objetiva” que o homem comum raramente consegue conquistar:

“O homem comum, esse produto industrial que a natureza fabrica à razão de vários milhares por dia, é, como dissemos, incapaz, pelo menos de uma maneira contínua, desta percepção completamente desinteressada, sob todos os pontos de vista, que constitui a contemplação… ele só pode fazer incidir a sua atenção sobre as coisas na medida em que elas têm uma certa relação com a sua própria vontade.” (op cit, pg. 196)

Jair Barboza afirma, pois, que o gênio possui um “intelecto emancipado”. Em linguagem freudiana, poderíamos dizer que gênio é aquele que, ao invés de ser conduzido cegamente, feito uma marionete, pelos ditados de sua libido, consegue dominá-la, refreá-la e sublimá-la, tornando-se senhor desta “vontade cega” que provêm das profundezas de seu inconsciente e que é exemplar particular de uma Vontade natural una que se manifesta de várias formas no universo.

Alçando-se acima do interesse pessoal e dos desejos mesquinhos de “Vossa Majestade, o Eu”, o gênio é aquele capaz de dissolver sua personalidade própria e tornando-se o “claro espelho do mundo” de que fala Schopenhauer. “O gênio: esquecimento dos interesses, dissolução no intuir” — é como o define Jair Barboza (op cit, pg. 70).

Um extraordinário poder de imaginação, que “alarga o círculo de visão do gênio”, também é descrita como “o correlativo e mesmo a condição do gênio”.É como se, na pessoa do gênio, a balança do conhecimento conseguisse sobrepujar a balança da vontade: “no homem de gênio, a faculdade de conhecer, graças à sua hipertrofia, subtrai-se por algum tempo ao serviço da vontade; por conseguinte, ele pára para contemplar a vida por ela mesma”. Por isso, muitas vezes o homem genial é desastrado em sua vida prática. “E o gênio, em consequência de sua aversão ao conhecimento racional, desvia-se do conhecimento matemático e símiles” (BARBOZA, op cit, pg. 67).

…um homem de gênio é muitas vezes presa de violentas afeições e paixões insensatas. A causa deste fato não é, no entanto, de modo algum, a fraqueza da razão; é, em parte, a energia extraordinária do fenômeno da vontade que constitui o homem de gênio e que se traduz pela veemência de todos os seus atos voluntários; em parte, a preponderância do conhecimento intuitivo dos sentidos e do entendimento sobre o conhecimento abstrato: daí, com efeito, uma tendência declarada para a contemplação; ora a intuição ativa brilha com uma luz tão soberana ao lado dos conceitos incolores que ela os fere de impotência e reina, daqui em diante, sozinha sobre a conduta, que se torna, por este mesmo fato, insensata; aliás, a impressão presente tem tanto poder sobre eles, que os leva à irreflexão, ao arrebatamento, à paixão.” (op cit. 199-200)

Schopenhauer não concebe o homem de gênio, porém, como num estado constante de “contemplação pura”; esta vem em marés, por assim dizer, e é por esta razão, sugere o filósofo, que muitos acreditam numa inspiração que os tomasse tal como uma possessão. A estética schopenhaueriana nos leva a pensar que isto não passa de superstição e que a diferença do gênio em relação ao homem comum é a maior aptidão e frequência com a qual o gênio consegue alçar-se acima dos ditados de sua vontade e experenciar o mundo através de uma intuição cristalina, tornando-se sujeito puro do conhecimento.

MISTICISMO?

É sabido que Schopenhauer conhecia a fundo as filosofias orientais, em especial o budismo e o hinduísmo, chegando a citar em muitos pontos de seu percurso textos como os Upanixades, os Vedas e outros textos fundadores de “religiões” na Índia e adjacências. Talvez por isto seja possível sugerir que há um certo “tropismo” para uma concepção “mística” de inspiração oriental em Schopenhauer. Alguns dos principais estudiosos e divulgadores da sabedoria oriental no Ocidente, como Aldous Huxley e Joseph Campbell, possuem formulações que soam muito aparentadas àquelas de Schopenhauer.

Huxley, que deixou minuciosos relatos de suas experiências estéticas e místicas, inclusive relatando sua percepção musical e intuitiva sob o efeito de substâncias como a mescalina, também sugeria que a “Iluminação” consistia numa superação da dualidade entre sujeito e objeto — exatamente o processo que Schopenhauer sustenta ocorrer na experiência estética.

