CONVOQUE SEU BUDA, O CLIMA TÁ TENSO! [acasadevidro.com]

por Eduardo Carli de Moraes @ A Casa de Vidro.com

Após os 3 recentes atentados terroristas que deixaram um rastro de sangue e destruição em Beirute no Líbano (mais de 40 mortos e 200 feridos), em Paris na França (mais de 140 mortos em 5 atentados coordenados) e no avião russo derrubado no Egito (224 passageiros a bordo e nenhum sobrevivente) – o Wikileaks acirra a polêmica ao sugerir que o ISIS só virou esse mega-monstro, esse “bicho de 700 cabeças”, que já domina boa parte do território da Iraque e da Síria, pois foi “alimentado” pelas ações desastrosas das potências capitalistas e neo-imperiais, em especial EUA, Inglaterra e França.

ParisMuslims2

Nada que Noam Chomsky não esteja nos ensinando há muito tempo também: explicando as raízes do ISIS, Chomsky sustenta que a invasão do Iraque em 2003 foi o crime mais terrível deste milênio. Além disso, diz que a maior campanha terrorista em curso no mundo de hoje são os atentados com drones (aviões não-tripulados) perpetrados pelos EUA e seus aliados. De fato, a invasão do Iraque foi justificada com base em uma acusação de que o regime de S. Hussein possuiria armas de destruição em massa e bombas atômicas, que nunca foram encontradas; foi baseada na doutrina da “guerra preventiva”, uma aberração ética; além disso, mais de 35 milhões de pessoas protestaram contra ela em 2003 e a ONU considerou a invasão como ilegal; ainda assim, Bush prosseguiu com a invasão bélica e a derrubada do regime, o que é apontado como a raiz para guerras civis terríveis e para a ascensão do Estado Islâmico; resultaram disso mais de 1 milhão de mortos no Iraque e uma grave crise de refugiados… Segundo a Wikipedia:

“Entre 3 de Janeiro e 12 de Abril de 2003, 36 milhões de pessoas em todo o mundo tomaram parte em quase 3000 protestos contra a guerra do Iraque, sendo as manifestações de 15 de Fevereiro as maiores e mais ativas. Houve também sérias questões legais que rodearam a condução da guerra no Iraque e a doutrina Bush da “guerra preventiva”. A 16 de Setembro de 2004, Kofi Annan, Secretário Geral da ONU, disse sobre a invasão: “Indiquei que não foi em conformidade com a Carta das Nações Unidas. Do nosso ponto de vista, [a invasão do Iraque] foi ilegal.”

A “Guerra Contra O Terror”, enfim, revela mais uma vez seu fracasso e sua insanidade. O ISIS é “filho” (bastardo e não reconhecido, é claro…) de uma geopolítica desastrosa praticada pelos países capitalistas hegemônicos. Por isso tendo a concordar bem mais com a posição polêmica de Julian Assange e do Wikileaks, ou seja, com uma análise geopolítica de teor Chomskysta, do que com aqueles que, na esteira de um maniqueísmo simplista e redutor, pintam auréolas de santidade sobre os pobres e inocentes países ocidentais, que (supostamente) são vitimados pela fúria assassina de terroristas diabólicos e sub-humanos. A islamofobia de hoje não é lá muito diferente do racismo dos Klu Klux Klans de outrora…

Acho que o Wikileaks está mais bem-informado do que aqueles que ficam chocados com esta afirmação da “culpa” gigantesca de Washington, London e Paris na constituição do Estado Islâmico e seu séquito de horrores e terrores… Em seu texto de 2014, publicado pelo Wikileaks, De Pol Pot ao ISIS, o jornalista e documentarista John Pilger compara a emergência do Estado Islâmico (ISIS) com a ascensão do Khmer Rouge de Pol-Pot no Camboja e argumenta que ambos são “progênie” e “produto” dos Apocalipses causados pelas potências ocidentais, praticantes notórias do Terrorismo de Estado em vasta escala.

shock_doctrine_xlgNós, latino-americanos, mesmo aqueles que não leram Galeano, temos uma boa noção prática recorrente dos EUA de Intervenção Violenta em Prol da Neoliberalização Forçada de Economias (como foi no Brasil em 1964, no Chile em 1973, etc..) e que Naomi Klein analisou com tanto brilhantismo no seu livro e documentário “Doutrina do Choque”.

Não é preciso ter devorado a obra monumental de Noam Chomsky ou os geniais livros de Arundhati Roy pra ter uma idéia clara de que os EUA e seus aliados, impunemente e sem grandes remorsos de consciência, praticaram nas últimas décadas uma série de intervenções militares e golpes de estado, de cunho imperialista e de consequências genocidas, que plantaram as sementes, regadas com sangue, para a radicalização das guerrilhas terroristas islâmicas que hoje literalmente “tocam o terror”, mundo afora…

A questão que não se coloca é: as violações dos direitos humanos são imputáveis somente aos demonizados jihadistas? Ou a violação dos direitos humanos também é uma prática cotidiana e recorrente justamente daqueles que usam a retórica dos direitos humanos e da democracia para justificarem suas “guerras preventivas” e suas “limpezas étnicas por uma boa causa”?

Por exemplo: o atentado do 11 de Setembro matou cerca de 3.000 civis em New York, mas os Talebans, no Afeganistão, haviam sido amicíssimos dos EUA durante a Guerra Fria, em especial a partir de 1979, quando Bin Laden e a Al Qaeda, com toda a sua corja de fanáticos teocráticos, receberam todo o apoio, em capital e armamentos, de seus amiguinhos norte-americanos, para que lutassem contra a União Soviética, que invadiu o país naquele ano… Que curioso: o EUA nunca teve pudores em financiar o fanatismo islâmico e de fazer acordos com as tiranias sauditas sempre que isso servia a seus interesses comerciais e geopolíticos…

Já passou da hora de percebermos que o ultra-capitalismo neoliberal, que esta Shock Doctrine militarista-bélica, é responsável por um bocado de Apocalypses Now – perguntem à Indonésia, ao Vietnã, ao Camboja! – mundo afora. Criminosos de guerra como George W. Bush ou como Benjamin Netanyahu, mandantes de genocídios,  agem com um grau de fanatismo, racismo e desprezo por outros povos que é sim comparável ao dos fanáticos e “xiitas” e “comunistas sanguinários” – como o Khmer Rouge e o ISIS – que enxergam como seus inimigos mortais. Essa é a guerra do errado contra o errado; é o imundo xingando o mau-lavado…

