DESMORONOU: Mito de pés de barro, o juiz-golpista Sérgio Moro vai desmoronando no descrédito junto com a legitimidade das eleições de 2018

“Em tempos de enganação universal,
dizer a verdade torna-se um ato revolucionário.”

George Orwell

Não conheço nenhum precedente histórico para o que se passou no Brasil em 2018: quando se aproximava a Eleição presidencial, a primeira desde a derrubada de Dilma Rousseff em 2016 através do golpeachment das “pedaladas”, toda uma maquinaria jurídica, política e midiática se colocou em movimento para aprisionar Luiz Inácio Lula da Silva, que estava disparado na liderança das pesquisas de intenção de voto. Em que país, em que época, já se ouviu falar de algo semelhante?

Ao encarcerar o candidato que venceria o pleito, os estupradores da Democracia pavimentaram o caminho para a ascensão do desgoverno neofascista do Exterminador do Futuro, Jair Messias Bolsonero, idolatrador do torturador-em-chefe Ustra, amicíssimo de milícias, obcecado com armas e falos, que em 30 anos como político profissional não fez nenhum bem a ninguém a não ser ao enriquecimento de seu próprio clã.

O que se viu com o cárcere de Lula está destinado a tornar-se um dos paradigmas globais que ilustra o conceito de lawfare, ou seja, a guerra jurídica que na atualidade tem servido como substituta da estratégia do golpe militar no cardápio de violências das elites contra aqueles que elas consideram como adversários ou inimigos de seus interesses. Como escrevem Carol Proner e Juliana Neuenschwander:

“Os processos contra Lula sempre foram os mais violentos e midiáticos, sendo em tudo excepcionais: nos tempos urgentes do processo, na prisão antecipada e nas negativas aos direitos políticos e civis, desrespeitando até mesmo decisão obrigatória das Nações Unidas. Centenas de juristas democráticos criticaram duramente a sentença do juiz Moro que condenou Lula à prisão, pela ausência de provas e justa fundamentação.”

Apelando pra uma metáfora futebolística, seria como formular uma tática para a vitória que consistisse em tirar do jogo o craque do time adversário, mesmo que fosse quebrando sua perna com um “carrinho” violento, ou então apelando antes do jogo para uma propina ao juiz da partida para que expulsasse de campo o craque com um cartão vermelho, ainda que injusto.

Com as revelações recentes divulgadas pelo site The Intercept Brasil, há toneladas de evidências de que Lula foi vítima de um golpe em que um pseudo-juiz, envolvido numa teia de “delinquência múltipla” (como escreveu Jânio de Freitas na Folha de São Paulo), arrombou todos os princípios mais básicos do Direito e da Constituição Federal, a começar pela imparcialidade, tendo agido como “conje” e comparsa dos promotores que acusavam o ex-presidente.

Trata-se do “maior escândalo do Judiciário brasileiro”, segundo o professor Pedro Serrano da PUC-SP: “É chocante tudo que foi feito, não dá para minimizar o fato. Houve um tipo de relação entre juiz e procuradores absolutamente antiética e fora de qualquer padrão de legalidade. As conversas “mostram a adoção de atitudes judiciais ou pretensão de adotá-las com finalidade politica, para interferir em eleição inclusive, o que é gravíssimo. O processo contra Lula demonstra absoluta nulidade. Se for mantido, o Judiciário brasileiro demonstra ausência de cumprimento mínimo da Constituição e normas básicas de civilização. Temos provado documentalmente a parcialidade de Moro e que os procuradores agiram politicamente.”

Luis Felipe Miguel, professor da UnB – Universidade de Brasília, aponta:

“As fragilidades da sentença de Sérgio Moro já eram conhecidas, mas agora ruiu de vez qualquer possibilidade de sustentar a condenação de Lula. A anulação do julgamento é uma questão básica de justiça. Mas significa enfrentar um veto da classe dominante, verbalizado mais de uma vez pela alta hierarquia do Exército.

Outrossim, como diriam os hackers, a revisão da condenação de Lula abre outro tema espinhoso: a ilegitimidade das eleições de 2018. Os diálogos já publicados comprovam que a Lava Jato se guiou pelo objetivo de impedir a candidatura do ex-presidente e a vitória de qualquer candidato do centro para a esquerda do espectro político. O mesmo imperativo de justiça que exige a imediata libertação de Lula exige a anulação do pleito e a convocação de novas eleições.

Não é um enfrentamento fácil. Mas não cabe ao campo popular se contentar de antemão com soluções de compromisso.

A bandeira “Lula livre” sintetiza o compromisso com o Estado de direito, com a vigência das garantias e das liberdades.

E a bandeira “novas eleições já” sintetiza a defesa da democracia.”

A ação do The Intercept Brasil através da Operação #VazaJato expressa uma daquelas raras ocasiões em que o Jornalismo-de-Verdade se transforma em força histórica, em que o cenário midiático instituído é posto fora de órbita por um vazamento-terremoto que não difere muito de uma irrupção imprevista de verdades inconvenientes, mas relevantes. É claro que muitos obscurantistas vão se recusar a enxergar esta luz excessiva que foi lançada sobre a podridão reinante, mas isto em nada aniquila o valor do agente iluminante.

Devastar as máscaras não é agradável aos mascarados, mas não é a estes que o jornalismo serve, mas sim ao público, que merece ser informado sobre quão podres e torpes foram os agentes públicos no exercício de suas funções. É claro que muitos canalhas vão continuar comemorando o golpe baixo e sujo na candidatura Lula, que mandou pro beleléu a lisura das eleições do ano passado, à semelhança dos que comemoram um campeonato de futebol mesmo que o time tenha vencido com gol de mão e com pseudo-pênalti marcado por um juiz-ladrão.

Mas que os canalhas continuem gozando perversamente com seu triunfo injusto não tira um átimo do valor humano destes que ousam dizer a Verdade ao poder, assumindo todos os riscos e reativando aquela parresía grega que inspira um dos mais belos livros da filosofia no séc. XX: “A Coragem da Verdade” de Michel Foucault.

Que Greenwald e sua trupe sejam recebidos na História em companhia da turma de Diógenes de Sínope, que possam ser reconhecidos como manifestação contemporânea da parresia, mais importante do que nunca por se manifestar em plena hora da “Pós-Verdade”, aparecendo para dizer que “não!”, “ainda não aceitamos nem acatamos que se decretem obsoletos os conceitos de Verdade e de Justiça!”

Vencedor de um Prêmio Pulitzer, Glenn Greenwald é um dos pivôs de um caso que já marcou época: a divulgação, por Edward Snowden, das ações da NSA (National Security Agency), através de um vazamento que expôs as entranhas da maquinaria de espionagem yankee. O caso já foi adaptado para o cinema no documentário Citizenfour, vencedor do Oscar da categoria, e na ficção baseada em fatos reais Snowden, de Oliver Stone. Em ambos, Greenwald é uma figura chave no processo de trazer à luz aquilo que os poderosos gostariam de manter afundado nas trevas.

Talvez não seja exagero dizer que o caso #VazaJato está destinado a entrar para a História como um exemplo paradigmático dos efeitos sociais dos leaks que revelam os “podres do poder”, como fez o preso político Julian Assange através do Wikileaks. Na era do jornalismo digitalizado, um site como o The Intercept foi capaz de causar um terremoto na imprensa escrita, impondo uma pauta – o Juiz está nu! – que não estava nos planos dos grandes jornais e revistas corporativos.

O impactante leak fez com que ilustres membros do P.I.G. (Partido da Imprensa Golpista), que nos últimos anos foram os maiores puxa-sacos de Moro, que construíram sua imagem enganadora de super-herói e de paladino da moral e da luta contra a corrupção, desembarcassem do navio que agora naufraga no mar de dados constrangedores revelados pela Operação#VazaJato.

Diante do oceano de evidências de que Moro violou a lei e participou de uma fraudulenta conspiração com o intento de condenar Lula, até a VEJA, um dos entes mais sórdidos da imprensa burguesa do Brasil, uma empresa de comunicação que sempre desrespeitou a imparcialidade em prol de seus patrões e patrocinadores, que já cometeu crime eleitoral às vésperas de muitas eleições disseminando fake news, que insuflou o antipetismo irracional nas massas suficientemente crédulas para engolir suas lorotas, que serviu de palanque pro Tucanato e pro Empresariado golpista da Fiesp, que por anos contaminou seus leitores com seu podre marketing liberal travestido de jornalismo, até a encarnação suprema do P.I.G. que é a Veja publica agora uma capa em que abandona o ex-juiz, descrito na capa como uma estátua DESMORONANDO. Veja escreve:

“Os diálogos são inequívocos: mostram o estabelecimento de uma relação de coope­ração incompatível com a imparcialidade exigida por lei de qualquer juiz. A dobradinha teria beneficiado os acusadores em detrimento dos acusados, desequilibrando a balança da Justiça e desrespeitando a equidistância entre juízes e as partes do processo. Para garantir a chamada paridade de armas entre defesa e acusação, o Código de Processo Penal (CPP) proíbe que julgadores e procuradores trabalhem juntos em busca de um resultado comum. A lei estabelece que o magistrado deve sempre declarar-se suspeito para julgar um caso quando, por exemplo, “tiver aconselhado qualquer das partes”. Numa das mensagens divulgadas, o então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba relatou a Dallagnol ter recebido de “fonte séria” a dica de que uma testemunha teria informações sobre transferências de propriedade de um dos filhos de Lula. Em seguida, Moro orientou o procurador a ouvir a pessoa, que, contudo, não aceitou colaborar.

Dallagnol mencionou, então, a possibilidade de forjar uma denúncia anônima para que a testemunha fosse intimada a prestar esclarecimentos. Não se sabe, pelo material divulgado, se isso foi feito, mas é inescapável a conclusão de que Moro se empenhou, fora dos autos, para colher evidências contra Lula. Nesse momento, ele cruzou a fronteira da legalidade. “Muito embora se saiba que juízes, promotores e advogados conversem entre si, isso precisa ser feito sempre de maneira clara e obje­tiva, evitando qualquer tipo de viés ou direcionamento”, diz o desembargador aposentado José Roberto Neves Amorim, membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) entre 2011 e 2013. Cabe destacar que procurador e juiz não utilizaram seus e-mails funcionais nesses diálogos. Eles usaram um meio de comunicação privado, o Telegram, para combinar uma linha de atuação. Nos Estados Unidos, a então secretária de Estado Hillary Clinton reconheceu o seu erro quando utilizou um e-mail pessoal para tratar de assuntos de Estado. Uma investigação do FBI chegou a ser aberta contra ela. Por aqui, o ministro tentou minimizar o conteúdo das conversas. A questão é que várias das mensagens são muito embaraçosas. Numa delas, Dallagnol comentou que faria alguns pedidos a Moro, mas tudo bem ele indeferi-­los, porque mandou apenas “por estratégia”. Na resposta, Moro adiantou sua decisão dizendo que iria mesmo desconsiderá-los. Na opinião de juristas ouvidos por VEJA, a cooperação de Moro e Dallagnol para encontrar uma testemunha desfavorável a Lula pode configurar crime de fraude processual.”

Fonte >>> https://veja.abril.com.br/politica/a-desconstrucao-do-heroi/

Agora que desMoronou de vez a fraude por trás da condenação injusta do ex-presidente Lula da Silva, temos provas de sobra pra sustentar nossas convicções: com a publicação, das explosivas gravações apelidadas de #VazaJato (acesse:https://bit.ly/2QWCKTA), o Juiz está nu, assim como seu atual patrão, aquele que o consagrou como Ministro da Justiça e pregou que Lula deveria “apodrecer na prisão”.

Ao invés de agir como um juiz imparcial e equânime, revela-se agora com fartas evidências que o Sr. Moro, nos bastidores deste processo kafkiano, atuava praticamente como o “conje” da acusação e seu papel era muito mais o de inquisidor, uma espécie de Torquemada de toga (https://bit.ly/2MyldT5).

Apelidado pelo Jota Camelo de “Mussolini de Maringá”, o Sr. Moro violou regras elementares do seu ofício que são conhecidas até por alunos do primeiro semestre de qualquer curso mequetrefe de formação em Direito. Torna-se difícil refutar, a não ser apelando para o irracionalismo antipetista sectário típico dos Bozominions acéfalos, que Lula é um preso político que está sendo vítima de perseguição política e que está injustamente encarcerado numa solitária na PF de Curitiba como parte de um conluio das elites para evitar a 5ª vitória consecutiva do PT nas eleições presidenciais.

