“COGITO” de Torquato Neto (1944 – 1972) em “26 Poetas Hoje” || Compre @ Livraria A Casa de Vidro

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COGITO de Torquato Neto (1944 – 1972)

eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível

eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim

eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranqüilamente
todas as horas do fim.

* * * *

NA LIVRARIA A CASA DE VIDRO, COMPRE:
“26 Poetas Hoje”, de Heloisa Buarque de Holanda, Ed. Aeroplano, 2007.
Este poema está na p. 65.
Saiba mais em Releituras:http://www.releituras.com/torqneto_cogito.asp

* * * * *

ASSISTA TB:

NA LIVRARIA A CASA DE VIDRO: Obra poética reunida de Ana Cristina César (1952-1983), Companhia das Letras, 2016, 4ª Edição, Posfácio de Viviana Bosi

“Conheces a cabra-cega dos corações miseráveis?”
Ana Cristina César em “Sexta-Feira da Paixão”,
poema do livro A Teus Pés [1982], 2016, p. 111.

[Comprar Poética – Cia das Letras, 2016 @ Livraria A Casa de Vidro]

Homenageada da FLIP 2016, “expoente da literatura marginal brasileira nos anos 70” e “ícone literário de sua geração” (para citar o El País Brasil), Ana Cristina César renasce das cinzas neste livro-antologia, Poética (Cia das Letras, 2013). Lançado 30 anos após seu suicídio, em 1983, quando tinha vivido apenas 31 anos, Poética reúne toda a produção de poesia e prosa da Ana C., incluindo também aos desenhos de próprio punho e alguns facsímiles de seus manuscritos. O livro traz posfácio da professora Viviana Bosi (a filha de Ecléa e Alfredo Bosi), da FFLCH/USP, além de apresentação por Armando Freitas Filho e vários textos anexos, de resenhas publicadas nos jornais sobre seus livros a ensaios de análise biográfica e estética.

Através deste livro, mergulhe a fundo na obra desta poetisa nascida no Rio de Janeiro, em 1952, que formou-se em Letras pela PUC-Rio e depois tornou-se mestre em dose dupla: fez mestrado em comunicação social pela UFRJ e em teoria e prática da tradução literária pela Universidade de Essex (Inglaterra) – onde realizou elogiados trabalhos traduzindo, por exemplo, Bliss de sua adorada Katherine Mansfield (1888-1923). Em 1975, Ana Cristina César despontou integrando a antologia 26 Poetas Hoje (1975), compilada por Heloísa Buarque de Hollanda.

COMPRE "26 POETAS HOJE"

COMPRE “26 POETAS HOJE”. Participaram da antologia os poetas:  Poetas: Francisco Alvim, Carlos Saldanha, Antônio Carlos de Brito, Roberto Piva, Torquato Neto, José Carlos Capinan, Roberto Schwarz, Zulmira Ribeiro Tavares, Afonso Henriques Neto, Vera Pedrosa, Antonio Carlos Secchin, Flávio Aguiar, Ana Cristina Cesar, Geraldo Eduardo Carneiro, João Carlos Pádua, Luiz Olavo Fontes, Eudoro Augusto, Waly Salomão, Ricardo G. Ramos, Leomar Fróes, Isabel Câmara, Chacal, Charles, Bernardo Vilhena, Leila Miccolis.

soneto-ana-cristina-cesarSobre Ana Cristina César, Caio Fernando Abreu deixou-nos uma retrato lapidar, publicado na primeira edição de A Teus Pés pela Editora Brasiliense, em 1982: “fascinada por cartas, diários íntimos ou o que ela chama de ‘cadernos terapêuticos’, Ana C. concede ao leitor aquele delicioso prazer meio proibido de espiar a intimidade alheia pelo buraco da fechadura. (…) A Teus Pés revela finalmente, para um grupo maior, um dos escritores mais originais, talentosos, envolventes e inteligentes surgidos ultimamente na literatura brasileira.”

Já Italo Moriconi escreve que “os amantes da poesia poderão constatar ao lerem  este livro como era avançada a pesquisa poética de Ana C. naqueles idos dos anos 1970 e início dos 1980, buscando radicalizar e narrativizar a sintaxe do poema conversacional que, se por um lado retomava dicções modernistas (algum Mário, muito Drummond, todo o Bandeira, ecos de T.S. Eliot e Baudelaire), por outro as desviava num sentido pop que não parasitava, e sim fagocitava literariamente, com esperteza e ironia, o rock, o rádio, o sexo, as cenas de cinema, a hiperestesia pós-moderna, os embates de um feminismo inquieto.”


ALGUNS POEMAS:

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QUANDO CHEGAR

Quando eu morrer,
Anjos meus,
Fazei-me desaparecer, sumir, evaporar
Desta terra louca
Permiti que eu seja mais um desaparecido
Da lista de mortos de algum campo de batalha
Para que eu não fique exposto
Em algum necrotério branco
Para que não me cortem o ventre
Com propósitos autopsianos
Para que não jaza num caixão frio
Coberto de flores mornas
Para que não sinta mais os afagos
Desta gente tão longe
Para que não ouça reboando eternos
Os ecos de teus soluços
Para que perca-se no éter
O lixo desta memória
Para que apaguem-se bruscos
As marcas do meu sofrer
Para que a morte só seja
Um descanso calmo e doce
Um calmo e doce descanso.

Julho / 1967
p. 141


aSAMBA-CANÇÃO

Tantos poemas que perdi.
Tantos que ouvi, de graça,
pelo telefone – taí,,
eu fiz tudo pra você gostar,
fui mulher vulgar,
meia-bruxa, meia-fera,
risinho modernista
arranhando na garganta,
malandra, bicha,
bem viada, vândala,
talvez maquiavélica,
e um dia emburrei-me,
vali-me de mesuras
(era comércio, avara,
embora um pouco burra,
porque inteligente me punha
logo rubra, ou ao contrário, cara
pálida que desconhece
o próprio cor-de-rosa,
e tantas fiz, talvez
querendo a glória, a outra
cena à luz de spots,
talvez apenas teu carinho,
mas tantas, tantas fiz…

Do livro “A Teus Pés”, p. 113

Bianca Comparato declama “Samba-Canção”:


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COMPRE NA LIVRARIA A CASA DE VIDRO:
Obra POÉTICA reunida de Ana Cristina César (1952-1983)
Companhia das Letras, 2016, 4ª Edição, Posfácio de Viviana Bosi.

ASSISTA:

OS ENCONTROS DE UM CARACOL AVENTUREIRO, um poema de Federico García Lorca (1898 – 1936)

lorca_portrait_fullOS ENCONTROS DE UM CARACOL AVENTUREIRO,
Um poema de Federico García Lorca (1898 – 1936)
Escrito em Dezembro de 1918, Granada
COMPRAR LIVRO “OBRA POÉTICA COMPLETA”

Há doçura infantil
na manhã quieta.
As árvores estendem
seus braços à terra.
Um bafo tremente
cobre as sementeiras,
e as aranhas estendem
seus caminhos de seda
– raias no cristal limpo
do ar.

Na alameda
um manancial recita
seu canto entre as ervas.
E o caracol, pacífico
burguês da vereda,
ignorado e humilde,
a paisagem contempla.
A divina quietude
da Natureza
deu-lhe valor e fé,
e esquecendo-se das penas
de seu lar, desejou
ver o fim da senda.

Pôs-se a andar e internou-se
em um bosque de heras
e de urtigas. No meio
havia duas rãs velhas
que tomavam sol,
entediadas e enfermas.

‘Esses cantos modernos’
-murmurava uma delas-
‘são inúteis.’ ‘Todos,
amiga’ – lhe responde
a outra rã, que estava
ferida e quase cega. –
‘Quando jovem acreditava
que se finalmente Deus ouvisse
o nosso canto, teria
compaixão. E minha ciência,
pois já vivi muito,
faz com que não o creia.
Eu já não canto mais…’

As duas rãs se queixam,
pedindo uma esmola
a uma rãzinha nova
que passa presumida
apartando as ervas.

Ante o bosque sombrio
o caracol se aterra.
Quer gritar. Não pode.
As rãs aproximam-se dele.

‘É uma mariposa?’
-diz a quase cega.
‘Tem dois cornichos’
– a outra rã responde.
‘É o caracol. Vens,
caracol, de outras terras?’

‘Venho da minha casa e quero
bem depressa voltar para ela.’
‘É um bicho mui covarde’
– exclama a rã cega.
‘Não cantas nunca?’ ‘Não canto’,
diz o caracol. ‘Nem rezas?’
‘Tampouco – nunca aprendi.’
‘Nem crês na vida eterna?’
‘O que é isso?’

‘É viver sempre
dentro da água mais serena,
perto de uma terra florida
que rico manjar sustenta.’

‘Quando menino me disse
um dia minha pobre avó
que, ao morrer, eu iria
para junto das folhas mais tenras
das árvores mais altas.’

‘Uma herege era tua avó.
A verdade te dizemos,
nós. Acreditarás nela’ –
dizem as rãs furiosas.

‘Por que quis ver a senda?’
-geme o caracol. ‘Sim, creio
para sempre na vida eterna
que [me] predicais…’

As rãs,
muito pensativas, afastam-se,
e o caracol, assustado,
vai-se perdendo na mata.

As duas rãs mendigas
como esfinges ficam.
Uma delas pergunta:
‘Crês tu na vida eterna?’
‘Eu não’ – diz mui triste
a rã ferida e cega.
‘Por que dissemos, então,
ao caracol que cresse?’
‘Porque… Não sei por quê’
– diz a rã cega.
‘Encho-me de emoção
ao sentir a firmeza
com que chamam meus filhos
a Deus lá da acéquia…’

O pobre caracol
volta atrás. Na senda
um silêncio ondulado
emana* da alameda.
Com um grupo de formigas
encarnadas se encontra.
Vão muito alvoroçadas,
arrastando atrás de si
outra formiga que tem
truncadas as antenas.
O caracol exclama:
‘Formiguinhas, paciência.
Por que assim tratais
vossa companheira?
Contai-me o que fez.
Eu julgarei com consciência.
Conta-o tu, formiguinha’.

A formiga, meio morta,
diz muito tristemente:
‘Eu vi as estrelas’.
‘Que são as estrelas’, dizem
as formiguinhas inquietas.

E o caracol pergunta,
pensativo: ‘Estrelas?’
‘Sim’ – repete a formiga-,
‘vi as estrelas,
subi na árvore mais alta
que existe na alameda
e vi milhares de olhos
dentro de minhas trevas.’
E o caracol pergunta:
‘Mas o que são as estrelas?’
‘São luzes que levamos
sobre nossa cabeça’.
‘Nós não as vemos’,
as formigas comentam.
E o caracol: ‘Minha vista
só alcança as ervas’.

E as formigas exclamam,
movendo as suas antenas:
‘Matar-te-emos, és
perguiçosa e perversa.
O trabalho é a tua lei’.

‘Eu vi as estrelas’,
diz a formiga ferida.
E o caracol sentencia:
‘Deixai-a ir,
continuai as vossas tarefas.
É possível que, muito em breve,
já rendida, morra’.

Pelo ar dulcífico,
cruzou uma abelha.
A formiga, agonizando,
cheira a tarde imensa,
e diz: ‘É a que vem
levar-me a uma estrela’.

As demais formiguinhas
fogem ao vê-la morta.

O caracol suspira
e aturdido se afasta
cheio de confusão
por causa do eterno. ‘A senda
não tem fim’ – exclama.
‘Talvez às estrelas
se chegue por aqui.
Mas minha grande fraqueza
me impedirá de chegar.
Não pensemos mais nelas.’