Guerra contra o Terror

Com o perdão desta matematização da tragédia, sempre não-matematizável, é preciso dizer: as vítimas do atentado em NYC e em Paris são em número muito pequeno em comparação com as vítimas civis da Guerra Contra o Terror, que deixou um total estimado de 700.000 mortos no Afeganistão e no Iraque (há quem estime os que perderam a vida nos conflitos em mais de um milhão de pessoas…). Esta última guerra, aliás, foi justificada com a mentira deslavada das bombas atômicas de Saddam, que nunca foram descobertas; em 2003, os EUA cagou em cima da ONU e foi à guerra mesmo sem autorização; a mobilização nas ruas, globalmente, deve ter juntado umas 15 milhões de vozes protestando contra a invasão do Iraque; de nada adiantou, o texano machão sinonimizou Bush com Deus e acreditou-se com mandato divino para uma blitzkrieg devastadora. Foi uma guerra obviamente motivada mais por intere$$es petrolífero$, por ganância de controle territorial, do que por uma Cruzada do Bem Contra o Eixo do Mal…

Parece-me que as potências ocidentais, fiéis servidoras dos interesses corporativos e petrolíferos, os mesmos que estão arrastando o planeta à hecatombe climática e aos cataclismos sócio-ambientais, vem praticando e acarretando, com seus apocalipses aéreos, suas chuvas de mísseis, seus ataques com drones, sua tara pelos lucros armamentistas e da indústria de seguranças e de mercenários, tem propiciado a eclosão de guerras civis cruéis, como esta que se prolonga na Síria nos últimos anos. Essas invasões e guerras civis – os conflitos que são subproduto da desastrada “intervenção militar” das “Democracias Ocidentais” –  são responsáveis diretas por estarmos vivendo a pior crise de refugiados desde a 2ª Guerra Mundial…

FILE - In this Sept. 2, 2015 file photo, a paramilitary police officer investigates the scene before carrying the lifeless body of Aylan Kurdi, 3, after a number of migrants died and others were reported missing when boats carrying them to the Greek island of Kos capsized near the Turkish resort of Bodrum. The tides also washed up the bodies of the boy's 5-year-old brother Ghalib and their mother Rehan on Turkey's Bodrum peninsula. Their father, Abdullah, survived the tragedy. (AP Photo/DHA, File) TURKEY OUT

In this Sept. 2, 2015 photo, a paramilitary police officer investigates the scene before carrying the lifeless body of Aylan Kurdi, 3, after a number of migrants died and others were reported missing when boats carrying them to the Greek island of Kos capsized near the Turkish resort of Bodrum. The tides also washed up the bodies of the boy’s 5-year-old brother Ghalib and their mother Rehan on Turkey’s Bodrum peninsula. Their father, Abdullah, survived the tragedy. (AP Photo/DHA, File) TURKEY OUT

Acnur

A radicalização islâmica – com milhares de novos aliciados para a jihad, incluindo jovens que fazem fila pelo privilégio de serem homens-bomba – tem certamente relação também com os genocídios estatais praticados por Israel contra a Palestina, com a cumplicidade e o apoio de muitas potências ocidentais, que vertem lágrimas de luto (crocodilescas!) por franceses mortos nos atentados em Paris, mas aplaudem (ou ao menos fingem não ver!) quando Netanyahu e sua corja de sionistas-fascistas estraçalham os corpos vivos de mais de 500 crianças palestinas, como fizeram recentemente, certos da impunidade que rege os atos horrendos dos Peixes Grandes do Poderio Global…

Como não conectar a radicalização do terrorismo islâmico contra as potências ocidentais desconsiderando que o estado sionista de Israel possa permanecer impune, com a cumplicidade dos EUA e seus aliados, diante de megacrimes como aqueles cometidos no ano passado, inclusive a morte de mais de 400 crianças palestinas e o bombardeio de escolas, hospitais, refúgios da ONU e estações de energia elétrica? Quem ousa desenhar auréolas de santidade sobre o “Ocidente”, que fica de baixos cruzados diante do genocídio praticado por Israel na Palestina e pratica o intervencionismo bélico nos países árabes?

Agência Brasil: “Mais de 400 crianças morreram e 2,5 mil ficaram feridas nos bombardeios do Exército israelense em Gaza, indicou hoje o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), que calcula que 370 mil menores precisam urgentemente de ajuda psicológica para ultrapassar esta situação traumática.”

Israel Terror

Vale lembrar que a França, na gestão do presidente François Hollande, em 2014, PROIBIU OS PROTESTOS PRÓ-PALESTINA no país e soltou as tropas de choque pra cima de quem ousou manifestar-se, a despeito da proibição, como reportado pela BBC:

“Cerca de 3 mil pessoas participaram do protesto em Barbès, bairro de população majoritariamente árabe na capital francesa. A passeata havia sido proibida pelas autoridades, mas organizadores do evento ignoraram o veto. Manifestantes seguravam cartazes e gritavam a todo tempo palavras de ordem contra Israel, como “Israel assassino, Hollande (presidente da França) cúmplice”. Pouco tempo depois do início do protesto, houve confronto com a polícia. Os manifestantes queimaram carros, pneus, latas de lixo e duas bandeiras de Israel. Também lançaram pedras e até pedaços de asfalto arrancados da calçada contra os policiais, que responderam com bombas de gás lacrimogênio. Segundo a polícia, 33 manifestantes foram presos até agora…”

a Opera Mundi coloca ao presidente francês outra questão espinhosa: “Contradições de Hollande: é possível combater o terrorismo e vender armas à Arábia Saudita ao mesmo tempo?”

