A Revolução Verde em Marcha… Reflexões sobre a Marcha da Maconha.

I. UM FAROL VERMELHO MANCHADO DE SANGUE

A luz verde marcha pelas cidades, desfila na frente de universidades e drogarias, de shoppings e prefeituras, de cara limpa e na maior paz, disseminando informação e consciência enquanto dança e canta ao som de Raul Seixas, O Rappa, Manu Chao, Planet Hemp… É o verde que desabrocha nos corações para peitar o farol vermelho todo manchado de sangue! Fervilhando pelas ruas, vão os dionisíacos maconheiros, vãos os lókis com dreadlocks, vão os neo-hippies que cultuam Jah ou Shiva, vão os apaixonados pela consciência expandida, demandando com uma mescla de revolta indignada e triunfante festa:

“Dilma Rousseff, legaliza o beck!”; ”Se a erva legalizar, olê-olê-olá… eu vou plantar!”; ”Fumo proibido: traficante agradecido!” – dentre outras pérolas do slogan genuinamente popular. Enquanto marcha o verde, a tensão está no ar, já que há forças inimigas espreitam (alguns os chamam, os fardados, de “braço armado da burguesia”). Eles, os P.M.s (também conhecidos como Paus-Mandados), com seus revólveres no coldre, seus cassetetes e bombas de gás lacrimogêneo (dizem dela que seu efeito é meramente “moral”… ), saltam fácil sobre o corpo dos “desordeiros”, dos “inimigos da Lei e da Ordem”, dos “vândalos” e “bárbaros”.

Alegremente, sabendo que não vale a pena brigar com os carrancudos com a mesma soturna rigidez que eles demonstram, manda a trupe herbácea o aviso pros “hômi-de-farda”: “Ei, polícia, maconha é uma delícia!”. Eis um meio de dizer, através do humor e da provocação, que afinal de contas maconha não é nenhum bicho de sete cabeças – e pode até mesmo, se legalizada e tratada sem histeria, ser uma dispensadora de amplos benefícios, uma dádiva da Terra para nossas mentes… Pepe Mujica, aliás, já esparramou pelo Uruguai as sementes deste outro mundo possível.

Hoje em dia um movimento internacional vem colorindo de verde as ruas para escancarar o absurdo desperdício – de dinheiro público e de vidas humanas – acarretado pela Guerra às Drogas, em especial a estupidez descomunal da guerra empreendida contra a maconha, ou melhor, contra as pessoas que a plantam, a comercializam e a consomem. ”Adivinha, Doutor, quem tá de volta na praça?” A esquadrilha da fumaça! Mas não a fumaça de que gosta o capitalismo – a fumaça das indústrias que vomitam seus poluentes na atmosfera e das armas de guerra a lançar seus mísseis e a provocar seus incêndios mortíferos que queimam civis e crianças… – mas a fumaça que deixa a “mente ativa” e que, para usar a expressão do B Negão, “passa de mono pra estéreo a tua compreensão”…

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Avenida Consolação em Sampa tomada por cerca de 8 mil manifestantes

II. MARCHA DA MACONHA 2013 – GONZO REPORT

Em Goiânia, a Marcha Maconheira 2013 foi linda, excitante, barulhenta, diversificada… (Veja o vídeo) Pelo menos 2.000 pessoas estavam lá para o rolê que, saindo da Praça Universitária, atravessou a Rua 10 e encheu de verde a Praça Cívica iluminada por uma Lua cheíssima. A “causa” cannábica foi conectada com muitas outras: a feminista (hoje em dia bombando com a “Marcha das Vadias”…), a causa do Estado laico (hoje em dia ameaçadíssimo por Feliânus e Malafaias, dentre outros salafrários…), a causa anti-manicomial (hoje em dia na crista da onda com a instauração das “internações compulsórias para usuários de crack”…).

Além disso, os problemas locais não foram negligenciados e a Marcha da Maconha Goiânia 2013 pôde dar seu recado sobre muitos temas de relevância para o goiano: o aumento abusivo das tarifas do transporte público; as alterações no Plano Diretor que ameaçam destruir o meio ambiente em prol do grande trator do capital corporativo; o governo todo roído por vermes de Marconi Perillo, tucano cachoeirista que, no ano passado, quando reveladas as tramóias em que se meteu, viu a juventude sair às ruas em consideráveis marchas “Fora Marconi” – algumas delas com mais de 5 mil participantes…

