A VERTIGEM DA FINITUDE ou A CONSCIÊNCIA DA MORTALIDADE- por Drauzio Varella e Fernando Pessoa

:: A Vertigem ::
por Drauzio Varella

A angústia causada pela impossibilidade de comprovar por meios racionais se existe vida depois da morte acompanha a humanidade desde seus primórdios. Imaginar que nos transformaremos em pó e que capacidades cognitivas adquiridas com tanto sacrifício se perderão irreversivelmente é a mais dolorosa das especulações existenciais.

Tamanho interesse no destino posterior à morte, entre tanto, contrasta com a falta de curiosidade em saber de onde viemos. O que éramos antes de o espermatozóide encontrar o óvulo no instante de nossa concepção?

Aceitamos com naturalidade o fato de inexistir antes desse evento inicial, em contradição com a dificuldade em admitir a volta à mesma condição no final do caminho. Como não existíamos (portanto, não fomos consultados para vir ao mundo), consideramos a vida uma dádiva da natureza, e nosso corpo, uma entidade construída à imagem e semelhança de Deus, exclusivamente para nos trazer felicidade, atender aos nossos caprichos e nos proporcionar prazer.

Essa visão egocentrada de quem “não pediu para nascer” faz de nós seres exigentes, revoltados, queixosos, permanentemente insatisfeitos com os limites impostos pelo corpo e com as imperfeições inerentes à condição humana. Assim, acordamos todas as manhãs com tal expectativa de plenitude e de funcionamento harmonioso do organismo que o desconforto físico mais insignificante, a mais banal das contrariedades, são suficientes para causar amargura, crises de irritação, explosões de agressividade e depressão psicológica, não importa que privilégios o destino tenha nos concedido até a véspera ou venha a nos conceder naquele dia.

 Ao contrário da dificuldade em nos livrarmos desses estados emocionais negativos que nos consomem parte substancial da existência, as sensações de felicidade geralmente são fugazes, varridas de nosso espírito à primeira lembrança desagradável. Seria lógico esperar, então, que o aparecimento de uma doença grave, eventualmente letal, desestruturasse a personalidade, levasse ao desespero, destruísse a esperança, inviabilizasse qualquer alegria futura. Mas não é isso que costuma acontecer: vencida a revolta do primeiro choque e as aflições da fase inicial, associadas ao medo do desconhecido, paradoxalmente a maioria dos doentes com câncer ou AIDS que acompanhei conta haver conseguido reagir e descoberto prazeres insuspeitados na rotina diária, laços afetivos que de outra forma não seriam identificados ou renovados, serenidade para enfrentar os contratempos, sabedoria para aceitar o que não pode ser mudado.

 Não me refiro exclusivamente aos que foram curados, mas também aos que tomaram consciência da incurabilidade de suas doenças. Naqueles, é mais fácil aceitar que o fato de ter sobrevivido à ameaça de perder o bem mais precioso e de ser forçado a lutar para preservá-lo confira à vida um valor antes subestimado. Quanto aos que sentem a aproximação inevitável do fim, no entanto, soa estranho ouvi-los confessar que encontraram paz e se tornaram pessoas mais relaxadas, harmoniosas, admiradoras da natureza, amistosas, agradecidas pelos pequenos prazeres, e até mais felizes.

 – Troquei as noites frenéticas, de uma boate para outra até o dia clarear, por minhas plantas, pela algazarra dos passarinhos logo cedo, por meus livros, pelo café-da-manhã com minha mãe e o jornal – disse um de meus primeiros pacientes a descobrir que estava com AIDS.

 Um colega de profissão, mais velho, tratado por mim de um câncer de próstata incurável, certa vez disse:

 – Antes de ficar doente, eu nunca estava no lugar em que me encontrava: vivia alternadamente no passado e no futuro. Quantas coisas boas desperdicei por permitir que meus pensamentos fossem invadidos por memórias tristes ou contaminados pela ansiedade de planejar o que deveria ser feito em seguida. Era tão ansioso que chegava a puxar a descarga antes de terminar de urinar. A doença me ensinou a viver o presente.

 Um rapaz de vinte e cinco anos que tratei de uma forma grave de linfoma de Hodgkin, tipo de câncer que se instala no sistema linfático, uma vez resumiu o amadurecimento prematuro que considerava ter adquirido:

 – Sempre fui explosivo: brigava no trânsito, xingava os outros, ficava irritado por qualquer bobagem, já acordava chateado sem saber por quê. Quando entendi que podia morrer, pensei: não tem cabimento desperdiçar o resto da vida. Virei Albert Einstein, o defensor da relatividade: quando alguma coisa me desagrada, procuro avaliar que importância ela tem no universo. Descobri que é possível ser feliz até quando estou triste.

 No ambulatório do Hospital do Câncer, quando perguntei a um maranhense iletrado, pai de quinze filhos e rosto marcado pelo sol, se a doença havia lhe trazido alguma coisa de bom, ele respondeu:

 – O cavalo fica mais esperto quando sente vertigem na beira do abismo.

 Custei a aceitar a constatação de que muitos de meus pacientes encontravam novos significados para a existência ao senti-la esvair-se, a ponto de adquirirem mais sabedoria e viverem mais felizes que antes, mas essa descoberta transformou minha vida pessoal: será que com esforço não consigo aprender a pensar e a agir como eles enquanto tenho saúde?

[DRAUZIO VARELLA. Por Um Fio]

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“Quando vier a Primavera”
Alberto Caeiro (F. Pessoa)

Pessoa

Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.

Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.

 

EDUARDO COUTINHO (1933 – 2014): ASSISTA A TODOS OS FILMES DO GRANDE DOCUMENTARISTA BRASILEIRO

EDUARDO COUTINHO (1933 – 2014)

UMA ARTE DO PRESENTE
por Consuelo Lins

“O senhor solte em minha frente uma idéia ligeira, e eu rastreio essa por fundo de todos os matos, amém!” (Guimarães Rosa, 1998, p. 8) Esta poderia ser a divisa do cineasta Eduardo Coutinho, diante de quem temos a nítida sensação de presenciar o “pensamento em ato”, tal a vitalidade com que se expressa, discute, conversa, filma. Se há uma base comum a seus filmes, às entrevistas que faz, a sua presença, é justamente esse “pensamento ao vivo” em contato com o mundo, que recusa idéias prontas, imagens feitas, mesmo – e especialmente – se forem dele próprio. Desde meados dos anos 1970, as imagens que vem produzindo no campo do cinema documentário nos capturam e impõem uma outra maneira de ver e pensar o Brasil, distante da que nos habituaram os programas de informação televisivos, que, no entanto, trabalham com um material semelhante ao dele: acontecimentos e personagens do mundo.

Curiosamente, é na televisão, no programa Globo Repórter (1975/84), que Coutinho, até então um cineasta ligado à ficção (ABC Do Amor, de 1966, O Homem Que Comprou O Mundo, de 1968, Faustão, de 1970), se torna documentarista. Uma experiência extremamente fértil que marcará profundamente seus filmes posteriores. A agilidade de filmar, a possibilidade de experimentar e errar, a diversidade das situações atraem Coutinho, definitivamente, para a realização de documentários. Ali, ele realiza Theodorico, imperador do sertão (1978), quando coloca em prática, pela primeira vez de forma plena, uma atitude que está na base de seus filmes posteriores: escutar e “entender as razões do outro sem lhe dar necessariamente razão” (Coutinho, 2000, p. 66). Tanto no caso de Teodorico Bezerra, personagem da elite rural brasileira, criticável sob inúmeros aspectos, quanto no dos anônimos de seus outros filmes, a abordagem de Coutinho impede seja a cumplicidade moral com quem está diante da câmera, seja o desrespeito ao pensamento de quem é escolhido para personagem. Coutinho não julga; cabe ao espectador tirar suas conclusões a partir do que vê e escuta. Não se trata de neutralidade nem rejeição do ponto de vista do autor,  mas de uma relação original entre o seu ponto de vista e o de seus personagens.

Os filmes de Eduardo Coutinho constituem uma das trajetórias cinematográficas mais importantes do cinema brasileiro contemporâneo. (…) É, desde sempre, um cinema da palavra filmada, que aposta nas possibilidades de narração dos seus próprios personagens. É a imagem da palavra do outro que está na base da sua concepção de cinema. (…) Coutinho faz parte dos documentaristas que, em lugar de se ocuparem de grandes acontecimentos e de grandes homens da história, ou de acontecimentos e homens exemplares, identifica acontecimentos quaisquer e homens insignificantes, aqueles que foram esquecidos e recusados pela história oficial e pela mídia. É a “vida dos homens infames” que interessa a esse cineasta, para retomar o título de um belo artigo de Michel Foucault (1982), no qual a infâmia em questão não diz respeito àquele que é “baixo e vil”, mas aquele que é não-famoso, segundo a etimologia latina da palavra: in = elemento negativofama = célebre.

A abordagem que ele faz da vida infame se inscreve, numa certa medida, na tradição do cinema-verdade francês, que tem como filme-manifesto Chronique d’un Été (Crônica de um Verão), dirigido por Jean Rouch e Edgar Morin no verão parisiense de 1960. Uma tradição que afirma a intervenção explícita na realização de um documentário porque sabe que qualquer realidade sofre uma alteração a partir do momento em que uma câmera se coloca diante dela e que o esforço de filmá-la tal qual é inteiramente em vão. (…) Os personagens de Coutinho passam por metamorfoses, contam histórias que não sabiam que sabiam, e saem diferentes dessa experiência. São obras enriquecedoras não apenas para os espectadores mas também para quem participa do filme.

Consuelo Lins

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ASSISTA AOS FILMES:

VWUiDwKO Homem Que Comprou O Mundo (1968)

DOWNLOAD TORRENT


Faustão (1970)


Seis dias em Ouricuri (1976)


Teodorico, Imperador do Sertão (1978) [MakingOff]


Cabra Marcado para Morrer (1984)12

“Coutinho acompanhou as caravanas da UNE Volante pelos sertões do Nordeste brasileiro e conheceu Elizabeth Teixeira, viúva de João Pedro Teixeira — líder de trabalhadores rurais assassinado no município de Sapé, Pernambuco, em 1962, devido às mobilizações e reivindicações em prol da reforma agrária por conta das Ligas Camponesas de Francisco Julião.

O acontecimento atraiu o interesse de Coutinho, ao qual planejou um filme estruturado como ficção de fundo histórico. As filmagens de Cabra marcado para morrer foram interrompidas pelo golpe de Estado de 1964 e consequente implantação da ditadura militar de 21 anos no Brasil. Os atores eram personagens reais que, de uma forma ou outra, vivenciarem os eventos. Dentre eles estava Elizabeth Teixeira — visada por policias e proprietários fundiários. Ela e a família tomaram a decisão de desaparecer, por segurança, após o golpe. Cada membro do grupo tomou paradeiro diferente e incerto. O material filmado foi dado como perdido após a prisão do diretor e membros da equipe por suspeita de subversão.