Suspeita-se também que a casa-de-shows Bataclan de Parris tenha sido alvo dos jihadistas por ser considerada pró-Israel, ter donos judeus e ter inclusive apoiado eventos e “fund raisers” para a causa sionista. Militantes jihadistas da causa Palestina, em protesto contra a ocupação militar e os genocídios periódicos perpetrados pelo Estado de Israel, ameaçam um atentado contra o Bataclan desde 2009. A banda Eagles of Death Metal, que tocava na ocasião, apresentou-se em Tel Aviv em sua última turnê e ali seu vocalista protagonizou uma polêmica com Roger Waters, do Pink Floyd, ao xingá-lo e dizer que jamais boicotaria Israel. (Saiba mais sobre o caso: Le Point, Jihad Watch, Breitbart)

A child in Bangladesh protests Israeli attack on Gaza, July 2014Suspeito e temo que a barbárie tem muito futuro pela frente. A banalidade do mal seguirá na crista da onda. Na França, é de se esperar que o fascismo dos Le Pen deverá ganhar ainda mais adeptos, e não duvido muito que o país, ironicamente, depois de ter sido ocupado pela Alemanha nazista durante a 2ª Guerra, torne-se um dos países europeus com um dos sistemas políticos mais hackeados e dominados pela direita fascista, islamofóbica e xenófoba, militarista e ultra-capitalista, que fará muito mais do que proibir o uso de burcas nas escolas… Entre totalitarismo e terrorismo, ou viraremos todos carne moída, ou teremos que achar um meio de dizermos não a ambos, inventando com urgência um “sim” a outro mundo possível. Mas qual? E como?…

(E.C.M., Goiânia, 14 e 15 de Novembro de 2015)

* * * * *

Na sequências, três artigos esclarecedores de BRENO ALTMAN e JOHN PILGER, além de uma resenha das idéias de NOAM CHOMSKY:

I) BRENO ALTMAN @ OPERAMUNDI

“A crescente violência entre os povos muçulmanos, muitas vezes banhada pelo desespero e a loucura social, somente pode ser explicada pela ação permanente de rapina das potências ocidentais.

A origem da dor dos franceses não está no islamismo, mas nos Estados dominados pela vertente imperialista da cultura cristã, onde nasceu o colonialismo como sistema afrontoso à autodeterminação dos povos.

O colapso da União Soviética, no final dos anos oitenta, levou os Estados Unidos à conclusão de que poderia desfechar ampla ofensiva pelo controle do Oriente Médio e suas riquezas petroleiras.

Esta estratégia, ao menos até 2001, estava determinada pela construção de uma nova aliança com governos árabes, protegendo os interesses de Israel e isolando lideranças indispostas à hegemonia da Casa Branca.

Não havia espaço, em tal configuração, para movimentos islâmicos que tinham sido estimulados para enfrentar os soviéticos no Afeganistão, pois eram profundas suas contradições com as forças que governavam os principais países de maioria muçulmana.

Estes grupos rapidamente se deslocaram para uma narrativa antiocidental e religiosa, pela qual alinhavam sua identidade com os setores populares, em confronto com a coalizão formada pelos Estados Unidos, as elites locais e o Estado sionista.

Neste caldo de cultura nasceu a Al Qaeda de Bin Laden e outras organizações jihadistas.

A derrubada das torres nova-iorquinas, no entanto, mudou o cenário.

O comando norte-americano trocou a orientação aliancista por fórmula abertamente intervencionista, ao invadir Afeganistão e Iraque, impondo governos títeres e ampliando sua participação direta na região.

Ataques contra população civil, atropelos de direitos humanos e desrespeitos a garantias legais foram se multiplicando em escalada, como parte da chamada guerra ao terror.

Mesmo enfrentando problemas, com idas e vindas, a estratégia seguiu seu curso, buscando levar, à direção dos Estados árabes, frações políticas e econômicas visceralmente alinhadas ao ocidente.

Sem mexer um dedo para desmontar o apartheid sionista e solucionar a questão palestina, a Casa Branca e seus parceiros foram submetendo o mundo muçulmano, do Egito ao Irã, a operações de cerco e asfixia.

O ápice desta orientação veio com a derrubada de Muammar Al-Gaddafi, na Líbia, e o encurralamento do governo de Bashar al-Assad, da Síria.

O papel da França, nestas operações, liderada por conservadores ou sociais-democratas, foi decisivo.

Ao lado dos Estados Unidos e outros países, alimentou vasta fauna de falanges oposicionistas, com recursos financeiros e militares, entre estas o Estado Islâmico.

Cada uma das potências buscava, na medida das possibilidades, alargar seu domínio sobre territórios de formidável riqueza ou enclaves fundamentais para o controle geopolítico.

Ao perderem o poder sobre suas criaturas, empoderadas para representar seus próprios interesses, foram surpreendidos pela necessidade de combate-las antes que levassem à desestabilização da presença ocidental no Oriente Médio.

Os jacarés criados no tanque da política neocolonial tinham crescido e ameaçavam comer a mão dos antigos donos.

O presidente francês agora chora pelos mortos e promete mais uma guerra implacável contra o jihadismo.

Pura hipocrisia.

Enquanto seu governo e a União Europeia estiverem capturados pela velha lógica imperialista, depois de uma Al Qaeda sempre virá um Estado Islâmico, que será sucedido por alguma expressão ainda mais descontrolada e selvagem de violência anticolonial.

As lágrimas de Hollande são de crocodilo.

Aproveita o sangue vertido em solo francês para aprofundar a mesma política de usurpação que levou à tragédia atual.”

LEIA NA ÍNTEGRA

* * * * *

JOHN PILGER @ WIKILEAKS

Pilger The rise to power of Pol Pot and his Khmer Roug had much in common with today’s Islamic State in Iraq and Syria (ISIS). They, too, were ruthless medievalists who began as a small sect. They, too, were the product of an American-made apocalypse, this time in Asia.

According to Pol Pot, his movement had consisted of “fewer than 5,000 poorly armed guerrillas uncertain about their strategy, tactics, loyalty and leaders”. Once Nixon’s and Kissinger’s B52 bombers had gone to work as part of “Operation Menu”, the west’s ultimate demon could not believe his luck.

The Americans dropped the equivalent of five Hiroshimas on rural Cambodia during 1969-73. They levelled village after village, returning to bomb the rubble and corpses. The craters left monstrous necklaces of carnage, still visible from the air. The terror was unimaginable. A former Khmer Rouge official described how the survivors “froze up and they would wander around mute for three or four days. Terrified and half-crazy, the people were ready to believe what they were told… That was what made it so easy for the Khmer Rouge to win the people over.”

A Finnish Government Commission of Enquiry estimated that 600,000 Cambodians died in the ensuing civil war and described the bombing as the “first stage in a decade of genocide”. What Nixon and Kissinger began, Pol Pot, their beneficiary, completed. Under their bombs, the Khmer Rouge grew to a formidable army of 200,000.