Debaixo de uma Lua cheia que não conhece nenhuma lei humana, que segue em sua órbita em total desprezo por quaisquer ditames, A.I.s ou dogmas que humanos tentem lhe impor, Goiânia marchou em prol de leis mais sábias. E marchou de cabeça erguida, com muita gente já convicta de que a vitória não tarda e que não há Lei neste mundo que vá impedir esta erva de prosseguir brotando por mil recantos deste planeta…Contra o machismo que estupra e mata, contra os pastores fanáticos que só sabem condenar os “comportamentos desviantes”, contra os militares broncos que querem resolver tudo no tiro, contra os vendedores de drogas bem mais perigosas do que a erva, e que se interessam mais por seu lucro do que pela saúde de um povo… Contra esses, marchamos! Em prol de um mundo mais verde, com menos motosserras e hiper-mercados, onde cada um tenha o direito de consumir – não as geringonças e quinquilharias que o capitalismo põe no mercado… – mas aquilo que cada um sente lhe ajudar a melhor “vislumbrar o infinito” e melhor perceber-se como parte do todo, capaz de conexão e soma.

A Marcha da Maconha convida jovialmente os proibicionistas, os repressores radicais que desejam “exterminar” estes viciosos sem-vergonhas e moralmente corruptos que são os maconheiros: em lugar de tanta bala, tanta cadeia e tanta repressão, porque não pensar em leis mais sábias? Aliás, é suspeita antiga minha que a grande maioria dos proibicionistas nunca fumou um beck, ou ao menos não tragou, o que merece uma paráfrase da excelente idéia de Terence McKenna (originalmente sobre o LSD): “A maconha é uma substância capaz de produzir efeitos psicóticos e paranóicos intensos naqueles que não a utilizaram.”

Afinal, seriam da mesma opinião os senhores proibicionistas se tivessem de fato experimentado e pesquisado concretamente os efeitos da substância? Não seria mais interessante, ao invés da perseguição belicista, uma atitude mais curiosa e inquiritiva, ou seja, fazer pesquisas científicas sérias, com pesquisadores e intelectuais bem pagos, sobre os potenciais benéficos e possíveis perigos desta planta? Por que não deixar os psicólogos, os antropólogos, os filósofos, os juristas, opinarem sobre a melhor maneira de lidar politicamente com uma erva tão amplamente utilizada e tão entusiasticamente aclamada por seus usuários? Por que não dar uma chance para um novo ciclo vegetal iniciar sua jornada legal sobre solo brasileiro, e por que não considerar a hipótese de que ele possa ser um dos pilares de uma sociedade menos nefasta, opressora e hierarquizada do que aquelas que se ergueram sobre o açúcar, o café e a pecuária?

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III. A PLANTA DO FUTURO

O cânhamo, muito provavelmente, é a autêntica “planta do futuro”: e quem não acordar pra isso vai ficar sendo parte do passado. O vasto leque de utilidades do cânhamo – que pode ser usado para fazer papel, roupa, combustível, remédio… – é sinal do quanto a estupidez do proibicionismo está nos privando de uma planta prodigiosamente benéfica em muitos domínios além da expansão da consciência e da “recreação” psicodélica. Quando a Era do Petróleo acabar (deste século não passa…), talvez a revolução verde agora em marcha torne-se não somente altamente desejável, mas absolutamente necessária. O tempo dirá!

O Tempo, afinal de contas, já é velho conhecido e comparsa do cânhamo: eis uma planta que atravessou os milênios, não só sobrevivendo muito bem a todas as intempéries e desmatamentos, como também prestando múltiplos serviços aos humanos. O cânhamo está profundamente enraizado no passado humano, tendo participado ativamente da Invenção da Imprensa de Gutemberg e das Grandes Navegações pelas quais os europeus invadiram e pilharam a América; foi coadjuvante da Declaração de Independência dos Estados Unidos da América (que foi escrita em papel de cânhamo1), tendo sido cultivado em imensas fazendas por yankees de bufunfa grossa, chegando a ser um dos produtos agrícolas mais importantes do país, pau-a-pau com o milho e o algodão; sem falar que remédios derivados do cânhamo já foram onipresentes nas farmácias, sendo usados até pela Rainha da Inglaterra para minorar os efeitos de suas cólicas menstruais…

Além disso, mundo afora, e mais particularmente no Oriente, o cânhamo foi sacralizado por muitas culturas, consagrado em evangelhos, poemas e canções, tendo sido muito provavelmente um dos elementos importantes para a emergência histórica de vários cultos e religiões xamânicas, hinduístas, budistas, rastafaris, umbandísticas…

São milênios de usufruto e apenas décadas de repressão. Sagrada em muitas civilizações, a cannabis foi parte importante da nossa história, marcando ramos diversos da condição humana: a religião e o misticismo (ela é sagrada para os hindus da Índia, por exemplo, que em sua mitologia transformaram a maconha numa dádiva feita pelo deus Shiva à humanidade…); a criação artística e filosófica (quantas obras e quantas descobertas não foram auxiliadas pelas alterações de consciência desencadeadas pelo THC no cérebro humano?); a farmacologia e a medicina (a cannabis consta entre os remédios mais antigos e mais eficazes que o homo sapiens descobriu no imensamente bio-diverso reino da phýsis…).