Em 1981, passados 17 anos, o país respirava os ares da abertura política sob o mandato do General João Batista Figueiredo. Uma boa notícia animou Eduardo Coutinho. As imagens de Cabra marcado para morrer apareceram. Foram escondidas por um membro da equipe. O projeto, retomado, foi amplamente modificado. A realização passou a reconstituir, em forma de documentário, os eventos que lhe deram origem, e assumiu o compromisso de localizar os envolvidos nas filmagens — nunca mais vistos desde que foram abruptamente encerradas. O novo Cabra marcado para morrer conseguiu, após muita pesquisa, reencontrar Elizabeth Teixeira e filhos. Graças ao filme a família foi reunida. A realização atualiza a história das lutas dos trabalhadores rurais no Brasil, defende a necessidade imperiosa da reforma agrária, denuncia a concentração fundiária fortemente ampliada durante o regime militar e a constante insegurança em que viviam e ainda vivem as lideranças sindicais no campo. Concluído em 1984, chegou ao circuito exibidor também nesse ano.” – CineEugenio

abra Marcado para Morrer primeiro

Cena da realização interrompida de “Cabra marcado para morrer”

Elizabeth Teixeira, viúva do líder João Pedro Teixeira, com os filhos


Santa Marta – Duas semanas no morro (1987)


O fio da memória (1991)
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Boca de Lixo (1992)


Santo Forte (1999)


Babilônia (2000)


00-Edificio-Master-papo-de-cinemaEdifício Master (2002)


Peões (2005)


O_fim_e_o_principio-papo-de-cinemaO Fim e o Princípio (2005)


21044762_20130927150517566Jogo de Cena (2007)


moscou_documentarioMoscou (2009)


Um Dia Na Vida (2010)
MakingOff

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20140305-235131As canções (2011)

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poster-de-ultimas-conversas-1430776680253_684x1000Últimas Conversas (2015)
DOWNLOAD TORRENT


EXTRAS

Jogo de Idéias (2006)

Entrevista

Sobre “Grande Sertão: Veredas” de Guimarães Rosa


LEITURA RECOMENDADA:

capa_ODocumentarioDeEduardoCoutinho_12-07-12.indd

O documentário de Eduardo Coutinho – Televisão, cinema e vídeo de Consuelo Lins (Zahar, 2004, Saiba mais / Comprar)

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“EDUCAÇÃO NÃO É MERCADORIA!” – Reportagem em vídeo: manifestação contra a privatização das escolas públicas em Goiás

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As ruas de Goiânia bradam: “A minha luta é todo dia: educação não é mercadoria!” Pra aqueles que “dizem que morreu, dizem que sumiu”, mostram aos berros que “aqui está presente o movimento estudantil!” Praticando a desobediência civil pacifista, como discípulos de Luther King, Gandhi ou Thoreau, os manifestantes desfilam seus batuques e bandeiras pelas ruas, a caminho do Ministério Público, onde ribombarão nos ouvidos de todos alguns lemas dignos de virarem refrões-de-canção: “Ô M P, como é que é!?! O Nosso Estado Não É Um Cabaré!”Aprendendo

O promotor do Ministério Público, Fernando Krebs, convocado pelo alarde da manifestação a dar as caras no “lobby”, dominado pelos ocupas e sua ruidosa festa democrática, reafirmou o que é fato cada vez mais conhecido: as O$s não tem “idoneidade moral” alguma para pretender assumir o comando de escolas públicas, sendo que muitos de seus “cabeças” são réus na Justiça por mau uso de verbas públicas, peculatos e outros crimes-de-engravatados.

Voltam ao trombone dos bocas alguns estribilhos e palavras de ordem herdados de movimentos políticos cidadãos de anos atrás, que tomaram conta da capital goiana, como o Fora Marconi – que explodiu nas ruas quando houve a revelação das tenebrosas transações entre o governador Marconi Perillo (PSDB) com o crime organizado de colarinho branco (nas personas famigeradas de Carlinhos Cachoeira e Demóstenes Torres). “Marconi, bicheiro, devolve o meu dinheiro!” – um hit-da-estação na música-das-ruas goianiense, agora adequa-se ao novo cenário da Privataria Tucana Em Marcha, com seu exército de engravatados, nos campos-de-batalha da educação.

O projeto do Governo Estadual, neste 4º mandato do Tucano Perillo no poder, é terceirizar 300 escolas públicas, entregando sua gestão às famigeradíssimas O$s (organizações sociais, mais conhecidas como corporações privadas ou conglomerados empresariais). É o neoliberalismo aplicado à educação que, nos últimos anos, foi radiografado e criticado na obra de pensadores como Henry Giroux ou István Mészáros.

No Brasil, Vladimir Safatle é um dos que melhor manda o recado, direto no alvo, sem rodeios, sobre a atual situação de colapso da representação política tradicional e de emergência de uma democracia mais intensa, de uma participação cidadã mais direta, em choque com velhas estruturas conservadoras e autoritárias, saudosas da ditadura militarizada aliada aos interesses capitalistas-corporativos:

No Brasil, e em especial nos Estados governados pelo tucanato (Paraná, São Paulo, Goiás), decisões educacionais são impostas, inventa-se diálogos que nunca ocorreram, joga-se gás lacrimogêneo contra estudantes, prende-se professores que protestam.

Este é um país no qual a elite, que deveria ser taxada de maneira pesada para capitalizar o Estado e permiti-lo oferecer a seus cidadãos ensino público de qualidade, governa servindo-se de uma classe política corrompida (Goiás que o diga) e procurando de todas as maneiras livrar-se de obrigações de solidariedade social.

Já vimos em São Paulo como políticas dessa natureza escondem um fato bruto simples: o Estado tem gastado menos com educação. Talvez porque tenha outras prioridades mais importantes, como a sobrevivência financeira do partido no poder.

Quando comecei a dar aulas, há quase 30 anos, meu primeiro emprego foi como professor substituto na Escola José Carlos de Almeida, em Goiânia. Era uma dessas antigas grandes escolas construídas em um espaço nobre da cidade, ao lado de uma escola privada.

Ela tinha tudo para se impor como escola modelo. No ano passado, depois de ficar um ano fechada e esquecida, a instituição foi ocupada por alunos que se cansaram de nunca serem ouvidos sobre seu próprio destino.

Talvez essa escola expresse de maneira quase pedagógica o destino e descaso da educação nacional. Não por acaso, essa história começou a mudar quando a população começou a dizer “não”. – VLADIMIR SAFATLE, Folha de São Paulo, 16/02

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Eduardo Galeano disse bem: “A Justiça é como as serpentes, só morde os descalços.” Um jovem militante estudantil, de vertente mais radical, que simpatize com o anarquismo e táticas Black Bloc, periga ser considerado pelo Estado como um “perigoso inimigo público”, a ser dedetizado com gás venenoso pelos Paus-Mandados da repressão militarizada. Porém, o “dano público” que causa um Black Bloc, ao destruir algumas vitrines de bancos bilhardários ou queimar alguns sacos de lixo tendo em vista a emergência de uma barricada em chamas, é um dano minúsculo e desprezível diante dos mega-arrombos e atrocidades-contra-o-bem-público cometidos por aqueles que a Justiça não ousa atrapalhar, pois estão não só calçados como vestem sapatos de ouro…

O plano marconista de entregar as escolas públicas ao Empresariado é, obviamente, algo com a intenção óbvia de ser uma Máquina-de-Enriquecer-Poucos. A mercantilização da educação vem umbilicalmente conectada com corrupção estrutural e lógicas neoliberais excludentes e perversas.

Este filme pretende descrever este contexto todo através de imagens da manifestação do dia 26 de Fevereiro de 2016: saindo da Praça Universitária, o ato deslizou pelas avenidas e foi até o Ministério Público. Suba o volume, dê o play e confira um pouco do que rolou! E não deixe de ler também a opinião – a seguir… – de Guilherme Boulos.


Filmagem e Edição: Eduardo Carli de Moraes / A Casa de Vidro.com.
Goiânia, 25/02/2016. Duração: 12 minutos.

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Boulos

ESTADO DE SÍTIO NA EDUCAÇÃO
por Guilherme Boulos na Folha de S.Paulo (18/02/2016)

Tudo começou com um decreto do governador no final do ano passado repassando 30% das escolas goianas para gestão das famigeradas Organizações Sociais (OS). A iniciativa prevê a terceirização de serviços escolares, a contratação privada (sem concurso) de até 70% dos professores e 100% dos funcionários, dentre outras medidas.

Trata-se evidentemente de uma privatização “branca” do ensino. O próprio Ministério Público do Estado recomendou nesta semana o adiamento do edital das OS, por estar repleto de ilegalidades, incluindo o repasse de recursos do Fundeb para a iniciativa privada. Nas palavras do promotor Fernando Krebs: “Chegamos à conclusão que o projeto referencial é inconstitucional. Vai piorar a qualidade da educação. Vai promover a terceirização, a privatização às avessas da escola pública”.

Foi este despautério que motivou a mobilização de estudantes e professores, reprimidos com violência e prisões pela PM.

Mas não é de hoje a paixão do governador Marconi Perillo por tratar a educação como caso de polícia. Desde 2014, seu governo tem implementado um inacreditável processo de militarização das escolas, que também foi alvo das manifestações.

A polícia militar já havia assumido até o ano passado a gestão de 26 escolas, tornando Goiás o Estado com o maior número de colégios militares no país. Sob os princípios da “hierarquia e da disciplina”, oficiais da PM estabelecem a regra do medo, mandam e desmandam no ambiente escolar.

Nas escolas militarizadas passou a ser exigido o uso de farda militar por todos os alunos. Os meninos precisam ter cabelo curto e as meninas são obrigadas a prendê-los. As gírias foram proibidas, assim como o esmalte de unha, o beijo e os óculos com armação “chamativa”. A continência tornou-se obrigatória na entrada, para os professores e também entre os alunos.

Para completar foram inseridas novas disciplinas no currículo, como a “Ordem unida” – sabe-se lá o que seja isso, coisa boa não é. Assim como a “sugestão” de uma taxa de matrícula de R$ 100 e de mensalidade de R$ 50, em valores de 2014, possivelmente já reajustados nos dias de hoje. O governo pretende militarizar mais 24 escolas neste ano.