Revelou-se recentemente que vários dos advogados de Lula foram ilegalmente grampeados e Moro, em conluio com a grande mídia burguesa (o P.I.G. – Partido da Imprensa Golpista), fazia vazamentos de conversas gravadas para botar lenha na fogueira da criminalização construída pelo antipetismo irracional em sua Cruzada Por um Brasil Medieval. Como fez Moro quando atuou para impedir que Lula assumisse o cargo de Ministro da Casa Civil para o qual havia sido nomeado pela presidente Dilma Rousseff. Quem com grampo fere, com grampo será ferido!

Isso só explicita ainda mais que o governo do excrementíssimo Jair BolsoNero, o Micto, aquele que é incapaz de construir qualquer coisa que beneficie o povo brasileiro e que por enquanto só destruiu e incendiou o país, é totalmente ilegítimo. Além de ter sido um dos deputados federais que participou ativamente da aliança golpista que derrubou a presidenta eleita (discursando em prol de Cunha, Caxias e Ustra naquele seu pavoroso discurso de 17 de Abril de 2016), o golpeador impune Bozonazi foi o beneficiário das ilegalidades e crimes do conluio Moro-Dallagnol-P.I.G., além de ter violado de modo recorrente os parâmetros mais básicos de Justiça Eleitoral através da compra com caixa 2 de pacotes de disparo de fake news em mídias sociais.

 

Por isso julgamos que o processo eleitoral de 2018, o primeiro após o golpe de Estado parlamentar-jurídico-midiático de 2016, esteve corroído até o osso em sua legitimidade pela exclusão ilegal e criminosa, via lawfare, do candidato que liderava com sobra as pesquisas de intenção de voto. Caso ainda existisse neste país a ação institucional garantidora do Estado Democrático de Direito, o resultado das eleições deveria ser declarado nulo e um novo pleito deveria ser convocado, com Lula candidato e Bolsonaro impedido de concorrer pois já provou sua completa incapacidade de respeitar as regras básicas do “fair play” democrático.

Um dos maiores líderes políticos da América Latina contemporânea, Lula teve toda sua vida revirada, esquadrinhada e investigada até as vísceras, sem nenhum indício crível de que tenha cometido qualquer desvio de conduta ou crime de responsabilidade no decurso de sua vida pública. Desesperados, os Inquisidores resolveram que era preciso condená-lo por algo, e assim extorquiram uma delação premiada em que constrói-se a fábula de que as reformas em um apê no Guarujá – que Lula nunca comprou! – teriam sido uma propina oferecida para que Lula depois beneficiasse a construtora em futuros contratos com a Petrobrás.

Lula foi condenado por “atos indeterminados” conexos a um imóvel que nunca foi dele, criminalizado pela absurda noção de um hipotético favorecimento futuro que um dia porventura ele faria em prol de uma empresa de construção civil cujo empresário-chefe, aprisionado, fez delação premiada interesseira e pouquíssimo crível. Eis a “farsa montada”.
É bizarro, Brasil, que Lula esteja preso sem crime, enquanto está no poder uma família criminosa que faz maracutaias de enriquecimento ilícito com imóveis há tempos, e que é conhecida por múltiplas artimanhas com as milícias: na verdade é o clã Bolsonaro o verdadeiro epicentro da criminalidade impune que corrói a nação e de quem os Coxinhas e Bozominions, pretensos lutadores da batalha épica contra-a-corrupção, lambem as botas.

Em resumo: o ex-juiz Moro agia em explícita violação dos mais basilares preceitos de sua posição, que exige o máximo de imparcialidade no trato com os réus, e colaborou ativamente com os acusadores com o intento de perseguir politicamente a maior liderança do Partido dos Trabalhadores e impedi-lo, através de um golpe do Direito (que também foi um golpe da Direita), de participar das Eleições que Lula venceria.

Ao auxiliar o ascenso ao poder da extrema-direita, Moro foi recompensado com um cargo no Ministério da Justiça e por enquanto só passou pano e fingiu-se de cego para o Caso Queiroz e para as conexões dos Bolsonaros com as milícias que assassinaram Marielle Franco. Aquele power point de Dallagnol já tornou-se assunto infindável para o sarcasmo dos comediantes e evidência clara da incompetência e desonestidade destes excrementíssimos senhores que lançaram a nossa Democracia no esgoto e aprisionaram o presidente da República melhor avaliado de nossa história – sem provas, mas com muitas convicções, como já vimos em outras Inquisições.

No Brasil de BolsoNero, a democracia estaria toda reduzida a cinzas e escombros se não fosse pela vigilância ativa e pela ação conjunta do Tsunami de Resistência que agora se ergue, nestas históricas jornadas de Maio e Junho de 2019, em contestação contra a Elite da Devastação.

 

Eduardo Carli de Moraes
A Casa de Vidro – 17 de Junho de 2019

EXPLORE MAIS:

“O Que Aprendi Sendo Xingado na Internet” – Por Leonardo Sakamoto (Com Tirinhas de André Dahmer)

A VIDA É MAIS COMPLEXA DO QUE SE VÊ
por Leonardo Sakamoto

1) SE ALGUÉM… Defende políticas sociais que beneficiam os mais pobres.

NÃO SIGNIFICA QUE… Tenha que viver uma vida de abnegação e sofrimento, tomando água da chuva, disputando restos de migalhas com pombos no entorno de alguma padaria, vestindo sacos de estopa e permanecendo na era pré-digital sem nenhum contato com tecnologia (afinal não há cadeia produtiva de aparelhos eletrônicos que não esteja contaminada com algum problema social e ambiental).

TALVEZ APENAS… Acredite que todos temos escolhas, inclusive a de defender outra classe social à qual não pertencemos necessariamente. O nome disso (conseguir se enxergar no outro e entender o seu sofrimento) não é hipocrisia, mas sim empatia.

2) SE ALGUÉM… Defende ocupação de imóveis vazios e improdutivos por quem possa neles morar e produzir.

NÃO SIGNIFICA QUE… Está querendo implantar o comunismo no Brasil, com o confisco imediato de todas as propriedades privadas para o Estado premiar “vagabundo” em vez dos “trabalhadores de bem”.

TALVEZ APENAS… Acredite que a existência de imóveis vazios e improdutivos entregues à especulação enquanto pessoas dormem na rua ou passam fome é a verdadeira violência. E que não é porque eu “comi o pão que o diabo amassou para conquistar o que tenho” que devo defender que todos passem pelo mesmo sacrifício.

3) SE ALGUÉM… Exige que gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais sejam tratados com os mesmos direitos.

NÃO SIGNIFICA QUE… Está tentando instaurar uma “ditadura gayzista”

TALVEZ APENAS… Esteja tentando diminuir a fúria da ditadura heteronormativa, que diz quem devemos amar ou com quem podemos nos deitar diariamente.

4) SE ALGUÉM… É contra o linchamento de pessoas acusadas de cometer crimes.

NÃO SIGNIFICA QUE… Seja a favor desses crimes.

TALVEZ APENAS… Defenda que todas as pessoas têm o direito a um julgamento justo. E, caso comprovada sua culpa, que sejam punidas de acordo com o que prevê a lei. Pois se optarmos pelo olho por olho, dente por dente, em breve todos estaremos cegos e banguelas. Lembre-se de que o indivíduo pode ser racional, mas a turba, não raro, é burra. Veja as redes sociais.

5) SE ALGUÉM… Defende o direito ao aborto.

NÃO SIGNIFICA QUE… Quer que todas as mulheres grávidas sejam obrigadas a abortar ou que aborto se torne método contraceptivo, como preservativo ou pílula.

TALVEZ APENAS… Queira garantir que menos mulheres morram ou fiquem estéreis em procedimentos improvisados, porque sabe que alguém que deseja abortar vai encontrar um jeito de fazê-lo.

6) SE ALGUÉM… É um jovem negro andando na rua.

NÃO SIGNIFICA QUE… Seja um meliante que esteja com intenção de te assaltar e levar seus pertences e que, por isso, você deve correr imediatamente e chamar a polícia, pois ele pode até não ter manifestado (ainda) seu desejo de sangue, mas, em algum momento, irá manifestar – sabe como essa gente é…

TALVEZ APENAS… Seja um jovem negro andando na rua. E você seja um poço de preconceito.

7) SE ALGUÉM… É ateu.

NÃO SIGNIFICA QUE… Seja mau.

TALVEZ APENAS… Não acredite em divindade alguma, o que não influencia em nada o caráter de uma pessoa.

8) SE ALGUÉM… É petista, psolista, tucano, palmeirense, corinthiano, flamenguista, Garantido, Caprichoso, esquerda, direita, centro, onívoro, vegano, pedestre, ciclista, motorista.

NÃO SIGNIFICA QUE… Seja o mal encarnado.

TALVEZ APENAS… Pense diferente de você. Criticar ideias e ações faz parte do debate público. Mas cuidado com o processo de desumanização, que transforma tudo em nada e seres humanos em objetos que podem ser facilmente descartados. Infelizmente, tenho a sensação de que estamos caminhando para isso.

Leonardo Sakamoto, O Que Aprendi Sendo Xingado na Internet, p. 34 a 39

Duas doses de Denis Villeneuve: crítica dos filmes “Arrival – A Chegada” e “Sicário – Terra de Ninguém”, duas obras mais recentes do diretor canadense

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#CinephiliaCompulsiva2017

Em “Arrival – A Chegada”, de Denis Villeneuve, alienígenas invadem a terra (de novo!) e o enredo até tenta dar ares de originalidade a tema tão batido. O filme evita a fórmula da conflagração clichê de uma “Guerra dos Mundos”, aliás já re-filmada não faz muito tempo por Steven Spielberg. Mas aquilo que prometia tornar-se algo tão impactante quanto excelentes sci-fis recentes como “Children of Men – Filhos da Esperança” (de Alfonso Cuarón), “Distrito 9”, de Neil Blomkamp ou “Ex Machina” de Alex Garland, chafurdou na lama de seu desfecho. O que não impede que a expectativa seja enorme em relação ao mega-projeto de ficção científica que Villeneuve terá a responsa de realizar em 2017: Blade Runner 2049, sequência do memorável filme de 1982 dirigido por Ridley Scott, baseado na obra de Philip K. Dick.

Com ares de filme cult, “Arrival” não quer apenas gastar milhões de dólares da produção em estonteantes carnificinas e explosões em que soldados terráqueos digladiam-se com ETs dotados de armas laser. A vibe de “Arrival” lembra mais a de “Contato”, de Robert Zemeckis, baseado em romance de Carl Sagan e estrelado por Jodie Foster – e não somente pela protagonista ser uma mulher nos dois casos. Ambos tendem para o drama psicológico ao pôr em relevo o problema da linguagem de comunicação utilizável em encontros de criaturas de diferentes proveniências galácticas: em que idioma possível conversaríamos com visitantes do espaço sideral? Como desenvolveríamos uma língua comum que nos permitisse algum tipo de mínima compreensão mútua? Como transpor o abismo do incomunicável?

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No filme, baseado no conto “Story of Your Life”, de Ted Chieng, que integra o livro História da Sua Vida e Outros Contos (Intrínseca, 369 pgs, R$40 na Amazon), a personagem de Amy Adams é convocada para integrar a Equipe-EUA que lidará com o misterioso pouso dos OVNIs. A protagonista tem um pedigree acadêmico-científico vinculado àsua prodigiosa capacidade com línguas estrangeiras – ela fala chinês e farsi sem dificuldades, acha fácil dominar línguas já mortas e não tardará em bater um papo com os ETs (mais parecidos com gigantes polvos do que com aquele adorável feioso cor de cocô inventado por Steven Spielberg em E.T.).

Tudo ia indo muito bem no filme, com sua narrativa interessante e seus “contatos” que vão num crescendo de proximidade e de experimentação. Porém… o fim! Que decepção. “Arrival” até arrisca pôr em questão o tema das relações internacionais em nosso globo, instaurando um desafio diplomático sem precedentes entre as 12 nações que têm as espaçonaves alien pousadas em seus territórios. Afinal, o tema da linguagem comum que possibilite algum tipo de troca ou convívio, com algum grau de inteligibilidade, é algo que não diz respeito somente às relações humanos-ETs, mas às relações humanos-humanos.