Tudo estava brumoso
de sol débil e névoa.
Campanários longínquos
chamam gente à igreja,
e o caracol, pacífico
burguês da vereda,
aturdido e inquieto,
a paisagem contempla.

issIn: Obra Poética Completa, Ed. Martins Fontes, 2012, 5ª edição, p. 13-20.
Tradução de William Agel de Mello.

SINOPSEPoeta e dramaturgo de trágico destino, García Lorca legou-nos uma obra que ultrapassou as fronteiras de tempo e de sua tão querida Espanha por seu valor intrínseco. Este artesão da palavra produziu, em tão breve período de tempo e de forma tão intensa, a poesia com os traços universais que caracterizam os grandes poetas. O leitor encontrará a obra completa de Lorca, podendo observar a evolução de um poeta, mestre da vida. Seus desenhos ilustram e completam a beleza de sua Obra Poética. Edição bilíngue – espanhol / português. – COMPRE NA LIVRARIA A CASA DE VIDRO @ ESTANTE VIRTUAL.

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PEDAGOGIA DA LIBERTAÇÃO: Laços entre as utopias de Paulo Freire e José Martí, professores da desopressão e da construção de um alter-mundo melhor

Paulo Freire e José Martí: pedagogos da libertação onde arde a chama da utopia. Não uma utopia confundida com inúteis e vãos sonhos impossíveis, não uma utopia que é aguardo paciente e apático do Eldorado que por si mesmo se fará, mas uma utopia que descreve o télos de uma coletividade humana que, em sua força histórica atuante e concreta, pensa e age em prol da a construção de um outro mundo, de uma realidade alternativa, de uma sociedade radicalmente transformada para melhor – é o fogo que emana da vida e da obra de ambos.

Ultimamente alguns pensadores da educação têm buscam aclarar as afinidades eletivas entre P. Freire e J. Martí – é o caso de Danilo Streck (Unisinos), que participou da Feira Internacional do Livro de Havana, em Fevereiro de 2016, falando sobre Por Que Ler José Martí e Paulo Freire Hoje? . Na Universidade e na Imprensa, têm pintado artigos que sondam o mesmo tema, como este na Revista Redie (por Miguel Alvarado Arias) ou esta entrevista com o professor Carlos Rodríguez Almaguer no A Verdade.

Aqui tentarei mostrar brevemente, num paralelo entre ambos, quais são alguns dos pontos de contato entre estes dois professores de desopressão, a começar pela unidade indissolúvel entre anúncio denúncia, que segundo Freire constitui a essência mesmo da práxis transformadora utópica.

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“A pedagogia que defendemos, concebida na prática realizada numa área significativa do Terceiro Mundo, é, em si, uma pedagogia utópica”, escreve Paulo Freire em “Ação Cultural Para A Liberdade”. “Utópica, não porque se nutra de sonhos impossíveis, porque se filie a uma perspectiva idealista, porque implicite um perfil abstrato de ser humano, porque pretenda negar a existência das classes sociais ou, reconhecendo-a, tente ser um chamado às classes dominantes para que, admitindo-se em erro, aceitem engajar-se na construção de um mundo de fraternidade. Utópica porque, não “domesticando” o tempo, recusa um futuro pré-fabricado que se instalaria automaticamente, independente da ação consciente dos seres humanos.

Utópica e esperançosa porque, pretendendo estar a serviço da libertação das classes oprimidas, se faz e se refaz na prática social, no concreto, e implica a dialetização da denúncia e do anúncio, que têm na práxis revolucionária permanente o seu momento máximo. Por isso, denúncia e anúncio, nesta pedagogia, não são palavras vazias, mas compromisso histórico. Por outro lado, a denúncia da sociedade de classes como uma sociedade de exploração de uma classe por outra exige um cada vez maior conhecimento científico de tal sociedade e, de outro, o anúncio da nova sociedade demanda uma teoria da ação transformadora da sociedade denunciada.” (FREIRE: 2015, p. 94)

Já explorei a fundo, em outro artigo, os detalhes disto que Freire recomenda com tanta insistência e entusiasmo: o laço indissolúvel entre denúncia (a faceta crítica, problematizante, contestatória) e o anúncio (a construção de uma alter-realidade, a práxis transformativa e colaborativa de viés utópico). Segundo Danilo Streck, “a América Latina conquistou um espaço no cenário pedagógico internacional, hoje reconhecido sobretudo na figura de Paulo Freire, mas cujas raízes estão para além de sua pessoa e de nosso tempo. Trata-se, então, de alargar o olhar para trás e identificar marcas da gênese e da constituição dessa pedagogia. José Martí é uma destas figuras que balizam a construção da teoria pedagógica na América Latina.” (STRECK: 2007, p. 14).

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Uma introdução bastante significativa à pedagogia de Martí em Nuestra America são os textos que ele escreveu para as crianças, na revista mensal La Edad de Oro, que teve quatro edições e que em seu número de estréia, em julho de 1889, trazia uma contribuição de Martí à formação dos niños e niñas do amanhã, o impressionante texto “Três Heróis”. No caso, Martí queria ensinar à criançada algumas lições de moral e honradez, de heroísmo e humanismo, fazendo recurso a três figuras de monumental dimensão histórica: Simon Bolívar (1783-1830), José F. de San Martín (1778 – 1850), Miguel Hidalgo (1753 – 1811). Que no Brasil tão pouco se conheça, tão pouco se ensine e se aprenda, sobre Bolívar, San Martín e Hidalgo, é mais um sintoma do quanto a escola se apartou de seu compromisso histórico de levar ao conhecimento comum a vida e a obra destes três heróis emblemáticos e fecundos.

Vivendo no exílio em Nova York, após ser deportado de Cuba, Martí escreve os textos para A Idade do Ouro a partir de 1889, e evidentemente não há nenhum sinal da “neutralidade ideológica” preconizada no Brasil atual pelos acólitos do Escola Sem Partido: Martí, um dos fundadores do Partido Revolucionário Cubano e que perderá a vida no campo de batalha em 1895, devotou sua vida à construção de uma pedagogia diretamente informado pela experiências das lutas de libertação latino-americanas contra o jugo opressivo do império da Espanha. Sua escolha de heróis já torna explícito seu viés político, sua predileção pelos líderes anti-coloniais, agentes do processo de conquista coletiva de autonomia e autodeterminação. 

“Três Heróis”, preleção aos chiquititos, começa evocando a estátua do Libertador Bolívar em Caracas, na Venezuela, para realizar um discurso altamente moralista e edificante, centrado na virtude da honradez, assemelhada, neste contexto, à noção de dignidade humana:

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“Contam que um dia um viajante chegou a Caracas ao anoitecer e, sem sacudir o pó do caminho, não perguntou onde se comia nem se dormia, mas como se ia aonde estava a estátua de Bolívar. E contam que o viajante, só, com as árvores altas e perfumadas da praça, chorava diante da estátua, que parecia mover-se, como um pai quando se aproxima um filho. O viajante fez bem, porque todos os americanos devem querer a Bolívar como um pai. A Bolívar e a todos os que lutavam como ele para que a América fosse do homem americano. A todos: ao herói famoso e ao último soldado, que é um herói desconhecido. Os homens que lutam para ver livre a sua pátria até se tornam formosos de corpo.

Liberdade é o direito que todo homem tem de ser honrado e de pensar e falar sem hipocrisia. Na América não se podia ser honrado, nem pensar, nem falar. Um homem que oculta o que pensa ou não se atreve a dizer o que pensa não é um homem honrado. Um homem que obedece a um mau governo, sem trabalhar para que o governo seja bom, não é um homem honrado. Um homem que se conforma  com obedecer a leis injustas e permite que o país em que nasceu seja pisado por homens que o maltratam, não é um homem honrado. O menino, desde que pode pensar, deve pensar em tudo o que vê, deve padecer por todos os que não podem viver com honradez, deve trabalhar para que possam ser honrados todos os homens e deve ser um homem honrado.

O menino que não pensa no que sucede a seu redor e se contenta em viver sem saber se vive honradamente é como um homem que vive do trabalho de um sem-vergonha e está a caminho de ser um sem-vergonha. Há homens que são piores que as bestas, porque as bestas necessitam ser livres para viver ditosas; o elefante não quer ter filhos quando vive preso; a lhama do Peru se lança na terra e morre quando o índio lhe fala com rudeza ou lhe põe mais carga do que pode suportar. O homem deve ser, pelo menos, tão decoroso como o elefante e como a lhama. Na América se vivia antes da liberdade como a lhama que tem muita carga. Era necessário tirar a carga ou morrer.

Bolívar era pequeno de corpo. Os olhos relampejavam e as palavras saltavam dos lábios. Parecia que estava sempre esperando a hora de montar a cavalo. Era seu país, seu país oprimido, que lhe pesava no coração e não o deixava viver em paz. A América inteira estava como que despertando. Um homem só nunca vale mais do que um povo inteiro, mas há homens que não se cansam quando seu povo se cansa… Esse foi o mérito de Bolívar, que não cansou de lutar pela liberdade da Venezuela, quando parecia que a Venezuela cansava. Tinham-no derrotado os espanhóis: tinham-no expulso do país. Ele foi a uma ilha, para ver sua terra de perto, para pensar em sua terra.

Um negro generoso ajudou-o quando ninguém já não queria ajudá-lo. Voltou um dia a lutar, com 300 heróis, com os 300 libertadores. Libertou a Venezuela. Libertou Nova Granada. Libertou o Equador. Libertou o Peru. Fundou uma nação nova, a nação da Bolívia. Ganhou batalhas sublimes com soldados descalços e meio desnudos. Tudo estremecia e se enchia de luz ao seu redor. Os generais lutavam ao seu lado com valor sobrenatural. Era um exército de jovens. Jamais se lutou tanto, nem se lutou melhor, no mundo, pela liberdade. Bolívar não defendeu com tanto fogo o direitos dos homens a governar-se por si mesmos quanto o direito da América de ser livre. Os invejosos enxergaram seus defeitos. Bolívar morreu de pesar do coração, mais que de mal do corpo, na casa de um espanhol em Santa Marta. Morreu pobre e deixou uma família de povos.” (MARTÍ, La Edad de Oro, “Três Heróis”, 2007, p. 143).

Esta celebração de Martí à figura histórica de Bolívar, que no mesmo texto ele estende à San Martín e Hidalgo, é evidentemente problemática e criticável: não faltarão aqueles que acusarão esta pedagogia de querer ensinar à infância e à juventude a veneração de ídolos, o culto à personalidade heróica dos “libertadores”, a idolatria aos feitos bélicos daqueles que lutaram pelas independências nacionais na América então sob o jugo do imperialismo hispânico. Também é inegável a ênfase de Martí no patriotismo como uma motivação desejável e digna com a qual incendiar o entusiasmo militante dos pequenos – o que se dá, obviamente, num contexto onde pátria livre é sinônimo de república democrática e autônoma, em contraste com colônia dependente e gerida por monarquias de ultra-mar.