O capitão Francisco dos Santos, diretor da escola Fernando Pessoa, exalta numa matéria da BBC o fim da violência no colégio. Também pudera. Impondo estado de sítio e intimidação permanente o resultado seria esse. O preço é rifar o futuro, jogando o pensamento crítico e a democracia na lata do lixo. A gestão militar da escola adestra os jovens de hoje para a gestão militar da sociedade.

A repressão ao movimento dos estudantes secundaristas por essa mesma polícia é expressão cabal disso.

Perillo seguiu o exemplo de seu colega de partido Geraldo Alckmin ao tentar remodelar o ensino à força, sem qualquer debate com a sociedade. Que, enquanto é tempo, siga novamente Alckmin, desta vez para recuar das medidas perante o rechaço da comunidade escolar. É preciso libertar imediatamente os 31 presos e recuar do projeto de privatização e militarização das escolas.

Caso contrário, Goiás será lembrado como o laboratório da barbárie na educação brasileira.”

Gui Boulos

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SAIBA MAIS: ARTIGOS DE VLADIMIR SAFATLE, GUILHERME BOULOS, DIANE VALDEZ

EDUCAÇÃO NÃO É MERCADORIA: Goiás em Luta Contra a Privatização e Militarização do Ensino Público (por Guilherme Boulos, Vladimir Safatle, Diane Valdez)

“Gás lacrimogêneo no cerrado”

por VLADIMIR SAFATLE
(Folha de SP, 19/02/2016)

Ribs Vitor T

Anos atrás, o discurso neoliberal padrão no Brasil afirmava que o Estado deveria deixar de intervir em áreas que não lhe diriam respeito para cuidar apenas daquilo que seria sua vocação natural, a saber, serviços como educação e saúde. Nessa toada, foram privatizados os serviços de transporte, de energia, de telefonia, entre tantos outros.

Os anos passaram e, claro, o discurso também passou. Agora, trata-se de afirmar que quanto mais pudermos tirar a educação e a saúde das mãos do Estado, melhor.

Gerir educação pública significa ter de debater a todo momento diretrizes com professores, ser cobrado pelas decisões equivocadas, ter de financiar um sistema universal e gratuito. Mas simplesmente privatizar escolas era uma operação de alto custo político.

Como explicar que, a despeito dos modelos de privatização branca, os melhores sistemas do mundo são radicalmente públicos?

Alguém poderia descobrir que países como a Finlândia, que aparece normalmente como o primeiro nos processos de avaliação de resultados, tem um sistema totalmente público, subsidiado pelo Estado, radicalmente inclusivo, igualitário, com altos salários para professores e com escolas próximas de seus alunos.

Ele não é muito diferente do que podemos encontrar em países de sólida formação educacional, como a França e a Alemanha.

Inventou-se, assim, as chamadas Organizações Sociais. A princípio, elas foram vendidas como estruturas capazes de dar mais agilidade à gestão, escapando dos entraves criados para entidades públicas. Começaram na área da saúde e agora estão sendo “testadas” na área da educação, a começar pelo Estado de Goiás.

O roteiro nós já conhecemos. O Estado irá terceirizar escolas que já têm boa infraestrutura e qualidade razoável de ensino. Algumas organizações investirão nessas escolas a fim de dar a impressão, à opinião pública, de que o modelo é um sucesso.

Quando a sociedade civil se der conta, ela terá um serviço generalizado com professores precarizados, que podem ser facilmente substituídos e submetidos a planos decididos por burocratas. Os mesmos burocratas que há décadas mudam os rumos da educação brasileira com seus projetos que nunca alcançam bons resultados educacionais. Suas escolas terão taxas de toda natureza e serão dirigidas por entidades que perseguem metas vazias e avaliações que nada dizem respeito a um verdadeiro projeto pedagógico.

Como se não bastasse, o plano goiano prevê ainda que a gestão de 24 escolas seja entregue à Polícia Militar, que será responsável por gestão, segurança e disciplina.

giphyVejam que interessante: uma instituição cuja extinção já foi recomendada pela ONU por sua ineficiência e violência, que forma policiais objetos da desconfiança de 64% da população brasileira por suas ações eivadas de preconceitos e banditismo, em suma, a Polícia Militar que some Amarildos será responsável pela gestão da escola do seu filho. Difícil conceber ideia mais absurda.

Em qualquer lugar minimamente sensato do mundo, mudanças dessa natureza seriam objeto de longas discussões com alunos, professores e pais. No Brasil, e em especial nos Estados governados pelo tucanato (Paraná, São Paulo, Goiás), decisões educacionais são impostas, inventa-se diálogos que nunca ocorreram, joga-se gás lacrimogêneo contra estudantes, prende-se professores que protestam.

Este é um país no qual a elite, que deveria ser taxada de maneira pesada para capitalizar o Estado e permiti-lo oferecer a seus cidadãos ensino público de qualidade, governa servindo-se de uma classe política corrompida (Goiás que o diga) e procurando de todas as maneiras livrar-se de obrigações de solidariedade social.

Já vimos em São Paulo como políticas dessa natureza escondem um fato bruto simples: o Estado tem gastado menos com educação. Talvez porque tenha outras prioridades mais importantes, como a sobrevivência financeira do partido no poder.

Quando comecei a dar aulas, há quase 30 anos, meu primeiro emprego foi como professor substituto na Escola José Carlos de Almeida, em Goiânia. Era uma dessas antigas grandes escolas construídas em um espaço nobre da cidade, ao lado de uma escola privada.

Ela tinha tudo para se impor como escola modelo. No ano passado, depois de ficar um ano fechada e esquecida, a instituição foi ocupada por alunos que se cansaram de nunca serem ouvidos sobre seu próprio destino.

Talvez essa escola expresse de maneira quase pedagógica o destino e descaso da educação nacional. Não por acaso, essa história começou a mudar quando a população começou a dizer “não”.

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Marconi
Heitor 1

ESTADO DE SÍTIO NA EDUCAÇÃO
por Guilherme Boulos na Folha de S.Paulo (18/02/2016)

“Neste momento há 31 estudantes e professores presos em Goiás por protestarem pela educação pública. Dentre eles 13 menores. Na última segunda-feira (15), a PM goiana entrou violentamente na Secretaria de Educação – que estava ocupada – e prendeu o grupo.

Antes disso, o governador Marconi Perillo (PSDB) já havia despejado os estudantes secundaristas de 28 escolas ocupadas em uma onda de protesto contra a privatização do ensino estadual.

Tudo começou com um decreto do governador no final do ano passado repassando 30% das escolas goianas para gestão das famigeradas Organizações Sociais (OS). A iniciativa prevê a terceirização de serviços escolares, a contratação privada (sem concurso) de até 70% dos professores e 100% dos funcionários, dentre outras medidas.

Trata-se evidentemente de uma privatização “branca” do ensino. O próprio Ministério Público do Estado recomendou nesta semana o adiamento do edital das OS, por estar repleto de ilegalidades, incluindo o repasse de recursos do Fundeb para a iniciativa privada. Nas palavras do promotor Fernando Krebs: “Chegamos à conclusão que o projeto referencial é inconstitucional. Vai piorar a qualidade da educação. Vai promover a terceirização, a privatização às avessas da escola pública”.

Foi este despautério que motivou a mobilização de estudantes e professores, reprimidos com violência e prisões pela PM.

Mas não é de hoje a paixão do governador Marconi Perillo por tratar a educação como caso de polícia. Desde 2014, seu governo tem implementado um inacreditável processo de militarização das escolas, que também foi alvo das manifestações.

A polícia militar já havia assumido até o ano passado a gestão de 26 escolas, tornando Goiás o Estado com o maior número de colégios militares no país. Sob os princípios da “hierarquia e da disciplina”, oficiais da PM estabelecem a regra do medo, mandam e desmandam no ambiente escolar.

Nas escolas militarizadas passou a ser exigido o uso de farda militar por todos os alunos. Os meninos precisam ter cabelo curto e as meninas são obrigadas a prendê-los. As gírias foram proibidas, assim como o esmalte de unha, o beijo e os óculos com armação “chamativa”. A continência tornou-se obrigatória na entrada, para os professores e também entre os alunos.

Para completar foram inseridas novas disciplinas no currículo, como a “Ordem unida” – sabe-se lá o que seja isso, coisa boa não é. Assim como a “sugestão” de uma taxa de matrícula de R$ 100 e de mensalidade de R$ 50, em valores de 2014, possivelmente já reajustados nos dias de hoje. O governo pretende militarizar mais 24 escolas neste ano.

O capitão Francisco dos Santos, diretor da escola Fernando Pessoa, exalta numa matéria da BBC o fim da violência no colégio. Também pudera. Impondo estado de sítio e intimidação permanente o resultado seria esse. O preço é rifar o futuro, jogando o pensamento crítico e a democracia na lata do lixo. A gestão militar da escola adestra os jovens de hoje para a gestão militar da sociedade.

A repressão ao movimento dos estudantes secundaristas por essa mesma polícia é expressão cabal disso.

Perillo seguiu o exemplo de seu colega de partido Geraldo Alckmin ao tentar remodelar o ensino à força, sem qualquer debate com a sociedade. Que, enquanto é tempo, siga novamente Alckmin, desta vez para recuar das medidas perante o rechaço da comunidade escolar. É preciso libertar imediatamente os 31 presos e recuar do projeto de privatização e militarização das escolas.

Caso contrário, Goiás será lembrado como o laboratório da barbárie na educação brasileira.”

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Heitor2

O CORONELISMO FAZ ESCOLA EM GOIÁS
Texto: Diane Valdez. Ilustração: Heitor Vilela.

Esta semana, diante dos desmandos do governo estadual de Goiás, que conseguiu se superar no quesito “Quem manda aqui é ‘nóis’!”, assistimos passagens que, para quem conhece um pouco de história regional, compreende que o coronelismo fez, e segue fazendo, escola nas terras goianas.

(…) A abertura dos envelopes com propostas de empresas que disputam o grande negócio de assumir a privatização de vinte e três escolas públicas em Goiás foi feita em um espaço público –Centro Cultural Oscar Niemeyer (pobre Oscar) – longe do público. Impedir que um ato, considerado pelo próprio governo como ‘democrático’, seja mantido distante das vistas da sociedade, determina mais uma prática do autoritarismo bancada pela falta de transparência que não é estranha a esta gestão. Já conhecemos o processo de militarização das escolas estaduais, feitos ao toque de caixa e oferecidos para a polícia goiana, considerada um primor de referência da truculência.