Pareceu-me que os ETs foram demasiado otimistas ao acharem que iriam fornecer-nos um quebra-cabeças de 12 peças, entregando estas peças a 12 países diferentes, com línguas oficiais diferentes, na expectativa de um concerto sinfônico harmônico das nações… Eu acreditaria muito mais na verossimilhança de alienígenas misantropos. O filme vai num crescendo que dá a entender que tudo acabará em catástrofe, para o bem das bilheterias – um “blockbuster” sem espetaculares desgraças não é digno deste nome. Vamos nos aproximando do fim do filme e parece que aquela entidade ancestral e sempre nossa contemporânea, a Estupidez Humana, irá lidar novamente com a chegada do estranho, do irrotulável, do incatalogável, do queer, do diferentão, em suma, da alteridade radical, apelando para seu antiquíssimo comportamento psicótico: a solução militar, o destravamento da agressão bélica, a violência nuclear contra aqueles rapidamente rotulados pelo preconceito paranóico como maus e inimigos.

Mas não: com o perdão do spoiler, digo que a improvável vitória da paz, no contexto que o filme narra, foi um tiro no pé na verossimilhança (que também é um valor digno de respeito em um sci-fi). O meu problema com o desfecho da obra não é tanto uma frustração pueril de cinéfilo colonizado que ficou com apetite insaciado de mega-catástrofes, não é uma irritação com o discurso pacifista ou de conciliação diplomática neles mesmos. O meu problema é com a solução totalmente deus ex machina, altamente inverossímil. “Arrival” vinha como um interessante filme sobre os desnorteios da ciência e linguagem comuns diante de um fenômeno novo e sem precedentes, mas por fim transforma-se em uma espécie de manifesto new-age, afirmador de poderes parapsíquicos miraculosos, mobilizador de protagonista canonizada como salvadora-do-mundo – um happy ending que, pro meu gosto, soa altamente supersticioso. E por isso suspeito de ter agido com propósito de mistificação.

Dirão os sarcásticos que a superstição vende muito bem, e às vezes rende mais críticas elogiosas do que as destruições blockbostistas empreendidas por Michael Bays em “Independence Days”. Sim, é vero, se há tanta superstição impregnando tantas obras da indústria do entretenimento também é por razões mercadológicas: superstição é sucesso, superstição é crowd pleaser. O problema é que Denis Villeneuve, que até merece seu status como um dos principais cineastas “cult” hoje em atividade, dada a qualidade de sua filmografia (Enemy, adaptação de O Homem Duplicado de Saramago, e Incêndios estão entre seus filmes prévios mais interessantes), parece que quis impor um happy end a “Arrival” que acaba por transformá-lo em algo muito menos memorável do que poderia ter sido.

Pensávamos que nossa protagonista era uma esforçada pesquisadora e intelecual, uma linguista que fica suando os miolos até atingir a maestria; descobrimos, por fim, que tratava-se de nada menos que uma profetisa, uma semi-divindade, uma magic woman, alguém que tornou-se dotada de um super-poder fantástico de que os outros mortais estão desprovidos. A heroína de fantasia super-heróica vence sobre cientista de carne-e-osso. A reflexão sobre linguagem e comunicação, com os mil percalços que temos que encarar pelos caminhos cheios de sangue de nossa realidade geopolítica globalizada atolada em antagonismos, perde de lavada para a afirmação de “dons sobrenaturais” que nossa privilegiada protagonista adquire após seu intercâmbio salvífico com aliens pedagógicos, uns ETs que são tudo gente fina… Dá pra engolir?

Fantasia consolatriz demais, seu Villeneuve, chega a dar asco. Para o meu gosto, um filmaço mesmo, em contraste, é o “Ex Machina” de Alex Garland, que também debate ciência e linguagem com profundidade, mas também tem a coragem de ser mais distópico, ousando avançar nas reflexões sobre inteligência artificial rumo a domínios nunca dantes explorados e mostrando que há ainda muito a dizer, muito além de Matrix e suas desastradas sequências.

Por fim, a questão crucial dos filmes deste gênero – a chegada alienígena é hostil ou benigna? eles vêm em paz ou querem guerra? – acaba respondida por “Arrival” com extremo otimismo. O final feliz, saído com um ás da manga de um mágico, é muito semelhante a muitos outros desfechos do mau cinema comercial para que o filme termine satisfazendo os apetites que ele mesmo despertou. Ao invés de falsas soluções salvíficas e milagrosas, que desenham auras de miraculosidade sobre a protagonista, Villeneuve poderia ter encerrado a obra mais “em aberto”, deixando algo à imaginação e a encucação do espectador. Do jeito que terminou, “Arrival” estragou o gosto do belo banquete que havia preparado pois não teve a coragem de mandar o espectador embora do cinema com muito mais problemas e enigmas do que aqueles que tinha ao entrar.

Amy Adams (right) as Louise Banks in ARRIVAL by Paramount Pictures

Amy Adams como Louise Banks em “ARRIVAL” (Paramount Pictures)


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TERRA DE NINGUÉM?

A fronteira entre os EUA e o México tem mais de 3.100 km de extensão e é uma zona de intensas atividades migratórias, com cerca de 10 milhão de pessoas atravessando-a legalmente todos os anos (os dados são da Wikipedia: http://bit.ly/2kM9wqe), com números também estratosféricas de migrações clandestinas.

Neste ano de 2017, que nasce sob a sombria tirania de Donald J. Trump nos EUA, re-assistir um filme como “Sicário – Terra de Ninguém” [http://www.imdb.com/title/tt3397884/], de Denis Villeneuve, pode ser uma experiência interessante pelas reflexões que pode suscitar sobre uma área do globo terrestre que promete, no futuro próximo, passar por ainda mais graves turbulências do que as já violentas conflagrações vigentes.

Como tem sido amplamente noticiado, Trump tinha como uma de suas promessas de campanha o fortalecimento dos muros do apartheid que já separam os dois países. Não demorou muito para que ele, assumindo o poder, desse continuidade à sua insânia de psicopata, sugerindo que o México pagasse pela construção do Muro (saiba mais na BBC: http://bbc.in/2jz4CLk). Em seu primeiro mês na Casa Branca, as atitudes supremacistas, xenófabas e racistas do novo mandatário – que também está tentando banir o ingresso de imigrantes proveniente de países de maioria islâmica – já foram o suficiente para destravar uma crise diplomática severa entre México e EUA.

Além disso, Trump rapidamente já conseguiu despertar a fera semi-adormecida dos mega-protestos cívicos e contestatórios (como a Women’s March on Washington e o Occupy Wall St.), tacando combustíveis fósseis nas chamas da desobediência civil por parte daqueles setores da população estadunidense que não acatarão calados os desmandos do bilhardário. A ascensão de Trump também será resistida, em casa, por uma galera que tem adotado, como sintoma significativo da crise de representatividade que assola as democracias liberais, o slogan/hashtag#NotMyPresident.

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Dirigido por um cultuado cineasta do Québec, “Sicário” traz Villeneuve em modo thriller, apostando na estética sangue-nos-olhos, com cenas dignas de Tarantino ou de Peckinpah, sem escassez de tiroteios e SWAT teams. Mas o filme, que pretende ser um retrato realista dos conflitos fronteiriços, peca em inúmeros aspectos, em especial por sua completa incapacidade de realizar uma crítica da Guerra às Drogas e seus efeitos sócio-culturais.

O cineasta canadense poderia muito bem ter realizado uma obra onde a perspectiva mexicana e latina tivesse mais espaço e preponderância; pelo contrário, finca sua câmera somente no meio social ultra-militarizado e hiper-brucutu das forças de repressão aos cartéis do narcotráfico. Filma de modo estiloso as caçadas policiais aos narcotraficantes, em cenas que lembram “Tropa de Elite” e a atitude do BOPE pelos morros do Rio. Mas acaba por não oferecer mais que um filme de guerra pouco original, que passa ao largo das grandes questões geopolíticas atuais, cometendo ademais a imperdoável canalhice de reafirmar velhos preconceitos sobre um México sem lei e sem ordem, que os xerifões das “Terras Desenvolvidas” buscam pôr no lugar e nos eixos, ainda que seja utilizando métodos dignos do Coringa de “Cavaleiro das Trevas”, o agente do caos.

Tudo bem que “Sicário” pode servir como um retrato sombrio e sinistro de práticas policiais cotidianas em áreas consideradas como “de ninguém” e onde os soldadinhos tem licença para apertar o gatilho à vontade – são as “zonas de sacrifício” de que fala Naomi Klein, onde a vida humana é considerada indigna de respeito e onde os direitos humanos viram uma baboseira humanitária a tacar na lata de lixo da história. De fato, há algo de inerentemente revoltante nas atitudes dos “hômi” cabra-macho que “Sicário” retrata, mas isto não basta para que o filme seja satisfatório enquanto crítica social. O cinema mexicano, aliás, parece-me ter feito muito melhor neste quesito através de dois filmes de Luis Strada, “A Ditadura Perfeita” e “O Inferno”.

O mesmo incômodo que sinto diante do retrato do México na série “Breaking Bad” dá as caras em todo o canto de “Sicário”: os personagens mexicanos não são considerados dignos de muita atenção, muito menos compreensão, sendo não mais que caricaturas que operam no contexto dramatúrgico como bonecos de carne e osso, retratados como selvagens e sanguinários, e por isso livremente matáveis e extermináveis pelas forças da Lei e da Ordem.

Em “Breaking Bad”, Walter White é um senhor de densidade psicológica, complexidade existencial, mutabilidade comportamental, que vai de um pacato professor de química a um mega-comerciante internacional de metaanfetamina; já seus símiles do lado Mexicano merecem apenas o retrato rápido devotado as feras raivosas de incurável ferocidade. As caricaturas confessam as ideologias que animam, talvez semi-conscientemente, os criadores dos personagens.

“Sicário” também foca em um trio de personagens principais que são todos policiais do lado Yankee – e somente um arremedo de diversidade é fornecido pelo fato de que há algumas notas destoantes na atitude de uma mulher, agente do FBI (Emily Blunt), que têm lá seus atritos com os machões que chefiam a operação (Benicio Del Toro e Josh Brolin). Ela pode até desaprovar os métodos que testemunhou em ação, mas é obrigada a calar-se; o que o filme desperdiça, ou seja, deixa de aproveitar, é tudo o que também foi obrigado a calar-se aí: o fato de que o caos no “lado mexicano da Fronteira” não é autóctone, não é autogerado, não é “culpa do próprio México”, mas está intimamente imbricado com as políticas impostas por Tio Sam. Em especial as insanas políticas proibicionistas, militaristas e xenofóbicas que atingem agora um novo cume sob Trump.

De resto, o filme passa todo o tempo retratando a carnificina e o morticínio que são diretamente conectados às políticas proibicionistas do DEA, além do obsceno armamentismo que tantos lucros traz a magnatas do comércio de trabucos e munições, sem ousar uma crítica mais aprofundada da situação – sem nem mesmo fornecer ao espectador a perspectiva daqueles que morrem nesta guerra, como moscas, sem nunca terem estado envolvidos com tráfico de narcóticos ou com cruzadas supostamente heróicas de xerifões hi-tech da Yankeelândia trigger-happy. Os “danos colaterais” de que falam Bauman ou Chomsky parecem não existir no mundinho fechado do filme. Afinal de contas, parece que Denis Villeneuve quis embarcar na onda de hype gerado pelos filmes de Kathryn Bigelow e buscou sacramentar-se como figurão do cinema através de um alinhamento aos temas e aos enfoques tipicamente Yankees.

De todo modo, “Sicário” é um filme-lodaçal, uma espécie de pântano de sangue que não doura a pílula, mostrando o tamanho do desastre humanitário que se passa nesta fronteira. Teria feito melhor, porém, se tivesse tido a coragem de questionar, Quebrando o Tabu, as responsabilidades por esta mega-tragédia, que estão em larga medida na falida e genocida Guerra às Drogas. Ela mesma que, na Era Trump, promete prosseguir entre nós, continuando a erigir um monumento à estupidez humana e ao sangue derramado em vão.

sicario

A incontornável evidência do sofrimento animal: Safran Foer, Jacques Derrida, Isaac Bashevis Singer, Peter Singer etc.