Em um momento histórico em que, em meados da década de 2010s, o conceito de “bolivarianismo” segue muito presente nos debates políticos, muitas vezes com um sentido pejorativo, mobilizado para defenestrar os regimes do falecido Hugo Chávez na Venezuela (e de seu sucessor N. Maduro) ou do ex-presidente Evo Morales da Bolívia, não deixa de ter alto interesse e valor o estudo, a compreensão e o debate lúcido sobre o que de fato foi realizado por figuras como Bolívar, Martí e Hidalgo. Pois chega a dar aquela sensação de “vergonha alheia” quando às vezes testemunhamos figuras, que se confessam “de direita” ou que se propõem como “liberais”, tacando pedras sobre regimes políticos e seus respectivos líderes sob a acusação de serem tiranos ou ditadores “bolivarianos” ou “bolivaristas”, sendo que estes mesmos defenestradores odientos são incapazes de falar por 5 minutos sobre a vida e o legado de Simon Bolívar. Solicitados a debater sobre o que tanto os enfurece no mesmo, podem até mesmo responder algo tão profundamente abissal como: “você quer que eu reflita sobre o legado de Simão Quem?!?”

O que José Martí realiza através de seus textos, artigos e discursos, além de demonstrar o infatigável ímpeto de um intelectual-atuante que não se recusa nunca a assumir uma posição na luta de classes e no clash das ideologias, é fornecer um conteúdo bastante concreto à palavra “libertação” – o que é um ponto de contato com Paulo Freire. Para ambos, libertação não é mero blá-blá-bá, mas compromisso histórico: no caso de Martí e Bolívar, era evidentemente norteada pela luta dos povos latino-americanos por seu direito à auto-determinação, violado por séculos de imperialismo espanhol e todo seu séquito de horrores, dos quais destacava-se a imposição do sistema de produção escravista, com milhões de pessoas forçadas ao trabalho indigno, à vida curta e dolorosa, e aos frutos de seu labor roubados em sua inteireza por patrões imperiais.

É claro que Paulo Freire vive em outra época, mas à semelhança de Martí vivencia também o exílio, após o golpe de Estado de 1964, abordando a situação da América Latina também sob o viés da necessidade incontornável e inadiável de vencer a opressão sustentada por uma nova modalidade de imperialismo – agora com sede nos EUA e impondo a economia política do neoliberalismo, aquilo que Naomi Klein chamará de Doutrina do Choque. A experiência das ditaduras militares instauradas no Brasil, no Chile, na Argentina, no Uruguai, no Peru, dará ao pensamento de Paulo Freire um teor que o aproxima não só das lutas libertárias anti-coloniais do passado latino-americano (Bolívar, Martí…), mas que o conectará também aos movimentos pela libertação da África de que foi contemporâneo, sendo determinante também na gestação da Pedagogia do Oprimido a obra de um Amílcar Cabral ou de um Franz Fanon.

Além dos textos publicados na revista La Edad de Oro, destinadas à formação da juventude, há outros artigos de José Martí que comunicam de modo bem sintético e poético seus ideais pedagógicos. Eu destacaria, neste contexto, uma espécie de manifesto que Martí escreve para descrever as atividades da “Liga”, fundada em Nova York em 1889, em parceria com Rafael Serra, com o propósito de formar seus acólitos para a tarefa revolucionária e para as lutas em prol da autodeterminação dos povos (além de Nova York, a Liga desenvolveu suas experiências nas plantações e fábricas de tabaco no Sul da Flórida). Em 26 de Março de 1892, em artigo publicado em Patria, Martí escreve:

José Martí, Nova York, 1885.

José Martí, Nova York, 1885.

“A Liga” de Nova York é uma casa de educação e de carinho, (…) nela reúnem-se, depois da fadiga do trabalho, os que sabem que somente há felicidade verdadeira na amizade e na cultura; os que em si sentem ou vêem por si que o ser de uma cor ou de outra não diminui no homem a aspiração sublime; os que não crêem que ganhar o pão em um ofício dá ao homem menos direitos e obrigações que os daqueles que o ganham em qualquer outro; os que ouviram a voz interior que manda ter acesa a luz natural e o peito, como um ninho, quente para o homem; os filhos das duas ilhas que, no sigilo da criação, amadurecem o caráter novo por cuja justiça e prática firme se haverá de assegurar a pátria. Conquistá-la será menos que mantê-la; e junto com a arma que haverá de resgatá-la é necessário levar a ela o espírito da república e o habitual manejo das práticas livres, que por sobre todos seus germes de discórdia haverá de salvá-la.

E se A Liga tivesse alguma nota especial nas coisas de nosso país, seria a de ver-se ali sem suspicácia, e sem disputar-se a fama ou o pão da mesa, os que vêem do país oprimido e os que fora dele lhes abrem os braços; seria a de reunir-se ali, apagadas com o anelo do saber as marcas todas do cansaço do dia, os que dos livros não querem conhecer a mera letra pedante, mas tirar-lhes o espírito com os fogos e choques da conversação, ou ensinar aos que sabem menos, ou aprender mais do que se sabe; seria a de juntar-se ali, sem lisonja de alguns nem humilhação de outros, mas com os olhares no mesmo nível, os filhos dos que foram injustos e os daqueles que padeceram a injustiça.” (MARTÍ, 2007, p.  118-119)

A SER CONTINUADO…
Carli – 25/01/2017


SIGA VIAGEM… NO CINEMA:


SIGA VIAGEM: INÉDITOS VIÁVEIS – A Utopia Como Síntese Entre Denúncia e Anúncio no Pensamento de Paulo Freire


BIBLIOGRAFIA

FREIRE, P.  Ação Cultural Para A Liberdade. Paz & Terra: 2015, 15ª edição.

MARTÍ, J. A Idade de Ouro – Escritos Para Crianças. In: Educação em Nossa América – Textos Selecionados. Unijuí: 2007.

MARTÍ, J. As segundas-feiras de “A Liga”. In: Educação em Nossa América – Textos Selecionados. Unijuí: 2007.

STRECK, D. “José Martí e o imaginário pedagógico latino-americano – introdução para uma leitura pedagógica.” Unijuí, 2007.

P.S. – As fotografias que abrem e fecham esta publicação representam uma escultura, Meñique, baseada na obra de Martí, localizada no parque La Edad de Oro, em Artemisa, Cuba. Encontrei no site do artista visual Karroll Williams.

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O FOGO DE PROMETEU E AS ORIGENS DA CIVILIZAÇÃO CARNÍVORA – Sobre o ensaio de Percy Shelley (1792-1822), “A Vindication of Natural Diet” (1813)

Joseph Severn, Posthumous Portrait of Shelley Writing Prometheus Unbound (1845)
Retrato do poeta Shelley escrevendo “Prometeu Libertado” (Prometheus Unbound). O quadro é do pintor Joseph Severn, 1845.

Talvez não haja modo mais eficaz de questionar um carnívoro do que colocando a interrogação, tão simples quanto embaraçosa: você seria capaz de matar a tua própria janta? O poeta inglês Shelley, invocando um experimento que Plutarco propunha, sugere a seu leitor que imagine-se em uma situação em que “com os próprios dentes, arranca um membro de um animal, mergulha a cabeça em suas vísceras, satisfaz sua sede com o sangue que jorra aos borbotões…” (SHELLEY: V.N.D., pg. 573) Você acha que seria capaz, após uma vivência dessas, de dizer que a Natureza te fez de modo a encontrar deleite e serenidade no exercício cotidiano de tal atividade alimentícia?

Calma! O poeta não está convidando-nos a praticar de fato uma tentativa de ir à caça sem outros instrumentos senão aqueles de que a Natureza nos equipou, para depois pôr em exercício a devoração de carne crua. Tais atitudes seriam desviantes em relação às normas civilizacionais em vigor há tantos milênios e que estabelecem um tabu em relação à carne que não foi tocada pelo fogo. Shelley solicita-nos que imaginemos os afetos que tomariam conta de nós diante de uma tarefa como esta: comer um bicho cru, sem que ele antes passe pela cozinha ou pela fábrica. A resposta de Shelley é que há uma reação “instintiva”, visceral, supra-racional que toma conta do ser humano diante da perspectiva de um banquete como este, que tendemos a considerar subhumano pois semelhante àquele que os leões impõem às zebras ou que os abutres praticam sobre as carcaças.

Na Selva que os civilizados pretendem ter deixado para trás, soterrada pelos edifícios suntuosos da Civilização, não há mais permissão dada para esta selvageria da carne crua, mas vigora aquilo que se considera como o zênite civilizacional insuperável: a carne cozida. Mas será que chegamos mesmo no topo? É isso o melhor que podemos fazer e não devemos esperar por nada melhor do que isso?

Factory Farm Editorial by KerriAitken
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Segundo o poeta Shelley (que nisto acompanha Plutarco, Pitágoras, além de milênios de sabedoria indiana…) é irrecusável o fato de que experimentamos, diante da perspectiva de matar a nossa própria janta e depois devorá-la sem preparação culinária alguma, sensações intensas de repugnância, de nojo, de recusa. É como se a própria natureza humana vomitasse diante de uma prática como nos alimentarmos com a carne crua de animais recentemente ceifados por nossas próprias mãos nuas.

Tanto que poderíamos dar o nome de tecnologia àquilo que faz por nós o serviço sujo: para que não sujemos as mãos de sangue, pagamos para que a “tecnologia” e seus operadores corporativos matem por nós o que não queremos matar sozinhos. E tudo  para que possamos devorar a carne de seres vivos recentemente assassinados com argumentos tão sólidos quanto: “Agrada-me muito o sabor desta salsicha!” ou “Que fragrância sublime emana desse churrasco!”

Shelley, em seu ensaio “A Vindication of Natural Diet” (1813), sustenta a tese de que a humanidade é naturalmente frugívora ou vegetariana, e que o carnivorismo ou omnivorismo não passa de uma perversidade inventada pela Civilização. Aqui, é claro, não se trata da Civilização que é celebrada por seus ideólogos e demagogos papagaios, mas sim de uma Civilização enxergada criticamente, posta em questão por um de seus integrantes mais contestatórios e interrogativos, e que foi confrontada História afora pelo levante rebelde de figuras como Jean Jacques Rousseau, Friedrich Nietzsche, Henry David Thoreau, dentre tantos outros, que identificam a decadência de um Civilização a partir do sintoma deste maléfico distanciamento que o humano realiza em relação à Natureza, alienando-se dela e passando a percebê-la como um inimigo a vencer, como um escravo a submeter e controlar. A dieta carnívora, em Shelley, aparece como um dos sintomas de uma civilização que instaura um divórcio pernicioso, que cinde-nos e divide-nos, apartando-se da Natureza e embrenhando-nos nas teias do artifício, com atrozes consequências.

Em Shelley – como ocorre em boa parte da poesia dita Romântica do séc. 19 – a Civilização é sistematicamente acusada por suas imperfeições inúmeras, suas insensatas húbris e manias, seus desarranjos passionais e destrutivos que se manifestam, por exemplo, no clamor das guerras e na cotidianização dos massacres animais institucionalizados. As instituições civilizadas do presente histórico do poeta aparecem-lhe como que encharcadas de sangue, maculadas por vícios sem fim, como por exemplo o de se serem devotadas ao exercício da força bruta e do domínio tirânico. [#2]

A importância histórica do fogo no caminhar evolutivo da humanidade e suas instituições não pode ser subestimado, e não somente pois o fogo tanto contribuiu para o avanço das artes mortíferas da guerra. O pensamento de Shelley evoca fortemente a importância do fogo como peça-chave para a modificação dos hábitos de alimentação humanos – o Fogo representa o momento da Queda, em que mordemos o fruto do pecado e despencamos rumo a uma condição de doença, apetites desnaturados, intemperanças pagas com o custo de tormentos e sofrimentos infindos. O fruto do pecado – ousa proclamar o poeta rebelado, em herética intenção de re-escrever os Evangelhos! – não é a maçã… mas sim a carne. Os mestres da pintura flamenga, ao pintarem o cenário mítico do Gênesis bíblico, souberam bem enfatizar a harmonia-com-os-animais que vigia no Éden antes do Pecado Original; ali, no Paraíso primevo de que o casal primordial é expulso, não há carnivorismo e nenhum dos animais sai correndo, temeroso por sua vida, quando depara com Adão e Eva:

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“Adam and Eve eating of the tree of evil, and entailing upon their posterity the wrath of God, and the loss of everlasting life, admits of no other explanation than the disease and crime that have flowed from unnatural diet. (…) Comparative anatomy teaches us that man resembles frugivorous animals in everything, and carnivorous in nothing; he has neither claws wherewith to seize his prey, nor distinct and pointed teeth to tear the living fibre. (…) It is only by softening and disguising dead flesh by culinary preparation that it is rendered susceptible of mastication or digestion, and that the sight of its bloody juices and raw horror does not excite intolerable loathing and disgust.”