Seguindo a prática coronelista, o governo que acaba de embarcar a ‘nobreza’ do Palácio das Esmeraldas no alegre (e branco) trem, que rumou ao brilho da Sapucaí, gastando o dinheiro público que falta neste estado, mandou ver em cima da meninada secundarista que exercia o direito, e a necessidade, de protestar contra as perversidades já tão conhecidas. Sim! Mandou prender os meninos e as meninas secundaristas, gente considerada, pelos donos da fazenda, de alta periculosidade, que ameaça constantemente a não democracia tão bem implantada no cerrado do Planalto Central.

Mas não basta só prender a meninada, os desavisados que apoiam o movimento legítimo, também precisam aprender que com ‘peixe grande’ não se brinca. Uai! Que trem é esse de professor ficar apoiando luta de jovens secundaristas? Professor não sabe que seu lugar é em sala de aula? Onde já se viu querer fazer da luta prática uma chave contra a falta de democracia? Sim, este governo que já tem o histórico de agredir docentes, agora manda prendê-los, alegando serem estes “chefes de quadrilha”, aqueles que estudaram, fizeram mestrado, doutorado, para comandar “delinquentes” que ocupam prédios públicos. Como se a meninada fosse incapaz de construir sua luta com seus elementos próprios.

(…) Em tempo: todos os posts do Facebook que denunciavam os horrores da semana, em especial os postados na noite do dia 16 de fevereiro, com as fotos das meninas secundaristas presas, DE-SA-PA-RE-CE-RAM!

(Diane Valdez, professora da Faculdade de Educação da UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS e militante do Movimento de Meninos/as de Rua de Goiás. Texto original e completo em:http://www.adufg.org.br/artigos/bezerro-de-coronel-nao-pode-morrer/)

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VEJA TAMBÉM:

A “ENVERGADURA MORAL” DAS O$s EMPRESARIAIS EM GOIÁS:

OS

O Ministério Público (GO) afirma “que 11 (onze) instituições estão qualificadas como organização social na área de educação em nosso Estado, mas não cumprem as exigências contidas no art. 2º II, “d”, da Lei Estadual 15.503/2005 que exige notória capacidade profissional e idoneidade moral dos dirigentes das organizações sociais.

Para os Promotores e Procuradores, nenhuma dessas instituições têm, em seus quadros, dirigentes com notória capacidade profissional e a maioria é dirigida por pessoas sem idoneidade moral para tanto. Vejam, abaixo, o que diz os MPs.:

“A OS IDGE, qualificada pelo Decreto n.º 8.557/2016, tem como responsáveis Joveny Sebastião Cândido de Oliveira e Danilo Nogueira Magalhães, que figuram como investigados pela prática do crime de falsidade ideológica (CP, art. 299) nos autos do inquérito policial n.º 201504273898, em curso na 11ª Vara Criminal de Goiânia”.

“A OS GTR, qualificada pelo Decreto 8.556/2016, tem como responsáveis André Luiz Braga das Dores e Antônio Carlos Coelho Noleto. O primeiro é réu em ações penais e ações de improbidade administrativa decorrentes da rumorosa operação “Fundo Corrosivo” deflagrada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado – GAECO do Ministério Público do Estado de Goiás. O segundo é membro do PSDB-GO, servidor da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás cedido para a Governadoria de julho a 31/12/2015 e beneficiário de suspensão de processo (art. 89 da Lei 9.099/1995) em razão da prática do crime de concussão (CP, art. 316), conforme se vê da ação penal n.º 200603150017, delito praticado à época em que Antônio Carlos Coelho Noleto estava cedido para o Departamento de Fiscalização da Agência Goiana de Regulação, Controle e Fiscalização de Serviços Públicos – AGR”.

“A OS IBEG, qualificada pelo Decreto n.º 8.538/2016, tem como responsável Silvana Pereira Gomes da Silva. Tanto a OS quanto sua responsável não detém idoneidade moral, porquanto foram condenadas pela Justiça Estadual de Goiás em ação civil de improbidade administrativa em razão de fraudes perpetradas em concurso público realizado pelo Município de Aparecida de Goiânia-GO”.

“A OS ECMA, qualificada pelo Decreto n.º 8.510/2015, tem como responsável José Izecias de Oliveira, réu na ação penal n.º 201300509249 acusado da prática dos crimes de peculato e associação criminosa contra a Universidade Estadual de Goiás – UEG, processo decorrente da operação “Boca do Caixa” desencadeada pelo GAECO do MP-GO e que resultou, inclusive, em bloqueio de bens dos envolvidos”.

“A OS INOVE, qualificada pelo Decreto n.º 8.509/2015, tem como responsável Relton Jerônimo Cabral, veterinário, o qual tem contra si um boletim de ocorrência narrando suposta prática do crime de estelionato pela venda de um cão doente terminal da raça yorkshire. Prima facie, não há notícia de histórico na área de educação em favor de Relton”.

“A OS IBRACEDS, qualificada pelo Decreto 8.447/2015, tem como responsáveis André Luiz Braga das Dores e Antônio de Sousa Almeida. O primeiro é réu em ações penais e ações de improbidade administrativa decorrentes da rumorosa operação “Fundo Corrosivo” deflagrada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado – GAECO do Ministério Público do Estado de Goiás”.

SINDPRO

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Exclusivo: quem vai administrar as escolas de Goiás? Investigação de NOVA ESCOLA revela cenário preocupante: organizações sociais recém-criadas, pouca experiência em Educação e indefinição sobre as equipes técnicas

“Esta é a situação:

• Empresas recém-criadas – Das 10 OSs qualificadas para o processo de terceirização, cinco delas foram abertas há menos de um ano: Inove, Consolidar, Olimpo, Ecma e Ibces.

• Pouca experiência em Educação – Os sites das entidades indicam falta de familiaridade com a Educação Básica. Ao menos sete deles apresentam pouca ou nenhuma informação sobre o tema. O Ecma menciona educação de trabalhadores em cultura, meio ambiente e sustentabilidade; a GTR fala em gestão de unidades de ensino, mas também de saúde, cultura e esporte; a Ibraceds cita a construção de uma escola padrão do MEC, mas destaca ações odontológicas e de saúde contra o xeroderma pigmentoso; o Ibeg aponta como missão “Prover soluções educacionais integradas no intuito de capacitar e desenvolver o capital humano com responsabilidade socioambiental”; Inove e Educar não possuem sites; o do Consolidar tem texto fictício.

• Equipes desconhecidas – Das 10 OS qualificadas, apenas o Consolidar informou nome e função de alguns membros do corpo técnico. O Instituto Ecma apresenta em seu site nome e biografia dos integrantes, sem especificar as funções que eles podem vir a desempenhar caso vença o edital. As outras oito entidades não enviaram os documentos pedidos por nossa reportagem.

Essas constatações não são um julgamento da competência e reputação das instituições ou de seus dirigentes. Mas lançam incertezas sobre o sucesso da terceirização. Diferentemente do que ocorre em iniciativas semelhantes na área de saúde, onde a presença das OS está mais bem consolidada, o certame de Goiás não atraiu grupos com atuação reconhecida na Educação Básica. ” SAIBA MAIS

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ALGUNS VÍDEOS DO DESNEURALIZADOR:














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PRÓXIMA MANIFESTAÇÃO: 25/02 (QUINTA), 13h, PRAÇA UNIVERSITÁRIA

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Veja também:

RADIOHEAD – Ao vivo em Glastonbury, 1997 – Show Completo

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Radiohead
Glastonbury Festival (Somerset, England)
28th June 1997

Tracklist:

01 Lucky
02 My Iron Lung
03 Exit Music (For a Film)
04 The Bends
05 Paranoid Android
06 Karma Police
07 Creep
08 No Surprises
09 Just
10 Fake Plastic Trees
11 High and Dry
12 Street Spirit (Fade Out)

Radiohead, New York, NY 1997. Photo by Danny Clinch

Radiohead, New York, NY 1997. Photo by Danny Clinch

1997: o ano de…
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“ACABOU A PAZ – ISTO AQUI VAI VIRAR O CHILE”: a saga dos estudantes secundaristas de São Paulo no documentário de Carlos Pronzato (assista na íntegra)

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Acabou a Paz – Isto aqui vai virar o Chile

Um filme de Carlos Pronzato. Documentário, 2016, 60 min.

A obra de Carlos Pronzato ganha, na atualidade, uma relevância extraordinária, que demonstra a potência do documentário como veículo de informação emancipatória e de auxílios imprescindíveis à nossa reflexão e ação. Em Outubro de 2016, quando em repúdio à PEC 241/55 e a Reforma do Ensino Médio, mais de 1.000 escolas e universidades públicas foram ocupadas, evento sem nenhum precedente histórico, a velha mídia vendida lançou sobre isto o breu de seu apagão, mas o documentário revelou-se então como muito mais que um gênero cinematográfico: revelou-se como abrigo e salvaguarda do jornalismo genuíno, do jornalismo digno desse nome. Os nossos melhores documentários servem como ferramenta para civilizar um pouco a barbárie desse nosso capitalismo ultraliberal fascistóide e repressor,que lucra com a alienação e quer obstaculizar o pensamento crítico com Escolas Sem Partido que só nos amordaçam. A arte documentário, como provam os filmes de Pronzato, é capaz de ser o antídoto necessário ao veneno asqueroso daqueles que vêem aluno politizado e mobilizado somente como arruaceiro, baderneiro e inimigo público – digno somente do cacete da polícia, da bronca dos pais, quem sabe de uma temporada no hospício… Quando, na real, é nas ocupas que a juventude brasileira têm demonstrado todo o seu imenso valor e todo o maravilhoso ímpeto de sua justa revolta. Alguns alunos querem passar de ano, outros preferem passar à História. Assistamos, juntos, com atenção e diálogo intensos e fecundos, aos filmes “Acabou a Paz – Isto Aqui Vai Virar o Chile”, “A Revolta dos Pinguins”, “A Partir de Agora – As Jornadas de Junho”, “Por Uma Vida Sem Catracas”, dentre outros, pois o cinema de Carlos Pronzato tem um bocado a ensinar-nos nestes urgentes momentos de que somos contemporâneos. (Carli, 22-10-16)
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“Argentino radicado no Brasil desde os anos 1980, Carlos Pronzato transita pela literatura, teatro e cinema. Mas é como documentarista que obtém maior reconhecimento. Seu documentário sobre as Madres de Plaza de Mayo na Argentina foi premiado internacionalmente.
Para quem acompanha os movimentos sociais e suas revoltas, sabe que Pronzato ‘está em todas’: Pinheirinho, MTST, Passe Livre. Sempre atento, é autor do filme sobre a ‘Revolta do Buzu’ que em 2003 parou Salvador contra o aumento da tarifa do transporte público. De lá pra cá o tema o aproximou do MPL, de quem já fez outros tantos documentários, como o ótimo ‘A partir de agora – as jornadas de junho’.
Em 2006 fez o registro das ocupações das escolas pelos estudantes chilenos. O material rendeu o famoso documentário ‘A Rebelião dos Pinguins’ que serviu de inspiração para os estudantes brasileiros no ano passado. E é sobre as ocupações dos alunos paulistas que trata seu mais recente filme: ‘Acabou a paz, isto aqui vai virar o Chile – Escolas ocupadas em São Paulo’.