ISIS has a similar past and present. By most scholarly measure, Bush and Blair’s invasion of Iraq in 2003 led to the deaths of some 700,000 people – in a country that had no history of jihadism. The Kurds had done territorial and political deals; Sunni and Shia had class and sectarian differences, but they were at peace; intermarriage was common. Three years before the invasion, I drove the length of Iraq without fear. On the way I met people proud, above all, to be Iraqis, the heirs of a civilization that seemed, for them, a presence.

Bush and Blair blew all this to bits. Iraq is now a nest of jihadism. Al-Qaeda – like Pol Pot’s “jihadists” – seized the opportunity provided by the onslaught of Shock and Awe and the civil war that followed. “Rebel” Syria offered even greater rewards, with CIA and Gulf state ratlines of weapons, logistics and money running through Turkey. (…)

ISIS is the progeny of those in Washington and London who, in destroying Iraq as both a state and a society, conspired to commit an epic crime against humanity. WikiLeaks cables show that the US has been tracking, and exploiting, the rise of ISIS since 2006, when the organisation first appeared in Iraq as a direct result of the Bush-Blair invasion. Like Pol Pot and the Khmer Rouge, ISIS are the mutations of a western state terror dispensed by a venal imperial elite undeterred by the consequences of actions taken at great remove in distance and culture. Their culpability is unmentionable in “our” societies.

(…) More than 40 years ago, the Nixon-Kissinger bombing of Cambodia unleashed a torrent of suffering from which that country has never recovered. The same is true of the Blair-Bush crime in Iraq. With impeccable timing, Henry Kissinger’s latest self-serving tome has just been released with its satirical title, “World Order”. In one fawning review, Kissinger is described as a “key shaper of a world order that remained stable for a quarter of a century”. Tell that to the people of Cambodia, Vietnam, Laos, Chile, East Timor and all the other victims of his “statecraft”. Only when “we” recognise the war criminals in our midst will the blood begin to dry.

LEIA NA ÍNTEGRA

* * * * *

1

About Noam Chomsky’s Media Control

Since 9/11, the US government has fed Americans propaganda that portrays Muslims as “boogeymen,” a term used to create “wartime hysteria,” as Chomsky calls it. Images and videos of beheadings and other extreme acts of violence by the Islamic State, in particular, are used to “elicit jingoist fanaticism.” In reaction, American citizens behave as “spectators,” who sit back and watch these events unfold without questioning their validity.

Chomsky’s thesis builds off the idea that the US government manufactures consent by using propaganda as a tool to control the public mind. According to him, the enemies of America are painted as “disruptive and causing trouble and breaking harmony and violating Americanism.” This propaganda has portrayed Muslims as barbaric and Islamic political entities as terrorist groups.

The Islamic State, for example, is characterized in the media as a cancerous cell about to inflict a deadly disease on humanity. If it is not dealt with immediately, the Middle East will be beyond saving; therefore, we must act now to crush the enemy.

“Terrorism” is the most important tool used in the US government’s propaganda machine. Terror has been drilled into our imaginations on a daily basis since 9/11. Terrorism in the American context is always “Islamic,” meaning that terrorism only occurs when a Muslim or Muslim group is involved in the act. Acts of terror carried out by non-Muslims are either completely ignored, or manufactured as simply violence by “crazy” people.

As Chomsky discusses in his chapter on “Engineering Opinion,” American propaganda wants to “whip up the population in support of foreign adventures.” The American state spreads “information” in order to elicit some pretext for a planned invasion or military campaign. This tactic was evidenced in the summer of 2014, when the Islamic State popped out of nowhere and released videos of American journalists being beheaded. Media and politicians told us that this “monster” – the Islamic State – had to be dealt with, or else “radical Muslims” would dominate the Middle East. As Chomsky notes, this “monster” is more of a government-created problem than a real threat. The barbarism displayed by Islamic State in the videos laid the groundwork for US airstrikes and eventually American troop deployment to Iraq, and possibly beyond.

* * * * *

NO VIDEODROME

Vídeo da Vice News, legendado em português, revela que o Estado Islâmico é consequência direta da desastrosa e estúpida intervenção dos EUA e aliados no Afeganistão, Iraque e Síria:

* * * * *

Capítulo final da série de Oliver Stone que conta a História dos EUA que não querem que saibamos…

* * * * *

E, na sequência, talvez a melhor fala sobre geopolítica contemporânea que eu conheço,
a brilhante escritora e ativista indiana Arundhati Roy:

* * * * *

Elucidativa entrevista com o prof. Bruno Lima Rocha esclarece sobre o Estado Islâmico.

Para quem quer saber, recomenda-se o recente “A origem do estado islâmico” do jornalista Patrick Cockburn. Tem em português, pela Editora Autonomia Literária.

* * * * *

LEIA TAMBÉM AS ANÁLISES DE TARIQ ALI, JUDITH BUTLER

* * * * *

Outra pergunta que não quer calar é: como será a repressão policial às manifestações populares durante a COP21 – evento das Nações Unidas que debaterá a crise climática e onde espera-se a presença de mais de 100 chefes-de-Estado – na Paris bouleversée após os atentados? A “Guerra Contra O Terror” servirá também como pretexto para que as Tropas de Choque possam calar, com gás lacrimogêneo e aprisionamento em massa, aqueles que pretendem tomar as ruas da capital francesa para exigir medidas imediatas para frear o aquecimento global e a hecatombe sócio-ambiental? Um artigo interessante publicado na ROAR MAG explora o teor das reivindicações que estarão nas ruas e aos brados em breve nas ruas de Paris – que vão, podem esperar, pegar fogo… “Convoque seu Buda”, recomendou o Criolo, que o “clima tá tenso!”

Marche

“We know how it all started — colonialism was the original metabolic rift in our history, which has been profoundly extended and deepened by industrial capitalism. Yet as we enter the 6th mass extinction, there is an ambient sense that there is no alternative to this way of life.

We collectively hallucinate that the present order of things will persist indefinitely, silently abiding the comfort and enslavement this disposition provides, all the while waiting for the apocalypse we are living through to blossom fully.

Many have been waiting for the totalizing revolution that appears as a vanishing point on a receding horizon, a perpetually deferred future. The intersecting ecological and climate crises stand as a refutation of more than a hundred years of left-wing teleology that ‘in the end we will win.’ Instead they reinforce the need for constant molecular struggles to open and expand cracks for resistance and new forms of life to flourish.