A incontornável evidência
do sofrimento animal


“Para que este estufado indivíduo degustasse seu presunto, uma criatura viva teve de ser criada, arrastada para sua morte, esfaqueada, torturada e escaldada em água quente. O homem não dava um segundo de pensamento ao fato de que o porco era feito do mesmo material e que este tinha de pagar com sofrimento e morte para que ele pudesse saborear sua carne. Pensei mais uma vez que, quando se trata de animais, todo homem é um nazista.” –
 ISAAC BASHEVIS SINGER (1904-1991), Prêmio Nobel de Literatura.

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 Um pertinaz e impertinente antropocentrismo (ou, dito melhor, narcismo-de-espécie!) parece ter sobrevivido às 3 feridas narcísicas que, segundo Freud, foram infligidas à humanidade: não mais acreditamos que a Terra é o centro do Universo e o Sol gira a nosso redor, nem esperneamos escandalizados contra Darwin e a teoria da evolução das espécies, tampouco recusamos o peso e a importância de motivos inconscientes e desejos sexuais em nossa Psique; o problema é que ainda tendemos a enxergar a Humanidade como pico de uma pirâmide hierárquica, como algo de essencialmente distinto e superior à Animalidade, como se fôssemos o legítimo “rei” da Natureza e destinados ao domínio, como queria Francis Bacon (1561-1626) – que, imagino, não veria problema  ético algum em organizarmos um sistema de pecuária industrial destinado a transformar porcos em bacon

Nosso narcisismo ferido procura defender-se na trincheira daquela posição cartesiana – demolida por O Ponto de Mutação, de Fritjof Capra – que vê nos animais apenas “bestas desalmadas” e que concede ao ser humano o privilégio de ser o animal supremo e divino, a ponte entre o bicho e o anjo, o supra-sumo biológico sobre a face da Terra… Porém, pesemos as consequências planetárias de agirmos na base de fábulas auto-congratulatórias e racionalizações do nosso poderio sobre os viventes extra-humanos.

French Philosopher Jacques Derrida Holding His Cat

Um vínculo que une filósofos como Peter Singer e Jacques Derrida, ambos defensores de uma revolucionária mudança de paradigmas conhecida como Libertação Animal, é algo de muito simples: o reconhecimento de que o sofrimento solidariza-nos. Podemos negar que os outros animais possuam Razão e Linguagem, porém é bem mais difícil que alguém possa sustentar de modo crível que os animais não sofrem. O sofrimento animal, do qual existem tantas avalanches de provas empíricas (for those who care to look through the walls of factory farms), é de incontornável, de inegável, constituindo um problema ético e político de alta relevância e urgência.

 À questão “os animais sofrem?”, a resposta incontornável de qualquer mente lúcida é o reconhecimento, que têm necessariamente de fazer qualquer testemunha de boa-fé, do fato bruto enunciado por Derrida: “ninguém pode negar o sofrimento, o medo ou o pânico, o terror ou o pavor que podem se apossar de certos animais e que nós, os homens, podemos testemunhar.” (p. 56)

derrida

JACQUES DERRIDA

É uma ousada crítica contra a filosofia “logocêntrica” (“que se mantêm de Aristóteles a Heidegger, de Descartes a Kant, de Levinas a Lacan…” – pg. 54) o que Jacques Derrida empreende em O Animal Que Logo Sou (Ed. Unesp). A acusação que Derrida lança contra os “fanáticos da lógica” (aqueles que, segundo Nietzsche, “são insuportáveis como vespas”), é a de ter posto a questão errada: os filósofos logocêntricos se perguntam “os animais têm razão, têm linguagem, têm lógos?”, porém o principal, o fundamental, o mais essencial a se perguntar, “a questão prévia e decisiva seria a de saber se os animais podem sofrer. Can they suffer?” (p. 54)

Galinhas no Brasil

 A questão é urgente e colossal pois o sofrimento animal, longe de diminuir, parece estar em aumento exponencial nos últimos séculos: “além da caça, da pesca, da domesticação, do adestramento ou da exploração tradicional da energia animal” (animais de tração escravizados aos fins humanos, por exemplo), Derrida destaca:

“No decurso dos últimos 2 séculos estas formas tradicionais de tratamento do animal foram subvertidas pelos desenvolvimentos conjuntos de saberes zoológicos, etológicos, biológicos e genéticos, (…) pela criação e adestramento a uma escala demográfica sem nenhuma comparação com o passado, pela experimentação genética, pela industrialização do que se pode chamar a produção alimentar da carne animal, pela inseminação artificial maciça, pelas manipulações cada vez mais audaciosas do genoma…” (DERRIDA, p. 51)

 Exemplos dentre muitos deste empreendimento humano colossal de exploração e escravização dos viventes animais, ainda silenciado e pouco percebido, em especial em suas gigantescas proporções: a violência do “assujeitamento do animal” atingiu, segundo Derrida, “proporções sem precedentes.” (p. 51) Será tão absurda assim a ideia, que Isaac Bashevis Singer propagava, de que aos olhos de um animal “todo homem é um nazista”? Em outros termos: será que nossos sistemas econômicos, políticos, culturais, morais e jurídicos não conduzem a tratarmos os animais de uma maneira similar ao tratamento imposto pelo III Reich aos viventes que encerrou e dizimou nos campos de concentração?

 “Os homens fazem tudo o que podem para dissimular ou para se dissimular essa crueldade, para organizar em escala mundial o esquecimento ou o desconhecimento dessa violência que alguns poderiam comparar aos piores genocídios. Existem também os genocídios animais: o número de espécies em via de desaparecimento por causa do homem é de tirar o fôlego. (…) Todo mundo sabe que terríveis e insuportáveis quadros uma pintura realista poderia fazer da violência industrial, mecânica, química, hormonal, genética, a qual o homem submete há dois séculos a vida animal.” (DERRIDA, pg. 53)

 Não se trata, pois, de fazer qualquer apelo sentimentalóide e patético às consciências humanas para que “sintam pena” dos pobres bichinhos. O que se pede é bem mais que mera compaixão: o pensamento de Derrida é tão ousado e demandante pois ele nos exige uma completa subversão dos paradigmas logocêntricos e antropocêntricos que infestam nosso modo de pensar. A presunção humana de uma superioridade inata que decorria da humanidade possuir o Lógos, ser capaz de linguagem, ser dotada de racionalidade: eis o que está em questão.

O animal que se auto-denomina “racional”, e que presume-se superior às “bestas privadas de razão”, dá-se o privilégio de poder escravizar e subjugar todos os outros viventes. Os animais não são reconhecidos como Outros dotados de interesses e sentimentos, viventes finitos e vulneráveis como nós, dotados de senciência e de automotricidadem, organismos com sensibilidade, palco complexo de afetos, capazes não só de ser vistos mas de nos verem. A racionalidade instrumental dos humanos, rejeitando a animalidade en masse, acabe por eles reduzir – como mostram as atitudes de alguns entusiastas das churrascarias e dos açougues, a presunto, bacon, frango-assado…

A questão é: seria possível a existência das churrascarias sem os matadouros ou há um vínculo necessário que os une? A demanda do consumidor de carne não é aquilo que faz “brotarem” no mundo estas gigantescas “fábricas de opressão animal”, onde milhões de vidas são reduzidas ao status manipulável e explorável de mercadoria? Nestes locais, protegidos do nosso olhar pelos muros (“se os abatedouros tivessem paredes de vidro”, diz Paul McCartney, “todo mundo seria vegetariano), bilhões de viventes, que compartilham conosco o destino de serem sensíveis-sofrentes, são expostos aos mais intensos e prolongados sofrimentos existenciais, do parto ao abate, infligidos por nós. A isto Pete Singer chama “especismo”, uma espécie de fascismo aplicado por uma espécie (a nossa) sobre outras.

 Temos o direito de impor uma vida de terríveis sofrimentos a bilhões e bilhões de criaturas viventes, em quem reconhecemos ao menos a capacidade de sofrer, ainda que neguemos a elas a posse de faculdades racionais, e só porque tendemos a gostar do gosto de sua carne? O “aprecio muito o sabor da linguiça” justifica que tratemos seres vivos como meios e que se imponha a eles a prisão, o engordamento forçado, o abate impiedoso? Quem é que acredita, ainda hoje, que o presunto “brota” no supermercado como “produto industrializado”? Quem é que ignora que as fatias do presunto são partes de um cadáver que a Indústria tratou de matar e cortar em pedacinhos, devidamente refrigerados, para o conforto e bem-estar do consumidor? E quem é que se ilude pensando que este vivente morreu de velho? Não nos esqueçamos que nós impomos a morte: não nos contentamos em esperar que aconteça. Nem mesmo a fome é nossa desculpa: muitos animais são mortos, não por causa da humana fome, mas da humana gula.

 “Diante da negação organizada dessa tortura, algumas vozes de levantam (minoritárias, fracas, marginais…) para protestar, para apelar ao que se apresenta ainda de maneira tão problemática como os direitos do animal.” (pg. 53). E é de se notar que nos últimos anos o cenário filosófico têm se preocupado mais com estes ainda incipientes e frágeis Direitos Animais, por exemplo através da obra de Peter Singer, autor de Libertação Animal e Ética Prática, e do Eating Animals, de Jonathan Safran Foer, dentre outros livros. Inserem-se, talvez, no quadro das tentativas de “nos acordar para nossas responsabilidades e nossas obrigações em relação ao vivente em geral, e precisamente a essa compaixão fundamental que, se fosse tomada a sério, deveria mudar até os alicerces da problemática filosófica do animal.” (pg. 53)

 * * * * *

A relação dos animais humanos com aqueles que eles, os homens, chamam de “animais”, quase sempre tentando diferenciar-se deles, abrir um abismo que os separa, esteve marcada, através da História, pela violência. A violência da caça e da pesca, é claro: é inimaginável, de tão colossal, a quantidade de flechas e de balas que destroçaram vidas de animais na história deste animal genocida que somos – o animal que atira, que constrói bombas, que põe sua tecnologia no fabrico de matadouros high-tech. Estes viventes que os homens gostam de chamar de “animais” foram escravizados, oprimidos, mal-tratados, forçados ao trabalho, abatidos sem piedade, na presunção de que fossem “inferiores” e na presunção de que foram criados para “servirem” a nós, os auto-proclamados Senhores da Terra.

 É óbvio que isso não surpreenderá muito àqueles que conhecem os modos como os homens tratam-se uns aos outros: os europeus que invadiram a América a partir de 1492, por exemplo, adoravam agarrar-se àquelas doutrinas que diziam, dos africanos e dos indígenas, que eram “desprovidos de alma” e “não passavam de animais”, o que era justificativa suficiente para acorrentá-los, deportá-los em massa, enfiá-los em navios superlotados, levá-los para trabalhar até a morte longe de suas casas, debaixo do chicote e do sol inclemente. A justificativa do genocídio frequentemente passa por uma presunção de superioridade. Se o homem pôde cometer tamanhos horrores contra outros homens, realmente não surpreende que tenha podido agir diante dos chamados “animais” com um grau de violência inaudito no mundo humano.