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DIÁRIO DO CENTRO DO MUNDO:
Entrevista com Pronzato

DCM: O que o motivou a realizar o documentário?

O que me trouxe é o percurso que venho fazendo com o tema estudantil, que venho fazendo há muito tempo. Algo que começou com a Revolta do Buzu em Salvador em 2003, que impulsionou a criação do Movimento Passe Livre, e também em 2006 quando tem a Rebelião do Pinguins, material que foi muito utilizado pelos estudantes daqui assim como uma cartilha feita pelos estudantes chilenos para as ocupações.

É inevitável a comparação com o Chile. Que paralelo você faz?

Faltou apenas um item para serem idênticas. Claro, não se pode dimensionar identicamente Chile com Brasil, mas Alckmin é o ‘presidente’ deste país chamado São Paulo. Lá houve o recuo da presidente Bachelet, aqui houve o recuo de Alckmin. O Secretário de Educação caiu lá e o daqui também. Portanto o que faltou aqui, por ser muito complicado, por estar fortemente instalado, foi a queda do Secretário de Segurança. Lá caiu, aqui não. Quem promoveu a repressão contra os estudantes foi exonerado no Chile, mas aqui ninguém toca.

A vitória dos estudantes no Chile tem reflexos até hoje. Aqui elas foram temporárias e tudo indica que o governador inclusive esteja atuando de modo a burlar o próprio cancelamento, por quê?

A duração dos dois eventos é muito diferente. Aqui não chegou a sessenta dias enquanto no Chile a revolta durou mais de sete meses. E também tem o calendário, infelizmente pegou o final do ano. Mas tem um aspecto importante que precisa ser considerado que é a possibilidade de o movimento não ter acabado. No Chile, depois de 5 ou 6 anos da revolta houve uma refervura em 2011, e daí vieram essas outras conquistas a que você se referiu. E sobre isso é muito interessante saber que os secundaristas daqui possuem mais referências do que aconteceu no Chile em 2011, mas o filme que serviu de ‘inspiração’ é o que fiz em 2003. Foi uma soma dos dois episódios.

Então isso leva uma outra questão: não é arriscado realizar um documentário sobre algo tão recente e talvez inconcluso, que pode estar apenas em um momento de pausa?

Mas a palavra é essa mesma, eu vi que tinha uma pausa. Esse é o recorte dado até este momento, dá para fechar uma narrativa. Pode ser que as ocupações voltem, mas quando? No Chile levou quase 6 anos. Aqui, tudo depende de quando o governador irá tentar novamente. A intenção é que a divulgação deste material estimule a possibilidade de uma continuidade imediata da luta.

Documentário é uma forma de ativismo ou jornalismo?

Ativismo total. Eu não sou jornalista, estou no campo das artes. Venho do teatro, da literatura. Minha inserção no documentário é um recorte muito subjetivo. A mídia influi e molda o senso comum, contra o qual a gente luta. Porque quando se está na rua e se vê a polícia jogar bombas em estudantes, é revoltante saber que tem gente que é induzida a aplaudir isso.

Minha intenção é manter viva a memória da luta dos secundaristas.

Você está há muitos anos documentando revoltas sociais. No seu documentário sobre a revolta do Buzu em 2003, em determinado momento o então prefeito Antonio Imbassahi afirma que estava acompanhando tudo atentamente pela TV. Em junho de 2013, Dilma disse a mesma coisa. O poder público está sempre tão distante da realidade a ponto de só saber do que ocorre através da mídia?

É por isso que aconteceu o que aconteceu. À medida que movimentos sociais, mesmo os de esquerda, se inserem numa estrutura institucional, vão se perdendo. A grande armadilha é você entrar na insituição e passar a viver diariamente com ela. E esse distanciamento é que cria as revoltas populares. O que aconteceu em 2013 é preciso colocar num contexto mundial, sem dúvida, mas há uma leitura hipócrita sobre isso por parte dos governistas. Dizer que as pessoas haviam conquistado um status econômico e que estavam indo às ruas para exigir mais, é ridículo, não sei de onde surgem elucubrações sociológicas que dizem coisas como essas. O que eu vi, particularmente, foi uma recusa do Estado como uma estrutura de repressão contínua, independentemente dos gestores do capital.

Para aqueles que ainda não compreenderam a questão (como o atual Secretário de Educação que em entrevista na data de ontem demonstrou estar em dúvida ‘se’ os alunos aceitam a reorganização), o filme está disponível no canal Youtube e ao longo da semana apresentações públicas serão realizadas com a presença do diretor.

ASSISTA OS FILMES DE PRONZATO:

“PAPAI-DO-CÉU” DESTRONADO: DES-LINKANDO ÉTICA & FÉ: Com Daniel Dennett, Peter Singer, Sam Harris, Woody Allen

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PETER SINGER: “ÉTICA PRÁTICA“

“Tradicionalmente, a mais importante ligação entre a religião e a ética está em pensar que a religião oferece uma motivação para fazer o que é certo: os virtuosos serão recompensados com uma eternidade de bem-aventurança no Céu, ao passo que os demais vão queimar no Inferno.

Nem todos os pensadores religiosos pensaram assim: Immanuel Kant, um cristão dos mais devotos, zombava de tudo que lhe cheirasse a obediência ao código moral por interesse próprio (egoísmo).

A observação cotidiana dos nossos semelhantes deixa claro que o comportamento ético não exige a crença no céu e no inferno.”

SINGER, P. Martins Fontes, 2006, p. 12

Singer Meme

O ORIGINAL – From Practical Ethics, by Peter Singer:  “Religion was tought to provide a reason for doing what is right, the reason being that those who are virtuous will be rewarded by an eternity of bliss while the rest roast in hell. (…) Not all religious thinkers have accepted this argument: Immanuel Kant, a most pious Christian, scorned anything that smacked of a self-interested motive for obeying the moral law. (…) Our everyday observation of our fellow human beings clearly shows that ethical behaviour does not require belief in heaven and hell.” (Cambrigde Press, p. 4)

LECTURES

I ) Ethics & Living Ethically, at New College of the Humanities

II) The Christian God

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Calvin Santa

* * * * *Dennett2

“Few forces in the world are as potent, as influential, as religion. As we struggle to resolve the terrible economical and social inequities that currently disfigure our planet, and minimize the violence and degradation we see, we have to recognize that if we have a blind spot about religion our efforts will almost certainly fail, and may make matters much worse… If we don’t subject religion to such scrutiny now, and work out together whatever revisions and reforms are called for, we will pass on a legacy of ever more toxic forms of religion to our descendants.

Religion plays its most important role in supporting morality, many think, by giving people an unbeatable reason to do good: the promise of an infinite reward in heaven, and (depending on tastes) the threat of an infinite punishment in hell if they don’t. Without the divine carrot and stick, goes this reasoning, people would loll about aimlessly or indulge their basest desires, break their promises, cheat on their spouses, neglect their duties, and so on. There are two well-known problems with this reasoning: (1) it doesn’t seem to be true, which is good news, since (2) it is such a demeaning view of human nature.

Everybody already knows the evidence for the countervailing hypothesis that the belief in a reward in heaven can sometimes motivate acts of monstruous evil. (…) This can be seen as an infantile concept of God in the first place, pandering to immaturity instead of encouraging genuine moral commitment. As Mitchell Silver notes, the God who rewards goodness in heaven beats a striking resemblance to the hero of the popular song ‘Santa Claus Is Coming To Town’…”

DANIEL DENNETT
Breaking the Spell: Religion as a Natural Phenomenon
(Pgs. 38-39 & 279-280)
Available at the Toronto Public Library.

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Sam Harris

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WOODY ALLEN:

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WOODY ALLEN: MARCANDO PONTOS NO PÓS-VIDA

Comentando sobre seus filmes Crimes e Pecados e Match Point, o cineasta americano Woddy Allen disse:

“- Para mim, é uma grande vergonha o universo não ter nenhum Deus ou nenhum sentido, e no entanto só quando se admite isso é que se pode levar o que as pessoas chamam de uma vida cristã – isto é, uma vida moral decente. Você só leva uma vida assim se, para começar, admite o que tem diante de si e joga fora toda a casca de conto de fadas que leva a pessoa a fazer escolhas na vida não por razões morais, mas para marcar pontos no pós-vida.”

(LAX, Eric. Conversas com Woody Allen. Ed. Cosac e Naify)

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DOWNLOAD: CRIMES E PECADOS,
de Woody Allen (1989, Crimes & Misdemeanors)

Woody

 

A incontornável evidência do sofrimento animal: Safran Foer, Jacques Derrida, Isaac Bashevis Singer, Peter Singer etc.

A incontornável evidência
do sofrimento animal


“Para que este estufado indivíduo degustasse seu presunto, uma criatura viva teve de ser criada, arrastada para sua morte, esfaqueada, torturada e escaldada em água quente. O homem não dava um segundo de pensamento ao fato de que o porco era feito do mesmo material e que este tinha de pagar com sofrimento e morte para que ele pudesse saborear sua carne. Pensei mais uma vez que, quando se trata de animais, todo homem é um nazista.” –
 ISAAC BASHEVIS SINGER (1904-1991), Prêmio Nobel de Literatura.

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 Um pertinaz e impertinente antropocentrismo (ou, dito melhor, narcismo-de-espécie!) parece ter sobrevivido às 3 feridas narcísicas que, segundo Freud, foram infligidas à humanidade: não mais acreditamos que a Terra é o centro do Universo e o Sol gira a nosso redor, nem esperneamos escandalizados contra Darwin e a teoria da evolução das espécies, tampouco recusamos o peso e a importância de motivos inconscientes e desejos sexuais em nossa Psique; o problema é que ainda tendemos a enxergar a Humanidade como pico de uma pirâmide hierárquica, como algo de essencialmente distinto e superior à Animalidade, como se fôssemos o legítimo “rei” da Natureza e destinados ao domínio, como queria Francis Bacon (1561-1626) – que, imagino, não veria problema  ético algum em organizarmos um sistema de pecuária industrial destinado a transformar porcos em bacon

Nosso narcisismo ferido procura defender-se na trincheira daquela posição cartesiana – demolida por O Ponto de Mutação, de Fritjof Capra – que vê nos animais apenas “bestas desalmadas” e que concede ao ser humano o privilégio de ser o animal supremo e divino, a ponte entre o bicho e o anjo, o supra-sumo biológico sobre a face da Terra… Porém, pesemos as consequências planetárias de agirmos na base de fábulas auto-congratulatórias e racionalizações do nosso poderio sobre os viventes extra-humanos.