“…a consciência mística mais alta só surge quando se está livre do conhecido, quando não há meta em vista, por mais intrinsecamente excelente que seja, mas sim abertura pura”, sugere Huxley. E não seria absurdo supor que há um íntimo parentesco entre a “intuição desinteressada” de Schopenhauer e a “abertura pura” à qual Huxley se refere. Este último ajunta ainda que esta experiência estética-mística de “transcender a dualidade” ocorre através da

“des-subjetificação daquele que percebe, que não vê mais o mundo exterior com desejo ou aversão, não julga mais automática e irrevogavelmente, não é mais um ego emocionalmente carregado, mas descobre ser um elemento na realidade dada, que não é um negócio de objetos e sujeitos, mas uma unidade cósmica de amor.”19

Já Alan Moore, uma das mentes mais brilhantes hoje operantes no que se costuma chamar de cultura pop, e que se auto-declara um “xamã”, soa altamente schopenhaueriando quando declara:

“When we are doing the will of our true Self, we are inevitably doing the will of the universe. (…) Every human soul in is fact one human soul. It is the soul of the universe itself and as long as you are doing the will of the universe, then it is impossible to do anything wrong.” 20

INFLUÊNCIA DE SCHOPENHAUER

É sabido também que Schopenhauer conquistou entre literatos, poetas, romancistas e pintores uma admiração rara, influenciando muitas obras que estão fora do domínio propriamente filosófico. É o que destaca Anatol Rosenfeld: “A concepção estética do filósofo de Frankfurt empolgou gerações de autores e artistas e o conceito particular do gênio, como foi concebido por ele, encontrou ainda recentemente expressão num romance de Thomas Mann (Dr. Fausto), o autor dos Buddenbrooks, obra em que O Mundo como Vontade e Representação desempenha um papel decisivo”21.

Clément Rosset, um dos filósofos contemporâneos que melhor soube enxergar os ecos do pensamento de Schopenhauer em pensadores posteriores a ele, destaca sua enorme influência sobre o pensamento e a literatura do século 20, chegando a sugerir que o romance A Náusea, de Jean Paul Sartre, assemelha-se a um “romance de juventude” de Schopenhauer:

“Son influence est néanmoins sensible chez certains penseurs du XXe siècle: par exemple chez Cioran; chez Georges Bataille qui lui emprunte sans le savoir, dans L’Érotisme, plusieurs de ses thèmes fondamentaux; enfin dans tout le courant dit ‘existentialiste’ qui lui emprunte, toujours sans le savoir, les thèmes de la facticité et de l’absurdité de l’existence. Ainsi La nausée de Sartre pourrait-elle être consideré comme une sorte de roman de jeunesse de Schopenhauer.”22

O escritor italiano Italo Svevo (1861-1928) confessou abertamente que seu primeiro romance, Una Vita, “foi inteiramente feito à luz da teoria de Schopenhauer” 23, de modo análogo à inspiração freudiana que “regeu” a redação de A Consciência de Zeno. Influências também podem ser percebidas em autores como Marcel Proust, Henri Bergson ou Jorge Luis Borges. O autor argentino, por exemplo, escreveu belíssimas palavras de reflexão sobre a questão do sonho em Schopenhauer, filósofo que apreciava muito a fórmula de Caldéron “a vida é um sonho”:

“Si le monde est le rêve de quelqu’un, s’il y a en ce moment quelqu’un qui est em train de nous rêver et qui rêve l’histoire de l’univers, alors l’anéantissement des religions et des arts, l’incendie général des bibliothèques n’importent guère plus que la destruction des meubles d’un rêve. L’esprit qui une fois les a rêvés les rêvera de nouveau; tant que l’esprit rêvera, rien ne sera perdu. La conviction de cette vérité, que l’on dirait fantastique, a fait que Schopenhauer a comparé l’histoire à un kaléidoscope òu les figures changent, mais non les morceaux de verre, à une éternelle et confuse tragi-comédie òu les rôles et les masques changent, mais non les acteurs.” 24


SOFRIMENTO E ASCETISMO

Uma vez que nenhuma felicidade absoluta é obtenível, e já que a gangorra entre o sofrimento e o tédio constitui a gema do pesadelo da vida, só resta a Schopenhauer sugerir como uma via de liberação a negação desta vontade produtora de tamanho sofrimento.