PERCY SHELLEY, “A Vindication of Natural Diet” (1813), pgs. 571 e 573.

Shelley conhece profundamente toda a carga mítica que envolve com suas auréolas a questão do FOGO  nas mitologias de várias civilizações, que não se cansam de tecer poeticamente o tecido simbólico social através de narrativas como as de Prometeu (na cultura grega) ou Agni (na cultura indiana). Prometeu, o Titã que rouba o fogo do Olimpo, em desobediência desabrida aos ditames de Zeus, é portanto uma encarnação mítica da relevância do fogo na história humana, que Shelley enxerga indissoluvelmente conectada a uma prática social que só se tornou possível após o controle humano das chamas ser conquistado. O fogo é aquilo que possibilita o carnivorismo; não haveriam humanos carnívoros se não fosse pelo turning point realmente revolucionário que foi na História da espécie o ganho de comando sobre o fogo, elemento até então ingovernável e que enfim a Humanidade descobre-se como governante.

Ora, Shelley tem argumentos de sobra para defender sua tese de que não é natural para os humanos comer carne. Shelley defende que o carnivorismo é algo cuja existência histórica está condicionada aos artifícios tecnológicos, a começar pelo fogo, que permitem seu cozimento e, portanto, seu consumo. Não teríamos coragem, e nosso organismo mesmo se revoltaria, caso tentássemos viver baseados em uma dieta de carne crua. Só o fogo é que permite que estes animais frugívoros que somos, tão intensamente aparentados com os orangotangos (primatas célebres por serem 100% vegetarianos), vivamos à base de carne animal. O presente de Prometeu aos humanos – o fogo roubado dos céus – foi aquilo que permitiu-nos impor o domínio tirânico sobre a Natureza e que que permitiu a uma fração da humanidade ir contra a sua própria inaptidão inata para o carnivorismo. Mas uma dieta tão desnaturada não pode ter como efeito senão a tortura de sermos punidos pelo constante ataque do abutre da Doença.

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“The story of Prometheus is one likewise which, although universally admitted to be allegorical, has never been satisfactorily explained. Prometheus stole fire from heaven, and was chained for this crime to Mount Causasus, where a vulture continually devoured his liver, that grew to meet its hunger. Hesiod says that before the time of Prometheus, mankind were exempt from suffering; that they enjoyed a vigorous youth, and that death, when at length it came, approached like sleep, and gently closed their eyes. (…) How plain a language is spoken by all this. Prometheus (who represents the human race) effected some great change in the condition of his nature, and applied fire to culinary purposes; thus inventing an expedient for screening from his disgust the horrors of the shambles. From this moment his vitals were devoured by the vulture of disease.” (SHELLEY, V.N.D., pg 573)

Vê-se que Shelley pretende interpretar o mito de Prometeu de modo bem semelhante à sua decifragem do mito de Adão e Eva: ambos são narrativas sobre uma Queda ocasionada por uma ruptura que a Humanidade estabelece com a dieta natural a que nossos corpos, anatomica e fisiologicamente, convidam-nos a seguir e respeitar. Prometeu, simbolizando a humanidade, adquire o hábito de comer carne – mas exclusivamente a carne cozida – somente após empregar sobre sua caça o fogo que roubou dos céus. O carnivorismo, portanto, longe de ser originário e natural, surge em certo momento da história, aquele em que a Humanidade ganha um domínio sem precedentes sobre a Natureza por ter aprendido a comandar o poder antes acreditado como privilégio dos deuses, aquele poder de combustão continuada que em espanto e incompreensão o ser humano vê, em plena operação mas à distância abissal, nos caldeirões cósmicos das estrelas.

O poeta não se abstêm de falar no tom do profeta ou do moralista: Shelley, como um punk straight-edge que tivesse lido doses cavalares de Ésquilo e Milton, vocifera não só contra a dieta carnívora, que considera uma perversão da natureza humana, mas também contra o alcoolismo: “How many thousands have become murderers and robbers, bigots and domestic tyrants, dissolute and abandoned adventurers, from the use of fermented liquors; who, had they slaked their thirst only at the mountain stream, would have lived but to diffuse the happiness of their own unperverted feelings.” (SHELLEY, V.N.D., p. 576)

Não devemos porém compreender o discurso de Shelley como apologia do ascetismo, da auto-mortificação, do auto-sacrifício; ao contrário, se Shelley faz o elogio da “dieta natural” (isto é, do vegetarianismo) é pois considera que ele é vantajoso tanto do ponto de vista individual (dando-nos saúde e longevidade) quanto do ponto de vista coletivo.

Shelley considera que a dieta natural é perfeitamente compatível com “um sistema de perfeito epicurismo”, baseado nos deleites serenos possibilitados pela temperança, pela frugalidade, por uma conduta norteada pelos valores da amizade e da compaixão por todas as criaturas sencientes.

Um epicurista Shelleyano é vegetariano também pelo prazer que isso dá, tanto por ser saudável ao corpo quanto por agradar à mente sabermos que não somos alguém que deleita-se com o sofrimento de outros seres vivos, ou seja, que estamos livres do ímpeto malsão de gozar com a crueldade e o exercício do domínio tirânico. Se Shelley procura convocar o ardor de novos entusiastas para a sua causa, é a partir da propaganda que faz dos extensos e largos benefícios que decorreriam da re-harmonização do homem com sua dieta natural (frugívora, vegetariana).

A inteligência e a sensibilidade do ser humano, espera o poeta, hão em um dia glorioso de nosso futuro, quando enfim nos tornarmos mais iluminados, dar como frutos a capacidade para a simpatia, a empatia, a gentileza: “it will be a contemplation full of horror and disappointment to his mind, that beings capable of the gentlest and most admirable sympathies, should take delight in the death-pangs and last convulsions of dying animals.” (SHELLEY, V.N.D., p. 581)

Já do ponto de vista da saúde e da felicidade coletivas, é incrível o quão contemporâneo é o argumento de Shelley – veiculado em um texto que, apesar de escrito no começo do século 19, prossegue válido 200 anos depois. Ainda que não tenha conhecido nada que se assemelhe ao nosso atual sistema de pecuária industrial [factory farming], Shelley era agudamente consciente das contradições obscenas de uma sistema de produção de alimentos que condena tantos milhões à subnutrição e à miséria, enquanto dá a alguns privilegiados o poder de deleitar-se com carnes. Os animais, engordados com alimentos vegetais que poderiam perfeitamente ser consumidos diretamente pelos humanos, representam uma maneira depredatória, anti-ecológica e ademais ineficaz de produzir os meios concretos de alimentar a contento o conjunto da humanidade.

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Em sintonia com argumentos avançados tanto por documentários contemporâneos (como Cowspiracy e Meat The Truth) quanto pelos pesquisadores e acadêmicos mais renomados do ramo (como Raj Patel e Peter Singer), Shelley denuncia o sistema carnívoro como poluente, desperdiçador, insustentável, eticamente inaceitável e ecologicamente abominável: “The quantity of nutritious vegetable matter consumed in fattening the carcase of an ox would afford ten times the sustenance, undepraving indeed, and incapable of generating disease, if gathered immediately from the bosom of the earth. The most fertile districts of the habitable globe are now actually cultivated by men for animals, at a delay and waste of aliment absolutely incapable of calculation. It is only the wealthy that can, to any great degree, even now, indulge the unnatural craving for dead flesh, and they pay for the greater license of the privilege by subjection to supernumerary diseases.” (SHELLEY, V.N.D., p. 581)

É um argumento que George Monbiot, um dos jornalistas mais bem informados em atividade em nossos tempos, retoma em texto artigo recente: “Manter animais insalubres em currais lotados requer montes de antibióticos. (…) Esse sistema é também devastador para a terra e o mar. Animais de fazendas industriais consomem um terço da produção global de cereais, 90% do farelo de soja e 30% dos peixes capturados. Se os grãos que hoje alimentam animais fossem destinados, em vez disso, às pessoas, mais 1,3 bilhão de indivíduos poderiam ser alimentados. Carne para os ricos significa fome para os pobres.”

Em seu tempo, Shelley pôs todo o ardor de seu verbo incendiado e rebelde para conclamar todos aqueles que amam a felicidade e a justiça a darem uma chance ao vegetarianismo; o poeta argumenta que re-converter-nos à dieta natural servirá para que colhamos imensos benefícios individuais e coletivos. Em um dos livros mais completos e minuciosos sobre a história do vegetarianismo, The Bloodless Revolution do historiador inglês Tristam Stuart, o autor resume assim as posições de Shelley – que viriam a causar um grande impacto e repercussão na posteridade por terem sido posteriormente abraçadas por Mahatma Gandhi, indiano enraizado em uma cultura que há milênios pratica a dieta natural que o poeta, dissonante em relação ao Império Britânico de sua época, defende tão apaixonadamente:

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“For Shelley, meat-eating was the Pandora’s box that introduced savagery into the world, and vegetarianism was the key with which it could be locked away again. Eating animals was the equivalent of the Fall; it turned man into the tyrant of the world and introduced inequality into both natural ecologies and human society. By ceasing to eat animals, man would return to his natural place as ‘as equal amidst equals’. (…) Shelley’s thoughts were indeed driven across the world like leaves, when Mahatma Gandhi re-exported them to India and scattered them as inspirational ashes and sparks in the largest non-violent movement of radical liberation the world has ever seen.” (STUART, B.R., p. 386)

NOTAS

1) Plutarco, em seu ensaio On The Eating of Flesh,  do primeiro século depois de Cristo, escreve: “Man has no hooked beak or sharp nails or jagged teeth, no strong stomach or warmth of vital fluids able to digest and assimilate a heavy diet of flesh.” (apud STUART, p. 142) Pierre Gassendi (1592-1655) irá trabalhar, expandir e aprimorar o argumento de Plutarco, dizendo que comer carne crua é algo naturalmente repelente aos humanos: “Nature intended men to follow, in the selection of their food, not the carnivores, but the herbivores which graze on the simple gifts of the Earth.” (apud STUART, p. 142)

2) A fúria do poeta dirige-se, por exemplo, aos “hábitos militares”, “introduzidos pelos tiranos e com os quais a liberdade é incompatível”, que são inculcados em pessoas até que elas percam parte essencial de sua humanidade e tornem-se soldados. Um soldado, para Shelley, é sempre um escravo, a quem foi ensinada a obediência estrita às ordens de um superior hierárquico, de modo que sua vontade não é mais guiada por seu próprio julgamento: “He is taught obedience; his will is no longer – which is the most sacred prerogative of man – guided by his own judgement. He is taught to despise human life and human suffering; this is the universal distinction of slaves. He is more degraded than a murderer; he is like the bloody knife which has stabbed and feels not; a murderer we may abhor and despise, a soldier is by profession beyond abhorrence and below contempt.” (SHELLEY: On The Sentiment of the Necessity of Change, p. 623)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SHELLEY, P. The Selected Poetry and Prose. Wordsworth Poetry Library.