French Philosopher Jacques Derrida Holding His Cat

Um vínculo que une filósofos como Peter Singer e Jacques Derrida, ambos defensores de uma revolucionária mudança de paradigmas conhecida como Libertação Animal, é algo de muito simples: o reconhecimento de que o sofrimento solidariza-nos. Podemos negar que os outros animais possuam Razão e Linguagem, porém é bem mais difícil que alguém possa sustentar de modo crível que os animais não sofrem. O sofrimento animal, do qual existem tantas avalanches de provas empíricas (for those who care to look through the walls of factory farms), é de incontornável, de inegável, constituindo um problema ético e político de alta relevância e urgência.

 À questão “os animais sofrem?”, a resposta incontornável de qualquer mente lúcida é o reconhecimento, que têm necessariamente de fazer qualquer testemunha de boa-fé, do fato bruto enunciado por Derrida: “ninguém pode negar o sofrimento, o medo ou o pânico, o terror ou o pavor que podem se apossar de certos animais e que nós, os homens, podemos testemunhar.” (p. 56)

derrida

JACQUES DERRIDA

É uma ousada crítica contra a filosofia “logocêntrica” (“que se mantêm de Aristóteles a Heidegger, de Descartes a Kant, de Levinas a Lacan…” – pg. 54) o que Jacques Derrida empreende em O Animal Que Logo Sou (Ed. Unesp). A acusação que Derrida lança contra os “fanáticos da lógica” (aqueles que, segundo Nietzsche, “são insuportáveis como vespas”), é a de ter posto a questão errada: os filósofos logocêntricos se perguntam “os animais têm razão, têm linguagem, têm lógos?”, porém o principal, o fundamental, o mais essencial a se perguntar, “a questão prévia e decisiva seria a de saber se os animais podem sofrer. Can they suffer?” (p. 54)

Galinhas no Brasil

 A questão é urgente e colossal pois o sofrimento animal, longe de diminuir, parece estar em aumento exponencial nos últimos séculos: “além da caça, da pesca, da domesticação, do adestramento ou da exploração tradicional da energia animal” (animais de tração escravizados aos fins humanos, por exemplo), Derrida destaca:

“No decurso dos últimos 2 séculos estas formas tradicionais de tratamento do animal foram subvertidas pelos desenvolvimentos conjuntos de saberes zoológicos, etológicos, biológicos e genéticos, (…) pela criação e adestramento a uma escala demográfica sem nenhuma comparação com o passado, pela experimentação genética, pela industrialização do que se pode chamar a produção alimentar da carne animal, pela inseminação artificial maciça, pelas manipulações cada vez mais audaciosas do genoma…” (DERRIDA, p. 51)

 Exemplos dentre muitos deste empreendimento humano colossal de exploração e escravização dos viventes animais, ainda silenciado e pouco percebido, em especial em suas gigantescas proporções: a violência do “assujeitamento do animal” atingiu, segundo Derrida, “proporções sem precedentes.” (p. 51) Será tão absurda assim a ideia, que Isaac Bashevis Singer propagava, de que aos olhos de um animal “todo homem é um nazista”? Em outros termos: será que nossos sistemas econômicos, políticos, culturais, morais e jurídicos não conduzem a tratarmos os animais de uma maneira similar ao tratamento imposto pelo III Reich aos viventes que encerrou e dizimou nos campos de concentração?

 “Os homens fazem tudo o que podem para dissimular ou para se dissimular essa crueldade, para organizar em escala mundial o esquecimento ou o desconhecimento dessa violência que alguns poderiam comparar aos piores genocídios. Existem também os genocídios animais: o número de espécies em via de desaparecimento por causa do homem é de tirar o fôlego. (…) Todo mundo sabe que terríveis e insuportáveis quadros uma pintura realista poderia fazer da violência industrial, mecânica, química, hormonal, genética, a qual o homem submete há dois séculos a vida animal.” (DERRIDA, pg. 53)

 Não se trata, pois, de fazer qualquer apelo sentimentalóide e patético às consciências humanas para que “sintam pena” dos pobres bichinhos. O que se pede é bem mais que mera compaixão: o pensamento de Derrida é tão ousado e demandante pois ele nos exige uma completa subversão dos paradigmas logocêntricos e antropocêntricos que infestam nosso modo de pensar. A presunção humana de uma superioridade inata que decorria da humanidade possuir o Lógos, ser capaz de linguagem, ser dotada de racionalidade: eis o que está em questão.

O animal que se auto-denomina “racional”, e que presume-se superior às “bestas privadas de razão”, dá-se o privilégio de poder escravizar e subjugar todos os outros viventes. Os animais não são reconhecidos como Outros dotados de interesses e sentimentos, viventes finitos e vulneráveis como nós, dotados de senciência e de automotricidadem, organismos com sensibilidade, palco complexo de afetos, capazes não só de ser vistos mas de nos verem. A racionalidade instrumental dos humanos, rejeitando a animalidade en masse, acabe por eles reduzir – como mostram as atitudes de alguns entusiastas das churrascarias e dos açougues, a presunto, bacon, frango-assado…

A questão é: seria possível a existência das churrascarias sem os matadouros ou há um vínculo necessário que os une? A demanda do consumidor de carne não é aquilo que faz “brotarem” no mundo estas gigantescas “fábricas de opressão animal”, onde milhões de vidas são reduzidas ao status manipulável e explorável de mercadoria? Nestes locais, protegidos do nosso olhar pelos muros (“se os abatedouros tivessem paredes de vidro”, diz Paul McCartney, “todo mundo seria vegetariano), bilhões de viventes, que compartilham conosco o destino de serem sensíveis-sofrentes, são expostos aos mais intensos e prolongados sofrimentos existenciais, do parto ao abate, infligidos por nós. A isto Pete Singer chama “especismo”, uma espécie de fascismo aplicado por uma espécie (a nossa) sobre outras.

 Temos o direito de impor uma vida de terríveis sofrimentos a bilhões e bilhões de criaturas viventes, em quem reconhecemos ao menos a capacidade de sofrer, ainda que neguemos a elas a posse de faculdades racionais, e só porque tendemos a gostar do gosto de sua carne? O “aprecio muito o sabor da linguiça” justifica que tratemos seres vivos como meios e que se imponha a eles a prisão, o engordamento forçado, o abate impiedoso? Quem é que acredita, ainda hoje, que o presunto “brota” no supermercado como “produto industrializado”? Quem é que ignora que as fatias do presunto são partes de um cadáver que a Indústria tratou de matar e cortar em pedacinhos, devidamente refrigerados, para o conforto e bem-estar do consumidor? E quem é que se ilude pensando que este vivente morreu de velho? Não nos esqueçamos que nós impomos a morte: não nos contentamos em esperar que aconteça. Nem mesmo a fome é nossa desculpa: muitos animais são mortos, não por causa da humana fome, mas da humana gula.

 “Diante da negação organizada dessa tortura, algumas vozes de levantam (minoritárias, fracas, marginais…) para protestar, para apelar ao que se apresenta ainda de maneira tão problemática como os direitos do animal.” (pg. 53). E é de se notar que nos últimos anos o cenário filosófico têm se preocupado mais com estes ainda incipientes e frágeis Direitos Animais, por exemplo através da obra de Peter Singer, autor de Libertação Animal e Ética Prática, e do Eating Animals, de Jonathan Safran Foer, dentre outros livros. Inserem-se, talvez, no quadro das tentativas de “nos acordar para nossas responsabilidades e nossas obrigações em relação ao vivente em geral, e precisamente a essa compaixão fundamental que, se fosse tomada a sério, deveria mudar até os alicerces da problemática filosófica do animal.” (pg. 53)

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A relação dos animais humanos com aqueles que eles, os homens, chamam de “animais”, quase sempre tentando diferenciar-se deles, abrir um abismo que os separa, esteve marcada, através da História, pela violência. A violência da caça e da pesca, é claro: é inimaginável, de tão colossal, a quantidade de flechas e de balas que destroçaram vidas de animais na história deste animal genocida que somos – o animal que atira, que constrói bombas, que põe sua tecnologia no fabrico de matadouros high-tech. Estes viventes que os homens gostam de chamar de “animais” foram escravizados, oprimidos, mal-tratados, forçados ao trabalho, abatidos sem piedade, na presunção de que fossem “inferiores” e na presunção de que foram criados para “servirem” a nós, os auto-proclamados Senhores da Terra.

 É óbvio que isso não surpreenderá muito àqueles que conhecem os modos como os homens tratam-se uns aos outros: os europeus que invadiram a América a partir de 1492, por exemplo, adoravam agarrar-se àquelas doutrinas que diziam, dos africanos e dos indígenas, que eram “desprovidos de alma” e “não passavam de animais”, o que era justificativa suficiente para acorrentá-los, deportá-los em massa, enfiá-los em navios superlotados, levá-los para trabalhar até a morte longe de suas casas, debaixo do chicote e do sol inclemente. A justificativa do genocídio frequentemente passa por uma presunção de superioridade. Se o homem pôde cometer tamanhos horrores contra outros homens, realmente não surpreende que tenha podido agir diante dos chamados “animais” com um grau de violência inaudito no mundo humano.

 A filosofia, até hoje, pelo menos em suas “correntes dominantes”, desde Aristóteles e Agostinho, desde Sócrates e Platão a Descartes e Kant, chegando em Lévinas, Lacan e Heidegger, é marcada por um logocentrismo antropocêntrico que trata os viventes ditos “animais” como inferiores, já que são desprovidos de tudo aquilo que julga-se privilégio e glória do humano. São seres sem Razão, sem Lógica, sem Intelecto, sem Lógos, sem télos…

 Uma das muitas originalidades que Nietzsche trouxe à filosofia, como aponta Derrida, consiste numa “reanimalização” do pensamento: Zaratustra fala, em suas parábolas e paródias, do camelo, do leão e da criança – e um transmuta-se no outro! Há também a águia e a serpente povoando de animalidades os cenários do filosofopoema zaratustriano. O perspectivismo ameríndio não está distante destas epifanias místico-poéticas do autor d’A Gaia Ciência. Em sua solidão e isolamento de montanhês apaixonado pelas alturas, Nietzsche povoou seus arredores com figuras animais, até o colapso em Turim, episódio-esfinge de difícil decifração mas que parece essencial na compreensão deste destino singularíssimo do animal Nietzsche, ele “que foi suficientemente louco para chorar junto de um animal, sob o olhar ou contra a face de um cavalo. Por vezes, creio vê-lo tomar esse cavalo por testemunha, e sobretudo para tomá-lo como testemunha de sua compaixão, pegar sua cabeça entre as mãos…” (DERRIDA: 1999, pg. 67)

 O homem inventou a palavra “animal” – é esta uma das hipóteses derridianas – para se referir a “todos os viventes que o homem não reconheceria como seus semelhantes, seus próximos ou seus irmãos.” (p. 65). Os filósofos adoram enumerar as privações dos ditos animais, tudo o que lhes falta para serem como nós: eles são desprovidos de linguagem, não sabem dar respostas, não se comunicam em nossa língua, não conheciam ritos de luto nem têm a potencialidade de dar risada. Por essas e outras são tidos por inferiores, escravizáveis, transformáveis em bacon.