Rien ne peut faire que la volonté arrête de vouloir sans cesse, car nulle satisfaction ne parvient à remplir définitivement ce tonneau des Danaïdes qu’est notre vouloir inépuisable. Il est impossible de trouver un bien absolu, un bien qui ne soit pas provisoire, et le seul bien suprême est la complète négation de la volonté qui décide de se supprimer elle-même par la voie de l’ascétisme, em cessant de vouloir, afin de se libérer de la souffrance qui domine le monde.”25

O “pessimismo” de Schopenhauer, pois, não é tão desolador e desesperante quanto possa parecer, uma vez que uma estreita porta rumo a uma beatitude possível permanece sugerida pelo filósofo. É como se renunciar à busca pela felicidade fosse o único meio de nos aproximarmos de uma felicidade; não uma felicidade positiva e “colorida”, composta por prazeres e deleites, mas uma felicidade que estaria mais num repouso d’alma, numa ataraxia imperturbável, numa tranquilidade búdica.

A experiência estética representaria, na “jornada espiritual” que conduz a esta beatitude possível, um dos primeiros passos. Quando, através da contemplação de uma obra de arte, conseguimos nos alçar acima da dolorosa tirania do desejo, nos tornando “sujeitos puros” do conhecer, sem temores nem preocupações, experimentamos alguns dos instantes mais felizes que são acessíveis aos seres humanos. Decerto que é provisória esta delícia; mas ela é o bastante para fornecer a Schopenhauer uma espécie de “modelo” de experiência em que o sujeito torna-se o “espelho sereno do mundo” — condição à qual o filósofo convida incessantemente seu leitor a procurar realizar.

* * * * *

:: REFERÊNCIAS ::

1ROSSET, Clement. Schopenhauer, philosophe de l’absurde. Paris: Presses Universitaries de France (PUF), 1967.

2SCHOPENHAUER. O Mundo Como Vontade e Representação. Rio de Janeiro: Contraponto. 2ª ed, 2004. Trad. M. F. Sá Correia. Livro III, #33, pg. 186.

3BARBOZA, Jair. A Metafísica do Belo de Arthur Schopenhauer. São Paulo: Editora Humanitas – FFLCH-USP, 2001. Pg. 33.

4FERENCZI. Psicanálise I. In: Obras Completas. São Paulo: Martins Fontes, 1991. P. 216.

5ROSENFELD, Anatol. Texto/Contexto I. Editora Perspectiva, Coleção Debates.

6ARAMAYO, Robert R. L’Optimisme Du Rêve Éternel D’Une Volonté Cosmique Chez Schopenhauer. In: La Raison Devoulée – Études Schopenhauriennes. Paris: J. Vrin, 2005.

7ARAMAYO. Op cit. P. 19.

8ARAMAYO. Op Cit. P. 21.

9SCHOPENHAUER. MVR. Op Cit. L IV, #68, pg. 397.

10CIORAN, Emil. Breviário de Decomposição (Précis de Décomposition). Tradução de José Thomaz Brum. Editora Rocco. Página 34.

11SCHOPENHAUER. MVR. Op. Cit. Livro II, #27, pg. 161.

12BARBOZA, Jair. Op cit. Pg. 60.

13CAEIRO, Alberto. Poemas Completos. Ed Martin Claret, Pg 34.

14ROSSET, Clément. Remarques Sur L’Esthétique de Schopenhauer. In: La Raison Devoulée – Études Schopenhauriennes. Paris: J. Vrin, 2005.

15MERLEAU-PONTY. A dúvida de Cézanne. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980. Pg. 120.

16ROSSET, C. Op Cit, pg. 141.

17ROSSET, C. Op Cit. P. 143.

18BARBOZA, Jair. A Metafísica do Belo de Arthur Schopenhauer. São Paulo: Editora Humanitas – FFLCH-USP, 2001. Introdução. Pg. 9.

19HUXLEY, Aldous. Moksha – textos sobre Psicodélicos e a Experiência Visionária (1931-1963). Organizado por Michael Horowitz e Cynthia Palmer. Ed. Globo, 1983, pg. 108-111.

20MOORE, Alan. The Mindscape of Alan Moore. Documentário inglês de Dez Vylenz e Moritz Winkler.

21ROSENFELD, Anatol. Schopenhauer, o filósofo do pessimismo.

22ROSSET, Clément. Écrits Sur Schopenhauer. Préface. Pg. 6. Paris: PUF, 2001.

23SVEVO, I. Profilo autobiografico di Italo Svevo. RSPS, p. 800-801.

24BORGES, Jorge Luis. Otras inquisiciones.

25ARAMAYO. Op Cit. Pg. 21.