MONBIOT, G. Alimentar-se, Ato Desumano?Outras Palavras.

STUART, T.The Bloodless Revolution. Norton & Company, New York / London, 2006. Amazon.

Percy Shelley's portrait by Alfred Clint
Percy Shelley’s portrait by Alfred Clint

No longer now the winged habitants,
That in the woods their sweet lives sing away,
Flee from the form of man; but gather round,
And prune their sunny feather on the hands
Which little children stretch in friendly sport
Towards these dreadless partners of their play.
All things are void of terror: Man has lost
His terrible prerogative, and stands
An equal amidst equals.

PERCY SHELLEY
Queen Mab  (1813)

Clássicos do documentário brasileiro: “ARUANDA” (1960), de Linduarte Noronha

 

ARUANDA (1960, 21 min)
#ClássicosDoDocBR

ASSISTIR [Youtube]BAIXAR [Torrent]

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Sinopse: A história de formação do quilombo Olho d’Água na Serra do Talhado em Santa Lúcia do Sabugi, alto sertão da Paraíba. A fundação feita pelo ex-escravo Zé Bento e sua família que sobreviveu cultivando algodão e produzindo cerâmica nos períodos de grande estiagem. A comunidade no início dos anos 1960 e o isolamento permanente do resto do Brasil. [Via Making Off]

O cineasta: Linduarte Noronha (Ferreiros, PE, 1930 – João Pessoa, PB, 30 de janeiro de 2012) foi um cineasta, professor e procurador da justiça paraibano de origem pernambucana. Sua obra mais célebre é o documentário de curta-metragem Aruanda, que teve grandes repercussões estéticas para o cinema brasileiro, sendo considerado precursor do Cinema Novo, inclusive por Glauber Rocha, seu representante mais expressivo. [Mais @ Wikipédia]

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1

Veja o filme: 

Saiba mais no programa do Cine Federal (UFPR TV):

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SIGA VIAGEM: Artigo recomendado de Sergio Puccini 

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A VIDA ARDENTE – Um poema de Verhaeren

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Emile Verhaeren escrevendo [1915], pintura de Théophile van Rysselberghe (1862 – 1926)

 

A VIDA ARDENTE

Meu coração, eu o preenchi com o belo tumulto humano.
Tudo o que foi vivo e ofegante na terra,
Audácia louca, vontade surda, ardor austero
E a revolta de ontem e a ordem de amanhã
Não esfriou-os, para poder julgá-los, meu pensamento.
Carvões escuros, transformei-vos num grande fogo de ouro,
Exaltando apenas sua chama e seu volante crescimento,
Que misturavam seu esplendor à vida angustiada.
E vós, iras, virtudes, vícios, fúrias, desejos,
Eu acolho a todos vós com todos vossos contrastes,
Para que seja mais longo, mais complexo e mais vasto
O maravilhoso frêmito que me fez estremecer.
Meu próprio coração só vive bem quando se esforça.
A humanidade total necessita de um tormento
Que aja sobre ela com furor, como um fermento,
para ampliar-lhe a vida e levantar-lhe a força.

 

LA VIE ARDENTE

Mon coeur, je l’ai rempli du beau tumulte humain:
Tout ce qui fut vivant et haletant sur terre,
Folle audace, volonté sourde, ardeur austère
Et la révolte d’hier et l’ordre de demain
N’ont point pour les juger refroidi ma pensée.
Sombres charbons, j’ai fait de vous un grand feu d’or,
N’exaltant que sa flamme et son volant essor
Qui mêlaient leur splendeur à la vie angoissée.
Et vous, haines, vertus, vices, rages, désirs,
je vous accueillis tous, avec tous vos contrastes,
Afin que fût plus long, plus complexe et plus vaste
Le merveilleux frisson qui me fit tressaillir.
Mon coeur à moi ne vit dûment que s’il s’efforce ;
L’humanité totale a besoin d’un tourment
Qui la travaille avec fureur, comme un ferment,
Pour élargir sa vie et soulever sa force.

 ÉMILE VERHAEREN (1855-1916)

Tradução: Mário Faustino (com alguns remendos meus)

Cássia Eller canta Chico Buarque

“Deus é um cara gozador, adora brincadeira
Pois pra me jogar no mundo, tinha o mundo inteiro
Mas achou muito engraçado me botar cabreiro
Na barriga da miséria, eu nasci brasileiro…”
Chico Buarque de Holanda

Ouça versão de Cássia Eller ao vivo:

Letra completa

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ARDER ATÉ AS CINZAS, RENASCER COMO FÊNIX: A potência da palavra povoada de Violeta Parra (1917-1967)

ARDER ATÉ AS CINZAS, RENASCER COMO FÊNIX:
A POTÊNCIA DA PALAVRA POVOADA DE VIOLETA PARRA
por Eduardo Carli de Moraes

“…toda palavra se não tem brasa
se desprende e cai da árvore do tempo.”
PABLO NERUDA
citado por Antonio Skármeta em A Insurreição
(Cap. XXV, p. 189, ed. Francisco Alves, 1983)

Visitar o Chile ao raiar de 2017, aos 100 anos do nascimento de VIOLETA PARRA (1917-1967), foi ótima ocasião para uma imersão na obra desta magistral multi-artista, uma das mais celebradas cantautoras chilenas do século XX, capaz de incendiar sua palavra com seu brilhantismo e seu ânimo a ponto dela não cair da árvore do tempo.  Já se passaram 50 anos desde seu suicídio em 1967, mas Violeta Parra revela, no ano deste seu centenário, a capacidade de resiliência e de renovada atualidade que é o dom das obras rotuladas de clássicas. A travessia por Valparaíso e Santiago revelou-me um país que alimenta a chama da memória da querida presença desta violeta ainda em flor.

Em Santiago, onde há museu consagrado a ela, havia vistosa homenagem: bem maior que um mísero outdoor, um gigante painel fotográfico (foto acima) decorava de alto a baixo o frontispício de um prédio na Avenida Libertador Bernardo O’Higgins, a via que dá acesso ao palácio presidencial La Moneda e onde o estouro de fuegos artificiales reúne a maior muvuca comemorativa do reveillon em Santiago.

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Em várias livrarias chilenas, exposto em vitrines e outros locais de destaque, marcava presença o belíssimo livro publicado pela Universidade de Valparaíso, em parceria com a Fundación Violeta Parra: Poesia (capa dura, 472 pgs). Trouxe-o comigo para servir não só como companheiro de viagem, mas como camarada na vida. Comprado na Libreria Crisis, em frente ao Congresso Nacional (Valparaíso), o livro abre janelas para a descoberta de imensos tesouros da arte popular latino-americana tão brilhantemente condensados nas canções e poemas de Parra.

Nascida no Outubro da Revolução Bolchevique de 1917, Violeta Parra terá o ano de 2017 a ela dedicado no Chile, pátria-mãe que mostra-se repleta de gratidão pela vida e pelo legado de uma de suas figuras culturais de maior relevo e importância, algo comunicado com muita potência por Paula Miranda, que destaca a influência da Teologia da Libertação tanto quanto da canção que é catarse em meio à dor e ao desamparo:

Pintura de Claudia Martinez dedicada a Violeta Parra: "Dulce Vecina De La Verde Selva"

Pintura de Claudia Martinez dedicada a Violeta Parra: “Dulce Vecina De La Verde Selva”

“Su gesto más revolucionario es abandonar progresivamente la función otorgada por el capitalismo a la canción y al arte en general, como mero accesorio artístico y de del espetáculo, para convertirlos en lugares de denuncia de las injusticias sociales y de los abusos de los poderosos, que protesta por los pobres  y redime los mártires que se han enfrentado al orden imperante: Lumumba, García Lorca, Vicente Peñaloza, Zapata, Rodríguez y Recabarren. Hay algo aquí de la teología de la liberación de la época, pero más de los valores que ha adquirido Violeta Parra de la cultura religiosa campesina: compasión, solidariedad, sacrificio, salvación, imagen de un Dios muy cercano, redentor. Hay algo também de la canción que cumple su función catártica em medio del dolor y del desamparo.” – PAULA MIRANDA (PUC-Chile), In: PARRA, Poesia, V. Valparaíso, 2016, p. 27.

Assim como o cantor e compositor Victor Jara, assassinado após o golpe de Setembro de 1973, prossegue cultuado por velhas e novas gerações (“Victor Jara será eterno”, li pintado na mochila de uma guria no metrô…), Violeta Parra também é homenageada com altos louros pelos chilenos. É descrita como “imortal”, comparada em sua maestria verbal a alguns dos luminares principais doa poesia do Chile, como Gabriela Mistral, Pablo Neruda e Nicanor Parra (irmão mais velho de Violeta). Em artigo publicado em El País, Rocío Montes escreveu:

A chilena Violeta Parra (San Fabián de Alico, 1917; Santiago do Chile, 1967) viveu múltiplas vidas ao longo de seus 49 anos. Foi cantora e compositora, ofício pelo qual foi mais reconhecida, mas também compiladora de música folclórica e artista plástica. No centenário de seu nascimento – celebrado neste ano no Chile com a publicação de livros sobre sua obra, festivais, concertos, exposições e congressos internacionais –, o país a homenageia como uma criadora diversa e promove o reconhecimento de seu legado sob uma perspectiva integral. “Por que Violeta Parra transcende?”, pergunta-se a pesquisadora Paula Miranda, uma das maiores especialistas em sua figura. “Porque tem um trabalho com a palavra muito sofisticado. A dimensão poética está presente em toda sua obra”.