 A filosofia, até hoje, pelo menos em suas “correntes dominantes”, desde Aristóteles e Agostinho, desde Sócrates e Platão a Descartes e Kant, chegando em Lévinas, Lacan e Heidegger, é marcada por um logocentrismo antropocêntrico que trata os viventes ditos “animais” como inferiores, já que são desprovidos de tudo aquilo que julga-se privilégio e glória do humano. São seres sem Razão, sem Lógica, sem Intelecto, sem Lógos, sem télos…

 Uma das muitas originalidades que Nietzsche trouxe à filosofia, como aponta Derrida, consiste numa “reanimalização” do pensamento: Zaratustra fala, em suas parábolas e paródias, do camelo, do leão e da criança – e um transmuta-se no outro! Há também a águia e a serpente povoando de animalidades os cenários do filosofopoema zaratustriano. O perspectivismo ameríndio não está distante destas epifanias místico-poéticas do autor d’A Gaia Ciência. Em sua solidão e isolamento de montanhês apaixonado pelas alturas, Nietzsche povoou seus arredores com figuras animais, até o colapso em Turim, episódio-esfinge de difícil decifração mas que parece essencial na compreensão deste destino singularíssimo do animal Nietzsche, ele “que foi suficientemente louco para chorar junto de um animal, sob o olhar ou contra a face de um cavalo. Por vezes, creio vê-lo tomar esse cavalo por testemunha, e sobretudo para tomá-lo como testemunha de sua compaixão, pegar sua cabeça entre as mãos…” (DERRIDA: 1999, pg. 67)

 O homem inventou a palavra “animal” – é esta uma das hipóteses derridianas – para se referir a “todos os viventes que o homem não reconheceria como seus semelhantes, seus próximos ou seus irmãos.” (p. 65). Os filósofos adoram enumerar as privações dos ditos animais, tudo o que lhes falta para serem como nós: eles são desprovidos de linguagem, não sabem dar respostas, não se comunicam em nossa língua, não conheciam ritos de luto nem têm a potencialidade de dar risada. Por essas e outras são tidos por inferiores, escravizáveis, transformáveis em bacon.

 O termo “animal”, que “dispõe um grande número de viventes sob esse único conceito” (p. 61), é algo que desagrada a Derrida, sempre tão “atento à diferença, às diferenças, à heterogeneidades e às rupturas abissais” (p. 58). Colocar todos os viventes não-humanos debaixo do guarda-chuva conceitual “animal”, como se fossem farinha do mesmo saco, é uma grosseira falsificação de uma realidade onde “espaços infinitos separam o lagarto do cão, o protozoário do golfinho, o tubarão do carneiro, o papagaio do chimpanzé, o camelo da águia, o esquilo do tigre, ou o elefante do gato… Interrompo minha nomenclatura e peço socorro a Noé para não esquecer ninguém na arca.” (p. 65)

 Os limites, traçados por humanos, entre homens e animais, são no mínimo suspeitos de serem artificiosas criações linguísticas que agem em causa própria. Um animal quis contar-se a confortadora fábula de que ele não era um animal. O animal homem sofre, pensa e sente tão pouco sobre os sofrimentos em geral, os sofrimentos dos viventes que não lhe assemelham, os sofrimentos que não são seus, a ponto de escamotear, reprimir e se esquivar do que Derrida não teme chamar, peremptório, de inegável. A filosofia é fiel à sua missão de busca da Verdade se não admitir e se não se predispor a enxergar esta incontornável evidência do sofrimento animal?

 * * * * *

 Na mitologia judaico-cristã, a presunção narcísica do Homem atinge uma culminância que prossegue até hoje a assombrar nossa cultura, nossa filosofia, nossas convicções sobre nosso estatuto cósmico. Derrida relembra que o homem, descrito como “réplica de Deus”, criado à sua imagem e semelhança, antes do Pecado Original,

 “recebe imediatamente a ordem de sujeitar os animais. Ele deve, para obedecer, marcá-los com sua ascendência, sua dominação, (…) seu poder de domar. (…) [Deus] criou o homem à sua semelhança para que o homem sujeite, dome, domine, adestre ou domestique os animais nascidos antes dele, e assente sua autoridade sobre ele. Deus destina os animais a experimentar o poder do homem, (…) para ver o homem tomar o poder sobre todos os outros viventes.” (pg. 35 e 37)

 Não demoraram a começar os sacrifícios, as hecatombes, os bodes expiatórios: o sangue animal jorrando para agradar aos deuses inventados pelos homens. Ouçamos a própria palavra “divina”, o verbo deste Javé sanguessuga que criou os homens para que eles reinassem sobre os vivos com presunçosa violência: “Iahvé Elohim diz: ‘Que tenham autoridade sobre os peixes do mar e sobre os pássaros dos céus, sobre os animais a domesticar, sobre todas as feras selvagens e sobre todos os répteis…” (pg. 35).

 Há só um passinho da presunção judaico-cristã, referendada nos livros “sagrados”, do Homem como ápice da Criação e filho predileto de um Deus que teria criado todos os animais para que servissem e fossem usados, à presunção dos filósofos de que a presença do Lógos no humano é sinal inconteste de um abismo imensurável entre nós, nesta margem, e eles, les animots, que são doravante segregados à outra margem, reduzidos a serem subjugados por nossa augusta superioridade suposta e pouco questionada.

 Derrida parte, em sua reflexão, da experiência de estar pelado diante de seu gato. Sente vergonha de sua nudez, e vergonha de sentir vergonha, enquanto o gato que nunca vestiu roupas está em plena naturalidade em sua peladice. O gato sem pudor olha o homem, acostumado a andar vestido, e o homem cora de vergonha diante do olhar felino. Esta experiência me remete ao dito de Camus: “o homem é a única criatura que se recusa a ser o que é.” Nós vestimos roupas e “cobrimos nossas vergonhas”, coisa que nenhum outro animal faz: é de se suspeitar que a raiz desse costume seja a nossa tentativa de negar nossa similitude e nossa fraternidade em relação ao que chamamos, com ímpetos segregacionistas, de animais?

 O gato que está diante do filósofo pelado, o gato que observa com Jacques Derrida enquanto este se envergonha de estar nu diante de um olhar animal, é uma abertura para o abismo fecundo da alteridade e da diferença. O gato é um outro que me olha, e não apenas um outro olhado por mim; uma existência independente da minha, e que relaciona-se comigo de modos que, na maior parte dos casos, são ilegíveis, indevassáveis, misteriosos. “Ele [o gato] tem seu ponto de vista sobre mim. O ponto de vista do outro absoluto, e nada me terá feito pensar tanto sobre essa alteridade absoluta do vizinho ou do próximo quanto os momentos em que eu me vejo visto nu sob o olhar de um gato.” (pg. 28)

 Mas dizer “um gato” já é uma traição, já é tentar grudar uma palavra, que serve de direito a um gato qualquer, a este “vivente insubstituível”. Nenhuma onça é idêntica a outra onça: não podemos deixar que a linguagem, ou seja, o fato de utilizarmos a mesma palavra para nos referirmos a dois animais semelhantes, nos cegue para as evidências inegáveis da diferença – ou, como prefere dizer Viveiros de Castro, da diferOnça. “Nada poderá tirar de mim, nunca, a certeza de que se trata de uma existência rebelde a todo conceito.” (DERRIDA: p. 26).

 Derrida, filósofo que assinala e sublinha, sempre que pode, a “insubstituível singularidade”, convida-nos a enxergarmo-nos como animais entre animais, re-inseridos na fervilhante e complexa teia das alteridades, em relação fecunda com outras perspectivas sobre a realidade, sem impormos a nossa como absoluta. O acolhimento à diferença, a meditação junto ao Outro, inclusive um Outro-gato ou um Outro-ouriço, é um convite que Derrida nos estende: é um convite à ampliação da consciência e uma demanda de uma ética mais vasta, que supere o logocentrismo e o narcisismo que fundamentam os múltiplos genocídios animais de que os últimos milênios estiveram tão repletos. Nu diante do gato, pergunta-se um animal filosófico: “esse gato não pode ser, no fundo de seus olhos, meu primeiro espelho?” (pg. 92)

Outras vias sugeridas:

EDGAR MORIN NO RODA VIVA DA TV CULTURA (2000, 1h 48 min, legendas em português)

CONTESTÁVEIS CONTESTAÇÕES – Crítica do elitismo fascista e suas massas-de-manobra

Millôr Fernandes, no Livro Vermelho, comenta sobre o “direito inalienável de contestação”, este pilar imprescindível para qualquer democracia, e pondera que “isso não exclui, é claro, antes inclui, como coisa definitiva, o direito de contestar a contestação dos outros.” [1]

Exercendo meu direito cívico legítimo de contestar a contestação alheia, compartilho aqui algumas impressões e reflexões sobre a “micareta macabra” (para citar palavras de Maria Frô) que tomou as ruas do país no Domingo, dia 15 de Março de 2015 (doravante referido como “15-M”). Escancarou-se naquele dia um tal “assanhamento da direita”, como escreveu Guilherme Boulos, que “o que se viu foram níveis recordes da Escala F, criada por Theodor Adorno para medir as tendências fascistas que emergem nas democracias liberais.” [2]

O termômetro do Fascismo subiu a alturas preocupantes. Sobraram cidadãos sorridentes posando para selfies com os “Caveirões” da Tropa de Choque, como se os fardados fossem heróis nacionais, quando é bem sabido que “a letalidade da PM é escandalosa”, para citar a conclusão da Anistia Internacional. Numerosas faixas e cartazes ostentadas por “cidadãos-de-bem” no 15-M pregavam abertamente a intervenção militar (eufemismo para golpe de Estado) para a derrubada violenta da presidenta re-eleita.

Há também muitos relatos de pessoas que foram hostilizadas, insultadas ou quase-linchadas simplesmente por estarem vestindo roupas vermelhas (e que por isso foram de imediato estigmatizadas como comunistas ou bolivaristas, e por isso dignas de esculacho e espancamento). Houve até mesmo um atentado à bomba contra a sede do PT em Jundiaí/SP.

Uma fração da mídia corporativa até tentou celebrar o 15-M como uma “festa da democracia”, mas esta representação rósea foi contestada com contundência no artigo de Vladimir Safatle na Folha:

Safatle

“E eu que achava que festas da democracia normalmente não tinham cartazes pedindo golpe de estado, ou seja, regimes que torturam, assassinam oponentes, censuram e praticam terrorismo de Estado. Houve um tempo em que as pessoas acreditavam que lugar de gente que sai pedindo golpe militar não é na rua recebendo confete da imprensa, mas na cadeia por incitação ao crime.” [3]

O filósofo Renato Janine Ribeiro também manifestou-se em tom semelhante ao de Safatle, defendendo que “pregar a volta dos militares deveria ser crime e levar a pessoa para a cadeia. Vários países da Europa criminalizaram a pregação nazista. Nós – que tivemos uma ditadura militar – deveríamos criminalizar a pregação da ditadura.” [4] O que acho interessante debater, neste caso, são os limites legítimos do incontestável direito de contestação. Em outras palavras: a democracia autêntica é aquela em que impera o vale tudo e todas opiniões e atitudes podem manifestar-se sem freios, ou então ela pode e deve impor limites, por exemplo, à expressão/manifestação de ímpetos anti-democráticos? 

Com certeza há quem defenda que o princípio da liberdade de expressão deve ser respeitado de modo absoluto, devendo valer até mesmo para discursos e atitudes que manifestem xenofobia, racismo, homofobia, misoginia, fascismo etc. Há mesmo quem invoque a autoridade de Voltaire (1694-1778), a quem é atribuída a famosa frase (apócrifa): “Posso até não concordar com o que dizes, mas defenderei até a morte o teu direito de dizê-lo.” Citada assim, avulsa e fora de contexto, a frase (jamais escrita ou proferida por Voltaire) contribui para a fabricação de uma imagem deste filósofo como defensor da tolerância total e absoluta, o que está longe de ser o caso.

Uma análise cuidadosa dos escritos de Voltaire, em especial do Tratado Sobre a Tolerância (já esmiuçado em artigo publicado aqui na Casa de Vidro), demonstra todo o horror que este pensador nutria pela intolerância religiosa e pelos regimes políticos teocráticos, duramente criticados como culpados pela ocorrência de guerras sectárias, de pogroms e massacres (como a Noite de São Bartolomeu), de cruzadas e inquisições. [5]

Devemos de fato ser tolerantes com a intolerância? A democracia deve permitir impunemente a ação daquilo que procura destrui-la e corroê-la? Ou a liberdade de expressão e manifestação, longe de absolutas, devem ter certos limites respeitados? Eis o que vamos explorar nas próximas linhas. Como construir uma ordem social justa, que evite os extremos da censura autoritária, de um lado, e do “vale tudo” demasiado permissivo, de outro? Este último tornaria impunes todos aqueles que, através de seus discursos e manifestações, ofendem os direitos humanos, pisam sobre grupos minoritários e marginalizados, insultam membros de outras etnias ou classes sociais, desrespeitando a liberdade de cada um de nós à sua identidade e ao respeito-pela-alteridade.