World governments acknowledge that catastrophic climate change is the defining crisis of our times, and simultaneously fossil fuel corporations continue to benefit from subsidies of $5.3 trillion in 2015, according to the IMF. This is more than all governments spend on health care combined and amounts to an astonishing $10 million every minute.

We have reached a point where we need to keep 80% of fossil fuels in the ground, which would require emission reductions of at least 10% per year by 2025…”

LEIA NA ÍNTEGRA

“O chador e a burca, assim como qualquer véu islâmico, funcionam sempre como uma mordaça. Com frequência como uma pedra sepulcral.” (Glucksmann)

marjane675

persepolis-livroA charge acima é da Marjane Satropi, na graphic novel “Persépolis”, já adaptada para o cinema em uma premiada animação (assista na íntegra). O livro que contêm o “romance em H.Q.” inteiro é este aqui: http://bit.ly/1baeBh5 (Ed. Cia das Letras, R$46).

Aproveitamos a ocasião para compartilhar um texto do filósofo e ensaísta francês André Glucksmann (1937- ) sobre a condição feminina e que trata, em especial, das opressões impostas a elas por governos teocráticos (como o Irã sob Komeini ou o Afeganistão dos Talibãs).

ASFIXIADAS PELO OBSCURANTISMO
André Glucksmann
COMPARTILHAR NO FACEBOOK

Teerã (capital do Irã), 1979. Conduzido ao poder por meio de colossais manifestações, nas quais se confundiam liberais, revolucionários e religiosos, o aiatolá Komeini imediatamente decreta o uso iminente e obrigatório do chador (o véu negro). Todas as iranianas deveriam esconder seus corpos sob véus negros. Todas, jovens e velhas, fiéis ou infiéis, deveriam cobrir-se da cabeça aos pés sob pena de prisão, flagelação, apedrejamento e outras bagatelas, inclusive a morte. Ansioso por institucionalizar sua revolução islâmica, o Guia supremo acredita que o novo regime deve se estabelecer sobre uma base sólida. Essa base é o estatuto destinado às mulheres. O véu integral deve perenizar seu poder.

As mulheres de Teerã não se deixaram enganar com isso. Longe de considerar o decreto como algo anedótico ou folclórico, saíram às ruas, romperam com a unanimidade geral e realizaram a primeira manifestação antiislâmica da história. Foram abandonadas pelos homens, todos eles… Alguns deles derramavam lágrimas de crocodilo e as chamavam de volta à razão. O lamentável destino reservado às mulheres do Irã, na opinião dos homens, não era senão o prejuízo colateral de uma liberação que seria mais generalizada. E afinal, por que tantos discursos a respeito de um pedaço de pano?…

A estratégia de Komeini se mostrou frutífera. O pedaço de tecido que as “brigadas de ordem moral” impunham em Terrã tornou-se um estandarte político universal, um instrumento de conquista, uma imposição de uniforme digna dos integrantes da SA (organização paramilitar do partido nazista alemão). Os integristas, tanto sunitas quanto xiitas, considerando-se autores do decreto, perseguiram, amputaram, apedrejaram e decapitaram todas as recalcitrantes sem véus.

O aiatolá fez escola em Argel (a capital da Argélia), e a tentativa de impor o uso do véu às jovens alunas dos liceus, sob a ameaça de uma faca no pescoço, inaugurou uma série de massacres sem precedentes…

“No Irã, as mulheres são as únicas a reivindicar publicamente, não somente por meio da palavra, mas por suas ações (tirar os véus e sair às ruas), a vontade de se afirmar como indivíduos. Nos dias atuais, elas constituem um dos componentes mais dinâmicos do devir da sociedade civil. Embora até o presente momento tenham permanecido politicamente desorganizadas, conseguiram se infiltrar em uma das cidadelas que, por longo tempo, lhes foi vetada: o saber acadêmico. Se, no Irã, os imãs vigiam de perto as mulheres, isso se deve ao fato de que, em 1986, elas constituíam 19% do quadro docente das universidades, enquanto, nesse mesmo ano, na Alemanha federal, essa taxa não passava de 17%…” (F. MERNISSI, La peur-modernité, Albin Michel, pp. 206-207).

Após a chegada de Komeini ao poder, no Afeganistão, os homens empenharam-se em intensificar ainda mais a proibição da exibição de qualquer parte do corpo, por mínima que fosse. A burca é um véu que cobre integralmente o corpo, deixando apenas uma pequena faixa em forma de grade, na altura dos olhos, sob o qual a mulher sufoca e enxerga com dificuldade. Seu uso se propagou e se tornou o emblema da ditadura dos talibãs, esses estudiosos da teologia que, pelo sabre e pelo chicote, revelam sua superioridade em matéria de religião. Os homens aplicam-se a dividir o gênero feminino em “putas” (entendam: as que não usam véu) e “submissas” (entendam: as que usam véu)…

O terrorismo do véu não priva a mulher de seu corpo, mas da possibilidade de falar (seduzir ou não) com seu corpo, ele lhe corta a palavra. O chador e a burca, assim como qualquer véu islâmico, funcionam sempre como uma mordaça. Com frequência como uma pedra sepulcral.”

o-discurso-do-odio-andre-glucksmann-ed-difel_MLB-O-77649765_3411

 

GLUCKSMANN, André.
Discurso do Ódio
(Le Discours de la Haine)

Editora Difel: Rio de Janeiro, 2007.
Quem quiser comprar este livro, ei-lo:
http://bit.ly/11KAtwu (R$39,00)

 

COMPARTILHAR NO FACEBOOK

persepolis_ver2

A TIRANIA DOS FANTASMAS – Crítica do Poder Pastoral a partir de Foucault, Nietzsche, Diderot, Michelet e Stirner [Parte 01]

Michel_Foucault_1
A TIRANIA DOS FANTASMAS


I. ANÁLISE DA PERSISTÊNCIA HISTÓRICA DO PASTORADO

As afirmações de Foucault – “ainda não nos libertamos do poder pastoral” e “o pastorado ainda não passou pelo processo de revolução profunda que o teria aposentado definitivamente da história” – nos intrigam com algumas questões suplementares: qual a razão desta persistência da figura da
autoridade religiosa na história humana? Que “encantamentos” e que correntes prosseguem a prender os mortais às doutrinas de padres e pastores que pregam o ódio, que condenam comportamentos que desviam de seus dogmas, que solicitam de seu rebanho a humildade e a obediência perante um Ser Supremo?