Miranda fala de Violeta Parra como uma das melhores poetas da música e ressalta que a discussão sobre a entrega do Nobel de Literatura a Bob Dylan no ano passado também poderia valer para a cantora e compositora chilena: “Existe muita poesia fora dos livros e a poesia, além do mais, era cantada em sua origem”. Miranda, doutora em Literatura e autora do estudo La Poesía de Violeta Parra, publicado em 2013, cita como exemplo um dos hinos mais conhecidos da criadora: “A poesia em sua máxima expressão é aquela que consegue transformar o mundo, e isso é o que Parra faz em “Gracias a la Vida”. Por um lado agradece e, por outro, tenta retribuir algo que recebeu da vida. Sua arte não é de adorno, nem de entretenimento, mas de reflexão e emoção. Acompanha as dores e os amores humanos”, diz a pesquisadora. [LEIA O ARTIGO COMPLETO]

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Em seu texto Arder Hasta Las Cenizas, Rosabetty Muñoz, pesquisadora da obra de V. Parra, sugere que ela viveu “no tempo do asco”, sempre junto ao pueblo e suas luchas, na convicção de que o artista trabalha flamejando nas chamas da coletividade a que pertence. É preciso arder até as cinzas para dar à luz algumas pérolas de imorredoura poesia, renascente como Fênix. Só as palavras em brasa, incendiadas pela vivacidade dos afetos da gente verdadeira, são capazes de seguir dependuradas na árvore do tempo, nutrindo as gerações que se sucedem como um milagroso fruto cujo sumo não se esgota mesmo se sorvido por um milhão de bocas. Escreve Muñoz, rememorando o impacto da obra de Violeta Parra sobre seus contemporâneos:

“Así la conocí: su poesía se abrió con la ferocidad propia de un tiempo que exigía de nosotros una ligazón entre la palabra y la historia, un compromiso com el presente que ella tenía claro. (…) ‘No puede ni el más flamante / pasar en indiferencia / si brilla en nuestra conciencia / amor por los semejantes.’ (…) El el tiempo del asco (como lo llamó Stella Díaz Varin) necesitábamos voces mayores y los versos de Violeta llovieron cargados de integridad. Así como tenía claro el lugar del creador (lejos de los privilegiados, cerca de los suyos) también declara ferviente la dirección que tomarán sus llamas líricas en la lucha por denunciar y marcar los daños: ‘entre más injusticia, señor fiscal / más fuerzas tiene mi alma para cantar.'” – R. MUÑOZ, Violeta Parra: Arder Hasta Las Cenizas. p. 11-12

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“Seus trabalhos foram a base para o desenvolvimento do movimento estético-musical-político chamado de Nova Canção Chilena, do qual fizeram parte também Victor Jara, Rolando Alarcón, e Patricio Manns, além dos grupos Inti-Ilimani e Quilapayún.” – Portal Vermelho

O livro traz em sua capa uma das obras realizadas por Violeta no âmbito das artes visuais, outro domínio onde ela também expressou sua fecunda criatividade, em especial em tapeçarias cuja técnica ela aprendeu com sua mãe, tecedora de raízes indígenas e vinculada ao povo Mapuche. Muitas das tapeçarias violetianas foram expostas em Paris, no Museu de Artes Decorativas do Louvre, reaparecendo também no início dos capítulos do livro. Confira abaixo algumas reproduções das obras:

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O cinema também reavivou Violeta há alguns anos com a bela biopic Violeta Se Fue A Los Cielos (2011), de Andrés Wood (o mesmo diretor de Machuca), em que Parra foi interpretada por Francisca Gavillan. O filme  saiu consagrado no badalado festival de Sundance, colheu farta bilheteria em seu país de origem e tem mérito duradouro não só como competente esforço biográfico e dramatúrgico, mas por oferecer uma convidativa porta de entrada para quem deseja descobrir mais a fundo a vida e a obra de Violeta.

Do filme de Andrés Wood eu destacaria algumas cenas e citações que me parecem memoráveis. Em uma entrevista televisiva, Violeta Parra revela muito de suas convicções políticas e estéticas. Sobre as primeiras, quando o jornalista lhe pergunta se ela é comunista, ela brinca: “Camarada, eu sou tão comunista que, se me derem um tiro, o meu sangue sai vermelho…” Achando graça da resposta, seu interlocutor contesta: “Ora, o meu sangue também sairia vermelho…” Ao que ela retruca, estendendo a mão para cumprimentá-lo: “Que bom, camarada!”

Em outro momento da entrevista re-encenada no filme, o entrevistador pede que ela dê conselhos a jovens artistas. Ela então aconselha: “A criação é um pássaro sem plano de vôo e que nunca voará em linha reta.” Longe dos conservatórios onde a música é ensinada com formalismo e rígida disciplina, Violeta Parra buscou sua pedagogia poético-musical através da imersão junto à gente comum, em meio ao “povão”, indo beber na fonte de campesinos e Mapuches, tendo realizado monumental trabalho como compiladora do folclore del pueblo. 

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Em um dos momentos mais tocantes de Violeta Fue A Los Cielos, podemos testemunhar longas e árduas caminhadas que Violeta fazia para chegar até as moradias campestres de idosos aos quais solicitava, com doçura e interesse, que compartilhassem com ela canções de tempos idos. Um senhor recusa-se terminantemente a ajudar: havia feito um juramento de nunca mais cantar desde que seu netinho havia morrido.

Empregando toda a sedução sincera de alguém que enxerga valor imenso naquilo que o velhinho trazia enclausurado em seu crânio, Violeta busca convencer-lhe a compartilhar os tesouros musicais e poéticos que, caso não sejam cantados e anotados em um caderninho, podem perder-se para sempre. É esta percepção de que os tesouros da tradição estão ameaçados pelo trator impiedoso da modernização, de que os depositários de cancioneiros de tempos idos estão caindo no túmulo e levando consigo canções e poemas irrecuperáveis, que faz de Violeta uma infatigável pesquisadora da cultura popular. Ela parece pesquisar na certeza de que é frágil e efêmero o depositário carnal das canções cuja chama está sob ameaça de para sempre apagar-se.

Estas cenas são comovedoras por revelarem uma Violeta Parra que é o avesso e o antônimo da popstar que recebe de magnatas da indústria e de fabricadores profissionais de hits as receitas prontas para os sucessos comerciais fáceis. Revelam uma trabalhadora em prol da memória, uma folclorista que foi em andanças pelo Chile afora para pesquisar a fundo a música, a dança e a lírica que o povão havia conservado por gerações, transmitido língua a língua sem ter nunca conseguido fixar-se em partitura e ganhar assim chances maiores de sobrevivência. Sua capacidade de escuta e de interesse evocou em mim a lembrança de um dos melhores filmes brasileiros de cinema verdade já realizados: O Fim e o Princípio, de Eduardo Coutinho.

Quando Andrés Wood filma o velhinho, antes relutante em cantar e teimoso em seu silêncio juramentado, a cantar no velório de um bebê morto, é como se criasse um emblema para o mérito do labor de Violeta Parra: ela resgatou do esquecimento algumas pérolas que, sem ela, estariam mortas para sempre, oferecendo assim inestimável contribuição para a condensação cultural de uma miríade de manifestações culturais de seu povo (no Brasil, trabalhos similares foram empreendidos por um Mário de Andrade, por uma Ecléa Bosi, dentre tantos outros…).

Cena do filme de Andrés Wood

Cena do filme de Andrés Wood

A morte de um filho bebê, como narra o filme, serviu também para que Violeta, em meio aos tormentos do luto, compusesse uma de suas canções mais memoráveis – “Rin del Angelito”, célebre na versão do Inti-Illimani (ouça abaixo). Longe de qualquer pregação gospel, a canção é ainda assim uma reflexão religiosa sobre o después da “morte da carne”, cheia de um conteúdo consolador que vincula-se às ancestrais doutrinas de transmigração da alma. 

Da doutrina indiana do karma às crenças da seita do filósofo grego Pitágoras, a transmigração da alma ou metempsicose é um corpo de artigos de fé de uma ancestralidade que não sai de moda. No caso de Violeta, ela explora uma modalidade bastante latino-americana desta fé, afirmando uma espécie de panteísmo panpsiquista em que a alma do angelito falecido pode penetrar num passarinho ou num “peixinho novo”:

Ya se va para los cielos
ese querido angelito
a rogar por sus abuelos
por sus padres y hermanitos.
Cuando se muere la carne
el alma busca su sitio
adentro de una amapola
o dentro de un pajarito.

La tierra lo está esperando
con su corazón abierto
por eso es que el angelito
parece que está despierto.
Cuando se muere la carne
el alma busca su centro
en el brillo de una rosa
o de un pececito nuevo.

En su cunita de tierra
lo arrullará una campana
mientras la lluvia le limpia
su carita en la mañana.
Cuando se muere la carne
el alma busca su diana
en el misterio del mundo
que le ha abierto su ventana.

Las mariposas alegres
de ver el bello angelito
alrededor de su cuna
le caminan despacito.
Cuando se muere la carne
el alma va derechito
a saludar a la luna
y de paso al lucerito.

Adónde se fue su gracia
y a dónde fue su dulzura
porque se cae su cuerpo
como la fruta madura.
Cuando se muere la carne
el alma busca en la altura
la explicación de su vida
cortada con tal premura,
la explicación de su muerte
prisionera en una tumba.
Cuando se muere la carne
el alma se queda oscura.

De sua arte, tão enraizada nas tradições mas tão aberta também às invenções, “brotam luzes” – ainda que não haja escassez de sombras. É nesse jogo de claro e escuro que desenha-se a profundidade e a densidade destas composições que vão muito além e muito mais fundo do que a rasidão e a estreiteza a que estão limitadas as canções comerciais.

Ouçam, por exemplo, a emblemática “Cantores Que Reflecionam”, do álbum Las Últimas Composiones, um dos mais importantes discos na história da música chilena, uma daquelas poesias que não podem ser reduzidas a mera “letra de música”, já que os versos se sustentam perfeitamente em seu próprio mérito:

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En la prisión de la ansiedad
medita un astro en alta voz.
Gime y se agita como león,
como queriéndose escapar.
¿De dónde viene su corcel
con ese brillo abrumador?
Parece falso el arrebol
que se desprende de su ser.
«Viene del reino de Satán
–toda su sangre respondió–.
Quemas el árbol del amor,
dejas cenizas al pasar».

Va prisionero del placer
y siervo de la vanidad.
Busca la luz de la verdad,
mas la mentira está a sus pies.
Gloria le tiende terca red
y le aprisiona el corazón
en los silencios de su voz
que se va ahogando sin querer.
La candileja artificial
le ha encandilado la razón:
¡dale tu mano, amigo Sol,
en su tremenda oscuridad!

¿Qué es lo que canta? –digo yo.
No se consigue responder.
Vana es la abeja sin su miel,
vana la hoz sin segador.
¿Es el dinero alguna luz
para los ojos que no ven?
«Treinta denarios y una cruz»
–responde el eco de Israel.
¿De dónde viene tu mentir
y adónde empieza tu verdad?
Parece broma tu mirar;
llanto parece tu reír.

Y su conciencia dijo al fin:
«Cántale al hombre en su dolor,
en su miseria y su sudor
y en su motivo de existir».
Cuando del fondo de su ser
entendimiento así le habló,
un vino nuevo le endulzó
las amarguras de su hiel.
Hoy es su canto un azadón
que le abre surcos al vivir,
a la justicia en su raíz
y a los raudales de su voz.

En su divina comprensión
luces brotaban del cantor.

(1965-1966. In: Ultimas Composiones)

Não parece ser por mero saudosismo, típico de gente preocupada em tirar o pó dos vinis antigos, que os chilenos celebram Violeta Parra, mas sim pois esta obra tem resiliência e atualidade. Versos que ela escreveu em protesto ao presidente Ibañez (1877 – 1960), figura massacrada pelo escárnio do cineasta Alejandro Jodorowsky em seu ciclo de autobiografias surreais A Dança da Realidade Poesia Sem Fim – também servem para atacar a ditadura militar capitaneada por Pinochet entre o golpe de 1973 e o plebiscito de 1988. Já a celebração “Me Gustan Los Estudiantes” – regravada muitas vezes na América Latina, com destaque para versões de Mercedes Sosa e dos grupos corais brasileiros MPB4 & Quarteto em Cy – foi considerada apta a ilustrar vídeos no Youtube que revelam os levantes estudantis entre 2011-2014:

Que vivan los estudiantes,
jardín de las alegrías.
Son aves que no se asustan
de animal ni policía,
y no le asustan las balas
ni el ladrar de la jauría.
Caramba y zamba la cosa,
que viva la astronomía.

Que vivan los estudiantes
que rugen como los vientos
cuando les meten al oído
sotanas o regimientos,
pajarillos libertarios
igual que los elementos.
Caramba y zamba la cosa,
que vivan los experimentos.

Me gustan los estudiantes
porque son la levadura
del pan que saldrá del horno
con toda su sabrosura
para la boca del pobre
que come con amargura.
Caramba y zamba la cosa,
viva la literatura.