 O termo “animal”, que “dispõe um grande número de viventes sob esse único conceito” (p. 61), é algo que desagrada a Derrida, sempre tão “atento à diferença, às diferenças, à heterogeneidades e às rupturas abissais” (p. 58). Colocar todos os viventes não-humanos debaixo do guarda-chuva conceitual “animal”, como se fossem farinha do mesmo saco, é uma grosseira falsificação de uma realidade onde “espaços infinitos separam o lagarto do cão, o protozoário do golfinho, o tubarão do carneiro, o papagaio do chimpanzé, o camelo da águia, o esquilo do tigre, ou o elefante do gato… Interrompo minha nomenclatura e peço socorro a Noé para não esquecer ninguém na arca.” (p. 65)

 Os limites, traçados por humanos, entre homens e animais, são no mínimo suspeitos de serem artificiosas criações linguísticas que agem em causa própria. Um animal quis contar-se a confortadora fábula de que ele não era um animal. O animal homem sofre, pensa e sente tão pouco sobre os sofrimentos em geral, os sofrimentos dos viventes que não lhe assemelham, os sofrimentos que não são seus, a ponto de escamotear, reprimir e se esquivar do que Derrida não teme chamar, peremptório, de inegável. A filosofia é fiel à sua missão de busca da Verdade se não admitir e se não se predispor a enxergar esta incontornável evidência do sofrimento animal?

 * * * * *

 Na mitologia judaico-cristã, a presunção narcísica do Homem atinge uma culminância que prossegue até hoje a assombrar nossa cultura, nossa filosofia, nossas convicções sobre nosso estatuto cósmico. Derrida relembra que o homem, descrito como “réplica de Deus”, criado à sua imagem e semelhança, antes do Pecado Original,

 “recebe imediatamente a ordem de sujeitar os animais. Ele deve, para obedecer, marcá-los com sua ascendência, sua dominação, (…) seu poder de domar. (…) [Deus] criou o homem à sua semelhança para que o homem sujeite, dome, domine, adestre ou domestique os animais nascidos antes dele, e assente sua autoridade sobre ele. Deus destina os animais a experimentar o poder do homem, (…) para ver o homem tomar o poder sobre todos os outros viventes.” (pg. 35 e 37)

 Não demoraram a começar os sacrifícios, as hecatombes, os bodes expiatórios: o sangue animal jorrando para agradar aos deuses inventados pelos homens. Ouçamos a própria palavra “divina”, o verbo deste Javé sanguessuga que criou os homens para que eles reinassem sobre os vivos com presunçosa violência: “Iahvé Elohim diz: ‘Que tenham autoridade sobre os peixes do mar e sobre os pássaros dos céus, sobre os animais a domesticar, sobre todas as feras selvagens e sobre todos os répteis…” (pg. 35).

 Há só um passinho da presunção judaico-cristã, referendada nos livros “sagrados”, do Homem como ápice da Criação e filho predileto de um Deus que teria criado todos os animais para que servissem e fossem usados, à presunção dos filósofos de que a presença do Lógos no humano é sinal inconteste de um abismo imensurável entre nós, nesta margem, e eles, les animots, que são doravante segregados à outra margem, reduzidos a serem subjugados por nossa augusta superioridade suposta e pouco questionada.

 Derrida parte, em sua reflexão, da experiência de estar pelado diante de seu gato. Sente vergonha de sua nudez, e vergonha de sentir vergonha, enquanto o gato que nunca vestiu roupas está em plena naturalidade em sua peladice. O gato sem pudor olha o homem, acostumado a andar vestido, e o homem cora de vergonha diante do olhar felino. Esta experiência me remete ao dito de Camus: “o homem é a única criatura que se recusa a ser o que é.” Nós vestimos roupas e “cobrimos nossas vergonhas”, coisa que nenhum outro animal faz: é de se suspeitar que a raiz desse costume seja a nossa tentativa de negar nossa similitude e nossa fraternidade em relação ao que chamamos, com ímpetos segregacionistas, de animais?

 O gato que está diante do filósofo pelado, o gato que observa com Jacques Derrida enquanto este se envergonha de estar nu diante de um olhar animal, é uma abertura para o abismo fecundo da alteridade e da diferença. O gato é um outro que me olha, e não apenas um outro olhado por mim; uma existência independente da minha, e que relaciona-se comigo de modos que, na maior parte dos casos, são ilegíveis, indevassáveis, misteriosos. “Ele [o gato] tem seu ponto de vista sobre mim. O ponto de vista do outro absoluto, e nada me terá feito pensar tanto sobre essa alteridade absoluta do vizinho ou do próximo quanto os momentos em que eu me vejo visto nu sob o olhar de um gato.” (pg. 28)

 Mas dizer “um gato” já é uma traição, já é tentar grudar uma palavra, que serve de direito a um gato qualquer, a este “vivente insubstituível”. Nenhuma onça é idêntica a outra onça: não podemos deixar que a linguagem, ou seja, o fato de utilizarmos a mesma palavra para nos referirmos a dois animais semelhantes, nos cegue para as evidências inegáveis da diferença – ou, como prefere dizer Viveiros de Castro, da diferOnça. “Nada poderá tirar de mim, nunca, a certeza de que se trata de uma existência rebelde a todo conceito.” (DERRIDA: p. 26).

 Derrida, filósofo que assinala e sublinha, sempre que pode, a “insubstituível singularidade”, convida-nos a enxergarmo-nos como animais entre animais, re-inseridos na fervilhante e complexa teia das alteridades, em relação fecunda com outras perspectivas sobre a realidade, sem impormos a nossa como absoluta. O acolhimento à diferença, a meditação junto ao Outro, inclusive um Outro-gato ou um Outro-ouriço, é um convite que Derrida nos estende: é um convite à ampliação da consciência e uma demanda de uma ética mais vasta, que supere o logocentrismo e o narcisismo que fundamentam os múltiplos genocídios animais de que os últimos milênios estiveram tão repletos. Nu diante do gato, pergunta-se um animal filosófico: “esse gato não pode ser, no fundo de seus olhos, meu primeiro espelho?” (pg. 92)

Outras vias sugeridas:

Abutre da Cultura – por Diego de Moraes

“Oi? Alô?”

Aqui quem fala é o Diego de Moraes, vulgo Diego Mascate.

Hoje é só uma “passagem de som” (ou melhor, de caracteres…) para dar início ao…

 ABUTRE DA CULTURA

Espaço de lampejos esporádicos, divagações aleatórias, divulgações instantâneas e outras viagens mais.

O parça Eduardo Carli me convidou pra ter uma coluna livre aqui na Casa de Vidro, esse não-lugar fronteiriço aberto a pulverizar novidades (do presente e do passado) e a difundir filosofagens (sobre temas tão variados), “plugando consciências no amplificador”. Fiquei honrado com o convite, tanto por gostar tanto do site/blog, como pela gratidão que tenho pelo inestimável apoio do Carli nos últimos anos afim de divulgar minhas “viagens” sonoras/poéticas/etc. – como nos textaços sobre os álbuns: “Parte de Nós” (Diego de Moraes & O Sindicato), “A.C” (Diego Mascate) e o novo  “A Dança da canção incerta” (Pó de Ser), além de infinitos bate-papos permeados por sintonias estéticas e i(deo)lógicas.

Cogitei fazer dessa minha coluna com escoliose uma espécie de “Geleia Geral” – nome do polêmico espaço que Torquato Neto manteve entre 1971 e 1972 no jornal Última Hora (RJ), sintonizando-se a todo um movimento da “contra (ou a favor da…?) cultura” da época. “Geleia Geral” é uma expressão que Torquato copiou (Control C/Control V...) do mestre concretista/semiótico Décio Pignatari (que a criou em 1963 numa pendenga com Cassiano Ricardo, ao expulsá-lo da revistaInvenção), dando-lhe uma dupla-função: nomeou a coluna no jornal e  também batizou uma das mais importantes canções/manifestos da Tropicália, essa famosa parceria desse “anjo torto de Teresina” com Gil:

“Uma poeta desfolha a bandeira e a manhã tropical se inicia”, ligando o “bumba-meu-boi” do folclore nordestino com o iê-iê-iê beatlemaníaco.

 Vai aí um trechinho da coluna torquatêira…. Geleia Geral.jpg

Esse poema foi recitado pelo grande Paulo José num especial preparado pela Rede Globo para o Fantástico, no ano/punk de 1977, por ocasião dos cinco anos do suicídio do poeta.

Pedrada quente com a trilha sonora encabeçada pelo mestre Macao, espia:

  “Poetas imaturos imitam; poetas maduros roubam” (T. S. Eliot)

Torquato “roubou” a “Geléia” do Pig… e eu pensava qual seria o nome da minha coluna aqui… De quem eu “roubaria”?

Até que me aparece no festival de Bowies que virou minha timeline: essa entrevista do mestre para a MTV brasileira em 1997 (Turnê Earthling), na qual ele se auto-define:

“Sou um abutre da cultura.”

Mil faces

Bowie

Pimba! A expressão caiu como uma luva para os propósitos antropofágicos da coluna aqui!

O “abutre da cultura” fica como metáfora para a devoração obsessiva da arte, da poesia e de diversos sabores  lisérgicos e estimulantes.

Do “morto” realimentar a matéria  orgânica do “vivo”. Buscar o “novo”, mesmo que seja no passado, atento ao presente e vislumbrando o futuro, “um museu de grandes novidades”

Ou como escrevi no final de 69:

“A velha-guarda da vanguarda
Anunciando o novo
que é papo velho.”

  • E qual a novidade pra hoje (Sábado, 13/12)?

Uai, hoje participarei em Goiânia do show A SÉTIMA EFERVESCÊNCIA, em homenagem ao MAN Júpiter Maçã (Júpiter Apple) que vai rolar no Evoé, “um lugar do caralho”!