Recentemente, por exemplo, Levy Fidelix foi condenado pela justiça a pagar multa de R$1 milhão por suas declarações homofóbicas, proferidas em um debate entre os candidatos à presidência da República, decisão que foi celebrada por Luciana Genro, a candidata do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), nos seguintes termos:

 A mesma Luciana Genro, em sua avaliação das manifestações do 15M, destaca também a responsabilidade da mídia corporativa brasileira na convocação e cobertura tendenciosa do que acontecia nas ruas: “Ao não ter uma ideologia crítica, anticapitalista, o que predominou foi a ideologia da classe dominante, e no guarda chuva desta ideologia as posições de direita e extrema direita também se expressam. (…) É neste caldo que a grande mídia atua, instrumentalizando e direcionando. Em junho de 2013 a Rede Globo foi questionada nas ruas por ser claramente identificada com a manipulação ideológica. E é, de fato, o grande partido da classe dominante brasileira.” [6]

O caso contra a Globo já seria bastante grave se ela limitasse sua pilantragem a práticas de Pinóquio. Mas o buraco é mais embaixo. O 15-M foi um dos maiores exemplos, nos últimos anos, da espantosa capacidade de manipulação que os mass media podem exercer, muitas vezes utilizando-se de seu público espectador como massas de manobra, a fim de servir aos interesses dos barões da mídia tradicional, como as famílias Marinho (das Organizações Globo) e Civita (da Editora Abril), que estão entre as 15 pessoas mais ricas do Brasil (só os 3 herdeiros do R. Marinho concentram hoje uma fortuna de R$ 51 BILHÕES e 640 MILHÕES de reais, segundo dados da revista Forbes).

Desde as Jornadas de Junho de 2013, porém, o poderio dos oligopólios midiáticos está sendo duramente questionado, nas ruas e nas redes, com a emergência poderosa de uma legítima contracultura, intensamente alimentada pelo cyberespaço e suas redes sociais, com a circulação de informação, de modo descentralizado, sobre muitos temas que a grande mídia prefere esconder (por exemplo, o fato de que “abrir empresa em paraíso fiscal faz parte de um velho modus operandi da Globo”.)

Recentemente, a tag #GloboGolpista tornou-se viral no cyber-espaço, chegando ao topo dos trending topics do Twitter, o que acabou chamando a atenção até mesmo da mídia internacional (ex: teleSur). Vários memes circularam, satirizando e criticando o que muitos avaliaram como uma intentona golpista perpetrada de modo descarado pela Globo. Um belo vídeo produzido pelo recém-nascido coletivo Jornalistas Livres fornece-nos um exemplo muito bem-vindo de jornalismo competente, bem-informado, audaz, capaz de conectar o presente à história.

A reportagem expõem alguns dados históricos interessantes sobre o dia 15 de Março: esta era a data de empossamento dos presidentes durante a Ditadura Militar (1964-1985). Costa e Silva, em 1967, assumiu o posto em um 15 de Março; nas próximas sucessões, em 1974 e 1979, a história se repetiu, e o último presidente da Era da Truculência, o Figueiredo, também tornou-se presidente em um 15 de Março.

Seria mera coincidência que, em 2015, esta data fatídica e macabra de nossa história tenha sido escolhida para manifestações públicas que, como apontado por muitos intérpretes (como Vladimir Safatle), tem muitas semelhanças com as “Marchas da Família com Deus pela Liberdade”, iniciadas em março de 1964 e que, após o golpe militar que derrubou o regime de Jango (acusado de estar em vias de aplicar ao Brasil medidas socialistas) passaram a se chamar “Marchas Da Vitória”?

BRASIL

A falácia de que teria ocorrido uma “festa da democracia” no último dia 15 de Março só se torna mais escancarada quando atentamos para o tipo de assessoria de imprensa fornecida pela Globo: muito confete lançado sobre os manifestantes que, em numerosos casos, proferiam insultos chulos e ofensas coléricas contra Lula, Dilma e o Partido dos Trabalhadores, alvos quase únicos desta contestação marcada por indignação altamente seletiva. Vladimir Safatle ficou estarrecido: “Fiquei procurando um cartazete sobre a corrupção no metrô de São Paulo, um ‘Fora, Alckmin!’, grande timoneiro de nosso ‘estresse hídrico’, um ‘Fora, Eduardo Cunha’ ou ‘Fora, Renan’, pessoas da mais alta reputação. Nada.” (op cit, nota [3])

No intento de avançar em uma reflexão mais aprofundada sobre a corrupção, a filosofia me parece imprescindível, já que estamos lidando com uma questão visceralmente ética. Acusamos os políticos de corruptos por sua falta de ética, por seus vícios morais, em especial a má gestão do bem público. Em um artigo instigante chamado A Corrupção Ronda A Liberdade, Abrahão Costa Andrade oferece uma reflexão bem oportuna:

“Vamos entender por corrupção o ato de um indivíduo ou de um grupo particular no sentido de tirar proveito ilícito de algum bem público. Muito cedo, o povo percebeu que a região da política era um pasto farto para cometimentos de corrupção. Contudo, os políticos corruptíveis são mais ágeis do que o povo, e para lá seguem e se fartam o quanto podem, antes de qualquer denúncia formalizada. Mas essa diferença entre o povo, de um lado, e os políticos, de outro, passa por uma concepção de política que favorece a prática da corrupção: a idéia de que a política e seus negócios são ‘coisas só se político’. Porém, se o bem é público, é tanto dele quanto meu, é nosso. Sendo nosso, devo ficar atento, tanto quanto tu e ele, para cuidar e preservar. Essa mentalidade, segundo a qual a coisa pública (a res publica) é de interesse comum, é o que faz de alguém um republicano, uma pessoa interessada em primeiro lugar pelo bem da coletividade. A boa idéia seria que cada cidadão pensasse no bem comum. Mas na prática é bem diferente. Primeiro deturpam o conceito de cidadão (os direito do ‘cidadão’ são os direitos do consumidor), depois trabalham para que cada ser humano permaneça preocupado mais em ganhar seu próprio pão (ou seu próprio sonho de consumo) do que em pensar no bem comum.” [7]

15M

II. O CIDADÃO-DE-BEM PROTESTA NA PAULICÉIA DESVAIRADA

Na Avenida Paulista, havia muita gente que considera-se “cidadão-de-bem”, do mais fino pedigree, além de patriota impecável. No entanto, é preciso questionar esta auto-representação lisonjeira e narcísica de muitos destes que bradavam contra a corrupção alheia, sem parar um minuto para analisar a corrupção própria. Será que muitas destas pessoas não passam de contradições ambulantes? Muitos pensam na corrupção como algo restrito ao âmbito da política, como se somente pudessem ser corruptos os gestores da coisa pública, quando na verdade o setor privado (o mundo empresarial-corporativo, por exemplo) também está repleto de corruptores, corruptíveis e corrupções. Na tentativa de esclarecer isto, vou evocar aqui um personagem, que inicialmente pensei em batizar de Sr. Coxinha, mas que preferi enfim cognominar “Sr. Cidadão-de-Bem”.

No 15 de Março de 2015, o Sr. Cidadão-de-Bem levantou-se pela manhã em seu luxuoso apê em Higienópolis e foi encher o tanque com gasolina no posto Shell. A mídia que o Sr. Cidadão-de-Bem costuma acompanhar – ainda que de modo negligente, desatencioso e por vezes com demasiada credulidade – jamais informou-o que a Shell já foi eleita a pior empresa do mundo, por seus crimes ambientais (assanhada, queria até perfurar o Ártico!) e suas constantes violações dos direitos humanos (a Nigéria que o diga!). Depois de dar sua grana para a Shell From Hell, o Sr. Cidadão-de-Bem rodou por Sampa em seu carro importado e blindado, xingando as malditas ciclovias do Haddad, coisa que lhe é de praxe sempre que pega um engarrafamento, ou seja, todo dia.

Que coisa curiosa! Ele revolta-se contra ciclistas, que em suas bikes dão uma aula de comportamento sustentável e saudável, mas vota convicto no PSDB, tendo ajudado a reeleger Geraldo Alckmin no 1º Turno nas eleições de 2014, ainda que o escândalo de corrupção nos metrôs e trens tenha “lesado os cofres públicos em R$ 425 milhões”, como revelado pela matéria da ISTOÉ (veja também outra reportagem, E Eles Ainda Dizem Que Não Sabiam De Nada).

 O Cidadão-de-Bem, enfurecido, deseja secretamente que a Tropa de Choque mande bomba não somente sobre ativistas do Passe Livre, mas também sobre ciclistas, mas acha ótimo que os mega-criminosos que desviam grana para suas contas em paraísos fiscais na Suíça não somente estejam todos soltos, como tenham cargos como o de… governador do Estado de São Paulo.

Na sequência, após comprar combustíveis fósseis de uma corporação criminosa, o Cidadão-de-Bem sai peidando CO2 pelo planeta, rumo ao próximo pit stop de pessoa que encarna a bondade: ele vai e saca uma grana em sua conta no HSBC (que ele considera um banco santo!), e isso para que possa, durante o protesto, alimentar toda a sua família com lanches do McDonald’s e abundantes garrafas de Coca-Cola. O Cidadão-de-Bem é grande fã de junk food e celebra a genialidade dos yankees por esta enorme contribuição à Humanidade.

Dirigindo-se à manifestação vestindo a camiseta canarinho da CBF (ele jamais aprovou os vândalos que gritaram nas ruas “Não Vai Ter Copa” pois é grande amante da “magia do esporte”, ainda que este às vezes exponha os torcedores às humilhações das goleadas ao estilo 7 a 1). O Cidadão-de-Bem confessa para os seus: está inebriado com a perspectiva de que eles talvez tenham sua imagem difundida na Programação da Rede Globo.

O Cidadão-de-Bem não foi informado sobre a corrupção praticada pela empresa dos Marinho nos últimos 50 e poucos anos; ele tem memória curta e não se lembra que a Globo deu seu apoio ao coup d’état contra Jango, e que sacramentou seu poderio após 1968 através da cumplicidade com o regime que naquele ano instaurava o AI-5. Tampouco tem reproches a fazer contra os 600 milhões que a Globo sonegou da Receita Federal ou à propina que a Globo realizou a uma “criminosa contumaz”, funcionária corruptível da Receita Federal, para que sumisse com o processo. Ela foi condenada a 4 anos e 11 meses de prisão, como relata a reportagem de Luiz Carlos Azenha para o Jornal da Record:

O Jornal Nacional nunca contou ao Cidadão-de-Bem que os 50 bilhões de reais que os Marinho hoje acumulam foi resultado das tenebrosas transações com assassinos, torturadores e golpistas (com a única justificativa de que era bom para os negócios!).  O Cidadão-de-Bem brada contra a corrupção daqueles que chama de “petralhas”, que ele demoniza como se fossem um bando de endemoniados; mas ele é incapaz de perceber ou de se importar com a corrupção dos executivos e CEOS das empresas (seja o posto de gasolina, a rede de televisão ou o banco), que o Cidadão-de-Bem adora financiar com seu consumismo tantas vezes acrítico.

O Cidadão-de-Bem pensa que é um leão rugindo contra a maldade, um gigante que acordou, quando não passa de um papagaio que repete a cartilha ditada pelas autoridades mais reacionárias da República, estas que atravessaram a Ditadura gozando de privilégios e regalias, e que, nesta fase de re-democratização em que ainda estamos, frequentemente sabotam a possibilidade de instalação de uma autêntica democracia popular. Por exemplo realizando manipulações descaradas de debates presidenciais, como fizeram em 1989 para destruir a reputação de Lula e eleger à fórceps o sacrossanto “caçador de marajás”, Fernando Collor de Mello.

O Cidadão-de-Bem nem sequer pensa, enquanto ele berra a palavra “impeachment!” na Av. Paulista – muito orgulhoso da pronúncia que adquiriu após 2 anos de curso no Cel Lep – que o único presidente que já foi fulminado por um impeachment era o candidato global, para quem a Veja batia suas palminhas. Collor nunca teria chegado ao Palácio do Planalto sem “aquela forcinha” do Mister Marinho e da Editora Abril:

Veja2

No 15 de Março, o Cidadão-de-Bem ficou emocionado ao ponto das lágrimas quando ficou sabendo pela Globo que ele era parte de uma massa de “mais de um milhão”, nem suspeitando que a TV mentiu descaradamente sobre o número de pessoas presentes na Avenida Paulista: a Datafolha, mais realista, avaliou o evento paulistano em 210 mil presentes, número aliás que inúmeras edições da Parada Gay já superaram de longe (saiba mais sobre a “guerra dos números” nesta matéria da Carta Capital).