O falecido Christopher Hitchens ensaia uma resposta: “a religião não se satisfaz com suas próprias alegações maravilhosas e garantias sublimes. Ela precisa tentar intervir na vida dos não-crentes, dos hereges ou dos que professam outras crenças. Ela pode falar sobre a bem-aventurança do próximo mundo, mas quer o poder neste” (Deus Não é Grande – Como a Religião Envenena Tudo, Editora Ediouro).

 As religiões, portanto, não se satisfazem em serem meras propagadoras de mensagens, doutrinas, conselhos: ambicionam o poder político através do qual possam impor o que Max Stirner chamaria de “uma tirania do Espírito”. Longe de ser considerada uma questão de decisão individual e que deve ser inteiramente mantida na esfera privada, como defendem alguns defensores do Estado Laico, a fé e seu séquito de irracionalidades prossegue exercendo seu poderio sobre a esfera sócia-política, legislativa, cultural, motivando comportamentos (com frequência preconceituosos, homofóbicos, misóginos, racistas, ateofóbicos etc.), erguendo templos (com frequência faraônicos e megalomaníacos), arrecadando dinheiro em dízimos e outras vias nada santas (com frequência agravando ainda mais a já grave situação de concentração de capital nas mãos de uma elite milionária, a de mercadores de ilusões lucrativas…)

 No Brasil de hoje, para frisar a intensa atualidade do tema, lembremos que tempos atrás a Igreja Universal do Reino de Deus e sua assecla midiática, a Rede Record, puseram no mercado um “cartão-de-crédito do crente” para que os fiéis pratiquem mais piamente o ato sagrado de doar seus suados trocadinhos para a Igreja. “Deus te pagará em dobro!”, prometem os pastores, cujas contas bancárias decerto se multiplicaram bem mais do que meras duas vezes desde que entraram neste tão intere$$ante ramo comercial: grandes igrejas, grandes negócios.

Mais de um século se passou desde que Nietzsche escreveu que “Deus está morto!”, sugerindo que a fé religiosa caía progressivamente em descrédito na Europa de seu tempo. Se focarmos nossa atenção não apenas em um punhado de europeus doutos e cultos dos séculos XVIII e XIX, que sentiram o impacto das ideias ateístas de Feuerbach, Schopenhauer, Marx e Nietzsche, mas num horizonte mais amplo, ou seja, no conjunto da população global do Planeta Terra e seus 7 bilhões de humanos, é plausível de fato supor que as religiões estejam em decadência? Ficaram definitivamente para trás os trevosos tempos de medievalescas guerras entre religiões, de perseguições e homicídios perpetrados contra hereges e “feiticeiras”, de uma mescla sem pudores entre o teológico e o político, o Estado e a Igreja, o fanatismo dogmático e a escrita da Lei?

Procuraremos neste trabalho investigar quais as características principais que definem o que chamaremos, seguindo a tocha-guia de Foucault e Nietzsche, de Poder Pastoral ou Sacerdotal. Isto implica uma tentativa de analisar “psicologicamente” quais os traços que caracterizam estes padres, pastores e papas que arrogam-se a função de “porta-vozes de Deus” e que desejam conduzir seus rebanhos à Paraísos prometidos por antecedência. Que mecanismos psicológicos, quais tábuas de valores e que tipo de visão-de-mundo estão envolvidos neste fenômeno do “líder pastoral”? Quais as raízes e os frutos desta árvore funesta que tanto insiste em vicejar no jardim terrestre, enchendo-o com frutos proibidos e culpas dignas de danação eterna?

Uma vez que fomos instados a empreender esta pesquisa especialmente pela convicção da forte premência do tema, que necessita ser urgentemente tratado pela filosofia exatamente pois lida com algo que prossegue a nos tiranizar nos mais variados ramos, da medicina à sexualidade, do Direito à Política, cabe realizar aqui uma breve tentativa de mostrar, através de alguns exemplos históricos recentes, a urgência da temática, a atualidade do Poder Pastoral.

             Ainda estamos, de fato, como Foucault também julga, sob seu jugo:

2316_43.tif

  • Líderes religiosos ainda condenam artistas e escritores à morte: não faz muito tempo que o escritor indiano Salman Rushdie, quando da publicação de seu romance Os Versículos Satânicos, foi fulminado pela fatwa decretada pelo aiatolá xiita do Irã, só podendo sobreviver por ter recebido guarida na Inglaterra. Rushdie defendeu-se das perseguições nos seguintes termos: “Os Versículos Satânicos celebra a hibridez, a impureza, a mistura, a transformação que provém de novas e inesperadas combinações de seres humanos, culturas, idéias, políticas, filmes, canções. Exulta com o cruzamento de raças e teme o absolutismo do Puro […] Certamente que não põe em causa os direitos das pessoas à sua fé, embora eu não tenha nenhuma. Discorda manifestamente das ortodoxias impostas de todos os tipos, da opinião que o mundo é muito claramente Isto e não Aquilo. Discorda do fim do debate, da disputa, da discordância. Discorda também do sectarismo comunalista hindu, do tipo de terrorismo sikh que faz explodir aviões, das fatuidades do criacionismo cristão, bem como das definições mais limitadas do Islã […] É uma canção de amor à nossos eus mestiços…”. (In: Pátrias Imaginárias, p. 452, Publicações Dom Quixote, Lisboa). Além do caso Rushdie, também causou repercussão internacional o caso recente de cartunistas que foram assassinados por islâmicos radicais por terem publicado caricaturas de Maomé.
  •  Avanços na área da medicina são obstaculizados em sua implementação por ações contrárias de religiosos fundamentalistas que “estão mais preocupados com os embriões humanos do que com a possibilidade de salvar vidas oferecida pela pesquisa com células-tronco” e “são capazes de pregar contra o uso da camisinha na África subsaariana, enquanto milhões de pessoas morrem de AIDS nessa região a cada ano”. Harris relata outro caso similar: “o papilomavírus humano (HPV, na sigla em inglês) é hoje a doença sexualmente transmissível mais comum nos Estados Unidos. Esse vírus infecta mais da metade da população americana, causando a morte de quase 5 mil mulheres a cada ano, de câncer cervical. O Centro para Controle de Doenças (Center For Disease Control – CDC) estima que mais de 200 mil mulheres morrem anualmente dessa doença no mundo inteiro. Hoje temos uma vacina para o HPV que parece ser segura e eficiente. A vacina produziu uma imunidade de 100% nas 6 mil mulheres que a receberam como parte de um teste clínico (The New York Times, “Forbidden Vaccine”, editorial de 30/12/2005.) Contudo, os conservadores cristãos no governo americano opõem resistência ao programa de vacinação, alegando que o HPV é um impedimento valioso contra o sexo antes do casamento. Esses homens e mulheres piedosos desejam preservar o câncer cervical como incentivo para a abstinência sexual, embora ele tire a vida de milhares de mulheres a cada ano.” (HARRIS, SCarta a uma Nação Cristã. Editora Companhia das Letras. 2006. Prefácio de Richard Dawkins. Pg. 38.)
  • Escândalos revelam um “lado podre” de figuras sacerdotais que, ainda que se façam de santas e se pretendam puríssimas, por vezes deixam entrever o quanto são humanas, demasiado humanas: prossegue em nossos dias a revelação periódica dos casos de pedofilia na Igreja Católica, um fenômeno de proporções bem maiores do que imagina o comum dos crentes, a ponto de ser possível suspeitar de uma epidemia de padres que abusam sexualmente de crianças. “Os casos de abusos sexuais a menores já custaram à Igreja Católica em nível internacional mais de US$ 2 bilhões, informaram Michael Bemi e Patricia Neal no simpósio organizado pelo Vaticano para discutir os escândalos de clérigos pedófilos. […] Esses US$ 2 bilhões foram pagos nos acordos estabelecidos durante os processos das vítimas contra as dioceses, em julgamentos, assessorias legais, tratamentos para as vítimas e acompanhamento dos agressores, entre outros gastos. Sobre as pessoas que sofreram abusos, Bemi e Neal destacaram que ainda não existe um estudo em nível mundial, mas que, só nos Estados Unidos, a estimativa é que 100 mil pessoas foram vítimas desses abusos. Esse número deve ser somado às centenas de casos denunciados na Irlanda, Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Brasil, Canadá, Chile, Índia, Holanda, Filipinas e Suíça, entre outros países.” (Reportagem do Portal Terra.) O psicanalista Wilhelm Reich, que teve seus livros queimados nos EUA ultra-conservador dos anos 50, teria muito a nos ensinar a respeito das conexões entre credo religioso sexualmente repressivo e a emergência de neuroses e perversões. O documentário de Amy Berg, Deliver Us From Evil, é uma excelente investigação sobre o tema.
  • No Brasil, como aponta Marilena Chauí já no início de “O Retorno do Teológico Político”, há uma profusão de canais de televisão e estações de rádio “com programação variada que vai de telecultos, telecursos de exegese bíblica e teleconselhos até testemunhos de conversão e publicidade para a venda de materiais religiosos, entremeada com apresenções de canto e dança, além de vídeos edificantes”. E Chauí complementa: “Nas grandes cidades brasileiras, templos evangélicos espalham-se por toda parte, ocupando lugares que anteriormente pertenciam a cinemas, teatros, fábricas e galerias comerciais. Em contrapartida, estádios de futebol são periodicamente transformados em catedrais para pregações, cânticos e possessões carismáticas. Aos domingos, militantes religiosos distribuem panfletos e santinhos nos semáforos e batem às portas das casas com o oferecimento de explicações da Bíblia. E se Mel Gibson faz furor comercial com sua Paixão de Cristo, não lhe fica atrás (guardadas as devidas proporções nos gastos de produção e na qualidade do produto) o Padre Marcelo, que, além de gravações musicais e grandes missas-shows, também entrou para a indústria cinematográfica e alcança multidões com seu Maria Mãe de Jesus.” (CHAUÍ, M“O Retorno do Teológico Político”. In: Retorno ao Republicanismo. Org. De Sergio Cardoso. Editora da UFMG. 2004.)
  • Além disso, não esqueçamos que o noticiário de política internacional, nos últimos anos, esteve repleto de bombásticas manchetes, muitas vezes de profunda tragicidade, sobre os atentados terroristas perpetrados por muçulmanos contra a ainda tão cristã “Civilização Ocidental”. A Guerra do Iraque e do Afeganistão, além das causas econômicas que decerto também as motivaram (em especial o interesse americano no petróleo abundante do Oriente Médio…), foram conflitos saturados de religiosidade e maniqueísmo. A máquina de propaganda à serviço dos EUA, e a mídia a ele subserviente, pintaram o retrato de um heróico e glorioso combate entre as forças demoníacas, encarnadas pela Al-Qaeda e pelo regime de Saddam Hussein, e as forças celestiais e do “Bem” que iriam supostamente conceder àqueles povos a dádiva da democracia e da modernização capitalista. As imagens que nos chegam de Abu Ghraib e de Guantánamo Bay convidam-nos a ser mais céticos em relação à pretensa “santidade” do Império que luta contra o “Eixo do Mal”…

 Estes poucos exemplos nos garantem que o teológico-político ainda vive, que o Poder Sacertodal ainda tenta imperar e que não são pequenos ou insignificantes os imensos “rebanhos” de fiéis. De modo que a tentativa de compreensão do fenômeno religioso prossegue tema de grande importância, e para o qual certamente nos prestariam muitos serviços os estudos já realizados por William James (especialmente The Varieties of Religious Experience), Émile Durkheim (especialmente As Formas Elementares da Vida Religiosa), além das obras de Mircea Eliade, Heinrich Zimmer, François Jullien, dentre outros.

Se nossa escolha recaiu sobre Nietzsche, Foucault, Diderot, Michelet e Stirner foi pela convicção de que neles se encontra concentrada uma fértil reflexão filosófica sobre o tema e que, ao invés de lidar com o assunto “com luvas de pelica”, ousam colocar sob suspeita, averiguar com olhar cético e questionar com a mais lúcida das críticas um fenômeno cujo poder talvez se explique, ao menos parcialmente, justamente por este véu de Ísis que o recobre de mistério. Esforcemo-nos, pois, para dispersar estas névoas que nos impedem de enxergar os reais contornos do poder teologicamente fundado e dos crimes do fanatismo.