Até saiu essa matéria na capa do DM Revista, ó:

Jupiter no DM

Simbóra lá?!
No próximo post falo mais desse “mosaico de imagens mil”… ok?
Júpiter Evoé.jpg
Inté!
Beijo do magro! 😉

Diego de Moraes

 

VLADIMIR SAFATLE: Dois artigos sobre a Crise dos Refugiados

Guernica

“Guernica 2015”. Por Javcho Savov.

Refugiados que devem ser ‘educados’

Vladimir Safatle – Folha de SP (05/02/2016)

 

“De fato, a tua sina deve ser terrível, e não lhe ficarei indiferente, eu que cresci no exílio, um desterrado como tu, e que arrisquei como ninguém a minha vida lutando muitas vezes em terras estranhas. Por isso, a nenhum forasteiro igual a ti eu hoje poderia recusar ajuda.”

Essas palavras, que todo leitor de Sófocles reconhecerá como um trecho central de “Édipo em Colona”, são as palavras de Teseu a um dos mais célebres refugiados da história do pensamento ocidental, Édipo.

Expulso de sua terra, sem lugar e sem posses, Édipo pede asilo e recebe de Teseu mais do que esperava. Recebe o reconhecimento de que o desterro não deixa ninguém indiferente, mesmo que este outro seja alguém “irrepresentável” para nós, alguém cujas filiações não conhecemos.

Édipo, após furar os olhos, é guiado por Antigona através de Tebas, rumo ao exílio. Pintura de Charles François Jalabert.

Édipo, após furar os olhos, é guiado por Antigona através de Tebas, rumo ao exílio. Cena da trilogia de peças trágicas de Sófocles, em pintura de Charles François Jalabert.

É difícil não lembrar da importância desse dever de acolhimento enunciado na aurora do Ocidente ao ler o artigo de Slavoj Zizek, publicado nesta Folha no último domingo [caderno “Ilustríssima”].

Para criticar a posição “humanitária” que consiste em aceitar todos os refugiados com seus costumes pretensamente arcaicos e contrários aos pouco evidentes “valores europeus”, Zizek parte de uma desconsideração sistemática e deliberada da diferença entre refugiados e imigrantes.

Refugiados são pessoas fugindo de guerras e perseguições pedindo asilo porque o que tinham foi destruído ou confiscado, não são imigrantes procurando sua sorte em países em melhor situação econômica. Eles são o estrato mais vulnerável da população mundial, vendo-se muitas vezes nesse limiar entre a vida e a morte.

Todos os países europeus assinaram acordos claros que os comprometem a recebê-los. Nesse ponto, Habermas foi ao menos mais claro: “O asilo é um direito humano universal”.

No entanto, se hoje um refugiado tiver a infeliz ideia de ir à Dinamarca, ele será acolhido por uma “lei de confisco” que permite ao Estado confiscar seus bens e dinheiro para custear os gastos do governo. Não por acaso, uma prática nazista aplicada sistematicamente contra judeus.

Se ele tentar ir aos EUA, responsáveis diretos por essa situação catastrófica devido à sua intervenção irresponsável no Iraque, ele não será acolhido devido a uma lei criminosa aprovada pelo Congresso americano que o impede de pedir asilo.

O chocante das decisões dinamarquesa e americana não é apenas a lei, mas a ausência de reações ferozes a ela. Zizek prefere outra via e, há meses tem defendido abertamente a “militarização” do problema, ou seja, a criação de uma força militar europeia responsável por triar os refugiados no próprio Oriente Médio, separando o joio do trigo, decidindo, assim, de maneira soberana, quem pode viver e quem deve continuar sob chuva de balas e morrer.

É como dizer: a sorte dessas pessoas não me diz respeito. Pergunto-me se a reação seria a mesma se esses refugiados fossem finlandeses ou australianos, em vez de sírios.

Claro que se pode sempre utilizar o argumento de que os refugiados em questão são muçulmanos que desconhecem nossos pretensos valores de igualdade e tolerância, que entraram em uma espiral de ódio contra o Ocidente e, por isso, deveriam ser antes “educados para a liberdade”.

Slavoj Zizek

Slavoj Zizek

“A difícil lição a tirar disso tudo é que não basta dar voz aos injustiçados do modo como eles estão: para concretizar a emancipação real, eles precisam ser educados – por nós e por eles mesmos – para a liberdade”, foi o que disse Zizek. Como exemplo da necessidade urgente de tal educação, ele usa os ataques e assédios a mulheres perpetrados em Colônia (Alemanha) no Ano-Novo.

No entanto, seria melhor começar por lembrar como, um mês depois dos ataques, a polícia alemã tem 30 suspeitos, sendo 25 argelinos e marroquinos, ou seja, suspeitos que simplesmente não são refugiados (que são sírios, iraquianos e líbios).

Dos outros cinco, não há informações disponíveis. Tais ataques são, infelizmente, uma ação recorrente em várias grandes cidades europeias no Ano-Novo há décadas, são casos de delinquência, de comportamento miserável de grupo que nada tem a ver com o problema dos refugiados.

Pois, se for para falar de machismo e homofobia, é melhor expulsar da Europa boa parte dos próprios europeus e seus líderes políticos, a começar, por exemplo, pelo campeão do machismo rasteiro Silvio Berlusconi.

Temo que essas colocações de Zizek apenas repitam algumas das piores páginas de Hegel, que acreditava que os africanos eram como crianças fora do processo de amadurecimento próprio à história. Tudo se passa como se devêssemos “educá-los” porque eles não têm ideias, apenas afetos como inveja e ódio.

Talvez seria melhor lembrar que ninguém precisa ser educado por um europeu para saber o que significa igualdade e alteridade. Toda sociedade tem uma tendência igualitária e de abertura. Mas às vezes é mais fácil ver, no estrangeiro, uma criança frustrada.

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“Cada vez mais próximos de Hitler”

Vladimir Safatle – Folha de SP (12/02/2016)

cms-image-000450982Aqueles que estão a debater sobre a possibilidade ou não de publicar livros de Hitler deveriam voltar sua atenção para um fenômeno que tem modificado radicalmente a natureza do que chamamos até agora de sociedades democráticas.

Do ponto de vista jurídico, o nazifascismo tinha dois pilares fundamentais. O primeiro era a transformação do estado de emergência em modo normal de governo. O segundo era a possibilidade de espoliar legalmente sujeitos de toda sua condição de cidadãos.

Certas constituições preveem a decretação do estado de emergência em situações de guerra, insegurança nacional e catástrofes de várias naturezas. Sob estado de emergência, o governo pode suspender garantias legais, impor censura e tomar decisões por meios que não seriam aceitáveis em situações normais. Assim, o governo assume claramente a posição de poder soberano que está, ao mesmo tempo, dentro e fora da lei. Dentro, porque é o seu fundamento. Fora, porque pode suspendê-la.

Por exemplo, a constituição alemã da República de Weimar tinha o famoso artigo 48, que dava ao presidente do Reich poderes para decretar o estado de emergência em situações nas quais a “segurança e a ordem” estavam seriamente em perigo.

Assim, quando Hitler chegou ao poder, bastou atear fogo no Reichstag, afirmar que o país estava em estado de grave insegurança e governar a Alemanha impondo um estado de emergência que durou 12 anos. Ou seja, e isso deveria nos fazer pensar muito, a constituição da Alemanha nazista continuava sendo a constituição democrática da República de Weimar.

Nesse sentido, Hitler não precisou fazer como nossos militares, que tiveram de dar um golpe de Estado e escrever uma nova constituição em 1966. Ele apenas se serviu das zonas de sombra da democracia. Do ponto de vista meramente jurídico, o Estado nazista era totalmente legal, e este era seu dado mais aterrador.

Bem, nesta semana a Assembleia Nacional francesa aprovou a primeira etapa para a “constitucionalização do Estado de emergência”.

Depois dos ataques terroristas do ano passado e da situação de “grave insegurança”, seu governo apresentou um série de medidas por meio das quais o Estado procura se aproveitar da situação para criar uma suspensão legal da lei por tempo indeterminado. Seu primeiro-ministro já afirmou claramente que o estado de emergência deveria durar até que o Estado Islâmico deixasse de ser uma ameaça.

Mas e se demorar 12 anos para “destruir” o Estado Islâmico? E se depois do EI vier outro grupo, da mesma forma que os próprios vieram depois da Al Qaeda? Não estaríamos atualmente a assistir a uma espécie de autodestruição das democracias parlamentares?

Vejamos a outra lei que foi aprovada. Ela permite ao Estado retirar a nacionalidade de alguém que “cometeu um crime ou um atentado grave à vida da nação”. A princípio, a redação da lei deixava claro que o alvo eram os cidadãos binacionais, ou seja, majoritariamente aqueles que vieram da imigração árabe.

Agora, o alvo está pressuposto. Toda a discussão da lei foi feita a partir dessa distinção entre cidadãos que podem perder sua nacionalidade e outros que não perderão. Não por outra razão, seus opositores recordam que o regime nazista criou leis semelhantes para lembrar que os judeus não eram cidadãos completos e que eles poderiam simplesmente perder sua cidadania.

Uma lei dessa natureza (que está também a ser discutida em outros países, como a Bélgica) é simplesmente criminosa e joga uma pá de cal no resto de democracia que as sociedades liberais eram obrigadas a suportar. Primeiro, ela dá ao Estado o direito de jogar seus cidadãos em uma zona de não direito, desde que o aparato estatal compreenda que houve um “grave atentado contra a vida da nação”.

Aproveitando-se da comoção nacional por um atentado brutal, o Estado francês propõe um lei que não terá efeito algum para lutar contra as causas da insegurança, ou afinal alguém acredita que uma pessoa disposta a fazer um ataque terrorista iria se deixar tocar pela possibilidade de perder sua nacionalidade?

Na verdade, a lei serve apenas para mostrar aos filhos da imigração que eles nunca foram vistos como cidadãos de fato, já que eles podem simplesmente deixar de serem franceses. Ou seja, ela serve para aprofundar o sentimento de exclusão, preconceito e assimetria que é verdadeiro elemento que alimenta radicalizações.

Desta forma, cada vez mais nossas sociedades se assemelham àquilo que elas pareciam querer combater. Assim, a democracia parlamentar será engolida pelas zonas de sombra que ela mesma criou.

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Confira também:

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Entrevista da Rádio Eldorado com Vladimir Safatle, filósofo e professor livre-docente da Universidade de São Paulo. Inclui algumas canções escolhidas por Safatle, incluindo Joy Division, Patti Smith e João Bosco. 53 minutos.

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Metrópolis – TV Cultura