O Cidadão-de-Bem, que considera Dilma um capeta-de-saias, uma perigosa bolivarista que tem linha direta com Fidel, uma “vermelha” odiável que quer impor a transformação do Brasil em uma Venezuela chavista, não percebe quão lunático é seu anti-comunismo diante do PT governista atual (que seria dificílimo considerar sensatamente como um governo de esquerda). De todo modo, o Cidadão-de-Bem acha-se inteligentíssimo em suas posições pró-intervenção militar contra o caos socialista-bolivarista que tenta instaurar ferozmente a nossa presidenta-guerrilheira. E justifica seu apelo ao golpe violento contra Dilma citando de memória trechos de seu livro predileto, O Mínimo Que Você Precisa Saber Para Não Ser Um Idiota, de Olavo de Carvalho.

O Cidadão-de-Bem, acabado o protesto em ele esteve lá com sua Família, com Deus e pela Liberdade, apesar de seus atos e palavras terem revelado ódio, rancor e defesas do militarismo (ou seja, da violência institucionalizada), ele tem ainda tempo para realizar algo mais em seu Domingão tão eventuoso. Vai ao culto da Igreja Universal do Reino de Deus, excitado com uma novidade que promete deixar-lhe tão animado quanto as boas lutas da UFC que ele adora assistir na TV: o Cidadão-de-Bem está louco para aplaudir os Gladiadores do Altar. Pois Dila Rousseff é uma comunista bolivarista possuída pelo demônio, já Edir Macedo, Silas Malafaia e outros serafins e querubins análogos são dignos de canonização…

O sociólogo e poeta Mauro Iasi, que foi candidato à presidência da república em 2014 pelo PCB, comenta este quadro um tanto grotesco em que os auto-proclamados Cidadãos-de-Bem, em larga medida vítimas da manipulação midiática e da desinformação crônica, mostram seus dentes e soltam os cachorros, atingindo temperaturas de febre na Escala F, e sempre a mando de seus chefes, os Big Brothers versão Brazileira:

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“A rede Globo, em mais uma demonstração de miséria jornalística, tenta enquadrar a realidade no molde de seu jornalismo de desinformação, transformando o circo de horrores da direita na rua no dia 15 em uma “festa da democracia”. (…) Apesar de a emissora (que recebeu auxílio governo petista para não quebrar) tentar reapresentar o samba de uma nota só da corrupção, as “ruas” gritavam coisas como: “pela intervenção militar”, “morte aos comunistas”, “em defesa do feminicídio”, “pela maioridade penal”, “contra as doutrinações marxistas nas escolas”. Algumas demandas, para facilitar o entendimento, escritas em inglês e francês.

Vejam, com todos os problemas das Jornadas de 2013, podíamos ver ali como central um conjunto de demandas como a defesa do transporte público, contra os gastos com os eventos esportivos, contra a violência da política militar, a denúncia dos limites desta pobre democracia representativa. Ainda que houvesse por um tempo a tentativa de contrabando das bandeiras direitistas, elas foram sendo isoladas das manifestações. Agora elas dão o tom e organizam grandes manifestações em defesa da barbárie.

 Interessante notar que as Jornadas de 2013 foram violentamente reprimidas e o senhor Cardozo, ministro da (in)Justiça, se apressou a cercar de garantias legais a ilegalidade da repressão e criminalização dos movimentos. Já no festival da extrema-direita anticomunista, a polícia militar tirava fotos e selfies com os animados participantes vestidos com a camisa da CBF…” [8]

pigUm dos grandes entraves para o pleno florescimento da democracia brasileira é justamente este câncer que é a mídia burguesa e os milhões de mentes que ela mantêm cativa em sua Matrix. A grande mídia no Brasil, também conhecida pela sigla P.I.G. = Partido da Imprensa Golpista (tema de vários cartoons de Carlos Latuff), infelizmente ainda recorre à atitude suína que teve durante a Ditadura Militar (1964-1985); o golpismo, este desrespeito crasso pela democracia, é algo que os barões da mídia infelizmente ainda não puseram em desuso.

 É só refletir no quanto certos colunistas da revista Veja, (de)formadores de opinião como Diogo Mainardi, Reinaldo Azevedo ou Rodrigo Constantino, contribuíram para gerar o clima de ódio exacerbado pelo PT que manifestou-se com tanta força no 15-M. Vale lembrar também que, na véspera do 2º turno das eleições presidenciais de 2014, o posicionamento ideológico pró-PSDB da Veja tornou-se explícito no “maior e mais escancarado golpe midiático das últimas décadas, repercutido na noite deste sábado no Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão, aliada política da Editora Abril”: a revista publicou uma matéria de capa repleta de acusações sem provas contra Lula e Dilma, sendo rapidamente “condenada pela Justiça Eleitoral por golpe contra a democracia” (como relata o Correio do Brasil, 25/10/2014) [9].

 Nesta ocasião, a Internet manifestou seu potencial de contestação coletiva através da disseminação viral de capas fake de Veja, que satirizavam o “desespero” da publicação diante da perspectiva da re-eleição de Dilma Rouseff (relembrem dezenas destas capas sarcásticas no Tumblr #Desespero da Veja). Mais um exemplo do potencial da nova contracultura cibernética em contrapor-se ao P.I.G., muitos internautas-cidadãos, a fim de ridicularizar as acusações veiculadas por Veja, forjaram notícias fantasiosas (eis um top 5): “Bastardos que mataram Kenny (personagem da série de TV South Park) agiram a mando de Lula e Dilma“, “Cebolinha confessa: eu recebia dinheiro do PT para roubar o coelho da Mônica” ; “Cobra que seduziu Eva foi adestrada por Lula e Dilma”; “Walter White confessa: Lava Jato de Breaking Bad usado para lavar dinheiro de campanha do PT”; “Bomba! Bomba! Bomba! 11 de Setembro Foi Organizado por Lula, Dilma e Fidel”.

GloboCuspindo sobre o serviço ao bem público que deveriam exercer, as empresas da mídia burguesa parecem viver em um eterno 1º de Abril. O jornalismo de desinformação praticado no dia-a-dia por estas corporações esconde deliberadamente do público uma série de crimes praticados por seus aliados políticos (Privataria Tucana? Trensalão do Metrô em SP? Roubalheiras aecistas? Desastre de Alckmin na gestão da Sabesp? Isso você nunca vê no PlimPlim nem lê na Veja!).

Recentemente, o estouro de outro mega-escândalo de corrupção envolvendo o banco HSBC na Suíça revelou presença muito suspeita de contas pertencentes aos Marinho em paraísos fiscais. Os obscenos graus de enriquecimento privado que o Brasil permite aos operadores de Televisão, teoricamente uma concessão pública que deveria estar devotada ao bem público, indica o elefantíase dos oligopólios de mass media no país: “entre as 15 pessoas mais ricas do Brasil estão quatro barões da mídia“, escreve Igor Carvalho na Revista Forum, “os três herdeiros de Roberto Marinho, das Organizações Globo (R$ 51,64 bilhões), e Giancarlo Civita, herdeiro da editora Abril (R$ 7,68 bilhões).” [10] O Cidadão-de-Bem, xingando Dilma Rousseff na Paulista com os piores palavrões que encontra, pratica a cegueira voluntária em relação à corrupção no setor privado, em especial nas empresas que fabricam o conteúdo midiático que ele consome com credulidade, a-criticamente.

Diante destas graves violações, o 1º de Abril de 2015 foi eleito como um dia de grandes manifestações, programadas Brasil afora, para exigir a democratização imediata da mídia, a imposição de limites ao poderio obsceno e às práticas criminosas de empresas como a Globo e a Abril. Não é nada absurda também a demanda de revogação da concessão pública à emissora dos Marinho, após um histórico tão grotesco de violações à lei.

Os ato de terrorismo eleitoral e jornalismo panfletário, praticados em conluio pelos mais ilustres representantes do P.I.G., acabaram não dando o resultado pretendido no fim de 2014: Aécio Neves, o “predileto” do P.I.G. (talvez por ser um corrupto tão recorrente que jamais, como presidente, iria deixar que se investigassem as corrupções múltiplas praticadas pelo P.I.G.), saiu derrotado das urnas. Em Março de 2015, a polarização intensa que “dividiu o Brasil” nas campanhas para as eleições voltou a manifestar-se nas ruas: no 13 de Março, o eleitorado de Dilma, a base sindical ainda fiel ao PT, a militância petista que não tem medo deixar a Av. Paulista lotada de flâmulas vermelhas, mostrou seu apoio à presidenta, e dois dias depois foi o eleitorado de Aécio, derrotados na eleição, quem esteve ali, como a Datafolha apontou claramente (82% dos presentes ao 15-M votaram em Aécio…).

A profusão de altas temperaturas na Escala F que manifestou-se nas ruas no 15-M talvez tenha relação direta com o golpismo que a Rede Globo praticou em 1964 e que volta-e-meia parece a fim de repetir. Mais uma razão pela qual o 1º de Abril é a data ideal para um protesto anti-PIG: eis a data em que inicia-se o regime militar, instalado após o golpe de 1964, que derrubou o governo Jango e instaurou 21 anos de tanques, trevas, torturas e trabucos. A Rede Goebbels de Telemanipulação, além de outros jornalões e revistonas, não somente celebrou aquele crime contra a democracia brasileira, como também lucrou horrores nos 21 anos seguintes, através de sua cumplicidade e conivência com o regime ilegal instaurado à força de tanques e trabucos no país. Por isso a tag, já epidêmica, #GloboGolpista, parece-me certeira e oportuna: podemos até entrar em controvérsias se, no 15M, a “micareta macabra” orquestrada pela Globo tinha de fato intenções golpistas; o que é bem menos controverso é que a Globo foi de fato, no passado, abertamente golpista, tendo sido diretamente responsável pela manutenção dos 21 anos de trevas que vivenciamos entre 1964 e 1985.

O mais curioso é o quanto os incorrigíveis barões da mídia veiculam altas doses de denuncismo contra a corrupção dos políticos, mas mantêm um silêncio sepulcral sobre a corrupção, também imensa, que existe no setor privado, incluindo nas empresas de mídia. O 15M foi uma demonstração de quão disseminada já está a ideologia, propagada por anos a fio pela mídia burguesa, de que a corrupção no país é, em última análise, culpa do PT, somente do PT e de ninguém mais. Não se trata de pintar auréolas de santidade sobre o PT, nem de fingir que episódios como o Mensalão (ou o escândalo atual: as propinas de Belo Monte) não ocorreram. Mas o fato é que o currículo de corrupção de partidos como PSDB e PMDB é comprovadamente bem pior, sendo que até mesmo a revista Exame, que é do grupo Abril, publicou  que “o PSDB tem o maior número de barrados pelo Ficha Limpa“: “Até agora, 317 candidatos a prefeito no Brasil tiveram suas candidaturas barradas pelos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). Destes, 56 são vinculados ao PSDB. O PMDB está na segunda posição, com 49 candidatos barrados. O PT aparece em oitavo, com 18 barrados.” [11]

O “coxinismo”, incluindo suas alas fascistas e golpistas, desfilou seu analfabetismo político pelas ruas do Brasil no 15-M, sob a batuta da Rede Goebbels de telemanipulação, soltando seus impropérios contra os “petralhas” e bradando pelo “impítima” como se ele fosse ser a salvação nacional (ter Michel Temer ou Eduardo Cunha na presidência seria, segundo estes mentecaptos, a maior das maravilhas?). Derrotado nas urnas, o eleitorado tucano parece urrar seu ódio à democracia, seu desrespeito à decisão da maioria do povo brasileiro, e sentem-se autorizados a dar seus xiliques de gente chique em “panelaços” que fazem de suas varandas gourmet, confundindo como fazem de praxe uma barulheira com um argumento, um insulto com uma proposição política válida. A criatividade no exercício cívico realmente não é o forte desta turma da histeria anti-petista.