Mundo afora, este último aspecto – o potencial benéfico ou terapêutico da maconha – ganha progressiva credibilidade e comprovação científica. E em muitos países os benefícios da cannabis medicinal já podem ser usufruídos por milhões de pessoas que sofrem de AIDS, câncer, depressão, glaucoma ou dúzias de outras condições sobre as quais a maconha age de modo benéfico, por exemplo minorando os efeitos adversos da quimioterapia ou reabrindo um apetite de leão (vulgo “larica”) naqueles fragilizados pela doença. Estados norte-americanos de peso, como Califórnia e Washington, e países inteiros, como a Holanda e o Uruguai sob a presidência de Mujica, já deram este passo à frente.

Quanto ao uso dito “recreativo”, a maconha é a substância ilícita mais usada no planeta, a mais popular e a mais universal, e não cessa de espantar a bizarra situação histórica em que nos encontramos: apesar dos milhões de mortos, nas últimas décadas, por causa do cigarro e do álcool, estas substâncias são de comércio legal e protegidas por mega-corporações e governos a elas favoráveis, enquanto que a maconha, que jamais na história registrada causou uma única morte por overdose, prossegue ilegal – seu usuário criminalizado, seu plantio proscrito, sua comercialização reprimida, seus comerciantes encarcerados…

A Guerra às Drogas não chegou nem perto de exterminar as substâncias alteradoras da percepção, mas conseguiu exterminar… pessoas: nos campos de batalha do Rio de Janeiro e de Bogotá, de Lima e da Cidade do México, os corpos sem vida de traficantes e policiais não cessam de cair. E não há de cessar tão cedo a sanguinolência e violência nos clashes entre as Cidades de Deus e os Caveirões da s Tropas-de-Elite caso a política proibicionista hoje em vigor prossiga. Com o proibicionismo, caminhamos para a catástrofe: penitenciárias super-lotadas, com condições de vida abomináveis, onde centenas de milhares de pessoas são trancafiadas não para qualquer tipo de “reeducação moral”, mas sim para serem apresentadas a uma das facetas mais sórdidas e fascistas deste Sistema. Com a continuação da política proibicionista, o Brasil pode esperar novos Carandirus, novas Candelárias, novos escândalos para manchar nossa imagem e nossa história com seu sangue jorrante…

E pra falar no dialeto “economiquês” tão apreciado pelos políticos que nos impõe o proibicionismo, eis um fato simples: é absurdo querer guerrear contra produtos cuja demanda, por parte da população, é gigante. Quando há uma demanda tão vasta, é óbvio que haverá uma oferta para supri-la. No excelente filme The Union – O Negócio Por Trás do Barato, o espectador conhece o gigantismo deste mercado e o quão irrealizável é o projeto de alguns proibicionistas radicais de aniquilá-lo por inteiro. Em outros termos: em um país como o nosso, onde pelo menos umas 5 milhões de pessoas (chutando muito baixo!) desejam consumir maconha, é absolutamente ridículo pretender extinguir este mercado a força de bala e de cadeia.A demanda das massas pela maconha não cessou durante as décadas de brutalidade policial e ferocidade carcerária, mas, pelo contrário, só tendeu a se fortalecer e se disseminar.

Imaginem um governo que tentasse banir de seu território o comércio de café, e que para isso lançasse na cadeia todas as pessoas que fossem pegas em flagrante delito de traficar café. Em breve não haveria mais lugar algum para novos presos. É o que dá quando se proíbe e criminaliza um comportamento amplamente disseminado, a despeito das leis, e quando se quer criminalizar algo que as pessoas continuarão comprando de qualquer jeito, mesmo que tenham que recorrer ao mercado clandestino.A Lei Seca americana, que quis proibir o álcool, foi um retumbante fracasso que gerou como subprodutos um mercado negro enorme e a proliferação de Al Capones e violências sanguinolentas mil. A História mostra a ineficácia de um sistema que lança na cadeia as pessoas quando estão comercializando produtos que elas desejam intensamente “consumir” e cujos benefícios desejam gozar. O proibicionismo está fadado ao fracasso recorrente pois ele se choca contra a vontade de milhões. E uma vontade coletiva, aliás, cada dia mais tenaz e organizada, cada dia mais triunfante e de cabeça erguida, cada dia reivindicando mais alto, nas ruas, um outro mundo possível. E onde haja mais luz verde!

Sobre www.acasadevidro.com

Ponto de cultura em Goiânia. Plugando consciências no amplificador. Encabeçado por Eduardo Carli de Moraes, professor de Filosofia no (IFG). Jornalista e Documentarista independente.

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