Os 12 Profetas de Aleijadinho (Congonhas do Campo – MG)

“…para sempre vão remanescer, alçadas sobre as ruínas coloniais, as monumentais obras barrocas, os frontispícios e os púlpitos, os retábulos, as tribunas, as figuras humanas que desenhou, talhou ou esculpiu Antônio Francisco Lisboa, o ‘Aleijadinho’, o genial filho de uma escrava e de um artesão. Já agonizava o século XVIII quando o Aleijadinho começou a modelar em pedra um conjunto de grandes figuras sagradas, ao pé do santuário de Bom Jesus de Matosinho, em Congonhas do Campo, Minas Gerais. A euforia do ouro era coisa do passado: a obra se chamava Os Profetas, mas já não havia nenhuma glória para profetizar. Toda a pompa e toda a alegria tinham desaparecido e não havia lugar para nenhuma esperança. O testemunho final, grandioso como um enterro para aquela fugaz civilização do ouro nascida para morrer, foi legado aos séculos seguintes pelo artista mais talentoso de toda a história do Brasil. O Aleijadinho, desfigurado e mutilado pela lepra, realizou sua obra-prima amarrando o cinzel e o martelo às mãos sem dedos, e a cada madrugada seguia para sua oficina arrastando-se de joelhos.” – EDUARDO GALEANOAs Veias Abertas da América Latina. L&PM. Pg. 85.

Apologia do Espanto – Ou: Do Not Go Quietly Unto Your Grave

“Do not go gentle into that good night
Rage, rage against the dying of the light”

DYLAN THOMAS


Não: descer quieto ao túmulo, não posso! Me enlaçou desde cedo esta angústia, esta previsão da podridão, este antecipar imaginariamente o futuro fatal: eu, então, estou destinado a ser comido por outros bichos, ser posto debaixo da terra para apodrecer em segredo? Ah! Tantos êxtases nas asas de sinfonias, tantas viagens fantásticas através de tubos cinematográficos, tantas delícias colhidas nos lábios beijantes e nas carícias que afagam, para por fim, afinal, em última análise, virar um repasto para os vermes e… c’est fini!

 Que perturbada-da-cabecinha é a divindade é que concebeu tão grotesco espetáculo? É o que eu me perguntava, e às vezes ainda prossigo me perguntando, esquecidiço temporário do fato de que não creio mais que esta realidade seja o resultado de um plano divino, concebido e executado por um Papai Noel celeste, presenteiro e um tanto enfurecido contra os ímpios… Eu não pude dar este salto por sobre o abismo da angústia que tantos preferem dar saltando no colo das religiões que confortam. Preferi ficar sem conforto, mas também sem mentira. Quis operar-me por completo da catarata que se havia criado sobre meus olhos, que outros haviam intentado antepor entre mim e o mundo, feito véu de Maya, me encerrando na Caverna, me querendo de joelhos no chão e olhos baixos, penitentes…

Que digo eu? Que autoridade tenho para dizê-lo? Querem que vos apresente primeiro meus diplomas, certificados, prêmios Nobel, currículos Lattes, menções honrosas em seminários acadêmicos? Assim então dariam crédito ao que falo e me emprestariam ouvidos mais atentos? Pois me recuso a oferecer as credenciais com que se contenta a burrocratalha. Não me interesso por ser lido por leitores policialescos, de juízos severos e repressores, que não sabem ser leves a ponto de voar nas asas de uma poesia, que não sabem deixar-se arrastar pelo fluir de uma música, que não sabem ser carinhosos pois temem desmunheco e viadagem.

Ora: penso saber melhor quem sou do que o sabem meus documentos, e qualquer um de vós me conheceria melhor lendo-me, ao invés de espiando pelos papéis de minha carteira. Se não me considero definível nem por mim mesmo, por que os outros teriam este direito todo de definir-me? Considero definições procedimentos simplistas e esgotantes. Concebo a realidade como algo de uma riqueza tão transbordante de complexidade que nenhuma definição verbal consegue ser realmente bem sucedida em expressá-la. Escrevo sabendo que a escrita não é capaz de transmitir a minha genuína experiência.

