Walter Benjamin comentado por Marilena Chauí

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benjaNa tese 7 de “Sobre o Conceito de História”, Walter Benjamin escreve: “Todos os que até hoje venceram participam do cortejo triunfal em que os dominadores de hoje espezinham os corpos dos que estão prostrados no chão. Os despojos são carregados no cortejo, como de praxe. Esses despojos são os que chamamos de bens culturais. Todos os bens materiais que o materialista histórico vê têm uma origem que ele não pode contemplar sem horror. Devem sua existência não somente ao esforço dos grandes gênios que os criaram, como à corvéia anônima de seus contemporâneos. Nunca houve um monumento de cultura que também não fosse um monumento da barbárie. E, assim como a cultura não é isenta de barbárie, não é, tampouco, o processo de transmissão da cultura. Por isso, na medida do possível, o materialista histórico se desvia dela. Considera sua tarefa escovar a história a contrapelo.”

Essa passagem de Benjamin é rica em sentido, mas aqui ela nos interessa por um motivo particular, qual seja, o de situar a barbárie no interior da cultura ou da civilização, recusando a dicotomia tradicional, que localiza a barbárie no outro e o situa no exterior.

Pelo contrário, a tese de Benjamin coloca a barbárie não só como o avesso necessário da civilização, mas como o pressuposto dela, como aquilo que a civilização engendra ao produzir-se a si mesma como cultura. O bárbaro não está no exterior, mas é interno ao movimento de criação e transmissão da cultura, é o que causa horror àquele que contempla o cortejo triunfal dos vencedores pisoteando os corpos dos vencidos e conhece o preço de infâmia de cada monumento da civilização.

A atualidade da tese de Benjamin, cujo pano de fundo histórico foi o nazismo, não é metafórica, mas encontra-se literalmente afirmada em nosso presente: em março de 2003, menosprezando a Organização das Nações Unidas e pisoteando a idéia de direito das gentes ou de direito e ordem internacionais, as tropas dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha invadiram o Iraque, em nome da civilização, contra a barbárie…

MARILENA CHAUÍ
in:  Civilização e Barbárie
Ed. Cia Das Letras
Organizador: Adauto Novaes
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Sobre www.acasadevidro.com

Ponto de cultura em Goiânia. Plugando consciências no amplificador. Encabeçado por Eduardo Carli de Moraes, professor de Filosofia no (IFG). Jornalista e Documentarista independente.

9 pensamentos sobre “Walter Benjamin comentado por Marilena Chauí

  1. Sartre concorda com seu ponto. Ele dizia que “o inferno são os outros”. Uma ironia histórica

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    • acasadevidro disse:

      Sartre manjava das coisas! A “satanização” do outro e do diferente – rotulado de bárbaro, vândalo, herege, pagão e sei-lá-mais-o-quê… – parece ser costumeira em qualquer civilização dita “elevada”. *-*

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