Me gustan los estudiantes
porque levantan el pecho
cuando les dicen harina
sabiéndose que es afrecho,
y no hacen el sordomudo
cuando se presenta el hecho.
Caramba y zamba la cosa,
el Código del Derecho.

Me gustan los estudiantes
que marchan sobre las ruinas;
con las banderas en alto
va toda la estudiantina.
Son químicos y doctores,
cirujanos y dentistas.
Caramba y zamba la cosa,
vivan los especialistas.

Me gustan los estudiantes
que van al laboratorio.
Descubren lo que se esconde
adentro del confesorio.
Ya tiene el hombre un carrito
que llegó hasta el purgatorio.
Caramba y zamba la cosa,
los libros explicatorios.

Me gustan los estudiantes
que con muy clara elocuencia
a la bolsa negra sacra
le bajó las indulgencias.
Porque, ¿hasta cuándo nos dura,
señores, la penitencia?
Caramba y zamba la cosa,
que viva toda la ciencia.

 Outra amostra da aptidão da obra de Parra para servir à apropriações criativas é uma canção como “Maldigo De Alto Cielo”: apesar de escrita muito antes do bombardeio ao palácio de La Moneda e os massacres do Setembro de 1973, foi mixada com fotografias do coup que derrubou o governo socialista, legítimo e eleito em eleições democráticas, de Salvador Allende,  em um vídeo com mais de 700.000 visualizações no Youtube (confira em La Pichanga – Música Chilena).

 

Escutar na sequência “Maldigo de Alto Cielo” e “Gracias a La Vida” é experiência inquietante: as duas canções parecem habitar dois pólos extremos, irreconciliáveis, quase como se não pudessem ter sido escritas pela mesma pessoa. Pode parecer paradoxal e absurdo que a mesma Violeta Parra que escreveu um belo hino de gratidão à vida, repleto de amor fati, espécie de símile latinoamericano de “Je Ne Regrette Rien” da francesa Edith Piaf, tenha podido compor algo o folk-punk de intensa malediciência de “Maldigo de Alto Cielo”, em que amaldiçoa tudo – a primavera e os planetas – numa orgia de pessimismo, niilismo e odium fati. Só se surpreenderá quem desconhece as complexidades afetivas que habitam e se digladiam no peito dos poetas.

Nietzsche chegou a dizer que o espírito fértil e fecundo é aquele rico em contradições, e este pensamento me ocorre ao contrastar estas duas canções: ouvi-las revela uma Violeta Parra capaz de explorar um amplo leque de afetos, de encarnar um vasto espectro de atitudes existenciais, que vai da ação de graças, sábia e serena, de “Gracias a La Vida”, à amarga maldição lançada contra o todo do mundo em “Maldigo Del Alto Cielo” por um eu-lírico sofredor, enlutado, deprimido, que ao fim de cada estrofe retorna ao seu lamento-bumerangue, que evoca uma dor imensurável, inquantificável, beirando o inefável.

 “Maldigo” talvez seja a canção que melhor evoca o estado de espírito que pôde conduzir Violeta ao suicídio – que verso pungente é “Maldigo el vocablo amor con toda su porquería!” – pero “Gracias” sintetiza a sabedoria amável e irradiante de uma artista que, para além da morte, tornou-se sol acalentando a vontade de viver dos que hoje segue celebrando seu legado, 100 anos após seu nascimento e 50 anos após sua auto-extinção. O espírito de “Gracias a La Vida” irá inspirar muitas cantoras latinoamericanas – de Mercedes Sosa a Elis Regina – mas Violeta Parra tem muitos espíritos para além da doçura graciosa, incluindo verves mais contestatórias, manifestas em canções de protestos e crítica social de espantosa atualidade.

Evoco alguns exemplos: as promessas demagógicas de políticos sacanas, cheios de falsas promessas e sorrisos hipócritas, são denunciadas em “Miren Cómo Sonrién” (p. 113). São versos que podem ainda hoje ser citados na denúncia de estelionatos eleitorais e que podem inspirar análises sobre os descaminhos da democracia representativa.

Miren cómo sonríen
los presidentes
cuando le hacen promesas
al inocente.
Miren cómo le ofrecen
al sindicato
este mundo y el otro
los candidatos.
Miren cómo redoblan
los juramentos,
pero después del voto,
doble tormento.

Miren el hervidero
de vigilante
para rociarle flores
al estudiante.
Miren cómo relumbran
carabineros
para ofrecerle premios
a los obreros.
Miren cómo se viste
cabo y sargento
para teñir de rojo
los pavimentos.

Miren cómo profanan
las sacristías
con pieles y sombreros
de hipocresía.
Miren cómo blanquearon
mes de María,
y al pobre negreguearon
la luz del día.
Miren cómo le muestran
una escopeta
para quitarle al pueblo
su marraqueta.

Miren cómo se empolvan
los funcionarios
para contar las hojas
del calendario.
Miren cómo gestionan
los secretarios
las páginas amables
de cada diario.
Miren cómo sonríen,
angelicales.
Miren cómo se olvidan
que son mortales.

Já em “Al Centro de la Injusticia”, uma mordaz crítica social, Violeta Parra faz por merecer sua pertença junto aos maiores nomes da canção de protesto em todos os tempos. Apesar de bem menos conhecida do que os norte-americanos (Woody Guthrie, Bob Dylan, Joan Baez), Violeta é uma cantora folk que soube dirigir afiados petardos contra a injustiça social, as barbáries militaristas, os desgovernos autoritários; até mesmo a especulação imobiliária e o turismo alienado são alvo alvejados pela cantautora, e isso décadas antes de estarem na crista da onda os fenômenos da gentrificação:

“Linda se ve la patria, señor turista,
pero no le han mostrado las callampitas.
Mientras gastan millones en un momento,
de hambre se muere gente que es un portento…” (p. 115)

O que torna a obra de Parra tão resiliente, tão capaz de sobreviver aos 50 anos de sua ausência física entre os vivos, talvez seja aquilo que chamo de a potência da palavra povoada. Com isso quero dizer que Violeta Parra não é simplesmente uma poetisa que expressa afetos e impressões individuais, não é apenas um eu isolado que fala sobre si, mas sim alguém que põe o seu verbo e sua voz, sua verve e sua arte, em contato íntimo e cotidiano com todo um povo.

Sua poesia busca amplificar a potência e disseminar a sabedoria de uma coletividade que atravessa as gerações, ainda que o precioso trabalho de resgate dos tesouros acumulados pela tradição não impeça que Violeta seja também inventiva e recriadora. Como Maiakóvski, que em célebre poema fazia-se caixa de ressonância para 150 milhões de russos, Parra besunta-se com os chilenos para tecer seus cantos. Por isso, ouvi-la é mais que ouvir uma mulher de extraordinário talento, é entrar em contato com a pulsação viva de todo um pueblo em seu esforço de criar beleza imorredoura e palavras que não vão cair da árvore do tempo.

 

Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me ha dado la marcha de mis pies cansados;
Con ellos anduve ciudades y charcos,
Playas y desiertos, montanas y llanos,
Y la casa tuya, tu calle y tu patio
Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me dio el corazon que agita su marco
Cuando miro el fruto del cerebro humano,
Cuando miro al bueno tan lejos del malo,
Cuando miro al fondo de tus ojos claros
Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me ha dado la risa y me ha dado el llanto
Asi yo distingo dicha de quebranto,
Los dos materiales que forman mi canto,
Y el canto de ustedes que es mi mismo canto,
Y el canto de todos que es mi propio canto…

Carli – Janeiro de 2017


OUÇA: DOWNLOAD GRATUITO
Antología: Grabaciones originales en EMI Odeon 1954-1966

De modo a contribuir para disseminar a obra de Violeta Parra na blogosfera do Brasil, A Casa de Vidro realiza um pequeno ato de cyberdelinquência e oferta a todos a versão pirata deste BOX de 4 CDs, uma das melhores coletâneas já lançadas como panorâmica da criação Parriana entre 1954 e 1966. São quase 5 horas de música e o download é inteiramente gratuito. Boa audição!

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CD 1: CLICK AQUI PARA BAIXAR EM MP3 DE 320kps. Canções: 1. La petaquita; 2. Son tus ojos; 3. El sacristán; 4. El bergantín; 5. A dónde vas, jilguerillo; 6. Si lo que amo tiene dueño; 7. Casamiento de negros; 8. Tonada del medio; 9. Atención, mozos solteros; 10. Bella joven; 11. El joven para casarse;  12. Cuando salí de mi casa; 13. El palomo; 14. Hay un estero de vino (por ponderación); 15. Blanca, Flor y Filomena; 16. Adiós, corazón amante; 17. Qué pena siente el alma; 18. Ya me voy a separar; 19. Ausencia; 20. Cuando deja de llover; 21. Es aquí o no es aquí; 22. La inhumana; 23. Parabienes al revés; 24. Un reo siendo variable; 25. No habiendo como la maire.

CD 2: CLICK AQUI PARA BAIXAR EM MP3 DE 320kps. Canções: 1. Una naranja me dieron; 2. Verso por la sagrada escritura; 3. Verso por las doce palabras; 4. Viva Dios, viva la Virgen; 5. Las naranjas; 6. Viva la luz de Don Creador; 7. La jardinera; 8. Adiós que se va segundo; 9. Tonada por ponderación; 10. Cuándo habrá cómo casarse; 11. El jardinario; 12. Cueca valseada; 13. La cueca larga (Las Hermanas Parra); 14. La Juana Rosa; 15. La muerte con anteojos; 16. Amada prenda; 17. Las tres pollas negras; 18. Paloma ingrata; 19. Si te hallas arrepentido; 20. Niña hechicera; 21. Allá en la pampa argentina; 22. Verso por desengaño; 23. Verso por despedida a Gabriela; 24. Verso por el Rey Asuero.

CD 3: CLICK AQUI PARA BAIXAR EM MP3 DE 320kps. Canções: 1. Verso por la niña muerta; 2. Verso por padecimiento; 3. Verso por saludo; 4. Violeta ausente; 5. Viva el chapecao; 6. Yo tenía en mi jardín; 7. Cueca larga de Los Meneses; 8. En el norte corrió vino; 9. Entre San Juan y San Peiro; 10. Hay una ciudad muy lejos; 11. Tan demudado te he visto; 12. He recibido carta; 13. Imposible que la luna; 14. La Monona; 15. Los paires saben sentir; 16. Por el fin del mundo; 17. Por padecimiento; 18. Qué t’estai pensando, ingrato; 19. Huyendo voy de tus rabias; 20. Qué te trae por aquí; 21. Amigos tengo por cientos; 22. Por la mañanita; 23. El chuico y la damajuana; 24. Por pasármelo toman…; 25. El día de tu cumpleaños.

CD 4: CLICK AQUI PARA BAIXAR EM MP3 DE 320kps. Canções: 1. Las flores; 2. 21 son los dolores; 3. Los mandamientos; 4. El hijo arrepentido; 5. El pueblo; 6. Galambo temucano; 7. Maldigo del alto cielo; 8. Yo canto a la diferencia; 9. Miren cómo se ríen; 10. Arauco tiene una pena; 11. Y arriba quemando el sol; 12. A la una; 13. Escúchame, pequeño; 14. La pericona se ha muerto; 15. Los pueblos americanos; 16. Mañana me voy pa’l norte; 17. Paloma ausente; 18. Por ésta y otras razones; 19. Qué dirá el Santo Padre; 20. Se juntan dos palomitas; 21. Pedro Urdemales; 22. Según el favor del viento; 23. Una chilena en París; 24. Qué he sacado con quererte; 25. Tocata y fuga; 26. El moscardón.