Enquanto isso, temas bem mais urgentes e relevantes são deixados de lado: a falta d’água no Sudeste (e as responsabilidades políticas vinculadas à esta crise ecológica sem precedentes), o aquecimento global (e as medidas necessárias para minorar as catástrofes que estão a caminho), a reforma política (a necessidade de acabar com a orgia de dinheirama que faz com empreiteiras, lords do agronegócio e megaindústrias multinacionais “comprem” as eleições), o encarceramento em massa (o Brasil está entre os 3 maiores aprisionadores do planeta!), a guerra às Drogas (que é uma guerra aos pobres e está diretamente relacionada com nossos Carandirus e Bangus…), a medida (ainda travada) de taxação de grandes fortunas (prevista na Constituição de 1988 e até hoje sabotada pelas elites), a democratização da mídia de massa (que, vide o caso Veja e Globo, ainda age como um entulho autoritário herdado de 1964…).

Não se trata de aplaudir de modo acrítico o governo Dilma, que merece sim ser criticado por aquilo que tem feito de indefensável, desde certas nomeações ministeriais grotescas (Madame Motosserra no Meio Ambiente?) e certas tendências neo-desenvolvimentistas que levam o etnocídio e o ecocídio à Amazônia (como ilustrado pelo “caso Belo Monte” e pelas dúzias de hidrelétricas destinadas a construir o novo “Brasil Grande”). Eliane Brum sintetiza de modo brilhante as críticas legítimas que devem ser direcionadas em alto e bom som ao PT governista (e que também são vociferadas por grandes figuras da intelectualidade brasileira, como Eduardo Viveiros de Castro ou André Vallias) :

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“Mata a gente desmata. Reclama, a gente mata.” De André Vallias.

“O PT no Governo priorizou um projeto de desenvolvimento predatório, baseado em grandes obras, que deixou toda a complexidade socioambiental de fora. Escolha inadmissível num momento em que a ação do homem como causa do aquecimento global só é descartada por uma minoria de céticos do clima, na qual se inclui o atual ministro de Ciência e Tecnologia, Aldo Rebelo, mais uma das inacreditáveis escolhas de Dilma Rousseff. A síntese das contradições – e também das traições – do PT no poder não é a Petrobras, mas Belo Monte. Sobre a usina hidrelétrica já pesa a denúncia de que só a construtora Camargo Corrêa teria pagado mais de R$ 100 milhões em propinas para o PT e para o PMDB. É para Belo Monte que o país precisaria olhar com muito mais atenção. É na Amazônia, onde o PT reproduziu a visão da ditadura ao olhar para a floresta como um corpo para a exploração, que as fraturas do partido ao chegar ao poder se mostram em toda a sua inteireza. E é também lá que a falácia de que quem critica o PT é porque não gosta de pobre vira uma piada perversa.

A sorte do PT é que a Amazônia é longe para a maioria da população e menos contada pela imprensa do que deveria, ou contada a partir de uma visão de mundo urbana que não reconhece no outro nem a diferença nem o direito de ser diferente. Do contrário, as barbaridades cometidas pelo PT contra os trabalhadores pobres, os povos indígenas e as populações tradicionais, e contra uma floresta estratégica para o clima, para o presente e para o futuro, seriam reconhecidas como o escândalo que de fato são. É também disso que se lembram aqueles que não gritaram contra Dilma Rousseff, mas também não a defenderiam.” [12]

De todo modo, creio que a jovem democracia brasileira não pode permitir o avanço do golpismo, do fascismo, do ideário “intervenção militar já”. Isso deve ser combatido com força por todos nós que desejamos que nunca mais se repitam as décadas de tenebrosas violações aos direitos humanos, de cotidiano autoritarismo mandonista e terrorismo de Estado, de neoliberalismo imposto com a violência tão brilhantemente exposta por Naomi Klein em uma das obras mais importantes de nosso século, A Doutrina do Choque. Que o resultado das urnas sejam respeitados e que o governo Dilma, re-eleito no último pleito, seja sim contestado, criticado e transformado, mas por meio da ação construtiva e do discurso crítico, pela influência e participação de uma ampla gama de movimentos sociais – MTST, Passe Livre, MST, Ninja, sem falar nas causas feministas, anti-racistas e LGBT – autenticamente engajados na construção de um país mais igualitário e fraterno.

Nós somos os 99% e ainda resta uma tarefa hercúlea por fazer: enfrentar de fato o 1% no topo da pirâmide, esta plutocracia que é defendida por uma mídia conivente e corrupta, além de sustentada pelo poderio bruto dos PMs (Paus Mandados, braço armado da burguesia), que prosseguem militarizados e agindo nas periferias como se a Ditadura nunca tivesse terminado (além de brindarem com suas bombas de gás lacrimogêneo todas as manifestações cidadãs realmente incômodas ao status quo).

Desmilitarização já! Afinal, como escreve Florestan Fernandes, “a menos que se queira manipular mistificações, uma República democrática exige uma carta constitucional que coloque no povo e no poder popular o alfa e o ômega da eficácia das normas constitucionais. O que pressupõe que se repila decididamente a existência de um quarto poder, de um “Estado militar” instalado dentro do Estado legal, como seu núcleo dinâmico e centro de comando.” [13] O atual modelo, que prega o Estado Mínimo em prol do Lucro Máximo (e o Estado policial-militar-carcerário Máximo em prol do encarceramento e repressão de todos os marginalizados por este sistema altamente excludente), só nos carrega para a barbárie de um mundo cada vez mais Shock-Doctrinesco.

Para finalizar, digo só o seguinte: apesar de não ser filiado, o PSOL parece-me um partido digno de que nele depositemos nossa confiança e que a ele somemos nossas forças. Se o Brasil passa por uma grave crise de representação, em que os políticos eleitos parecem-nos como uma corja de canalhas, encastelados em seus privilégios, quase sempre adquiridos através de enriquecimentos ilícitos, resta destacar que o quadro só não é absolutamente desesperador pois podemos nos sentir felizes com figuras renovadoras e audazes, como Jean Wyllys, Marcelo Freixo, Luciana Genro, Vladimir Safatle, Ivan Valente, Carlos Giannazi, dentre outros, que talvez sejam responsáveis por uma ampliação inaudita do número daqueles, em especial entre a juventude, que acham que o Sol da Liberdade só raiará com a superação do capitalismo e a aurora do socialismo.

Não digo que devamos seguir a cartilha ortodoxa dos socialismos do passado – que deu em pavorosas experiências históricas como o stalinismo soviético ou o Khmer Rouge cambojano – mas o socialismo do futuro, este que cabe a nós construir, aprendendo com as lições do passado, mas adaptando-o ao novo contexto, que é o do Antropoceno em crise ecológica global e das mudanças climáticas cada vez mais extremas. Nesse contexto, acho que já passou da hora da palavra ECO-SOCIALISMO passar a ser termo mais corrente no horizonte das utopias dos brasileiros, caso queiramos enfrentar com dignidade a barbárie global que vai se instalando conforme o caos climático se exacerba e vai abrindo para a Humanidade uma nova Caixa de Pandora.

Eduardo Carli de Moraes
Goiânia, 15 a 25 de Março de 2015

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] FERNANDES, Millôr. O Livro Vermelho. L&PM, 2005, pg. 48.

[2] BOULOS, Guilherme. Sobre o 15 de Março. Folha de S. Paulo, 19/03/2015.

[3] SAFATLE, Vladimir. Impeachment É Pouco. Folha de S. Paulo, 17/03/2015.

[4] RIBEIRO, Renato Janine. “Deveríamos criminalizar a pregação da ditadura”, diz filósofo. Geledés, 16/03/2015.

[5] MORAES, Eduardo Carli. O Tratado Sobre a Tolerância de Voltaire. A Casa de Vidro, 29/01/2013.

[6] GENRO, Luciana. Algumas Impressões Sobre Este Dia. Revista Fórum, 15/03/2015.

[7]ANDRADE, Abrahão Costa. A Corrupção Ronda A Liberdade. Revista Discutindo Filosofia, Ano 1, N2, Ed. Escala, Pg. 34.

[8] IASI, Mauro. A adaga dos covardes ou o limite da imbecilidade direitista. Correio da Cidadania, 19/03/2015.

[9] JORNAL CORREIO DO BRASIL. Justiça eleitoral condena golpe da Veja contra democracia. Correio do Br, 25/10/2014.

[10] CARVALHO, Igor. Entre 15 mais ricos do Brasil estão quatro barões da mídia. Revista Fórum, 17/08/2013.

[11] REVISTA EXAME. O PSDB tem o maior número de barrados pelo Ficha LimpaExame, 08/09/2012.

[12] BRUM, Eliane. A mais maldita das heranças do PT. El País, 16/03/2015.

[13] FERNANDES, Florestan. O PT e os rumos do socialismo. Ed. Globo, pg. 148.

VÍDEOS RECOMENDADOS

Guilherme Boulos: “Fascismo não se discute, fascismo se combate.”

Documentário da BBC inglesa, “Além do Cidadão Kane”,
que revela muito da história tenebrosa da manipulação política exercida pela Globo no Brasil:

Vladimir Safatle, “Quando Novos Sujeitos Políticos Sobem à Cena”

Criatividade e Descrença em Nietzsche (por Martin Heidegger)


O CRIADOR É NECESSARIAMENTE UM DESCRENTE
por Martin Heidegger

 (em Nietzsche, Volume I, Ed. Forense Universitária, pg. 300-301)

Segundo Nietzsche, “toda crença é um tomar-por-verdadeiro” (A Vontade de Poder, n. 15; 1887). Porém, Nietzsche deseja ensinar-nos a “caminhar com os próprios pés” ao invés de sermos papagaios de crenças que nos foram ensinadas, impingidas, impostas. Ao invés de ser ovelhinha submissa ao pastor, crente que não questiona as “verdades sagradas”, Nietzsche nos convoca à libertação desta sina de subserviência e nos chama para que assumamos o papel de criadores. A criatividade, afinal de contas, não é o atributo de divindades que não existem, mas uma das possibilidades do humano mais dignas de serem afirmadas. Ouçamos o que diz Heidegger ao comentar o assunto:

“ ‘Eu não acredito em mais nada!” – esse é o modo correto de pensar de um homem criador.” (Nietzsche, XII, 250, n. 68) O que significa dizer: “Eu não acredito em mais nada?” Normalmente, essa asserção se mostra como o mais claro testemunho do “ceticismo absoluto” e do “niilismo”, da dúvida e do desespero em relação a todo conhecimento e ordem, e, por conseguinte, também como o sinal da fuga diante de toda decisão e de toda tomada de posição, como expressão daquela ausência de atitude para a qual nada mais vale a pena. Aqui, porém, não-acreditar significa não se ater sem mais a algo previamente dado e aí se aquietar, fechando os olhos para o próprio comodismo sob a aparência dessa suposta decisão.

 Segundo a concepção nietzschiana, o que é, afinal, o verdadeiro? O verdadeiro é o que é fixado no fluir e na mudança constante do que vem-a-ser (do que devém), aquilo a que os homens precisam e mesmo querem se agarrar firmemente. O verdadeiro é o elemento firme a partir do qual os homens traçam os limites contra a atuação de todo questionamento e de toda inquietação e perturbação ulterior. Assim, o homem traz constância para o interior de sua própria vida… uma proteção contra toda inquietação e uma garantia de sua tranquilidade.

 Em Nietzsche, a expressão “eu não acredito em mais nada” diz o contrário da dúvida e da paralisia ante a decisão e a ação. Ela significa: eu não quero colocar a “vida” em repouso em vista de uma possibilidade e de uma configuração. Eu quero muito mais permitir e garantir à vida o seu direito maximamente intrínseco ao devir, na medida em que pré-figuro e projeto para ela possibilidades novas e mais elevadas, e, assim, a conduzo criativamente para além de si mesma. Portanto, o criador é necessariamente um descrente no sentido citado da crença como um colocar em repouso. O criador é, ao mesmo tempo, um destruidor no que concerne ao que se enrijeceu e se cristalizou. No entanto, ele só desempenha tal papel porque comunica primeiramente e antes de tudo à vida uma nova possibilidade como a sua lei mais elevada. É o que nos afirma Nietzsche: ‘Todo criar é um comunicar. O cognoscente, o criador e o amante são um‘.”