(FIM DO CAPÍTULO I. CONTINUAÇÃO.)

:: Vladimir Safatle, “A Esquerda Que Não Teme Dizer Seu Nome” (Ed. Três Estrelas, 2012) [excertos] ::

“Quem ignora efetivamente que os lobos andam em matilha?”
GILLES DELEUZE

“Somos obrigados a ouvir compulsivamente que ‘a divisão esquerda/direita não faz mais sentido’. Essa conversa é utilizada para fornecer a impressão de que nenhuma ruptura radical está na pauta do campo político, ou de que não há mais nada a esperar da política a não ser discussões sobre a melhor maneira de administrar o modelo socioeconômico hegemônico nas sociedades ocidentais. (…) A função atual da esquerda é, por isso, mostrar que tal esvaziamento deliberado do campo político é feito para nos resignarmos ao pior, ou seja, para nos resignarmos a um modelo de vida social que há muito deveria ter sido ultrapassado e que evidencia sinais de profundo esgotamento.”

* * * * *

“A política é, em seu fundamento, a decisão a respeito do que será visto como inegociável. (…) Este livro pretende falar, pois, do inegociável, isto é, a primeira coisa que a esquerda esquece quando assume o governo e começa a ficar fascinada por ser recebida em casas de escroques na Riviera Francesa, por ser convidada para vernissages de publicitários travestidos de artistas plásticos e por começar a ler mais sobre vinhos caros do que sobre a alienação do trabalho nas linhas de montagem da Ford.”

* * * * *

“Com o governo Lula (2003-2010), continuamos obrigados a conviver com o bloqueio reiterado da reconstrução dos fundamentos gerais do campo do político, como se a imersão na “pior política” fosse uma fatalidade intransponível. A despeito de sua capacidade de colocar a questão social enfim no centro do embate político e de compreender o necessário caráter indutor do Estado brasileiro no nosso desenvolvimento socioeconômico, o governo Lula será lembrado, no plano político, por sua incapacidade de sair dos impasses de nosso presidencialismo de coalizão. Como se a governamentabilidade justificasse a acomodação final da esquerda nacional a uma semidemocracia imobilista, de baixa participação popular direta e com eleições que só se ganha mobilizando, de maneira espúria, a força financeira com seus corruptores de sempre.”

* * * * *

“Talvez a posição atual mais decisiva do pensamento de esquerda seja a defesa radical do igualitarismo. Juntamente com a defesa da soberania popular, a defesa radial do igualitarismo fornece a pulsação fundamental do pensamento de esquerda.

[…] A luta contra a desigualdade social e econômica é a principal luta política. Nossas sociedades capitalistas de mercado são ‘paradoxais’ por produzirem, ao mesmo tempo, aumento exponencial da riqueza e pauperização de largas camadas da população. Quebrar esse paradoxo é tarefa da política. Apenas um exemplo: enquanto o PIB dos EUA cresceu 36% entre 1973 e 1995, o salário-hora de não executivos (que são a maioria dos empregados) caiu 14%. No ano 2000, o salário real de não executivos nos Estados Unidos retornou ao que era há 50 anos. Dados como estes demonstram que, diante dos modelos liberais, ou seja, sem forte intervenção de políticas estatais de redistribuição, nossas sociedades tendem a entrar em situação de profunda fratura social por desenvolverem uma tendência radical de concentração de riquezas.

Um exemplo do tipo de ação que uma defesa radical do igualitarismo pode produzir foi sugerido pelo candidato de uma coligação francesa de partidos de esquerda à eleição presidencial de 2012, Jean-Luc Mélenchon. Consiste na proposição de um “SALÁRIO MÁXIMO”, com um teto que impediria que a diferença entre o maior e o menor ganho fosse superior a 20 vezes. Em uma realidade social de generalização mundial das situações de desigualdade extrema, tais propostas trazem para o debate político a necessidade de institucionalização de políticas contra a desigualdade.”

* * * * *

“A democracia depende de um aprofundamento da transferência de poder para instâncias de decisão popular que podem e devem ser convocadas de maneira contínua. (…) Com o desenvolvimento das novas mídias, é cada vez mais viável, do ponto de vista material, certa “democracia digital” que permita a implementação constante de mecanismos de consulta popular. (…) O verdadeiro desafio democrático consiste em criar uma dinâmica plebiscitária de participação popular.

Tal dinâmica é desacreditada pelo pensamento conservador, pois ele procura vender a ideia inacreditável de que o aumento da participação popular seria um risco à democracia – como se as formas atuais de representação fossem tudo o que podemos esperar da vida democrática. Contra essa política que tenta nos resignar às imperfeições da nossa democracia parlamentar, devemos dizer que a criatividade política em direção à realização da democracia apenas começou. Há muito ainda por vir.”

* * * * *

“Mesmo a tradição política liberal admite, ao menos desde John Locke, o direito que todo cidadão tem de se contrapor ao tirano, de lutar de todas as formas contra aquele que usurpa o poder e impõe um estado de terror, de censura, de suspensão das garantias de integridade social. Nessas situações, a democracia reconhece o direito à violência, já que toda ação contra um governo ilegal é uma ação legal. (…) Um dos princípios maiores que constitui a a tradição de modernização política da qual fazemos parte afirma que o direito fundamental de todo cidadão é o direito à rebelião e à resistência.”

* * * * *

“No fundo, essa é uma sociedade que tem medo da política e que gostaria de substituir a política pela polícia.”

* * * * *

“O plebiscito é simplesmente a essência fundamental de toda vida democrática. (…) Vale a pena lembrar que a noção de soberania popular implica transferência de poderes em direção à democracia direta. Um exemplo valioso são as declarações de guerra. Na época da Guerra do Afeganistão, enquanto a maioria da população era contrária à iniciativa, o Parlamento espanhol aprovou o envio de tropas àquele país. Ou seja, naquele momento o Parlamento da Espanha não representava o povo – o mesmo povo que morreria devido às consequências da decisão do Parlamento. Em situações como esta, a decisão deveria passar para a democracia direta.”

* * * * *

>>> LEIA O 1º CAPÍTULO NA CARTA MAIOR

>>> CRÍTICA DA FOLHA DE SÃO PAULO

>>> COMPRE POR 19,90 NA LIVRARIA CULTURA