SAIBA MAIS: MEMÓRIAS DA DITADURALIBERTAD DIGITAL – SHE SHREDSLIVIN SANTIAGOPORTAL VERMELHO.

 

JOSÉ MARTÍ (1853-1895): Vislumbres da vida e obra desta estrela-guia libertária na luta latinoamericana contra os jugos opressores

josemart1-000JOSÉ MARTÍ (1853-1895)

“Há homens e mulheres que, ao viverem intensamente o seu tempo, transcendem-no e se tornam referência em outros tempos e em outros lugares”, escreve o prof. Danilo R. Streck (Unisinos), “e José Martí é um destes homens.” (STRECK, 2007, p. 13-14)

Tendo vivido por somente 42 anos, transcorridos na segunda metade do século XIX, Martí realizou ditos e feitos impressionantes como pensador, jornalista, poeta e militante político, a ponto de ter sido convertido não só em estátuas e monumentos, mas em um autêntico mito no século seguinte.

Esta travessia de Martí, da carne ao mito, deu-se sobretudo, mas não somente, através do Movimento 26 de Julho, fundado por Fidel Castro, Ernesto ‘Che’ Guevara, Camilo Cienfuegos, dentre outros exilados políticos que, no México, em 1955, começaram a tecer a mobilização revolucionária que viria a triunfar contra a ditadura de Fulgencio Batista em 1959.

Vidas como a de Martí transcendem sua época justamente pela devoção existencial intensa e indomável que as move no sentido da transformação da época de que são contemporâneos. Como pontua Streck,  “o preço disso é que a sua pessoa e as suas idéias se fundem em mitos que, como tais, são suscetíveis tanto da idolatria quanto da execração.” (op cit, p. 13)

Pessoa de carne-e-osso, tombada no túmulo precocemente por seu envolvimento nas lutas anticoloniais e independentistas, José Martí transcende sua morte em campo-de-batalha para transformar-se em mito vivo da História Latinoamericana. Esta, aliás, que o Brasil reluta em conhecer e abraçar, incapaz de reconhecer os outros povos do continentes como legítimos hermanos – tanto que a maior parte da população  brasileira segue desconhecendo até mesmo as figuras históricas que mais impacto prosseguem tendo sobre a vida do subcontinente (como Bolívar, San Martin, Hidalgo e o próprio Martí, ainda sub-representados e mal estudados em nossas escolas).

el-ojo-del-canariojose-marti-ojo-del-canario-fernando-perezNascido em Cuba, no dia 28 de Janeiro de 1953, José Julian Martí Pérez teve uma excelente crônica cinematográfica filmada sobre seus anos de formação: trata-se do filme El Ojo Del Canario (O Olho do Canário), de 2009, realizado pelo cineasta Fernando Pérez. A obra é uma espécie de Bildungsroman (romance de formação) que revela Martí em sua infância e adolescência, focando no período entre os 9 e os 16 anos.

Tanto seu pai, Mariano Martí, quanto sua mãe, Leonor Pérez Cabrera, eram espanhóis emigrados para Cuba, ainda sob domínio da Espanha. José Martí nasce cubano, mas numa Cuba ainda serva da Espanha e onde a abolição da escravidão ainda não havia sido conquistada.

Desde cedo o pequeno Martí, apelidado de “Pepe”, demonstra ser o melhor aluno da escola, o que não o impede de tomar altos safanões, bofetadas e palmatórias de figuras autoritárias e mandonas. Exemplos disso são seu professor de matemática, fã de torturar aluno flagrado “colando” na prova, e seu pai, que não tardará em repreendê-lo com dureza quando souber que o adolescente Pepe está escrevendo peças de teatro defendendo “Cuba Libre!”

O filme desvela, sem idealizações mas com convincente capacidade de reconstrução histórica, as relações do niño Martí com as agruras de seu tempo e o sofrimento de seu povo, destacando a importância que teve em sua vida ter sido aprendiz de seu mestre Rafael Mendive (1821-1866) e suas vivências durante a insurreição chefiada por Carlos Manuel de Céspedes (1819 – 1874).

Desde muito cedo, Martí enxerga na imprensa uma arma essencial no debate de idéias e no confronto de ideologias, fundando o periódico Patria Libre – uma iniciativa brutalmente defenestrada por seu pai, que abomina ter um filho dissidente e militante independentista.

As cenas mais impressionantes de O Olho do Canário ocorrem quando o adolescente Martí é envolvido pelo turbilhão da guerra civil em Havana: milícias de soldados fiéis à Coroa Espanhola tocam o terror pelas calles cubanas, fuzilando e prendendo os ativistas que atuam em prol da independência de Cuba. A tensão dramática atinge o auge em uma cena em que Martí e sua mãe são abordados na rua pelos milicos e ele, sob a mira feroz do fuzil, ameaçado de morte súbita, é obrigado a gritar “Viva a Espanha!” ou perder a vida ali mesmo. A mãe, desesperada, berra ao filho que obedeça, cada vez mais transtornada diante da iminência da tragédia, mas o jovem é de um obstinado mutismo.

A cena é um emblema do caráter de Martí, mas também inspiração para fecundas reflexões sobre Resistência e Desobediência Civil. Salvos por um triz de morrerem nas mãos dos milicos sanguinários, em especial pela intervenção de um velho professor de Martí, mãe e filho saem indelevelmente marcados por esta vivência de clash entre os insurretos e os que defendem com força bruta a manutenção do status quo hispano-imperialista.

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“Mírame, madre, y por tu amor no llores, si esclavo de mi edad y mis doctrinas, tu mártir corazón llene de espinas, piensa que nacen entre espinas flores.” – José Martí, 28 de agosto de 1870. Escultura acima: monumento em Tenerife.

Mãe e filho chegam em casa para encontrar um pai que parece menos um homem que um touro enfurecido diante de um pano vermelho. O pai espanca Martí na cara, impondo seu jugo autoritário, e tenta forçar-lhe a “tirar da cabeça essa porcariada patriótica” e abandonar completamente suas atividades políticas. Mas é tarde demais para um pai tentar conter o ímpeto rebelde de sua cria. Em José Martí já arde a estrela revolucionária que nenhum jugo, por mais duro, é capaz de silenciar e invisibilizar. A estrela que haverá de queimar pelos séculos afora na própria bandeira cubana.

O filme termina com o jovem Martí, aos 16 anos, sendo preso como dissidente, dormindo no piso frio, detrás de grades, pelo crime de lutar pela libertação cubana através de suas idéias, artigos, cartas, poemas, discursos. Mas nenhuma gaiola é capaz de calar por completo o canto do canário, de plumagem amarela mas olhos negros, que seguirá cantando mesmo nas situações mais adversas.

Levado ao tribunal, é condenado a 6 anos de presídio, com trabalho forçado. Vivencia na pele aquilo que havia antes testemunhado junto à população afrodescendente de Cuba: o jugo terrível do trabalho escravo, excessivo e brutal, sem dignidade e indignante, quebrando e carregando pedras com os pés acorrentados. Uma situação que evoca a lembrança daqueles versos da canção “I Fought The Law”, de Bob Fuller, regravada pelo The Clash e pelo Green Day: “breaking rocks in the hot sun: i fought the law but the law won!”

Em sua introdução ao livro Educação Em Nossa América – Textos Selecionados de José Martí (Ed. Unijuí, 2007), Danilo Streck relembra estes episódios biográficos, narrados em O Olho do Canário, e fornece breves informações sobre o que se seguiu:

“Aos 15 anos, em 1868, Martí se engajou no movimento separatista, que incluía no seu projeto a libertação dos escravos. O movimento foi derrotado e Martí condenado a 6 anos de prisão. Passou os primeiros anos realizando 12 horas diárias de trabalho forçado e conheceu em primeira mão um dos lados mais cruéis do já decadente poder colonial. Dado o seu precário estado de saúde, em 1871 a pena de prisão foi comutada para exílio, passando ele a viver na Espanha. No exílio, Martí continuou seus estudos e obteve o título de licenciado em Filosofia e Letras pela Universidade Central de Madrid. Nesse período amadureceu o seu pensamento político e publicou os primeiros textos: El Presídio Político en Cuba La República Espanhola ante La Revolución Cubana.

Saiu de Madrid em 1874 e peregrinou por vários países, entre eles México e Guatemala, retornando a Cuba em 1878. Desde a chegada estava novamente envolvido em atividades clandestinas pela independência de Cuba, o que lhe custou nova deportação um ano depois. Com rápida passagem por Madrid, seu destino desta vez foi Nova York. Ali teve contato com chefes revolucionários e foi ali que produziu a maior parte de sua obra jornalística e literária. Em Nova York também acompanhou o nascimento das políticas imperialistas dos Estados Unidos, que denunciou com a mesma veemência com que combateu a dominação da Espanha.

Martí percebeu que a verdadeira libertação de Cuba não poderia acontecer sem a união do povo, de todos os setores da sociedade. O Partido Revolucionário Cubano, fundado em 1892, assumiu esta bandeira e Martí foi a sua alma por seus ideais de unidade. O partido teve papel decisivo na luta pela independência, que estourou em 1895. Martí saiu de Nova York para se juntar às tropas comandadas pelo general Máximo Gómez. Em 19 de março daquele ano morreu em combate contra o exército espanhol, em Dos Rios, sem ter concretizado o grande sonho de sua vida.” (STRECK, op cit, p. 16-17)

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El ojo del canario – Um filme de Fernando Pérez (2010)
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No livro “Versos Libres”, Martí oferta-nos o impressionante e inesquecível poema:

YUGO Y ESTRELLA

Cuando nací, sin sol, mi madre dijo:
– Flor de mi seno, Homagno generoso,
de mí y de la creación suma y reflejo,
pez que en ave y corcel y hombre se torna,
mira estas dos, que con dolor te brindo,
insignias de la vida: ve y escoge.

Éste, es un yugo: quien lo acepta, goza.
Hace de manso buey, y como presta
servicio a los señores, duerme en paja
caliente, y tiene rica y ancha avena.

Ésta, oh misterio que de mí naciste
cual la cumbre nació de la montaña,
esta, que alumbra y mata, es una estrella.
Como que riega luz, los pecadores
huyen de quien la lleva, y en la vida,
cual un monstruo de crímenes cargado,
todo el que lleva luz se queda solo.

Pero el hombre que al buey sin pena imita,
buey torna a ser y en apagado bruto
la escala universal de nuevo empieza.
El que la estrella sin temor se ciñe,
como que crea ¡crece!
¡Cuando al mundo
de su copa el licor vació ya el vivo:
cuando, para manjar de la sangrienta
fiesta humana, sacó contento y grave
su propio corazón; cuando a los vientos
de Norte y Sur virtió su voz sagrada,
la estrella como un manto, en luz lo envuelve,
se enciende como a fiesta, el aire claro,
y el vivo que a vivir no tuvo miedo,
se oye que un paso más sube en la sombra!

– Dame el yugo, oh mi madre, de manera
que puesto en él, de pie, luzca en mi frente
mejor la estrella que ilumina y mata.

MARTÍ

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

STRECK, Danilo. Educação Em Nossa América – Textos Selecionados de José Mart.  Ijuí (RS): Editora da Unijui, 2007.

MARTÍ. Vibra el aire y retumba (Poesia). Buenos Aires: Editorial Losada, 1997.

Eduardo Carli de Moraes – Janeiro de 2017