Pela janela à minha direita, entra a brisa suave do entardecer de Goiânia; no quarto, quedou o aroma de cannabis recentemente queimada; tudo ribomba e treme com a música do White Denim que explode das caixas… Pego-me chocado com a experiência: tão única, tão irrepetível, tão difícil de dominar pela palavra. Escrevo, há muito, pois não suporto a ideia de descer quieto ao túmulo. Talvez possa dizer algo que sirva a alguém que, como eu, também se encaminha (comum quinhão dos mortais) pra cova. Pois antes da cova há toda uma jornada. E que todos desejamos bela, intensa, feliz, luminosa, fera, o adjetivo que seja. Antes da cova, ainda temos a terra, imensa, e olhos para observar os céus móveis no qual flutuamos…

 Ladies & gentlemen… WE’RE FLOATING IN SPACE! É ou não é razão suficientíssima para o maior dos espantos?!? Escrevo pois desejo ser semeador de espantos: julgo que não será nunca feliz quem não sabe se espantar. Eu, falando por mim, adoro um espanto. O espanto não me espanta dele mesmo: corro a seu abraço. E a coisa que mais me espanta no mundo é a quantia de gente que acha tudo “normal”. Eu acho tudo bastante esquisito.

O espanto é um afeto alegre. Uma certa intensificação vital, uma “febrinha” boa, que nos acomete quando chegamos a este estado referido por outros como “amaravilhamento”, “wonderment”, awesomessI love to be wonderstruck! That’s the seed for my Wanderlust!

Há potencial de êxtase dormente em cada espanto. Espantar-se é abrir uma porta para enxergar o cosmos por outra fresta, diferente da costumeira. E as prodigiosas coisas que não podemos enxergar olhando, peeping-toms do cosmos, pelo buraco de fechadura ou pelo telescópio em miniatura que são um poema, uma canção, uma paisagem, um rosto, uma moeda de um centavo caída na sarjeta.

“Tente enxergar poesia num pedaço de pão”, canta o Graveola e o Lixo Polifônico. Rico não é quem tem milhões: rico é quem sabe contemplar o céu sem um troco furado no bolsão e sentir-se plenamente satisfeito e, como dizia Victor Hugo, “milionário de estrelas”.

Decerto que não pertencem a ninguém, as estrelas, nem tampouco são possessivas e ciumentas: espalham sua luz e seu calor como quem faz uma dádiva de que não esperam a mínima gratidão. Esbanjam e exuberam de tanta emanação, por trilhões e trilhões de anos, vagando pelas inimaginavelmente vastas imensidões do espaço sideral… E “mesmo depois desse tempo todo, o Sol nunca diz à Terra: VOCÊ ME DEVE…”

“SEE WHAT HAPPENS WITH A LOVE LIKE THAT:
IT LIGHTS THE WHOLE SKY…”


…o Zen é mover-se com a vida, sem tentar parar ou interromper seu fluxo; é a consciência imediata das coisas à medida que vivem e se movem, diferente da mera captação de idéias e sentimentos sobre as coisas, símbolos apagados de uma realidade viva. […]. O que quer dizer que o contato entre um fato e a resposta da mente a ele não deve ser interrompido pelo pensamento discursivo. […]

O que foi dito é, de muitas maneiras, muito semelhante à arte de ouvir música; se paramos para considerar nossa reação intelectual ou emocional em relação a uma sinfonia enquanto esta estiver sendo executada, para analisar a construção de um acorde ou nos determos num compasso particular, perde-se a melodia.

Para ouvir toda a sinfonia temos de nos concentrar no fluxo das notas e das harmonias à medida que soam, mantendo a nossa mente sempre no mesmo ritmo. Pensar sobre o que passou, imaginar o que virá ou analisar o seu efeito sobre nós é interromper a sinfonia e perder a realidade. Toda a atenção deve ser dirigida à sinfonia e devemos esquecer de nós mesmos…

(Conheça mais das idéias deste “guru” hippie-zen: http://deoxy.org/w_psyrel.htm)

“O único efeito colateral sério da Marijuana é que você corre o risco de ser preso.”- Alan Watts (1915-1973)

…o Zen é mover-se com a vida…